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Category: Perguntas e RespostasConteúdo sindicalizado

Que é heresia?

Pe. Juan Carlos Iscara - FSSPX

Originalmente, o termo grego hairesis era um termo neutro, que significava ter ou escolher determinado conjunto de opiniões. Ao ser usado pela Teologia católica, o termo, hoje, normalmente designa a profissão de um erro contra a fé.

Quando alguém expressa uma opinião que contradiz o dogma católico, ele está afirmando uma posição herética, mas isso não significa, necessariamente, que ele cometeu o pecado de heresia ou que ele deve ser considerado um herege.

Conforme definição do Direito Canônico, a heresia é um erro voluntário e pertinaz, no fórum externo e perante Deus, contra uma verdade que deve ser crida como fé divina e católica por um indivíduo batizado que confessa a fé em Cristo.

É um erro voluntário – um julgamento errado do intelecto, extraído de uma má vontade. Embora esteja ciente de que sua opinião contradiz um dogma revelado e proposto como tal pelo magistério solene ou ordinário da Igreja, ainda assim a pessoa, voluntariamente, nega ou põe em dúvida aquela verdade de fé. Não é um erro que vem da mera ignorância (ainda que tal ignorância seja culpável), nem a simples afirmação de um erro por palavras ou ações, por medo ou outro motivo, ainda que a fé interna fosse mantida.

O erro deve ser manifestado no fórum externo, já que as leis canônicas lidam apenas com o que pode ser apurado no exterior, com palavras e ações externamente manifestadas, e não com as disposições internas de um indivíduo.

É um erro pertinaz. “Essa pertinácia” não é uma simples teimosia ao se defender seus pontos de vista, mas um termo canônico precisamente definido; ela significa que a autoridade eclesiástica competente deu ciência à pessoa de que suas opiniões contradizem o dogma católico e que, apesar dessas admoestações repetidas, a pessoa persiste em sua opinião errônea.

Finalmente, para ser uma heresia, também deve ser professada por um católico, que conhece a autoridade da Igreja de ensinar aos homens as verdades de fé. Portanto, não é heresia se for professada por um não batizado (infiel, judeu, etc) ou por alguém que foi batizado na infância, mas nunca fez um ato pessoal de fé.

No mundo de hoje, é evidente que muitos católicos têm opiniões heréticas, mas – a não ser que todos os elementos acima estejam presentes – não podemos concluir que todos eles, necessariamente, caíram no pecado da heresia.

Desobedecemos a Nosso Senhor ao chamar o sacerdote de "Padre" (Pai)?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Os protestantes, frequentemente, admoestam a nós, católicos, por desobedecer ao mandamento de Nosso Senhor ao chamar o sacerdote de “Padre” (Pai). Eles têm razão? Nós, de fato, estamos desobedecendo?

Os protestantes costumam citar as Escrituras, mas, frequentemente, retirando as palavras de seu contexto e eliminando qualquer referência a outros textos – mas são esse contexto e essas referências que iluminam o verdadeiro sentido das expressões, um sentido que já havia sido confirmado, muitos séculos antes de Lutero, pela leitura e compreensão da Igreja Católica acerca delas.

No Evangelho de São Mateus (Mt. 23:8-10), de fato, lemos que Nosso Senhor disse: “Mas vós não façais chamar rabi, porque um só é vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. A ninguém chameis pai sobre a terra, porque um só é vosso Pai, o que está nos céus. Nem façais que vos chamem mestres, porque um só é vosso Mestre, o Cristo”

Como Nosso Senhor não parece fazer nenhuma exceção, essas palavras demandariam que absolutamente ninguém poderia ser chamado de pai, professor ou mestre. Portanto, se as entendermos literalmente, seria proibido usar esses termos até para os que nos deram a vida, ou que nos ensinaram na escola… Ainda assim, Ele mesmo, na Palavra de Deus, usou esses termos para se referir a alguns homens nas Escrituras que Ele inspirou.

Ele usou o termo “pai” em referência a nossos pais biológicos quando revelou e, após, confirmou os mandamentos (Ex. 20:12, Lc 18:20). Mas também foi abundantemente usado em referência a relações que vão além da geração puramente biológica.

O profeta Eliseu usou o termo em um sentido espiritual, clamando a Elias quando este foi levado ao céu numa carruagem de fogo: “Eliseu o via e clamava: Meu pai, meu pai, carro de Israel e seu condutor” (II Reis, 2:12)

Ele é usado quando alguém se dirige a uma pessoa digna de respeito especial, como quando o homem rico clama a Abraão da sua condenação no inferno: “Gritando, disse: Pai Abraão, compadece-te de mim e manda Lázaro que molhe em água a ponta do seu dedo, para refrescar minha língua, pois sou atormentado nesta chama” (Lc. 16:24)

Ele é aplicado aos nossos anciões, mesmo quando eles nos perseguem, como Estêvão fez quando se dirigia àqueles que o condenavam: “Varões irmãos e pais, ouvi” (Atos, 7:2)

Ele é aplicado àqueles que detém o cuidado temporal sobre outros, como o patriarca José fez no Egito: “Não foi por vosso conselho que fui mandado aqui, mas por vontade de Deus, o qual me tornou como pai do faraó, senhor de toda a sua casa e príncipe em toda a terra do Egito” (Gen., 45:8)

Os Apóstolos consideravam-se pais espirituais de seus discípulos e chamavam-nos de filhos, e São Paulo se gloria dessa paternidade espiritual: “Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas admoesto-os como a meus filhos caríssimos. De fato, ainda que tenhais dez mil preceptores em Cristo, não tendes todavia muitos pais, pois fui eu que vos gerei em Jesus Cristo por meio do Evangelho” (I Coríntios, 4:14-15)

Portanto, é evidente que Nosso Senhor não nos proíbe usar o termo “pai” nesses sentidos, que a Palavra de Deus usou abundantemente na Escritura inspirada. Ele Se expressa de maneira incisiva, numa hipérbole, para condenar aqueles que buscam títulos especiais e honrarias, buscando exaltar a si mesmos como acima dos outros.

Se Maria é Imaculada, como Jesus é o seu salvador?

Cristo é o Salvador do mundo e o Salvador de todos os homens. Ainda assim, se a Igreja Católica ensina que Maria é imaculada, portanto sem mancha, como, então, Cristo pode ser o salvador de Maria?

Muitos compreendem equivocadamente a doutrina católica da Imaculada Conceição de Maria. Essa doutrina sustenta, apenas, que Maria, devido a sua eleição como Mãe de Deus por uma graça especial do Altíssimo, foi tornada livre do pecado original. Isso é uma crença antiquíssima da Igreja Romana que foi solenemente declarada artigo de fé pelo Papa Pio IX em 1854 e proclamada nos seguintes termos:

“Declaramos […] que a doutrina que sustenta que a bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro momento de sua conceição, por uma graça e um privilégio especiais de Deus Todo-Poderoso e tendo em vista os méritos de Jesus Cristo, o Salvador da raça humana, foi mantida livre da mancha do pecado original, [a doutrina do pecado original] foi revelada por Deus”

A solução da acusação levanta, a saber, que, de acordo com a doutrina católica, Maria não precisaria de Cristo como seu Salvador está evidente nas palavras em itálico da citação acima da declaração solene de Pio IX de que Maria, de fato, foi salva por Deus. Nesse sentido específico, Maria foi salva do pecado original por Deus. Como descendente de Adão, Maria deveria ter sido manchada pelo pecado original assim como todas as outras pessoas que já viveram.

E Deus fez todas essas coisas tendo em vista os méritos de Cristo. Assim como os justos da Antiga Aliança também foram salvos retroativamente pelos méritos de Cristo, assim também Maria, de fato, foi salva por Cristo, mas, novamente, de uma maneira mais sublime do que a da nossa salvação. A salvação dela consistiu não em remover o pecado original que já estava lá, mas em prevenir toda a contaminação pelo pecado. E é por isso que Maria, acertadamente, chamou Deus de seu “Salvador” no Magnificat.

A razão pela qual ela foi salva de maneira tão especial foi que ela foi escolhida para ser a mãe de Cristo. Apesar disso, a maneira sobrenatural do nascimento de Cristo, a saber, de uma mãe virgem, não tem nada a ver com a Imaculada Conceição de Maria. Esse é outro privilégio completamente diferente de Maria.

O sacrifício de Cristo no Calvário e a Missa

O sacrifício de Cristo no Calvário trouxe a salvação para todos os povos de todos os tempos, e, ainda assim, a Igreja Católica Romana ensina que Cristo é oferecido na Missa diariamente. Isso não nega o sacrifício da Cruz e a Epístola de São Paulo aos Hebreus?

Poderíamos pensar que o sacrifício da Santa Missa seria uma negação do sacrifício da Cruz se a Missa fosse um sacrifício diferente do sacrifício da Cruz. Mas não é o caso de acordo com a doutrina católica. A Igreja, claramente, ensina que o sacrifício da Santa Missa é o mesmo sacrifício da Cruz e difere apenas na maneira de oferecimento. O mesmo Cristo, que Se sacrificou cruentamente pelo povo no Calvário, sacrifica a Si mesmo na Missa.

O sacrifício da Missa também poderia ser considerado uma negação do sacrifício da Cruz se ele tivesse a mesma intenção. Também não é o caso, Afinal de contas, na Cruz, Cristo trouxe a salvação e todas as graças para os homens. Na Santa Missa, os méritos do sacrifício da Cruz já foram adquiridos e estão sendo tão somente aplicados e distribuídos ao povo. São duas coisas diferentes. E é belíssimo que a Santa Missa seja a comemoração mística do sacrifício da Cruz. Portanto, a lembrança dele é, assim, mantida viva entre os homens e, portanto, as graças conquistadas através do sacrifício do Cruz são dadas aos homens através dela.

E, portanto, o sacrifício da Missa não é uma negação do sacrifício da Cruz. Os textos de São Paulo, com os quais os protestantes querem provar que não há nenhum outro sacrifício além do sacrifício da Cruz, estão no 9º Capítulo da Epístola aos Hebreus, versículo 12 especificamente: “Mas Cristo […] com seu o seu próprio sangue, entrou uma só vez no Santo dos Santos, depois de ter adqurido uma redenção eterna”; versículo 25: “E não entrou para se oferecer muitas vezes a si mesmo”; e versículo 29:  “Assim também Cirsto se ofereceu uma só vez”. Aqui, o Apóstolo contrasta os sacrifícios repetidos dos hebreus da Antiga Aliança com o sacrifício único de Cristo, que trouxe a salvação de uma vez por todas. Esses textos não se referem, de maneira alguma, ao sacrifício da Missa. E, é claro, os católicos aderem integralmente ao ensinamento de São Paulo, pois nós não defendemos que o sacrifício diário da Missa traz uma nova redenção. Ademais, os numerosos sacrifícios dos judeus não podem ser comparados com a Missa, pois aqueles sacrifícios eram apenas figuras do sacrifício da Cruz. A Santa Missa, porém, foi instituída por Deus para compartilhar conosco os frutos do sacrifício da Cruz.

É permitido tolerar um mal?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Em si mesmo (per se), diante do mal e do erro, a única atitude prática permitida é guerra, repressão e ódio. Em circunstâncias normais, é a única maneira de impedir o que é mal e fazer o que é bom.

Mas, excepcionalmente (per accidens), pode haver casos em que a repressão de um mal causa o risco de gerar males ainda maiores do que aquele que estamos tentando impedir, ou casos em que, através da tolerância paciente e temporária do mal, grandes bens podem ser atingidos.

Como Santo Tomás explica, “O governo dos homens deriva do governo de Deus e deve imitá-lo. Deus – onipotente e infinitamente bom – permite o mal que acontece no universo: embora pudesse eliminá-lo, Ele o suporta, seja para atingir um grande bem, seja para evitar grandes males. De maneira semelhante, [nós] podemos, licitamente, tolerar certos males, para evitar males maiores ou atingir um grande bem (II-II, .q. 10, a.1, ad corpus).

Em circunstâncias excepcionais, portanto, uma mudança de atitude excepcional é compreensível – ao invés de repressão imediata, a tolerância.

Tolerância é a permissão negativa de um mal.

Seu objeto é um mal que, por razão séria, não pode ser evitado aqui e agora. Constitui uma permissão simples: permite que o mal subsista. A permissão é simplesmente negativa: ela é dada porque não se pode proceder de outra maneira.

A tolerância não é suportar passivamente apenas, mas um ato positivo da vontade através de que alguém se abstém, neste caso concreto delimitado, de reprimir o que deveria ser reprimido. Ela não significa aprovação ou garantia de liberdade para agir, pois a liberdade só é possível para o que é bom. Na verdade, ela significa, enfaticamente, a reprovação daquilo que é tolerado. A tolerância é um bem – mas o mal tolerado permanece sendo um mal.

Podemos escolher, querer e amar a tolerância, porque – em circunstâncias concretas – ela é um bem. Mas, mesmo em circunstâncias excepcionais, não podemos escolher, querer e amar o mal tolerado, pois ele é sempre um mal. Se estivermos impedidos de combater o mal, ainda assim devemos odiá-lo e evitar qualquer tipo de compactuação com ele.

Diretos naturais e "direitos humanos"

“Direito” (ius) é definido por São Tomás em termos estritamente objetivos como uma ipsa res iusta, uma coisa justa, algo que é devido. Essa “coisa justa” sempre é um bem honesto. Portanto, é uma contradição referir-se a atos pecaminosos como “direitos”.

Para melhor explicar a noção do que é devido, a doutrina católica distingue entre direitos inatos e direitos adquiridos.

Direitos inatos são estritamente naturais, absolutos, fundados na natureza do homem. Eles advêm do fim necessário do homem, a que ele está destinado por sua natureza. Essa necessidade natural lhe dá o direito de fazer, sem ferir o próximo, o que é necessário para atingir seu fim. Esses direitos são inerentes à natureza humana; eles não podem ser alienados ou extintos no que diz respeito a sua substância, embora um indivíduo possa abster-se de seu exercício quando ele não estiver obrigado a exercê-lo, e até mesmo renunciar a eles formalmente para buscar uma perfeição maior.

Direitos adquiridos são fundados em um fato livre, contingente – isto é, algo que poderia ou não ter acontecido, dependendo da ação livre de alguém. Por exemplo, eu posso escolher comprar um livro ou não, mas, uma vez que tenha decidido comprar um livro e cheguei a um acordo com o vendedor, o livro é meu, e o pagamento é do vendedor. Esses direitos podem ser perdidos ou transferidos a outro.

Em consequência, podemos dizer que os verdadeiros direitos naturais do homem são inerentes à sua própria natureza. Em relação a Deus, o homem não tem direitos; mas, em relação a outros homens, ele tem o direito de usar bens que sejam conformes a sua natureza – isto é, os bens que lhe sejam devidos.

Eles também são anteriores ao Estado, que não pode violá-los. Primordiais e inalienáveis, esses direitos existem antes de qualquer autoridade temporal; eles não são dados por ela. O Estado deve reconhecê-los e protegê-los e jamais sacrificá-los para o bem comum.

E, finalmente, eles são fundados em Deus. Assim como a natureza humana é dada por Deus, os direitos da natureza fundam-se n´Ele. Verdadeiros direitos advêm dos deveres de homem perante Deus – nós temos direitos concernentes a nossa vida, família, patrimônio, culto, porque, nessas coisas, temos deveres perante Deus.

Consequentemente, levando em conta que o homem é composto de alma espiritual (intelecto, vontade livre) e de corpo material (sentidos, movimento), há dois principais direitos naturais, totalmente imprescritíveis – o direito de saber a verdade e o direito de buscar os bens necessários para atingir a felicidade e nosso fim último (i.e., Deus e tudo que ajuda a chegar a Ele). Deus não retira esses direitos do homem durante essa vida; consequentemente, nenhum homem pode retirá-los de outro homem.

Há outros dois direitos naturais que não são imprescritíveis – i.e., eles podem ser perdidos como punição legítima por um crime: o direito de exercer nossa liberdade no que não for contrário a nossos deveres perante Deus e perante o próximo e o direito de preservar nossa pessoa e nossos bens.

Infelizmente, o mundo moderno proclama e protege como “direitos humanos” coisas que não têm esse status. Alguns são falsos porque sua fundação é má, em razão de se fundarem apenas na vontade do homem, não na natureza (isto é, em Deus, o criador da natureza). Outros são falsos porque seu objeto é injusto, pois são contrários à lei divina e natural – por exemplo, o “direito” ao aborto. Finalmente, alguns são falsos porque sua extensão é abusiva, como quando alguns direitos adquiridos são reivindicados como naturais (inatos)

É pecado mortal votar em um candidato pró-aborto?

O ato de votar pode ser um ato virtuoso mesmo nas nossas democracias liberais, nas quais muito do sistema se opõe não apenas à nossa Santa Religião, mas até mesmo ao Direito natural em si. Porém, para um voto ser um ato virtuoso, ele deve ser direcionado ao seu fim, a saber, o bem comum. Consequentemente, é um pecado mortal votar em um candidato indigno, pois a escolha de um candidato cuja vida ou política é imoral é uma cooperação ilícita ao advento de um mal grave à sociedade. Não há a menor dúvida de que o aborto, o assassinato de inocentes, é um dos maiores males que afligem a sociedade moderna, e que esse pecado está clamando aos Céus por vingança. Consequentemente, não pode haver nenhuma justificativa para votar em algum candidato que seja pró-aborto ou tolerante ao aborto de algum modo.

Surge a questão, porém, de se poderia haver razão suficiente para votar em um candidato que tolera alguns abortos, por exemplo, para evitar um grave mal maior, como no caso de tentar derrotar um candidato que seja a favor de casamentos homossexuais ou que ativamente promova o aborto ou algum mal maior, como guerras injustas.

Os teólogos respondem que o ato de votar é uma cooperação material no mal que esse candidato pode causar e não necessariamente uma cooperação formal (cf. Prummer, III, §604). Isso significa que a pessoa que vota não necessariamente é diretamente responsável pelo que um mau candidato faz uma vez eleito, ainda que se tenha previsto que ele faria algumas más obras. Nesses casos de cooperação material, a Igreja permite a aplicação do princípio do voluntário indireto. É permitido, pois o ato de votar em si não é mal, e o fim é bom, a saber, evitar um mal maior. Porém, deve haver uma razão grave apta a justificar essa cooperação material, e todo tipo de escândalo precisa ser evitado. Esse poderia ser o caso, por exemplo, de uma pessoa que vota em um protestante cuja plataforma esteja, de modo geral, de acordo com o Direito natural, mas que pode ter alguns princípios equivocados acerca do divórcio ou do financiamento das escolas católicas ou sobre alguma outra questão. Nesse caso, seria permitido escolher o mal menor e votar em um candidato que não é inteiramente bom sob a condição de que haja uma razão muito grave, a saber, evitar um mal maior.

A questão aqui é se poderia haver uma razão grave suficiente a ponto de justificar que alguém vote em um candidato pró-aborto. É possível que haja um mal maior capaz de justificar essa participação no mal do aborto, ainda que seja apenas uma participação materia. -- Eu não consigo conceber como isso seria possível, pois o aborto é um crime horrível e perverso. É possível conceber um mal maior que permitiria alguém votar em um candidato que aceitaria (involuntariamente) abortos sob certas condições excepcionais como estupro, pois isso é frequentemente feito para evitar a eleição de um candidato que é positivamente pró-aborto. Isso é uma ocorrência frequente e certamente é permitido. Porém é inconcebível que um católico vote em um político que é positivamente pró-aborto simplesmente porque ele gosta das suas políticas fiscais ou sociais. Nesse caso não haveria justa proporção, e certamente tal ato seria um pecado grave, ainda que sua intenção fosse, apenas, a de uma cooperação material.

Se, em geral, ser um eleitor de um único tema é ser mente fechada demais, isso, certamente, não se aplica à questão do aborto. O bem comum absoluta e necessariamente requer a abolição dos abortos da vida pública, e isso é de tal maneira importante para o bem da sociedade que nenhuma pessoa poderia ser considerada imprudente por votar apenas baseada nesse tópico apenas.

 

- Pe. Scott, Fevereiro/Março de 2004.

Pode-se dizer que recebemos graças ao assistir à Missa na TV?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Pergunta: “Em razão do lugar onde vivo, não tenho condições de ir à Missa aos domingos, mas sempre escuto a uma transmissão ao vivo da Missa de Nossa Senhora de Fátima em Pittsburgh e tenho algumas perguntas: Pode-se dizer que recebo algumas graças ao assistir à Missa na TV? Se não tiver como ir à Missa, isso basta para cumprir meu preceito dominical?”

 

Resposta: Por si só, assistir e piedosamente associar-se ao Santo Sacrifício da Missa, mesmo quando feito apenas através da televisão ou do rádio, pode ser meritório, mas não da mesma maneira que seria ir à Missa pessoalmente. Cristo instituiu os sacramentos como sinais exteriores da graça, que operam o efeito que eles simbolizam. Em razão desse componente necessariamente exterior dos sacramentos, a Igreja sempre enfatizou que, para participarmos diretamente deles, devemos estar física e moralmente presentes. Portanto, ainda que possamos receber graças por nossos atos piedosos, nós não estamos diretamente recebendo graças como se estivéssemos presentes na Missa. Dito de outra maneira, quando assistimos ou ouvimos à Missa na TV ou no rádio, nós não estamos, realmente, indo à Missa ou participando diretamente dos seus méritos. Qualquer graça que recebamos por esse ato seria comparável à oração de alguém que recita seu Missal em casa.

Quanto à questão da obrigação, é bastante simples. Se você puder ir à Missa, e a distância não for seriamente inconveniente, então você deve ir ao Santo Sacrifício da Missa todo domingo e em dia santo de preceito. Se, porém, você não tiver como ir, ouvir a Missa no rádio não basta para cumprir seu preceito, pela simples razão de que a Igreja não o obriga nesses casos. A obrigação imposta pela Igreja existe para a nossa salvação, e a Igreja não obriga em casos que são impossíveis ou gravemente inconvenientes (como seria o caso em que se deveria fazer uma viagem muito longa para estar presente, ou em caso de doença na família).

É moralmente obrigatório votar?

Pe. Peter Scott, FSSPX

 

É verdade que os modernistas consideram a democracia e o direito ao voto como sacrossantos, uma consequência imediata da dignidade humana, diretamente conectada com a religião humanista deles.

Ao reagirmos a isso, sabendo como sabemos o quão injusto é o sistema eleitoral, percebendo como muito da democracia moderna é baseado no falso princípio da liberdade humana, alheio a toda lei moral e divina objetiva, estando cientes de quão pouca diferença real há entre os candidatos e de quão falsa é a impressão de que o voto de um único homem realmente vai fazer diferença para um sistema tão secular e ímpio, facilmente concluímos que não há obrigação de votar.

O ensinamento da Igreja nesse tópico não é nada de novo. Sem aprovar o sistema moderno da democracia e seu falso princípio de soberania do povo, a Igreja, de qualquer maneira, obriga-nos a contribuir com o bem comum da sociedade por obrigação de justiça. Esse princípio se expressa bem nas palavras do Papa Pio XII no seu discurso à Ação Católica Italiana de 20 de abril de 1946: o povo é chamado a tomar parte cada vez maior na vida pública da nação. Essa participação traz com ela graves responsabilidades. Daí a necessidade de que os fiéis tenham conhecimento claro, sólido e preciso de seus deveres nos domínios moral e religioso no que diz respeito ao exercício de seus direitos civis e, em particular, o direito ao voto.

Na verdade, o Papa havia explicado claramente que é precisamente tendo em vista o espírito secular e anticatólico ao redor dos católicos que eles têm o dever de defender a Igreja através do exercício correto do direito ao voto. É visando prevenir um mal maior. Ele havia afirmado, no dia 16 de março de 1946, aos párocos de Roma: o exercício do direito ao voto é um ato de responsabilidade moral grave, ao menos no que diz respeito a eleger aqueles que darão ao país sua Constituição e suas leis e, em particular, aquelas que afetam a santificação dos dias de preceito, o casamento, a família, as escolas e a regulação justa e equânime de muitas questões sociais. É dever da Igreja explicar aos fiéis os deveres morais que decorrem desse direito eleitoral.

O Papa Pio XII foi ainda mais explícito dois anos depois, novamente ao se direcionar aos párocos de Roma. Ele explicou que, nas exatas circunstâncias daquele tempo, todos os fiéis estavam obrigados, sob pena de pecado mortal, a votar, inclusive as mulheres. Apesar de ser verdade que, no conceito tradicional de democracia, apenas os chefes de família votam, é perfeitamente lícito às mulheres votar quando esse direito lhes é dado, e, na verdade, torna-se obrigatório fazê-lo quando o bem comum depende de todos os católicos usarem seu voto corretamente.

Aqui está o texto do dia 10 de março de 1948:

“Nas circunstâncias presentes, é obrigação de todos que têm direito de votar, homens e mulheres, tomar parte nas eleições. Quem se abstiver de fazê-lo, particularmente por indolência ou fraqueza, comete um pecado mortal por isso, uma falta mortal. Cada um deve seguir os ditames de sua consciência. Porém, é óbvio que a voz da consciência impõe a cada católico que dê seu voto aos candidatos que verdadeiramente oferecem garantias suficientes à proteção dos direitos de Deus e das almas, ao verdadeiro bem dos indivíduos, das famílias e da sociedade de acordo com o amor de Deus e o ensinamento moral católico.”

Essa aplicação do ensinamento da Igreja àquela situação particular daqueles tempos está de acordo com o ensinamento dos teólogos morais, que falam do grave pecado de se abster de eleger representantes bons, católicos, e do dever de fazer tudo ao nosso alcance para encorajar os leigos capazes a trabalhar no sentido de usar o sistema eleitoral para obter legisladores dignos.

Porém, quão distantes estamos dessa situação! Claramente, nós não estamos mais na circunstância de escolher entre representantes católicos ou não católicos, representantes moralmente retos ou liberais. Todas as alternativas são liberais, e a enganação e manipulação do público pela mídia não tem limites. Na prática, geralmente tudo se resume à questão de se é permitido ou não votar em um candidato indigno (p. ex., um candidato que só é favorável ao aborto em casos de estupro ou incesto) em razão de que ele, ao menos (supomos), seria o mal menor. Nesse caso, não há obrigação de votar, pois todas as razões que obrigariam, mencionadas pelo Papa Pio XII, não se aplicam. Ainda assim, ainda é permitido votar nesse caso, desde que se possa ter certeza de que, realmente, há um mal menor e desde que haja razão grave para agir assim (p. ex., para evitar a proliferação de abortos ou a promoção de métodos antinaturais de controle de natalidade) e desde que se tenha a boa intenção de contribuir com o bem comum da sociedade o melhor possível. Isso se chama cooperação material; ela, porém, não é obrigatória.

Consequentemente, no raro caso de que haja um candidato pública e claramente católico que apoia o ensinamento da Igreja, há a obrigação moral de votar sob pena de pecado mortal. Onde houver, claramente, um possível ganho do uso correto do voto em outro tipo de candidato, pode ser recomendado ou aconselhado. Porém, se não houver nenhuma vantagem clara, seria melhor abster-se até mesmo de uma cooperação material.

 

- Pe. Scott, Fevereiro de 2007.
 

É pecado omitir as orações antes e depois das refeições quando estou entre não católicos?

Pe. Peter Scott - FSSPX

 

Quem faz essa pergunta, talvez, tenha em mente a reação do pequeno João Maria Vianney, o futuro Cura d’Ars, que, quando à mesa com um mendigo que omitiu essa ação, deixou a mesa e passou a noite em jejum. Quando perguntado sobre essa reação por seus pais, ele simplesmente disse que não conseguiria comer diante de alguém comportando-se como um animal! Essa história nos lembra que fazer orações antes e após as refeições é um piedoso costume entre os católicos. Nosso Senhor, frequentemente, abençoava o pão e o repartia de uma maneira tão especial e religiosa que esse ato entregou Sua identidade aos discípulos de Emaús.

Porém, o que pensar de quem omite essas orações em público e entre não católicos? Por uma questão de princípio, devemos começar dizendo que não há nenhum preceito formal sobre orações nas refeições em qualquer dos ensinamentos de Cristo ou da Igreja. E, se não há nenhuma obrigação de rezá-las, então não há pecado em omiti-las. Além disso, essa omissão não necessariamente significa que a fé de alguém está esmorecendo ou que essa pessoa está sendo negligente com suas orações.

Estaríamos, aqui, lidando com um caso de dissimulação da fé? Poderia haver ocasiões em que o mero fato de fazer um sinal da cruz em público poderia causar uma intriga entre trabalhadores e levar a zombarias contra nossa religião. Esse fato, por si só, é uma razão suficiente para omitir essas orações em público, e bastaria rezá-las mentalmente.

Porém, em geral, a questão de rezar ou omitir as orações das refeições quando na presença de não católicos é mais uma questão de coragem vs respeito humano. Com mais frequência que o contrário, principalmente em um restaurante, onde as pessoas têm mais o que fazer além de denegrir a religião dos outros clientes, o fato de rezar as orações das refeições em família vai gerar respeito entre os outros clientes e entre os garçons. E isso pode levar até ao início de uma conversa sobre a fé com algum dos presentes.

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