Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX
O termo “liturgia” vem do grego leitourgia (λειτος, relativo ao povo, e εργον, obra), indicando um serviço realizado pelo bem comum. Na Grécia Antiga, a palavra designava qualquer serviço prestado à comunidade a custo pessoal, ou, ao menos, sem remuneração. Quando as Escrituras hebraicas foram traduzidas para o grego na Antiguidade, o termo foi usado para designar, também, o culto de Deus (cf. Ex 29, 30, 2Cr 13,10) e, com esse significado, ele adentrou o uso cristão.
Na encíclica Mediator Dei, Pio XII nos deu a definição real: “A Sagrada Liturgia é o culto público que Nosso Redentor, como Cabeça da Igreja, presta ao Pai, bem como o culto que a comunidade dos fiéis presta a seu Fundador e, através d´Ele, ao Pai Celestial”. Essa é uma definição precisa e exaustiva.
Culto é o reconhecimento da excelência suprema de Deus e a expressão da submissão do homem ao Seu domínio absoluto. Enquanto tal, é um ato da virtude da religião, que inclina o homem a dar a Deus a honra e a adoração devidas a Ele enquanto Criador e Governante supremo, bem como fim último de todas as coisas.
Público não se refere ao número de fiéis que vão aos serviços divinos ou à qualidade exterior desses atos, mas ao fato de que o que é dito ou feito representa e afeta todo o corpo dos fiéis, mesmo quando nenhum deles está fisicamente presente.
Nem todos os atos de culto são litúrgicos no sentido estrito, mas apenas aqueles realizados em nome de Cristo e da Igreja. Eles constituem a piedade da Igreja, compreendida nos livros litúrgicos eclesiásticos.
Ações litúrgicas são distintas das devoções não litúrgicas, desenvolvidas em razão das necessidades espirituais dos fiéis e com a permissão da Igreja. A Igreja nunca se opôs a essas devoções, chegando até a apropriar-se delas ao dar-lhes aprovação (p.ex., o terço, as estações da Cruz, etc), mas elas não podem prevalecer contra a Liturgia ou tomar o lugar dela. De qualquer modo, não há nenhuma oposição entre piedade litúrgica e piedade pessoal: práticas devocionais que não estejam diretamente ligadas à Liturgia são altamente louváveis e absolutamente indispensáveis.
Cristo é o principal ministro do culto do Novo Testamento, o Eterno Sumo Sacerdote da nova aliança. Através da Liturgia e como principal ministro, Cristo não apenas rende a honra devida a Deus, mas, ao mesmo tempo e precisamente porque Ele é o Cabeça da Igreja, Ele dá e sustenta a vida sobrenatural nos membros do seu Corpo Místico. Portanto, Cristo está presente em todas as ações litúrgicas, e a obra de redenção é continuada na Liturgia.
Os ritos sagrados têm um fim duplo: dar a honra devida a Deus e a santificação dos homens. A razão última por que a Liturgia santifica os homens é que, através dela, os fiéis entram em contato com o mistério da salvação, que é o mistério de Cristo. O ato pelo qual Ele redimiu o mundo – Sua paixão, morte, ressurreição e ascensão – é tornado presente e operativo nos ritos sagrados da Liturgia, que não é nada além do sacerdócio de Cristo em ação.
A comunidade dos fiéis dá culto público a Deus. O fundamento teológico dessa asserção é o dogma do Corpo Místico de Cristo. O Cabeça desse Corpo é o Sumo Sacerdote e Vítima, Que dá ao Pai Eterno adoração, graças, expiação e impetração e, ao mesmo tempo, santifica e consagra os membros do Corpo e do universo inteiro. A glória de Cristo, agora consumada à mão direita do Pai, reflete-se nos membros individuais.
Com todos os membros sendo governados pela mesma Cabeça, os fiéis não estão sozinhos em sua peregrinação rumo ao reino do céu, mas constituem parte do Corpo, associados naquela sociedade sobrenatural que inclui os vivos e os mortos e cuja cabeça é Cristo.
Apenas a Igreja Católica pode render culto legítimo ao Pai Eterno. Para estar apta a tal, ela recebeu do Filho Encarnado a Missa, a representação do Sacrifício da Cruz, e os Sacramentos, as sete fontes de salvação, que a Igreja, com zelo maternal, adornou com o Ofício Divino e outras devoções.
(The Angelus, Maio 2021)