Category: Gustavo Corção
O texto deste "Curso de Religião", que aqui apresentamos com exclusividade, Corção deixou inacabado, embora o tenha continuado verbalmente em suas aulas em nossa sede. O leitor que quiser prosseguir com os estudos, contudo, não se verá prejudicado se, com o auxílio de bons livros, prosseguir do ponto em que este texto termina.
1. Vamos hoje nos deter na palavra visível de nossa primeira e aproximada definição da Igreja, isto é, vamos explorar mais em profundidade o conteúdo daquele termo, como se nele aplicássemos uma lente que não só amplia como também revela a riqueza de detalhes, de conseqüências e de aplicações que nos havia escapado em nossa primeira aproximação.
HISTORIANDO UMA HISTÓRIA
— A DESFIGURAÇÃO DO NATAL —
A OPINIÃO pública acompanhou com grande interesse as peripécias do caso surgido entre o escritor Gustavo Corção, a revista "Manchete" e o matutino carioca "Jornal do Brasil”. Naturalmente variaram os juízos, motivados ora pela desinformação, ora pelos preconceitos, ora pela inciência.
Recebi, de uns amigos em São Paulo, um número do "Boletim da Santa Casa" em que estava assinalado, para minha atenção, um longo artigo do sr. Paulo de Almeida Toledo, intitulado "Crítica da Civilização Científica". Li-o rapidamente, para ter uma primeira impressão do tom e das posições do autor. Julguei ter lido mal, porque não logrei atinar com o que procurava. Li novamente, agora devagar, com máxima atenção e tomando notas. E cheguei ao termo dessa segunda leitura com a mesma perplexidade.
PRIMEIRA PARTE: OS PARADOXOS DA SANTIDADE
I — O AMOR E O ODIO.
No dia da festa de Santa Catarina de Sena, ouvimos no intróito da missa estas palavras que convêm à nossa santa de modo admirável: Dilexisti justitiam et odisti iniquitatem.
O presente texto é parte de uma longa polêmica contra o filósofo Euryalo Cannabrava, que então publicara alguns artigos atacando a filosofia tomista. A tese a que alude Gustavo Corção é a que levaria o sr. Euryalo à cátedra de filosofia do Pedro II.
Há alguns meses Otto Maria Carpeaux publicou no livro "Origens e Fins" um ensaio intitulado "Mauriac?". O presente estudo pretende responder àquela interrogativa, procurando, ao mesmo tempo, organizar e arrumar o que o ensaísta deixou em erro e desordem ao longo de 13 páginas. Devo notar que nesse meio tempo esse autor tem sido atacado de um modo quase sempre injusto e mesquinho. De todos os desvãos literários surgiram libelos, ironias, sarcasmos e injúrias contra o mesmo Carpeaux que poucos meses atrás desfrutava confortavelmente as inalações dos incensos em que nossa crítica é por vezes desperdiçada. Agora tornou-se alvo dos pequeninos dardos de papel com que alguns publicistas cruzam nossos ares intelectuais.
O Cientificismo
Com o objetivo de apontar, na bacia hidrográfica a que nos referimos atrás, os principais afluentes que convergem todos na caudalosa Revolução que faz de nosso século um estuário de contestações e recusas, comecemos por este “ismo” que, no livro anteriormente citado (Dois Amores, Duas Cidades, Agir, 1967), foi apontado como uma das primeiras conseqüências da poluição nominalista. Cremos que vale a pena transcrever algumas linhas dessa obra:
“Parece-nos indispensável marcar bem a intolerância em relação à Evolução dos evolucionistas, que tira o mais do menos, que faz passar a potência ao ato sem nada que esteja em ato, o que consiste precisamente em ser um processo autocriador que torna sub-repticiamente aceitável a criação “ex-nihilo” sem um Deus Todo Poderoso, desde que essa criação se torne infinitesimal e suficientemente lenta para que as inteligências tardas não percebam o mecanismo do absurdo, e fiquem, de tantos em tantos metros, ou de tantos em tantos séculos, diante de uma situação de fato.
É preciso denunciar a absoluta inaceitabilidade do evolucionismo dos racionalistas e dos empiristas”.
Gustavo Corção
O drama religioso de nosso tempo consistindo essencialmente numa infiltração vinda das correntes de anarquismo revolucionário, apresenta diversos aspectos de desordem entre os quais destacaria dois de incalculáveis conseqüências: 1°) negação do princípio de autoridade por aqueles que deveriam exercê-la para a proteção dos fiéis e salvação das almas: essa negação é feita em nome de uma falsa bondade como se viu no caso da Espanha, e em tantos outros; 2°) negação de obediência à santa doutrina e à tradição: essa recusa é praticada em nome de uma evolução e de reformas que pretendem transformar a Igreja Católica em “outra”. Nesta atmosfera poluída de erros, as mais extravagantes idéias surgem ou ressurgem nas mais variadas circunstâncias. Assim é que a contestação do preceito é feita em torno da missa dominical por um bispo, ou é retomada como “contrária” ao “puro amor de Deus” ou em nome da dignidade do homem.