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Category: Gustavo CorçãoConteúdo sindicalizado

Pregação subliminal

A lingüística nos ensina que há uma grande diferença entre a língua escrita e adstrita ao texto, isto é, às palavras, e a língua falada que, além de conter nuclearmente o mesmo texto, contém por acréscimo, em torno dele, todo um rico envoltório de sinais comunicativos de várias naturezas: o gesto, a entonação, o ritmo, a modulação da voz, a expressão do rosto, das mãos e do corpo inteiro que é mais rica do que o simples gesto. Todos esses sinais formam o que o lingüista chama contexto. Seria melhor chamar ao conjunto “língua integral”, e a essa parte não traduzida em termos, “língua subliminal”.

Tudo é cinza

Dizem os físicos que o Universo agoniza de um mal chamado entropia crescente e morrerá de uniformidade. O mundo da vida e sobretudo o do espírito representam um jato, um movimento ascensional e criador, um ímpeto que bem merece o nome que lhe deu um filósofo: élan vital; mas o que agora se vê, nesse mesmo mundo do espírito, nos leva a crer que há uma corrente, uma torrente que contraria o ímpeto vital, que puxa para baixo, que entra no processo geral de desmoronamento de formas e contrastes, e que tende a transformar o colorido e vistoso mundo do homem numa planície cinzenta e uniforme.

Dois e dois são quatro

No primeiro sábado do mês, para cumprir minha devoção por Nossa Senhora de Fátima, procurei um confessor numa igreja que deixara de freqüentar, há alguns anos, por motivos que dispensam fastidiosas explicações. Diziam os persistentes freqüentadores que tudo por lá melhorara, com a saída de 3 ou 4 jovens loucos. Quem sabe? Lembrei-me do velho Pe. X, homem simples e bom, cabeça branca, manso e ingênuo. Um dia, nos tenebrosos tempos em que o ISPAC energicamente se empenhava em perverter padres moços e freiras simplórias, subia eu a Rua Cosme Velho quando avistei o Pe. X, que vinha ao meu encontro feliz e aureolado de novas idéias. Saía do ISPAC e logo que me viu apressou o passo e generosamente veio ensinar-me o que acabara de aprender:

 

O padre e a menina

Na semana em que estavam reunidos bispos e frades, e até no mesmo dia em que foi publicado um “documento base” a ser debatido na II Conferência geral do episcopado da América Latina em Bogotá, saiu publicado num canto de jornal, sem nenhum destaque, um pequeno tópico de faits-divers a que quase ninguém deu atenção, embora também envolvesse um padre, que, como ninguém ignora, é hoje o mais jornalístico dos personagens, como já o previra o Apóstolo Paulo: “somos dados em espetáculo ao mundo”.

 

Padre Antonio

Numa cidadezinha perdida e esquecida, lá nos confins deste tão imenso Brasil, existe uma igreja quase sem existir. Em torno, mil ou duas mil almas mais ou menos desalmadas; dentro, um velho vigário a fazer contas intermináveis, e um padre coadjutor, na sacristia, a olhar o morro, a linha férrea lá longe, o rio, talvez o céu.

 

O esvaziamento católico

Estamos cansados de clamar contra a enxurrada de impurezas que se instalou intra muros Ecclesiae pelas portas que a própria hierarquia católica abriu, “num gesto largo e moscovita” como diria Fernando Pessoa, com especial propriedade. Queixamo-nos da infiltração marxista, e dela podemos dizer o que disse Santo Agostinho dos que duvidavam da imprescindível função da Igreja na salvação das almas: “Quis negat?” E ninguém, que eu saiba, ousou erguer a voz contra a severa interrogação do Bispo de Hipona. Ou, se alguém falou, seu insignificante balido não atravessou quinze séculos. Queixamo-nos da invasão do secularismo, da penetração do protestantismo, que foi convidado a colaborar na mutilação da Santa Liturgia. Com cócegas nos ouvidos e inebriados de aberturas, os homens da Igreja escancaravam as portas e tudo teve licença e convite para entrar. Tudo.

 

A criação

Dois autores espirituais de índoles tão diversas, como Santo Tomás de Aquino e São Francisco de Sales, tiveram ambos a idéia de colocar a mesma consideração no pórtico de duas grandes obras: a Introdução à Vida Devota e a Summa Contra Gentes, IIª Parte. Ambos os autores, um em termos mais universais e grandiosos, e o outro em termos mais particulares e adaptáveis a cada alma, propõem a consideração do Universo, da Criação, como útil ao progresso da Fé. O Doutor Angélico, invocando as palavras do salmista: “medidatus sum in omnibus operibus suis”, abre o seu segundo capítulo com estas palavras: “A meditação das obras divinas é necessária ao homem para a edificação de sua Fé em Deus.” E logo adiante acrescenta que o primeiro proveito é o de deixar a alma admirada e maravilhada, porque, como já mil e tantos anos antes dissera Platão, não pode haver sabedoria sem essa inicial disposição de louvor. Nessa perspectiva poderíamos dizer que o princípio da sabedoria é a admiração. O que Santo Tomás deseja de nós é que descubramos, na meditação das obras de Deus, que Deus é causa primeira de tudo, causa eficiente segundo o seu poder, causa exemplar segundo sua sabedoria, e causa final segundo sua bondade; ou que cheguemos a vislumbrar, na essencial bondade de todas as coisas, o reflexo daquela Bondade que é o próprio Deus.

Ciência e Fé

Todos nós sabemos que é impossível viver uma sombra do cristianismo se não cremos num Deus pessoal, e se não cremos ou não compreendemos que nossa alma ultrapassa o nível ontológico do mundo físico. Já o simples senso comum nos adverte que é fútil limitar a realidade ao campo direto ou indireto de nossos sentidos. Seria estranho, estranhíssimo que a totalidade do ser tivesse a medida do homem sem ter sido o homem o Criador de tal totalidade. É absolutamente inconcebível o materialismo, que só se sustenta porque seus adeptos se detêm, e se detêm precisamente no ponto em que era vitalmente decisivo o avanço. É tola, fátua ou desvairadamente soberba a atitude de quem imagina um só instante que a totalidade do ser, o real total, o que existe, o “tudo” se limita aos níveis de percepção de nossa sensibilidade. Para o empirista, o real absoluto e total, deus de si mesmo, criador e sustentador de sua própria substância, não pode exceder os limites de nossa percepção sensível. Haverá maior audácia, maior extravagância do que esta mesquinharia?

Existirá a matéria?

O leitor que não costuma freqüentar com assiduidade os textos deixados pelos filósofos, embora já tenha descoberto que esse coro de vozes é o mais discordante e desafinado que jamais se ouviu, e embora já tenha notado que não há coisa que algum deles não tenha afirmado ou negado, talvez não saiba que houve um filósofo para provar que a matéria não existe. Pois houve. Nasceu em 1685, morreu em 1753, foi inglês e chamou-se George Berkeley.

O homem e a natureza

A julgar pelos vestígios que deixaram e pelas amostras de humanidade dispersa e degradada que os portugueses encontraram nas terras do Brasil, o homem paleolítico vivia num nível cultural de quase exclusiva e obsessiva preocupação de seu relacionamento com o mundo exterior e inferior. Vivia em luta com o meio. Não é fácil reconstituir e imaginar essa situação em que um ser dotado de dimensão racional, da mesmíssima espécie que hoje nos diferencia dos animais, estava obrigado a curvar a razão ainda impotente no domínio dos elementos, sem o socorro dos instintos que os animais possuem para adequar-se ao meio de mesmo nível ontológico. O homem não se espiritualizou gradativamente, isto é, não passou do ser não-espiritual para o ser espiritual por etapas contínuas ou discretas como pensam que pensam os evolucionistas ou como sugeriu o festejado Teilhard de Chardin que, infelizmente para a Companhia de Jesus e para a Igreja, não foi internado e metido numa camisa-de-força em momento oportuno.

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