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Category: Vida dos SantosConteúdo sindicalizado

Um filho de São Francisco que revivia a Paixão

Pe. Denis Quigley - FSSPX

 

 

Padre Pio foi o primeiro sacerdote da história da Igreja Católica a receber estigmas visíveis. Ter os estigmas é trazer em seu corpo “marcas semelhantes às chagas do corpo crucificado de Jesus Cristo”.

Na história da Igreja, o número de estigmatizados reconhecidos é bem raro. Il Padre apresentou estigmas aparentes durante cinquenta anos e perdeu tanto sangue ao longo desse tempo que, conforme a ciência médica, normalmente não teria podido viver tanto.

Na realidade, Padre Pio já trazia estigmas invisíveis desde agosto-setembro de 1910. Ele rezou para que eles se mantivessem escondidos dos olhos dos homens. No entanto, no dia 20 de setembro de 1918, no momento em que fazia sua ação de graças após a missa, recebeu os estigmas visíveis. (Continue a ler)

Confraria dos Homens para a Castidade

Dom Lourenço Fleichman OSB
Capelão responsável

 

A Confraria dos Homens para a Castidade é uma iniciativa da Capela Nossa Senhora da Conceição, de propor a todos os homens católicos, jovens e adultos, solteiros, casados ou viúvos, um combate mais eficaz e duradouro contra a pornografia e os pecados de impureza que assolam a sociedade moderna de modo assustador. S. Excelência, Dom Alfonso de Galarreta aprovou oficialmente a criação da Confraria.

Oferecemos esta Confraria, este combate singular, aos homens e não às mulheres, por acreditarmos que os homens devem recuperar seu papel na sociedade familiar e na sociedade civil. Papel este deixado de lado por 200 anos de Liberalismo, de hedonismo e de decadência moral da humanidade. Se um homem recupera sua saúde espiritual e a fortaleza própria do seu estado, as mulheres de sua casa, sejam elas mãe, irmãs, esposa ou filhas, seguirão o exemplo dos homens fortes e castos. O resultado esperado é o restabelecimento da ordem da natureza na sociedade, com os homens sendo valorosos, fortes, virtuosos, e as mulheres se espelhando no belo exemplo dos soldados de Cristo para serem elas também santas e virtuosas.

Mas, por favor, não vejam nessa distinção nenhuma sombra de desprezo ou diminuição do papel das mulheres. Não se trata de nada disso, pois é uma questão de vida espiritual, e não de vida social. A espiritualidade masculina é diferente da espiritualidade feminina. A Confraria trabalha nos homens, para favorecer toda a sociedade. Os homens castos elevarão a casa e a cidade a uma vida sob o domínio da graça. Isso é o que importa. (Continue a ler)

Irmão Nuno de Santa Maria, o Condestável invencível

Pe. Bertrand Labouche, FSSPX

 

Por estes vos darei um Nuno fero,
Que fez ao Rei o ao Reino tal serviço

(Lusíadas, canto 1, 12)

 

No dia 6 de novembro, é festejado em Portugal e na Ordem do Carmelo, Nuno Álvares Pereira, herói português e santo do século XV, nomeado aos 25 anos general-em-chefe do reino, vencedor de todas as suas batalhas, um homem de oração e de união com Deus.

Certamente, todos vocês que já estiveram em Fátima notaram as belas estátuas de santos que se erguem sobre a grande colunata em frente à basílica do santuário.

Estes santos distinguiram-se pela devoção a Nossa Senhora (São Bernardo, São Luís Maria, São João Bosco...) ou/e fazem parte das glórias de Portugal: Santo António de Lisboa, Santa Beatriz, Beato Nuno Álvares etc. Retenhamos esse nome.

Beatificado por Bento XV em janeiro de 1918, sua missão era semelhante à de Santa Joana D'Arc: salvar a independência da pátria, sob a bandeira dos santos nomes de Jesus e de Maria, e pelo exemplo católico levado ao heroísmo.

Morreu no mesmo ano em que ela, no dia 1 de novembro de 1431. Suas armas foram a oração e a espada.

Sim, este homem, cavaleiro armado aos 13 anos, vencedor de todas as batalhas, ilustre estrategista da "Batalha dos Atoleiros", nomeado aos 25 anos general-em-chefe do reino, aquele que possuía, após as suas vitórias , a maior fortuna da época em termos de terras e bens, era essencialmente um homem de oração, de união com Deus.

A 15 de agosto de 1423, a Ordem Carmelita deu-lhe as boas-vindas em Lisboa, aos cinquenta anos, como humilde irmão porteiro; tornar-se-á irmão Nuno de Santa Maria (imagine um Foch, um Duguesclin com o hábito de irmão leigo para sempre).

Exatamente, a ação desse homem foi compatível com sua oração. Foi um verdadeiro homem de ação, porque a sua ação, alimentada, engendrada pela oração, foi aquela desejada por Deus “que tudo faz com ordem, peso e medida”.

ORAÇÃO, AÇÃO: o mundo vê entre ambas não mais que um contraste ridículo; enquanto, na realidade, o que há é harmonia, uma maravilhosa harmonia, que conquista o próximo ... Pensemos o que poderia ser a união da oração com a ação em Nosso Senhor Jesus Cristo!

Na biografia do Beato Nuno, lemos que os soldados inimigos vinham à noite ao acampamento do grande general português, simplesmente "para ver quem ele era!" "quem era aquele que não hesitava em distribuir trigo ... ao inimigo faminto!...”

À pergunta: "Por que você nunca perde uma batalha?" Respondia: "Para me derrotar, basta impedir-me de receber antes a Comunhão! "

Um dia, no auge da batalha, quando tudo parecia perdido, Nuno Alvares desapareceu por detrás de algumas pedras e começou a rezar. Quando um soldado perturbado veio procurá-lo, saiu como um leão e, arrastando seus homens, derrotou o inimigo.

A ação (poderíamos substituir: o exemplo, o apostolado, o cumprimento do dever do Estado) exige necessariamente a oração, senão se transforma em agitação, enfraquecemos a nós mesmos.

E a verdadeira oração, por exemplo, o nosso Rosário quotidiano, engendra um “bom trabalho”, uma ação profunda, benéfica, duradoura, mais rica, porque então é Deus que age como quer.

São Francisco de Sales, prevendo que teria um dia seria particularmente agitado, aumentava o tempo da oração matinal.

Hoje, o homem destrói e não edifica, porque não reza; uma alma que não reza condena sua ação à esterilidade, perde seu tempo, antes de se perder. A oração é exatamente o oposto de perder tempo.

“Batalha de Aljubarrota”: foi o combate decisivo que o nosso santo cavaleiro venceu, salvando Portugal da colonização espanhola. D. João I mandou erigir então um ex-voto, segundo a sua promessa, no mesmo local, um magnífico mosteiro, dedicado à Nossa Senhora da Vitória: trata-se do mosteiro da "Batalha", ao lado do qual se encontra a imponente estátua equestre do invencível Condestável. A vitória foi conquistada a poucos quilómetros de Fátima, onde Nossa Senhora do Rosário, "mais forte que um exército alinhado em batalha", veio, 500 anos depois das lutas do Beato Nuno para suscitar outros cavaleiros...

Irmã Maria-Marta Chambon e a devoção às Santas Chagas

Pe. Garrigou-Lagrange, OP

A vida desta brava irmã conversa da Visitação de Chambéry, nascida em 1841, falecida em 1907, foi escrita em 1928 com muito zelo, precisão e piedade pelas religiosas desse convento, conforme as notas deixadas pelas superioras. Este livro, que traz nas páginas iniciais a autorização e um precioso elogio de Mons. Castellan, arcebispo de Chambéry, contém sobretudo exemplos de piedade e virtude, e apresenta uma vida profundamente marcada à semelhança de Jesus crucificado, com algumas imperfeições involuntárias, que subsistem até o fim na serva de Deus, a fim escondê-la.

Julgamos útil assinalar aqui alguns traços desta fisionomia espiritual: as graças dos primeiros anos; aquilo que parece bem ser sua missão especial: fazer recordar ao mundo a devoção às santas chagas do Salvador; suas virtudes cristãs, particularmente, a mortificação, a humildade, a obediência, a simplicidade e as virtudes teologais. Há nesta vida uma grande lição para os nossos tempos.

 

Primeiros anos e vocação

Françoise Chambon nasceu em Croix-Rouge, pequenina aldeia verdejante situada perto de Chambéry, em 6 de março de 1841. Neste mesmo dia, tornou-se ela filha de Deus pelo santo batismo. Pobreza extrema, mesmo miséria, reinava no lar onde sua mãe lhe deu à luz, semelhança notável com a penúria de Belém. Destinada a seguir o divino Mestre em suas humilhações, esta criança privilegiada reproduzia-lhe os traços desde a aurora de sua vida. Pequenina, o pensamento de Deus lhe absorve, lhe invade, ao ponto de deixar fugir a única cabra confiada aos seus cuidados. Seus pais, honestos, piedosos e trabalhadores, transmitiram aos seus filhos os sentimentos de fé profunda, o espírito de dever, o amor do trabalho. Seu pai, homem simples e reto, trabalhador rude, dedicava-se à agricultura ou trabalhava na pedreira das proximidades. Pelo trabalho, sua família atingiu certo bem estar material.

Sua mãe tinha gosto em levar a pequena primogênita às cerimônias da Via Sacra. Uma tia estimulava igualmente seu pendor pela oração. Numa Sexta-feira Santa, levou-a à adoração da Cruz. Françoise tinha oito ou nove anos. Solicitada pela tia, e apesar do grande cansaço, diz os cinco Pater com os braços em cruz. Neste momento, Nosso Senhor aparece-lhe pela primeira vez, crucificado, a carne em pedaços, coberto de sangue. Esta visão causou-lhe grande impressão e acendeu na sua alma ardente caridade. Comungar tornou-se, a partir de então, seu maior desejo. Logo aprende oralmente seu catecismo, pois jamais soube ler nem escrever. Foram a estas poucas noções elementares que se restringiu toda sua instrução. Françoise, possuída do amor de Jesus, sente nascer nela a necessidade de mortificar-se...o amor quer comunicar-se! “Mãe, roga ela, dá-me a sopa antes de pôr-lhe manteiga” (p. 11). De noite, quando todos repousam, ela levanta-se para rezar longo tempo, joelhos sobre a terra nua.

Os sacrifícios preparam-na para sua primeira comunhão, que foi para ela um acontecimento decisivo. “Ao comungar, dizia ela, foi o menino Jesus que vi e recebi... Oh! Como fiquei feliz!... Ele me disse que sempre que eu comungasse seria assim... Era o céu! Tem-se o paraíso no coração”(pp 12-13).

Aquele que se regozija com os humildes manifestar-se-á a esta alma predestinada, quer carregando sua cruz, quer sob a forma de uma adorável criança. Ele mesmo se incumbirá da direção de sua vida interior, e purificará, instruí-la-á e imprimirá nela os traços de sua Infância e Paixão.

A Paixão do Salvador é o grande motivo de Françoise. Ela só pensa em Jesus, quer “ocupar-se somente dele, viver como os anjos... não considerar mais as coisas do mundo...” (p. 15).

Não demora a aspirar à vida religiosa. Sua saúde, de aparência pouco robusta, foi um obstáculo a sua admissão ao Carmelo. Encaminha-se à Visitação de Chambéry, onde ingressa no ano de 1862. Françoise tinha vinte e um anos. Era aí que Deus a queria, entre as filhas da Visitação, cuja vocação é a de reproduzir a vida escondida de Nosso Senhor, adorá-lo e imitar a humildade do Verbo Encarnado. “Erigidas no Monte Calvário, devem crucificar-se com Nosso Senhor” (Constituição XLIV). Veremos a que ponto Nosso Senhor realiza este programa nessa alma de elite.

A nova postulante foi inicialmente admitida entre as moças do serviço de pensionato. Foi aí, na prática dos mais humildes trabalhos, um pouco à margem da comunidade, que a veremos levar uma vida de sofrimento e apostolado. Sua tomada de hábito ocorreu no dia 29 de abril de 1863, quando recebeu o nome de Irmã Maria-Marta. O ano seguinte foi o da sua profissão.

É preciso reconhecer que a Irmã Maria-Marta não possuía as graças da natureza, os charmes do espírito, que atraem a simpatia e favorecem as relações. De caráter rude e pouco refinado, temperamento vivo, vontade tenaz e pensamento limitado, suas características exteriores pouco amáveis tornavam a pobre irmã, por vezes, fatigante. Apesar dos esforços que fazia, suas imperfeições subsistiram até o fim de sua vida: Nosso Senhor servia-se delas como de um meio para mantê-la na obscuridade. Queixava-se delas ao divino Mestre: “Com todas as vossas graças, não me tirastes todos os meus defeitos” – “Tuas imperfeições, respondia-lhe, são a grande prova de que vem de Deus aquilo que se passa em ti. Jamais as tirarei; são o manto que esconde meus dons. Tens desejo de se ocultar? Muito mais o tenho eu” (p. 30). Contudo, como soube modelar essa alma a seu gosto, cultivá-la em sua tão simples inteligência, ocupando-a com as verdades eternas, encher esse coração de desejo do divino, de sede de sacrifício, de amor pelas almas!

 

O tesouro das Santas Chagas

Nosso Senhor fê-la conhecer os tesouros infinitos guardados nas suas Chagas, e instava-a a oferecê-los sem cessar a Deus Pai pelas necessidades da Igreja e de sua comunidade, para a conversão dos pecadores e para retirar almas do purgatório. “Com minhas Chagas, disse-lhe, tens todas as riquezas do céu para distribuir na terra”. “Deves fazer valer as riquezas de minhas santas Chagas”. “Tua riqueza é minha santa Paixão” (pp. 54-55).

Nosso Senhor queixa-se do esquecimento por parte das almas de suas sagradas feridas; elas não sabem colher-lhes os frutos, e chegam a menosprezá-las. E seu amor misericordioso elegeu uma pobre religiosa, Irmã Maria-Marta, para fazer lembrar as almas da devoção às suas Chagas. Não é ela particularmente conveniente nesses tempos tão atribulados? Não é chegado o momento de espalhar nesse pobre e confuso mundo os méritos infinitos do sangue redentor?

“Eu te escolhi, diz a Irmã Maria-Marta, para fazer despertar a devoção à minha santa Paixão no tempo infeliz em que vives” (p. 61). Quantas almas meditam na Paixão de Cristo? Quão pouco são os que estimam a Cruz, ou, se a contemplam, querem carregá-la! No entanto, é ela a verdadeira escola de amor, escola austera na qual Nosso Senhor formará sua fiel discípula.

Eu te escolhi, diz ainda Jesus, para fazer valer os méritos de minha santa Paixão para todos; mas quero que tu mantenhas-te escondida. A mim caberá mais tarde de dar a conhecer que é por este meio que o mundo se salvará – e pelas mãos de minha Mãe Imaculada” (p. 61). “Minha filha, o mundo será mais ou menos atribulado conforme tu cumpras teu dever. Tu és escolhida para satisfazer minha justiça” (p. 61)

Mostrando-lhe suas Chagas: “Não desvies os olhos de cima deste livro e aprenderás mais que os grandes sábios. A oração às santas Chagas compreende tudo” (p. 61).

Segundo os testemunhos recolhidos de sua vida, Nosso Senhor fez com que ela participasse da sua crucifixão, imprimiu-lhe na carne os sagrados estigmas, alimentou-a unicamente com a Eucaristia por mais de quatro anos, enquanto seu amor a crucificava, na alma e no corpo, associando-a a sua obra redentora. Veremos como, por sua vez, Irmã Maria-Marta responde ao apelo do Mestre com todo o fervor e generosidade do seu amor.

 

Via Crucis

Bem parece que esta alma eleita, transparente como o cristal, não teria tanta necessidade de purificação para si mesma, mas as provações serão proporcionadas à sua missão apostólica e reparadora.

O divino Mestre convida-a a passar as noites estendida sobre o assoalho da sua cela. Tendo obtido de sua superiora permissão para tanto, que lhe fora inicialmente negada, dorme sobre a terra nua, e isto ao longo dos anos. Nosso Senhor vai além: é um rude cilício que ela deve usar noite e dia, que lhe causa muito sofrimento. A pedido e conforme as indicações do Mestre, faz uma coroa de espinhos muito pontiagudos e usa-a de noite. Doravante, carregada de vivas dores, não tem mais onde repousar a cabeça. Uma noite, no fim das forças, a esposa do Crucificado queixa-se ao seu Salvador. “Minha filha, persevere com mais força”, diz-lhe. Irmã Maria-Marta obedece corajosamente. Desta vez, Aquele que não se deixa vencer em generosidade, contenta-se com um simples aquiescer: e ela já não sente dor nenhuma. O dia em que Nosso Senhor disser-lhe: “Tua coroa não te faz mais sofrer o bastante” (p. 193), ela a trocará por um cinturão com pontas de ferro. Ei-la, estendida sobre o assoalho, coroada de espinhos, os braços em cruz, viva imagem do divino Crucificado. Nosso Senhor uniu desse modo a Irmã Maria-Marta à sua Paixão, que não pode fazer mais do que como Ele, com Ele. Seu coração abrasa-se de amor. Não realiza em si mesma o desejo do Salvador? “Gostaria de ver todas as minhas esposas como crucifixos!” (p. 76). Contudo, em certos momentos, a natureza se desespera; a pobre religiosa sente a tentação de abandonar essa intolerável coroa. Nosso Senhor aparece-lhe então em sofrimentos atrozes, a fronte traspassada de espinhos. “Minha filha, não abandone a minha coroa”, reprova-lhe amorosamente o Salvador (p. 194). Confusa, Irmã Maria-Marta retoma-a; cura-se de toda a recaída. Esposa, deve compartilhar a vida de seu divino Esposo, vida de sofrimentos e imolações; deve morrer a si mesma para viver somente para Ele.

“Elege em tudo e por onde for o que mais mortificar-te”, diz-lhe Jesus (p. 190). Sempre dócil, esta alma heróica escolhia, em tudo, o menos agradável, o mais penoso.

Nosso Senhor assedia a Irmã Maria-Marta com exigências, convida-a a sacrificar seu sono para velar perante o Santo Sacramento. Exausta, vemo-la solicitar um pouco de repouso aos seus superiores, mas eles, conhecendo o desejo formal de Nosso Senhor, conduzem-na a seu posto de oração, à tribuna.

Nosso Senhor aparece-lhe um dia em seu estado de crucificado, embebido em vinagre e fel. Irmã Maria-Marta afligiu-se tanto que jamais pôde esquecer. “É preciso, dizia o Mestre, que me mates a sede com tua mortificação” (p. 191). Contudo, a brava religiosa só tinha pensamentos para Jesus, desejava salvar almas para Ele. Apesar das suas vigílias, dos sofrimentos contínuos, permanecia fiel a todos os seus deveres, a ponto das superioras julgarem que fazia o trabalho de duas pessoas. Deus era toda a sua força. A esta mortificação exterior, juntava a mortificação de uma minuciosa fidelidade à Regra: sempre modesta, silenciosa, recolhida, percebia-se que estava ela mergulhada em profunda contemplação.

 

“Ele é tudo”

Nosso Senhor deliciava-se com esta alma límpida: “Tu não conheces mais o mal do que a criancinha antes de chegar à idade da razão”, dizia-lhe (p. 206). Aquele que se compraz com os lírios conservou este coração puro, sem o menor conhecimento do mundo. Ela podia dizer a uma de suas companheiras: “Ah, sim! Ele é todo amor, o bom Deus! Quando era pequenina, já me fazia compreender. Ele me deu tanto! Do mundo, não conheço nada, só conheço a Ele. Ah! eu o amo tanto!” (p. 209).

Todo seu pensamento era para Cristo. Por Ele, evitava toda reflexão inútil. Por ele, guardava seu coração desapegado. Certo dia, Jesus repreendeu-a severamente por procurar uma pequena satisfação do coração: “Ser religiosa, minha filha, significa ter banido de seu coração todo o criado... significa ver Jesus em tudo, seu Esposo, significa procurá-lo unicamente...Teu objetivo tem de ser o de estar face a face comigo” (pp. 210-211). A uma das irmãs que lhe indagava a razão das predileções divinas, respondeu: “Ah, minha irmã! eu sou ignorante, tenho um coração simples, sem estofo... tenho, portanto, um coração desapegado: Ele é tudo! Não busco nada... nada... não quero nada, não preciso de nada, não desejo nada, meu coração é livre” (pp. 209-210).

Puro, livre, o coração da Irmã Maria-Marta pertencia somente a Deus, seu pensamento ocupava-se apenas de seu objeto de amor. Semelhante a chama pura que sobe sempre, a alma desta esposa de Cristo eleva-se, degrau por degrau, rumo à perfeição do amor.

 

Combates

Nosso Senhor ensinara à Irmã Maria-Marta a fórmula para oferecer as santas Chagas; mas fazer com que a comunidade a adotasse não foi coisa fácil para as superioras. Descobre-se a origem destas invocações. O zelo da regra faz com que todas se alarmem. Não se podia tolerar que uma jovem noviça conversa se impusesse de tal modo. Quantos sofrimentos, vexações para Irmã Maria-Marta e suas devotadas superioras! Ela não demonstrava senão paciência, humildade, mansidão. Nosso Senhor encorajava, tranquilizava-a: “Maiores os obstáculos e dificuldades, mais abundantes as minhas graças” (p. 92). Nosso Senhor amava muito esta comunidade de Chambéry, apesar das críticas levantadas pela pretensa inovação. Críticas compreensíveis, diga-se. As religiosas da Visitação tinham suas Regras e Constituições como um legado sagrado de seus santos Fundadores. “Não lhes é permitido absolutamente, sob qualquer pretexto que for, incumbir-se de orações outras das que estão aqui assinaladas” (Constituição XVIII). Não se poderia ir contra isso. Deus permite, pois, essas contradições para lançar à luz do dia a virtude de sua privilegiada e aumentar seus méritos.

Uma vida tão extraordinária faz-nos compreender igualmente a atitude reservada dos superiores, e os defeitos que se verificavam sempre na humilde noviça conversa não deixam de espantar. Daí os murmúrios, recriminações. Irmã Maria-Marta sofria muito. Sustentada pelo dom da força, suportava tudo em silêncio: jamais uma alusão, uma queixa, e isso por quarenta anos! Mas quão mais dolorosa a provação que lhe veio de um superior mal informado por relatos imprudentes de algumas religiosas. O golpe foi duro. Entre outros, a comunhão quotidiana foi negada à Irmã Maria-Marta. Humildemente, ela se submete às ordens recebidas.

 

O Selo de Deus

Recordava-se ela da palavra de seu Mestre: “A vós (religiosas) só perguntarei uma coisa: o quanto obedeceram” (p. 204). A exemplo daquele que foi obediente até a morte, Irmã Maria-Marta conforma-se em tudo heroicamente à vontade divina, sancionada pela obediênca. Sua perfeita docilidade foi notável. Sacrificou sua vontade inteiramente às exigências de Nosso Senhor. Mestre absoluto, podia exercer sobre ela todos seus direitos. A Santíssima Virgem diz-lhe um dia: “Não quero que faças ato algum, por melhor que te pareça, fora desta obediência” (p. 110).

Se suas superioras recusam-se a conceder o que lhes pedia, a humilde Irmã inclinava-se sem insistir. “A obediência, para ela, é tudo” (p. 45), afirma sua superiora. Nunca uma réplica, nunca uma discussão diante dos mais duros sacrifícios. Somente esta palavra, obediência, poderia tirar-lhe de suas longas contemplações. É o sentimento unânime de seus confessores: “Ela seguia sempre literalmente as opiniões que lhe eram dadas” (p. 218). À luz das instruções divinas, Irmã Maria-Marta aprendera a pronta e simples obediência. Um dia, doente e acamada, sua superiora lhe diz: “Amanhã estarás boa” (p. 216). A dócil menina tomou o encorajamento por uma ordem. Nosso Senhor, contente com esta fé tão simples, curou-a no mesmo instante. Alimentou-se e retornou, no dia seguinte, a suas ocupações.

Quantas vezes as superioras recorreram à sua intercessão diante de Nosso Senhor! O vinho se avinagrava nos tonéis, as batatas apodreciam no porão, por obediência Irmã Maria-Marta incumbia-se de buscar a solução. Fazendo o sinal da cruz, ela invocava a Santíssima Trindade, as santas Chagas e tudo se restaurava: o vinho tornava-se bom, o bolor sobre as batatas secava. O Senhor atendia a todos seus desejos.

E era nas coisas espirituais, assim como com nas materiais; as superioras sempre experimentavam a eficácia das suas orações. Ela tinha o culto da autoridade – nela via Deus. Nosso Senhor lhe havia frequentemente repetido: “Minha filha, em tua superiora estou eu” (p. 215).

A abertura de coração, a confiança para com sua superiora, são traços distintivos de uma filha da Visitação. Para Irmã Maria-Marta Chambon, assaltada por dúvidas e temores, a palavra de sua superiora era infalível e sobremaneira eficaz. O demônio tenta-a a esse respeito; persuadindo-a de que era uma cruz para suas superioras, e por isso começa a evitá-las. Irmã Maria-Marta chega a experimentar repugnância extrema por sua superiora; não ousa mais aproximar-se e queixava-se disso a Nosso Senhor. “Se te afastares de tua superiora, errarás e perderás a verdadeira luz” (p. 217).

Amava muito sua regra, suas constituições. O temor de afastar-se delas por suas austeridades causava-lhe grande sofrimento. O santo Fundador da Visitação quis, com efeito, que o espírito de sacrifício interior e de perfeito abandono à vontade de Deus substituísse jejuns e outras mortificações exteriores do tipo, salvo em casos muito raros, desejados particularmente por Deus. São Francisco de Sales veio reconfortar sua estimada filha: “Segue o caminho que Jesus te traçou, esta é a Regra” (p. 85).

 

“Mestre, eu sou vossa pobre”

Irmã Maria-Marta não escreveu nada, não manteve conversações sábias, mas soube humilhar-se. Nosso Senhor pergunta-lhe um dia: “Minha filha, queres ser crucificada ou antes ser glorificada?” – “Bom Mestre, mais desejo ser crucificada”, responde, com ímpeto de coração (p. 76). Não busca a sua glória, mas o desprezo e a cruz. Pequenina, penetrada de sua insignificância, de sua indignidade, lançava-se no abismo do seu nada, querendo desaparecer. Viveu segundo a palavra de sua santa Fundadora: “O principal cuidado da alma deve ser o de humilhar-se”. Sua grande preocupação é sempre o temor de ser notada: vida escondida, humildade, esta é sua marca característica. Ademais, Nosso Senhor inclinava-a a isto. Ele humilhava-a severamente, repreendia as menores faltas: “Tu não serás uma verdadeira esposa se não amares a humilhação”. (p. 174)

“... A fim de te preparares a receber minhas graças, precisarás te aniquilar muito, pois só tenho olhos para o coração humilde!” (p. 174). Certo dia, extenuada de fadigas, após uma noite de sofrimentos, Irmã Maria-Marta para na porta do coro: “Bom Mestre, eu sou vossa pobre, dai-me esmolas, dai-me forças”, suplicava (p. 175). A humilde irmã não falava dos favores divinos que recebia senão com extrema repugnância. Tanto mais o Senhor cumulava-a de dons, tanto mais se apequenava. Mostrava-se ela ávida de correções, sempre a primeira a humilhar-se, a reconhecer e reparar seus erros, pois seu exterior guardara suas asperezas; daí os desencontros, os pequenos tropeços de sua natureza, tantas ocasiões de humilhações, de méritos. Por outro lado, as superioras não a poupavam. Irmã Maria-Marta, ao desprezar profundamente a si mesma, compreendia todo o benefício que daí tirava para sua alma e alegrava-se da glória que rendia a Deus. 

O Espírito Santo, pela iluminação dos dons de ciência e de inteligência, esclarecia-a mais e mais. Então, sentia-se como que esmagada sob o peso da grandeza divina e de sua própria miséria, sob a visão cada vez mais profunda de seus defeitos.

“Ó meu Jesus, dizia a Irmã, espero tudo de Vós somente, pois não sou senão miséria” (p. 171).

A mesma luz faz descobrir manchas nas nossas melhores ações. “Somos cheios de imperfeições, dizia ela, não há, na verdade, nada de bom em nós. – Quando nos vemos diante de Deus, não somos mais que pecado, miséria... mesmo aquilo que julgamos fazer bem, mesmo as ações mais santas, tudo é corrompido por nosso amor próprio...” (p. 186). Para retirar-lhe todo o amor próprio, Nosso Senhor mostrava-lhe por vezes, como num quadro, as qualidades bem superiores de suas irmãs, depois, humilhando-a: “Ser humilhada e tratada como mereces, eis o único desejo que deves ter” (p. 174), “Meu coração só age no selo da humildade” (p. 175). Um dia, lavando a louça, Irmã Maria-Marta viu-se de repente rodeada das Visitandinas do céu e de uma falange de santos. Cheia de alegria, falou-lhes: “Quereis transmitir uma palavra a Nosso Senhor? Dizei-lhe que sou... pecadora” (p. 175). Consciente de sua própria fraqueza, confiava totalmente no Salvador, esperando tudo dele pelos méritos infinitos de suas santas Chagas. Assim também, durante uma conversa com Nosso Senhor, Irmã Maria-Marta viu-se transportada ao céu e os santos, colocando-a num lugar de honra entre eles, cantavam em coro: “O menor torna-se o maior” (p. 188). Deus exalta os humildes!

 

Vida Teologal

Irmã Maria-Marta, enquanto imitava Jesus crucificado, trilhava a via da infância espiritual, tão propícia ao progresso e ao perfeito desenvolvimento das virtudes teologais. Com a simplicidade da criança, ela crê em Deus, espera nele e ama-o de todo seu coração.

Este espírito de fé espontânea inspira todos seus atos, todas as circunstâncias da sua vida: doenças, contradições, provações de todo gênero. Vê Deus em todas as coisas e não desperdiça parcela alguma da cruz.

A santa Missa, para ela, é a renovação do calvário. Irmã Maria-Marta vive do drama que se desenrola no altar, une-se à divina Vítima que recebe na santa comunhão com um fervor, com um amor cada vez maior. Deus faz com que ela viva dos mistérios da Santíssima Trindade, da Redenção, da Eucaristia. Ela vai o mais longe. Imersa em contemplação, é-lhe penoso voltar-se às coisas da terra. Contudo, chega o dia em que o divino sol dos espíritos se esconde, se obscurece. Desamparada, Irmã Maria-Marta sofre, busca seu Senhor e seu Deus. Estes abandonos torturam-na. Jesus, enfim, retorna: “purifiquei-te inteira ao abandonar-te” (p. 266). Outras vezes, após dias de sofrimento inauditos, Nosso Senhor, tendo-a unido a sua agonia e a seu abandono na cruz, diz-lhe: “Minha filha, chorei no jardim das Oliveiras e sobre a cruz em meu grande abandono” (p. 267).

Frequentemente, recebe rudes assaltos do espírito das trevas. Apresentando-se certo dia cinco vezes a ela sob uma forma corporal, Satanás diz-lhe: “Não há Deus!... De que servem tuas orações, não há Deus”. Irmã Maria-Marta responde-lhe: “Creio que há um Deus e que Ele é meu Esposo! Ele é meu Esposo! Meu alimento...” (p. 269). Ditas estas palavras, o demônio some numa fumaça. Perturbava-lhe também de mil maneiras com sugestões contra a autoridade, contra a humildade, contra a eficácia da oração, sempre tentando desencorajá-la, desviá-la de seu caminho. Mas esta humilde religiosa mantém-se firme no meio das trevas e lutas; fiel à sua missão, orava sem cessar com espírito de fé cada vez maior. Sua oração era ouvida, como demonstram-no as muitas conversões alcançadas.

“A terra nada é, minha filha, dizia Jesus a sua esposa, a terra inteira é um nada... olha para o céu! O céu é o único digno de teus desejos! Lembra-te da tua morada e não te esqueças de que pertences à grande família do céu...” (p. 292). Irmã Maria-Marta deseja sobretudo partir para ver a Deus. O inimigo de todo o bem aproveita-se para procurar desviá-la do único objeto de sua esperança. “O céu não é para ti”, diz-lhe (p. 265). A serva de Deus tem sua réplica, tão pronta como ingênua. Lança mão de mil astúcias para confundi-la: “bruxa hipócrita! enganas aos demais e és enganada...” (p. 264). Debocha de sua prática de oferecer as santas Chagas, chega até ao ponto de agredi-la. Irmã Maria-Marta sofre tormentos horríveis, julga ser joguete de ilusões. Torturada em sua alma e em seu corpo, embora sempre valente, repete com confiança invencível as invocações às santas Chagas. Tudo espera pelos méritos infinitos de seu Salvador. Fixando o olhar em Deus somente, abandona-se nos seus braços como uma criança, sem deixar de cumprir fielmente a missão que o Senhor lhe confiara. Como o Mestre não haveria de responder a tanta generosidade? Conduzindo-a ao seu Coração, sua doce voz lhe diz: “Minha bem-amada, estarás aqui agora e na eternidade” (p. 266)

Irmã Maria-Marta compreendera esta palavra de seu adorado Mestre: “Minha filha, ama-me acima de tudo, por mim mesmo” (p. 71). Com grande generosidade, respondia a este amor infinito que a atraía cada vez mais fortemente.

“Ensinar-te-ei a amar-me, dizia Jesus, pois não sabes como fazê-lo: a ciência do amor é dada à alma que considera o divino Crucificado e lhe fala, do coração ao coração” (p. 231). Com tocante bondade, ensina-a a rezar: “Descobre meu segredo de amor a alma que se une e entretém-se comigo no fundo se seu coração” (p. 231). “Minha união contigo é teu único bem: aqui é o teu progresso...” (p. 233). Toda sua vida foi um martírio de amor. Jesus crucificado possuíra seu coração. Podia Ele dizer-lhe: “Modelei teu coração para mim e segundo minha vontade. Tirei toda a consideração pelas criaturas... Coloquei nele a simplicidade da criança” (p. 168). “És a bem-amada de meu coração. Doravante, só amarás e respiraras pelo meu coração” (p. 72). Inteiramente livre, isenta de todo entrave humano, consumida pelo amor que a transforma, experimenta cada vez mais a fome de Deus: “Beati qui esuriunt et sitiunt justitiam”.

O chamado torna-se mais insistente: “Filhinha, suba o calvário comigo” “Quero-te vítima de pé” (p. 234) “Também tu, carrega os pecados dos homens” (p. 271). O amor busca a semelhança, e a união com o Salvador só se realiza na cruz. O amor transformante realizou sua obra. Marcada à imagem do Cristo, associada à sua missão redentora, a doce vítima segue, passo a passo, as pegadas de seu Mestre. Como Ele, oferece-se pelos pecadores, roga por eles, vive suas lutas, experimenta, nela mesma, suas dores e angústias. Certo dia, dá à sua superiora o nome do doente da paróquia que tantos sofrimentos lhe custava. Após sua morte, julgou ouvir dele as seguintes palavras:  “Foi por mim que tanto sofrestes. O demônio trabalhava pela perda da minha alma. Devo-te minha salvação: meu lugar era o inferno e, se estou no céu, é pelos méritos das chagas de Jesus que invocaste por mim” (p. 270).

A alma de Irmã Maria-Marta irradiava caridade ao seu redor. Interessava-se por cada uma de suas Irmãs. Sua dedicação não conhecia cálculos nem limites. Sabia às suas custas realizar o desejo de Jesus: “Jamais preocupar-se contigo, jamais recusar um serviço” (p. 236). Nosso Senhor pedia mais: “Deves a cada dia pagar as dívidas de cada alma desta comunidade para com minha justiça... Serás a vítima que expiará cada dia o pecado de todas” (p. 140). Que amor desinteressado não seria preciso para cumprir sua missão reparadora? O aproximar da morte de uma Irmã era sempre marcado por maior intensidade de sofrimentos: Irmã Maria-Marta, pela oração e pela imolação, supria o que lhe restava reparar.

Seu zelo apostólico levava-a a rezar constantemente e a sofrer pelas intenções do Vigário de Cristo e por todos os fiéis. Quantas almas do purgatório não se beneficiaram de suas orações? Um dia, na vigília da Ascensão, Nosso Senhor diz-lhe: “Não contes descansar hoje, pois muitas almas devem, pelos teus sofrimentos, chegar ao céu para ver o meu triunfo” (p. 256). Outro dia: “Minha filha, pela rude tentação que sofreste e por teu abandono interior, muitos pecadores se converteram e muitas almas do Purgatório foram para o céu... teu sofrimento era necessário para isso” (p. 268). Quantas noites não passou ela em oração pelos agonizantes! Nosso Senhor mostrava-os à Irmã: “Estás incumbida de todas estas almas, é preciso que lhes obtenha uma boa morte” (p. 253). Buscar a glória de Deus, a salvação das almas, tal era sua única ambição: “Meu Jesus, tenho sede das almas por vossa glória” (p. 253).

Verdadeira filha da santa Igreja, ultrapassava os muros de seu estreito claustro para cultivar os campos do Senhor. Sentindo-se cumulada dos pecados dos homens, esmagada sob o peso da justiça divina, clama: “Deus meu, não olheis nossa miséria, mas a vossa misericórdia!” (p. 251).

Jesus, por sua vez, instava-a: “Vem, conquiste almas!” (p. 248) Mostrando os pecadores por todo o mundo: “Mostro-os a fim de que não percas tempo algum” (p. 250). E a fervente missionária passava suas noites a colher almas. O sangue divino era o preço. Com firmeza dizia sua grande oração: o oferecimento das santas Chagas de nosso Salvador, que prometera renovar a cada dez minutos (p. 75).

Não se encontram aqui a heroicidade das virtudes teologais e morais, tanto quanto podemos julgar, até que a Igreja se pronuncie?

 

*

Conformada na sua vida a Jesus crucificado, a humilde esposa também o foi na sua morte. Combate supremo, em que as súplicas angustiadas à Mãe do céu nos permitem adivinhar o isolamento do coração, o abandono com Jesus na cruz, faz-nos lembrar a palavra que o Senhor um dia lhe dirigiu: ”Na cruz, no auge de meus sofrimentos, estava só... Eis por que quis que tu sofresses assim” (p. 267)

Por Maria, ela obteve esta última vitória sobre o inimigo, sobre o pecado. Esta Mãe celestial veio enfim buscá-la em 21 de março de 1907, nas primeiras vésperas de sua Compaixão.

 

*

Por meio de sua humilde serva, o divino Mestre dirige-se a nós: “Uma única gota do meu Precioso Sangue basta para purificar a terra, e não pensais nisso!” (p. 62). “A Chaga de meu Sagrado Coração abre-se largamente para conter todas as vossas necessidades!” (p. 79).

Toda esta vida é um apelo para lembrar-nos dos dons de Deus. O sangue redentor é de valor infinito.

Repetindo-nos isto a cada página, esta vida heróica nos faz sentir que nossa fé, que deveria nutrir-se cada vez mais desta verdade revelada, na maioria das vezes, é superficial. Ultrapassa pouco as fórmulas conservadas na memória e repetidas respeitosamente. Não atinge suficientemente as realidades divinas que exprimem.

Dignai-vos, ó Senhor, pela intercessão desta brava religiosa, conceder-nos algo ao menos de sua fé tão penetrante, tão estimulante, de sua contemplação do mistério da Cruz, perpetuada em substância sobre o altar durante a Missa!

Desta fé procede a firme esperança, o amor ardente de Deus e das almas, do qual precisamos nas tristezas da hora presente.

No momento em que o espírito de independência absoluta, de orgulho, levado até ao ateísmo, procura espalhar-se sobre a terra e sobre os países mais católicos, o Senhor sugere a muitas almas interiores rezar como o fazia a humilde conversa da Visitação de Chambéry. Ele as convida a pedir uma inteligência mais profunda do mistério da Redenção e o desejo de participar, na medida desejada para cada um de nós pela Providência, de suas santas humilhações, remédio a todos os orgulhos. O Senhor faz entrever a estas almas, como o fez a esta de que acabamos de falar, que encontrarão neste sincero desejo a força, a paz e, por vezes, a alegria, para suportar os sofrimentos que sobrevirem e encorajar os demais.

( La vie spirituelle, LIII, 150-168, 1937. Tradução: Permanência)

Santidade e ação sobrenatural de São Pio X

Pe. Hervé Gresland,FSSPX

Nesse ano do centenário [o artigo é de 2014 - N. da P.], a fim de nos remetermos à escola da pura e luminosa figura de Pio X, estudemos um pouco a santidade do único papa canonizado desde o século XVI. A atualidade nos obriga a começar por emitir sérias reservas no que diz respeito às canonizações recentes. Após as pretensas “canonizações” dos Papas João XXIII e João Paulo II, o presente estudo nos permitirá recordarmos o que é a verdadeira santidade.

 

O programa do seu pontificado

O filho do agente comunal de Riese conheceu uma “prodigiosa ascensão desde a pequenez da aldeia natal e desde a humildade do nascimento aos cumes da grandeza e da glória sobre a terra e no céu” 1;  foi-lhe dado conhecer a vida da Igreja de ponta a ponta, se assim podemos dizer, visto que foi, sucessivamente, vigário, cura, cônego, professor, chanceler, bispo, cardeal e, finalmente, papa. Em todas essas funções, pôde demonstrar a sua grande alma, em particular no papado: o povo via nele um santo, e dizia: “Il Papa Sarto, il Papa santo.”2

Na sua primeira encíclica3, São Pio X anunciou o programa do seu pontificado, declarando que seu único fim era o de “instaurare omnia in Christo”, ou seja, restaurar tudo em Cristo, reconduzir tudo à unidade de Cristo. Ele retornará incessantemente a essa idéia: os ensinamentos e os atos do seu pontificado resumem-se inteiramente nessa firme vontade de reconduzir tudo a Cristo, para render a Cristo o primado que lhe pertence de direito. Mas, como realizar esse programa? Pelos padres, pois eles são o meio instituído por Jesus Cristo para estabelecer o seu reino. “Para fazer Jesus Cristo reinar sobre o mundo, nada é mais necessário do que a santidade do clero, a fim de que, pelo exemplo, pela palavra e pela ciência, seja o guia dos fiéis que, conforme um antigo provérbio, sempre serão tais como forem os padres: Sicut sacerdos, sic populus”4.

“Ele via no sacerdócio, com razão, o fundamento indispensável para a realização do seu programa de restauração de todas as coisas em Cristo (...). Essa convicção era tão viva nele, que, quando foi diretor espiritual do seminário de Treviso, ou bispo de Mântua, ou ainda patriarca de Veneza, estava como que obcecado por essa ideia” 5. Pode-se escrever que “o aspecto mais evidente da santidade de Pio X era, antes de tudo, sacerdotal. Ele teve realmente o gênio do sacerdócio” 6.

Os padres foram, portanto, o objeto privilegiado das suas solicitudes, sobretudo porque compreendia a ameaça que o mundo moderno representava especialmente para o padre (pois o demônio sabe bem onde atacar para destruir a Igreja). Bispo, zelava pessoalmente pela formação dos seminaristas. Papa, desde o início do seu pontificado, recomendou instantemente aos bispos de pôr todo o seu empenho em formar Cristo naqueles cuja missão é a de formar Cristo nos outros: “Se assim é, Veneráveis Irmãos, quão grande não deve ser a vossa solicitude para formar o clero na santidade! Não há negócio que não deva ceder o passo a este. E a consequência é que o melhor e o principal do vosso zelo deve aplicar-se aos vossos Seminários” 7. Ele demanda que, nos seminários, zele-se pela integridade da doutrina: cuidado com “uma certa ciência nova que se enfeita com a máscara da verdade e onde se não respira o perfume de Jesus Cristo; ciência mendaz que, com o favor de argumentos falazes e pérfidos, se esforça por abrir caminho aos erros do racionalismo ou do semi-racionalismo”8.

O documento que revela melhor a sua alma de padre, pai dos padres, é sua comovente exortação Haerent animo, que ainda guarda toda a sua atualidade, pois o sacerdócio permanece e permanecerá sendo aquilo que é desde que Jesus Cristo o instituiu. O papa recorda aos bispos o seu dever primordial de se ocupar dos padres e, aos padres mesmos, a necessidade de trabalharem para a sua própria santificação, de modo a se assemelharem mais e mais com Jesus, o Padre eterno. O que é mais necessário ao padre é a santidade, pois a Igreja tem necessidade, sobretudo, de padres verdadeiramente santos, de padres que rezam, que oram: isso é algo de importância capital. Podemos constatar a mediocridade espiritual e a fragilidade de um padre sem oração. Um padre sem fervor tem pouca eficácia apostólica. Ao contrário, um padre verdadeiramente santo possui uma eficácia impressionante.

Paralelo entre São Pio X e Dom Marcel Lefebvre

É muito interessante constatar que encontramos o mesmo pensamento no nosso fundador, Dom Marcel Lefebvre. Para ele, o diagnóstico era claro: “A causa fundamental da crise é o embotamento do sacerdócio” 9. Ele indica o remédio, que é o seu pensamento profundo, no prefácio do seu Itinerário espiritual:

Diante da degradação progressiva do ideal sacerdotal, transmitir, em toda a sua pureza doutrinal, em toda a sua caridade missionária, o sacerdócio católico de Nosso Senhor Jesus Cristo, tal como Ele o transmitiu aos seus apóstolos e tal como a Igreja romana o transmitiu até meados do século XX”.

“Como realizar este que me parecia então o único caminho para a renovação da Igreja e da Cristandade? (...) O desejo de fundar as vias da verdadeira santificação do padre nos princípios fundamentais da doutrina católica e da santificação católica e sacerdotal sempre me absorveu (...) É pela razão do reinado de Nosso Senhor não estar mais no centro das preocupações e das atividades daqueles que são nossos “praepositi” que eles perdem o senso de Deus e do sacerdócio católico, e que nós não os podemos mais seguir”.

Percebemos que nosso fundador está perfeitamente alinhado com São Pio X. Para ambos, o fim a ser perseguido é o reinado de Nosso Senhor, que deve estar no “centro das nossas preocupações e das nossas atividades”; o caminho para atingi-lo é o autêntico sacerdócio católico, a santidade dos padres. Esse parentesco das visões de São Pio X e de Dom Marcel Lefebvre sobre o lugar central do padre é uma das razões que levaram o bispo a escolher o santo papa como patrono da sua Fraternidade: “A Fraternidade coloca-se sob o patrocínio de São Pio X, porque a preocupação primordial dessa santo papa foi a integridade do sacerdócio e a santidade que dele decorre” 10.

 

Uma ação impregnada do sobrenatural

Como todo bom papa, Pio X procurou santificar o rebanho que Jesus Cristo lhe confiou. Sua grandeza vinha de que ele mesmo estava repleto de vida sobrenatural, e seu pontificado não tinha outro fim que o de transmitir essa vida às almas. Ele recordou pela palavra e pelo exemplo que o primeiro dever de cada um é de tender à santidade: é sempre ao buscar a santidade na intimidade das almas que a Igreja encontra uma juventude renovada. O segredo da reforma estará sempre na união com Nosso Senhor pela oração, pelos sacramentos, pela fidelidade, pela mortificação. Ao invés de buscar inventar novas teorias, novas espiritualidades, ao sabor da fantasia de cada um, é preciso se aplicar a encontrar a santidade tal como a Igreja nos ensina na sua tradição e no exemplo dos seus santos. Não há santidade sem a graça; não há apostolado verdadeiro e eficaz sem vida interior, sem uma vida interior fundada na autêntica tradição espiritual da Igreja, isto é, à base de oração. Não poderia haver espiritualidade verdadeira onde falta o senso de adoração ou o espírito de sacrifício.

É a preocupação de ir às fontes da vida sobrenatural que levou São Pio X a conduzir o povo fiel à Eucaristia. Coube a ele ser, em nosso tempo, o papa da Santa Eucaristia. Se ele quis que os católicos vivessem mais desse sacramento, é que ele mesmo viveu intensamente dele. “A Eucaristia é o centro da fé”, dizia11, e sua fé ardente encontrava nela o seu alimento. Seus decretos sobre a comunhão das crianças representaram uma revolução na Igreja, a ponto de provocar algumas resistências. Ele “deu Jesus para as crianças e as crianças para Jesus” 12 e foi o promotor da Cruzada eucarística, suscitando assim santos no meio das crianças.

São Pio X conhecia a importância da beleza do culto para elevar as almas, em particular, a importância da música sagrada, pois a música tem um poder sobre as almas que as demais artes não tem: pode lhes rebaixar como pode lhes abrir as portas da contemplação. É por isso que ele restabeleceu o canto litúrgico na sua pureza e na sua primitiva beleza, foi o restaurador do canto gregoriano. O canto gregoriano é, a um tempo, arte popular e uma arte que nos introduz nos mais altos mistérios da fé pelo seu caráter sobrenatural. É o melhor educador da vida espiritual.

É preciso dizer, portanto, que, para São Pio X, importava sobretudo o conhecimento da doutrina católica, o ensino do catecismo, tanto aos adultos como às crianças. Por toda a sua vida deu a isso uma importância primordial, e sempre deu o exemplo: mesmo quando era papa, em certos domingos, após o almoço, ele mesmo comentava o evangelho do dia para os fiéis das paroquias de Roma. Por isso foi muito justamente chamado de papa da doutrina cristã.

 

A santidade de Pio X

Com relação aos santos de épocas mais distantes, cuja fisionomia mal conhecemos, quando conhecemos, temos a felicidade de possuir muitas fotografias de São Pio X. “Quando estudamos uma série de retratos desse grande papa nas diferentes idades da sua vida, ficamos impressionados com a harmonia cada vez mais radiante que deles depreende. É preciso que essa alma tenha sido constantemente fiel às inspirações do Espírito Santo para que emane dela um charme tão sobrenatural” 13. O rosto é enérgico e ponderado, com uma grande distinção. Os traços são amáveis, o olhar paternal e bom. Esse rosto irradia uma bondade envolvente e uma mansidão impregnada de força. Assim, a vida de Deus na alma se manifesta exteriormente.

O que caracteriza um santo são as virtudes, e as de Pio X foram, ao longo da sua vida, cada vez mais arrebatadoras. Seu espírito eminentemente sobrenatural vivia da fé, na dependência da Providência. Assim como nasceu em uma família modesta, quis viver e morrer pobre. Era a um tempo firme e doce, simples, afável e acessível a todos. Sua caridade foi atestada por uma quantidade de testemunhos que nos revelam um coração inesgotável, transbordando de amor pelo próximo.

A oração da sua festa ressalta duas qualidades em especial com que Deus o dotou “para defender a fé católica e reunir todas as coisas em Cristo”: uma sabedoria celeste e uma força apostólica, isto é, digna dos apóstolos. Detalhemos essas duas qualidades.

A sabedoria divina com que Deus o cumulou lhe deu a luz nas conjunturas mais difíceis. Ela se manifestava por “uma amplidão e uma clareza de vista que são próprias dos santos”. E que força de persuasão!

“A sua palavra era trovão, era espada, era bálsamo; comunicava-se intensamente a toda a Igreja e estendia-se muito ao longe com eficácia; atingia o irresistível vigor, não só pela incontestável substância do conteúdo, mas também pelo seu íntimo e penetrante calor. Sentia-se nela ferver a alma de um Pastor que vivia em Deus e de Deus, sem outro objetivo senão levar para Ele os seus cordeiros e as suas ovelhas.” 14

Como um bom pastor vigilante, que cuida do seu rebanho, praticou de maneira eminente e mesmo sublime as duas virtudes necessárias a todo aquele que governa: a prudência e a força. “o formidável furacão provocado pelos que negam a Cristo e pelos seus inimigos, soube demonstrar desde o princípio uma consumada experiência no manejo do leme da barca de Pedro”, declarou Pio XII15. A sabedoria do seu governo, que todos admiravam, mostrava que ele estava inspirado por Deus.

Ao mesmo tempo, o seu coração magnânimo lhe permitiu empreender numerosas reformas na Cúria romana, o direito canônico, o breviário... Diante da imensidade da tarefa, era preciso uma coragem e um zelo sobrenatural para se pôr a obra. Ele se mostrou intrépido na defesa da fé e da Igreja, e “demonstrou no seu espírito a indomável firmeza, a robustez viril, a grandeza da coragem, que são as prerrogativas dos Heróis da santidade.” 16

“Aos olhos do mundo moderno, viu-se surgir essa grande figura de doutor, de pai, de chefe. Esse santo monarca espantou pelo vigor extremo com que apoiou os direitos da verdade e da justiça, pela grandeza de alma que lhe permitiu afrontar o ódio dos homens para manter-se fiel a Deus, pela força que nele se unia à mansidão de uma caridade inextinguível.” 17

Seu equilíbrio, tanto na ordem natural como na sobrenatural fazem dele um papa modelo. É essa harmonia de virtudes no heroísmo que marca a verdadeira santidade, pois ela só pode ser encontrada numa estreita união com Deus. Entre os papas dos últimos séculos, não há nenhum que alcance tantos méritos e virtudes.

Que do céu a sua intercessão nos assegure a fé nesses tempos difíceis! Que seu exemplo suscite uma geração de padres que possuam todas as virtudes sacerdotais das quais ele deu um tão belo exemplo, e um devotamento sem reservas à Santa Igreja!

(Le Rocher, junho de 2014. Tradução: Permanência)

  1. 1. Pio XII, discurso para a beatificação de Pio X, 3 de junho de 1951.
  2. 2. Sarto era seu sobrenome.
  3. 3. Encíclica E supremi apostolatus, de 4 de outubro de 1903.
  4. 4. Carta ao Cardeal Respighi, vigário geral de Roma, 5 de maio de 1904.
  5. 5. Icilio Felici, Pie X, p. 82.
  6. 6. Nello Vian, Pio X, p. 223.
  7. 7. Encíclica E supremi apostolatus.
  8. 8. Idem.
  9. 9. Conferência de 12 de novembro de 1969 aos primeiros seminaristas da futura Fraternidade.
  10. 10. Dom Bernard Tissier de Mallerais, Marcel Lefebvre, une vie, p. 462.
  11. 11. Dom Bernard Tissier de Mallerais, Marcel Lefebvre, une vie, p. 462.
  12. 12. Pio XII, discurso para a beatificação, 3 de junho de 1951.
  13. 13. André Charlier, Itinéraires, novembro de 1964.
  14. 14. Pio XII, discurso de 3 de junho de 1951.
  15. 15. Idem.
  16. 16. Idem.
  17. 17. Nello Viana, Pie X, p. 166.

Glória a São Miguel

Pe. Xavier Beauvais, FSSPX

Nosso glorioso arcanjo recebeu do Senhor uma multidão de privilégios na Igreja triunfante. Seu amor pelos anjos o faz merecer o belo título de "Pai dos anjos ”, porque, segundo São Jerônimo, no céu, os anjos que cuidam de outros anjos, são chamados de pais dos anjos. O dever de um pai é alimentar seus filhos. O célebre arcanjo, zelando pela honra de Deus e da salvação dos anjos, alimentou-os com caridade, protegeu-os do veneno do orgulho.

É por isso que os anjos o reverenciam e o honram como seu pai. Ele os apoiou e os salvou da perdição. E como pai extremoso, ele os alertou para não se deixarem cegar pela idéia de uma revolta, e os confirmou na fidelidade a Deus. Ele pode lhes falar como São Paulo falava aos primeiros cristãos: "Eu vos gerei na fidelidade e reconhecimento para com o Criador, na firmeza, na fé aos mistérios revelados, na coragem de resistir à tentação de Lúcifer”.

A grandeza do glorioso São Miguel se manifesta também pelo fato dele ter sido no céu, o apóstolo dos anjos. Santo Tomás e São Boaventura pensam que os anjos de uma ordem superior instruem, iluminam e comunicam no céu as suas perfeições aos anjos de uma ordem inferior. Eles os instruem, ao lhes fazer conhecer o que que não conheciam; eles os iluminam ao lhes comunicar sua maneira mais perfeita de conhecer; eles se tornam mais perfeitos, ao tornar mais profundo seus conhecimentos. Assim como na Igreja há apóstolos, profetas e doutores para iluminar e para aperfeiçoar os fiéis, da mesma forma, há entre os anjos várias ordens para que os superiores sejam guia e luz para os inferiores. A nota particular de São Miguel é a de iluminar os anjos. Ele o fez quando Lúcifer quis conduzi-los ao pecado da revolta, tendo já havia conseguido convencer um grande número deles a atribuir a si próprios e não a Deus, a grandeza e a magnificência de suas naturezas, e a se julgarem capazes de desfrutar da bem-aventurança eterna sem o auxílio divino. Houve uma luta nos céus: Lúcifer de um lado, cheio de orgulho junto aos anjos rebeldes, desejando ser semelhante a Deus, seduzindo e liderando em seguida uma grande parte das tropas angelicais sob o estandarte da revolta, proferindo seu grito de guerra contra Deus, com o propósito de derrubar seu trono. São Miguel, por sua vez, chefiou os anjos e gritou: "Quem é como Deus?", ou seja, quem é tão ousado a ponto de pretender se assemelhar a Deus?

São João chama este combate de "uma grande guerra", grande pelo local onde ocorreu, pela qualidade dos combatentes, por seu número e motivo.

Esta guerra foi declarada para derrubar Deus de seu trono e pela recusa a reconhecer ao Filho de Deus na encarnação futura. Guerra cujo resultado será a vitória de São Miguel e a precipitação dos anjos rebeldes nos abismos.

Pai dos anjos, Apóstolo dos anjos, Chefe da milícias angélica ... Depois de Lúcifer ter caído do céu por seu pecado de orgulho, São Miguel ocupa o seu lugar e torna-se o chefe dos anjos bons, como Lúcifer se tornou o chefe dos anjos rebeldes. É por isso que a Igreja chama São Miguel de "o chefe da milícia celeste”, ou, como São Luís de Gonzaga: "O capitão invencível dos exércitos celestiais" e novamente, chefe dos chefes dos anjos, de acordo com a palavra de o arcanjo Gabriel ao profeta Daniel. "Miguel, primeiro dos principais chefes ”. A Sagrada Escritura nos prova por fatos essa primazia.

São Miguel ordena ao arcanjo Gabriel de explicar a visão a Daniel. Este último obedece imediatamente, embora seja um dos maiores entre os espíritos angelicais. Por este primado, São Miguel supera em dignidade a todos os anjos e a todos os reis da Terra. São Miguel exerce sua primazia sobre os nove coros dos anjos.

Ele reina não apenas sobre as nações, sobre os humanos, mas também sobre o coro dos anjos. Deus, na verdade, marcou São Miguel com o selo de sua grandeza.

Ele também é o Patrono dos anjos da guarda. A autoridade de São Miguel é tão extensa que cabe a ele dar para os homens os anjos da guarda, como escreveu São Bruno. Ele possui esse encargo por duas razões: primeiro por ser o chefe de todos os anjos e o vigário de Deus -- é por isso que governa os anjos e dá a cada um deles ofício e ministério. Segundo por ter recebido o governo dos homens e dever, portanto, defendê-los, protegê-los por meio dos anjos da guarda. É com grande amor que São Miguel guarda os fiéis, aqueles que vivem de acordo com a fé. Desde o nosso nascimento ele designa um anjo encarregado de guardar e defender nossa própria pessoa, de todos os males físicos e morais (com o concurso nossa cooperação). Devemos respeitar sua presença e ouvir a sua voz, encarregado que são também de nos guiar.

Enquanto o demônio, no dizer de São Pedro, ainda ronda ao redor de nós como um leão faminto, procurando por sua presa e tentando devorá-la, São Miguel, pai atencioso e amigo vigilante está sempre pronto para o combate, envia os anjos para repelir o inimigo infernal e seus ataques. O afeto dele para os fiéis, supera o dos anjos, porque cuida de todos os homens, e, não contente em enviar os anjos, ele próprio cuida das necessidades particulares de cada um. Ele dá ordem aos anjos para tomarem a defesa dos fiéis, aquele que Daniel chama de "vigilante".

Cabe-nos, portanto, implorar incansavelmente a ajuda de nosso grande arcanjo São Miguel, para uma renovação nacional.

A França, que tantas vezes foi-lhe consagrada, não perdeu o benefício desta consagração. É uma devoção eminentemente católica, como disse o Bispo de Bois de la Villerabel, e profundamente francesa.

São Miguel, é a indignação, a rebelião da inteligência e do coração em face daquilo que nem razão nem o coração pode admitir sem negar a si mesmo. Ele é aquele que nos defende na luta pela fé, na luta pela nossa identidade católica e nacional. -- São Miguel, defendei-nos no combate para não perecermos na hora do juízo.

O sacrifício da Cruz tornado visível

Uma das missões do Padre Pio foi “tornar a Cruz de Jesus Cristo visível”. Cristo assumiu forma humana para tornar o invisível visível. Essa revelação de Deus não terminou com Sua Ascensão, pois, quando retornou a Seu Pai, Nosso Senhor enviou o Espírito de Santidade. Desde então, cada século teve seus santos, cujas vidas perfeitas, em imitação de Cristo, parecem renovar sua Encarnação. A vida exterior de alguns Santos, às vezes, conforma-se a de Cristo com tamanha perfeição que eles revivem sua Paixão no seu próprio corpo.

São Francisco de Assis é o mais conhecido de todos eles, e vários artistas ilustraram o Poverello recebendo os estigmas. Outros Santos também experimentaram esse fenômeno extraordinário: Santa Catarina de Sena, ou a Madame Acarie (Beata Maria da Encarnação), cujos estigmas eram invisíveis.

 

O Sacrifício da Cruz tornado visível

Mas, até 20 de setembro de 1918, nenhum Padre, apesar de sua união sacramental com Cristo, o Sumo Sacerdote, havia sido escolhido ainda para renovar na sua carne o mistério do Sacrifício da Cruz.

No dia 20 de setembro de 1918, enquanto ele rezava em frente a um crucifixo pendurado em frente ao coro dos monges, raios de luz vindos do crucifixo perfuraram suas mãos, pés e seu lado como flechas. O jovem Capuchinho de 31 anos não sabia ainda, mas, pelos próximos 50 anos, até o dai 20 de setembro de 1968, ele traria visíveis as marcas da Paixão de Cristo, que ele revivia todos os dias.

Uma das missões do Padre Pio havia começado: a de tornar a Cruz de Jesus Cristo visível, de iluminar as almas para a realidade do sacrifício renovado no altar e de relembrar Padres e fiéis da vocação do Padre como vítima: “Se o grão de mostarda não morrer, não dará fruto.” “Fazei como me vistes fazer”

 

Virtudes heróicas

Nascido em 25 de maio de 1887, numa família camponesa, o pequeno Francesco Forgione era o quarto de sete filhos. Seus pais levavam uma vida muito simples e viviam numa casa pobre em Pietrelcina. Eles eram bons cristãos e trabalhavam duro.

A Igreja paroquial é dedicada a São Pio I, Papa e mártir, e foi em sua honra que o jovem Capuchinho escolheu o nome de Frei Pio.

Quando garoto, Francesco já era favorecido com visões e fenômenos extraordinários. Desde seus primeiros anos até o fim de sua vida, Padre Pio estava acostumado a receber visitas de anjos, aparições marianas e… via-se sujeito a violência diabólica. No início, o garoto pensava que todos as crianças da sua idade experimentavam as mesmas coisas.

Cuidado, caro leitor, pois é aqui que a devoção ao Padre Pio pode se desviar [do reto caminho]. Como os autores espirituais explicam, fenômenos extraordinários não são santidade; esses fenômenos, às vezes, e mesmo com frequência, costumam vir de mãos dadas com a santidade; mas eles podem, porém, acontecer sem a santidade e devem ser cautelosamente distinguidos dela. Se o Padre Pio é um santo, não é por causa de sua bilocação ou de outros fenômenos extraordinários, mas por causa de suas virtudes heróicas.

E o pequeno Francesco praticou a virtude heróica desde o começo. Sua mãe não o encontrava dormindo no chão, com sua cabeça numa pedra? Sua piedade era sólida, sua obediência absoluta, sua diligência nos estudos e deveres mais que admirável, e sua amizade, exemplar.

Aos 15 anos, uma estranha visão implicitamente revelou a ele seu futuro: um anjo o convidou a lutar contra um gigante muito mais forte que ele. Relutando, o jovem adolescente lutou e venceu. Com essa comemoração divina de Davi e Golias, a Providência anunciou a Francesco a violência das batalhas que estavam por vir.

Algumas semanas mais tarde, no dia 22 de janeiro de 1903, aos 15 anos, ingressou no noviciado capuchinho de Morcone e tomou o nome Frei Pio de Pietrelcina.

Sua mãe estava lá, mas seu pai estava nos Estados Unidos, trabalhando para pagar os estudos de seus filhos. Por sete anos no total (3 e, depois, 4), esse pai admirável esteve separado de sua não menos admirável esposa e de seus filhos queridos para lhes prover.

Os estudos do jovem noviço continuaram até 1909. O jovem monge se mostrou sério e estudioso, seus resultados eram satisfatórios, mas não brilhantes. No fim de seus estudos, ele rapidamente ascendeu os passos do santuário: após receber as primeiras ordens menores em 1908, foi ordenado diácono no ano seguinte, em julho de 1909.

 

Desafios de saúde

Mas problemas de saúde começaram a atormentar o jovem monge. Ele teve que interromper seus estudos e até a vida conventual, recebendo ordens de ir descansar na casa de sua família em Pietrelcina. Esse descanso temporário duraria… sete anos. Apesar dessa dificuldade, foi ordenado padre na Catedral de Benevento no dia 10 de agosto de 1910 e celebrou sua primeira Missa em Pietrelcina, em 14 de agosto.

Separado dos demais capuchinhos e vítima de tormentas interiores terríveis, ele trocava correspondências regularmente durante esse período com o Padre Agostinho, seu diretor espiritual, que lhe recomendou escrever seu combate interior e as graças extraordinárias que recebia.

Um superior planejava enviá-lo para viver como padre secular, mas ele foi instruído a retornar ao convento em 1911. O demônio estava enfurecido; atacava e batia no jovem místico com tanta violência que o guardião do convento, movido por uma inspiração muito franciscana, ordenou Padre Pio a pedir a graça de ser doravante atormentado… em silêncio. Essa graça foi alcançada naquela mesma noite, para grande alegria dos capuchinhos, um pouco cansados do barulho, e dos aldeões, que começavam a se mostrar preocupados.

No entanto, a saúde frágil do Padre Pio forçou-o a retornar a Pietrelcina. Os médicos tiveram dificuldade de encontrar um diagnóstico, a ponto de um deles chegar a anunciar que o padre não duraria mais que uma semana.

O capuchinho deixou Pietrelcina novamente para ir a Foggia, onde o ar não lhe fez bem. No dia 28 de julho de 1916, foi aconselhado a ir a San Giovanni Rotondo para descansar por algumas semanas. Ele permaneceria ali até sua morte...

Meio vivo e meio morto, foi alistado, até que o olharam mais de perto. Há uma foto desse período do frade Capuchinho como recruta, trajando um uniforme e segurando uma arma; ele nunca havia dado um tiro e parece meio deslocado na foto. Foi durante esse período que ele bilocou pela primeira vez. Os italianos haviam acabado de ser duramente derrotados em Caporetto em 24 de outubro de 1917, e seu comandante, General Cardonna, decidiu cometer suicídio; quando ele estava levantando sua arma, um capuchinho entrou em seu escritório e convenceu-o a mudar de ideia. O general assim fez, e, então, agradeceu ao bom padre e dispensou-o. Ele imediatamente perguntou aos seus subordinados quem era aquele padre que eles deixaram entrar, mas ninguém o havia visto entrar ou sair. O general só o reconheceu em uma foto muitos anos mais tarde.

 

Uma ferida de amor

Ao retornar a seu convento depois do período nas forças armadas, ele recebeu a graça de uma ferida de amor no dia 30 de maio de 1918. No dia 05 de agosto, recebeu uma transverberação e, no dia 20, os estigmas, com muita dor. Mas não se enganem. Como ele escreveu ao Frei Agostinho, seu diretor espiritual, “em comparação com o que eu sofro em meu corpo, os combates espirituais que estou travando são muito piores (…); estou vivendo numa noite perpétua… Tudo me atormenta, e não sei se estou fazendo o bem ou o mal. Eu percebo que isso não são escrúpulos, mas a dúvida que sinto sobre se estou agradando ou não a Deus me esmaga.

No início, Padre Pio tentou curar suas feridas. Não adiantou. Tentou escondê-las. Em vão. As peregrinações a San Giovanni Rotondo começaram.

De 1918 a 1921, o apostolado do Padre cresceu, e os médicos que examinaram suas feridas estavam convencidos de sua natureza inexplicável. O Papa Bento XV chegou mesmo a dizer que “Padre Pio é um desses homens que Deus envia à terra de tempos em tempos para converter nações.”

O ano de 1921 mudou o curso das coisas. Uma conspiração eclesiástica de Padres corruptos vivendo com mulheres e presidida por um Bispo que praticava simonia teve influência em Roma. O Bispo de Manfredonia, a diocese à qual pertencia o convento de San Giovanni Rotondo, chegou a clamar que havia visto o Padre Pio usar perfume e talco e derramar ácido nítrico nas suas feridas para piorá-las! E os cônegos de San Giovanni Rotondo, ao menos alguns deles, faziam fofoca sobre os lucros que os capuchinhos estavam tendo com o “estigmatizado”. O pior é que elas foram levadas a sério.

Preocupada com essas alegações episcopais e revelações, Roma tornou-se muito cautelosa… com os Capuchinhos. Um período difícil para o Padre Pio se seguiu, pois o apostolado confiado a ele foi, pouco a pouco, tirado dele. Houve mesmo conversas sobre transferi-lo a outro convento. Isso foi suficiente para mexer com os locais, que estavam determinados a manter e a defender o “santo” deles. Uma rebelião não era coisa impossível. Pensando que iria deixar esse pequeno vilarejo situado no Cabo de Gargano, Padre Pio escreveu essa carta tocante, cujas palavras finais, hoje, estão inscritas na cripta onde ele estava enterrado.

“Eu sempre me lembrarei desse povo generoso na minha pobre e assídua oração, pedindo paz e prosperidade para si; e, como sinal da minha afeição, não podendo fazer nada mais, eu expresso meu desejo de que, enquanto meus superiores não se objetem, meus ossos sejam enterrados nesta terra”

Um superior Capuchinho até pensou em levar o Padre Pio embora escondido em um barril num carrinho. Obediente, porém nem servil, nem burro, o Padre Guardião recusou essa farsa.

Punições continuaram caindo sobre o pobre Padre. No dia 23 de março de 1931, o Santo Ofício proibiu-lhe qualquer ministério, qualquer celebração pública da Missa e qualquer contato com outro capuchinho fora do seu convento. Após ter permanecido estoico quando descobriu, no refeitório, a carta que seus irmãos não lhe haviam revelado (por discrição), ele desabou em lágrimas ao chegar a sua cela. Um bom irmão que testemunhou a cena se sentiu mal por ele, mas o Padre Pio deu-lhe uma resposta digna daquela dada às santas mulheres de Jerusalém: ele estava chorando não por ele, mas por todas as almas que seriam privadas das graças da conversão.

Como um recluso, Padre Pio aproveitou seu tempo lendo. A História da Igreja de Rohrbacher e, em um único dia, a Divina Comédia – paradoxalmente sofrendo de dores de cabeça ao chegar ao 'Paraíso'.

Em 1933, as sanções começaram a ser levantadas. Padre Pio retomou seu ministério, especialmente no confessionário, onde passava, regularmente, até 10 horas por dia.

 

Projeto de hospital

Os anos pacíficos passaram. Em 1940, já era um homem doente quando lançou o projeto do que viria a ser a Casa Sollievo della Sofferanza, um grande hospital com material moderno e médicos eminentes. Como em todas as obras providenciais, não houve ausência de obstáculos, mas o hospital foi inaugurado em maio de 1956. Ele ainda existe hoje.

Ao mesmo tempo, Padre Pio criou grupos de orações ao redor de todo o mundo, principalmente graças a seus filhos e filhas espirituais, que incluíam [antigos] maçons, vigaristas, um tenor famoso (Gigli) e mulheres de pouca virtude.

Pio XII pediu-lhe orações, mas sua morte em 1957 iniciou um novo e doloroso capítulo na vida do Capuchinho. Alguns dos seus irmãos de elevado grau na Ordem demostravam tudo, menos interesse religioso pelas somas enormes de dinheiro que passaram pelas suas mãos. Eles queriam esse dinheiro para eles mesmos. Uma conspiração “filial” apoiada pelas autoridades da Ordem se formou; eles chegaram até mesmo a colocar microfones na cela e no confessionário do Padre. O caso foi descoberto – o Padre reclamou a um dos seus amigos – e os irmãos culpados dessa vigilância nada evangélica foram dispensados de suas funções e enviados a outros conventos.

O fim da sua vida foi mais pacífico, embora ainda empregado no desgastante ministério às almas.

Dois eventos nos últimos meses da sua vida são dignos de menção. A Missa Nova promulgada em 1968 foi precedida por Missas normativas. Padre Pio pediu que lhe fosse permitido celebrar a Missa de todos os tempos, e essa permissão lhe foi dada.

No mesmo ano, 1968, a encíclica de Paulo VI sobre controle de natalidade foi promulgada. Padre Pio, com apenas dois meses de vida restantes e no ápice da sua vida mística, enviou uma carta ao Papa agradecendo-lhe por essa Encíclica, que causou tanta controvérsia.

Esse segundo Cura d’Ars sentia o fim aproximando-se. Na noite de 20 a 21 de setembro, 1968, cinquenta anos após aparecerem, seus estigmas desapareceram: a pele das suas mãos ficou macia e limpa, sem qualquer marca de cicatriz. Seu jubileu de sangue foi completado. A Eternidade se aproximava, e, na noite de 22 a 23 de setembro, Padre Pio foi se encontrar com seu Criador.

 

DOM LEFEBVRE E PADRE PIO

No fim do verão de 1967, Dom Lefebvre estava na Itália e viajou a San Giovanni Rotondo. O encontro foi breve. Dom Lefebvre pediu a bênção do Padre para o Capítulo vindouro dos Padres do Espírito Santo. O humilde capuchinho se negou, respondendo a Dom Lefebvre que era ele quem devia abençoá-lo. Educação entre santos.

Esses dois grandes homens da Igreja eram muito diferentes. Um era padre, o outro, bispo; um experimentou vários fenômenos extraordinários, o outro deixou apenas uma memória enigmática de um sonho misterioso em Dakar.

E, ainda assim, ambos trazem semelhanças importantes.

Ambos sofreram pela Igreja através da Igreja.

Ambos foram vítimas de verdadeiras perseguições por parte das autoridades, apesar de essas perseguições terem sido por razões muito diferentes, e eles reagiram de maneira muito diferente a elas.

As perseguições do Padre Pio eram pessoais, inspiradas pela inveja de Padres seculares dissolutos e pela ganância de certos capuchinhos. Essas perseguições levaram a punições injustas, que Padre Pio aceitou com obediência heróica.

O caso de Dom Lefebvre era diferente. As perseguições vieram da sua determinação de manter a Fé e a Missa de todos os tempos e da sua recusa aos erros conciliares e à nova liturgia. Razões de fé guiavam essas perseguições, que iam muito além de uma simples questão de disciplina. Dom Lefebvre, portanto, resolveu desobedecer a essas injunções por uma razão mais elevada que a obediência formal pura. Sua Fé foi heróica, enquanto sua obediência não teria sido nada além de um servilismo confortável e uma prudência mundana.

Outra semelhança é o entendimento profundo de ambos do Santo Sacrifício da Missa. Ambos relembraram incessantemente a natureza sacrificial e expiatória da Missa que a nova liturgia queria esconder, um através de sua maneira muito mística de celebrar a Missa como o caminho do Calvário, o outro através da sua espiritualidade centrada no Santo Sacrifício. Ambos relembraram o papel central do Padre na obra da Redenção, um por uma vida literalmente crucificada, o outro por seu apostolado do sacerdócio.

 

(Originalmente publicado na edição de Julho-Setembro de 2018 (Nº 340) de Le Chardonnet)

A vida mística de Francisco e Jacinta de Fátima

Lúcia, Jacinta e Francisco eram, antes de 1916, crianças católicas do vilarejo de Aljustrel, na diocese de Leiria, Portugal. Brincavam como todas as crianças, gostavam de jogos e de dançar animados, enquanto pastoreavam as ovelhas da família. Viviam um catolicismo verdadeiro, porém como muitas crianças, limitavam-se ao mínimo necessário. Lúcia conta que às vezes, para que o terço passasse mais depressa, em vez de rezar as orações completas, limitavam-se a dizer: Pai Nosso, Ave Maria, Ave Maria, Ave Maria.... Ora, para que estas alminhas, inocentes e comuns, pudessem ter a honra de ver Nossa Senhora, um anjo lhes aparecerá por três vezes, fazendo dessas crianças verdadeiras almas de oração.

 

Vamos acompanhar a transformação.

 

Estamos em 1916.

 

Na primavera deste ano (março ou abril), Lúcia, Jacinta e Francisco estavam na Loca do Cabeço pastoreando as ovelhas quando viram um ser luminoso vindo em sua direção. Ele tinha os traços de um rapaz de 14 a 15 anos. O anjo lhes disse:

 

«Não tenham medo. Rezem comigo».

 

E num gesto de grande familiaridade e simplicidade, pôs-se ao lado das crianças e prostrando-se com o rosto por terra disse esta oração:

 

«Meu Deus eu creio, adoro, espero e amo-Vos; peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e Vos não amam.

 

Orai assim; os Corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas» (2ª Memória).

 

E o anjo desapareceu.

 

Esta primeira aparição do anjo foi como uma aproximação do sobrenatural na vida das crianças. Servirá para familiariza-las com os seres e os costumes do céu: a adoração, os atos de fé, esperança e caridade, a reparação e o nome de Deus, deste Deus atento às suas súplicas. A própria Lúcia, na 4ª Memória, dirá que «Levados por um movimento sobrenatural, imitamo-lo e repetimos as palavras que o ouvimos pronunciar».

 

Nossos pastorinhos, doravante alunos do céu, sentirão imediatamente o peso da presença da vida sobrenatural. Passarão vários dias num estado de abatimento físico, de recolhimento, de um silêncio difícil de ser rompido e principalmente de paz interior.

 

«Acontece, porém, ainda depois de passado, ficar a vontade tão embebida e o entendimento tão absorto, que assim permanecem o dia todo e até vários dias...Quando volta a si, está com tão imensos lucros e tem em tão pouco as coisas da terra que todas lhe parecem cisco em comparação do que viu. Daí em diante vive muito penada, e tudo o que lhe costumava causar prazer não lhe infunde a menor consolação.» - Sta Tereza d'Avila, Castelo Interior, Sextas Moradas, cap. IV e V

 

Tinham dificuldade de brincar, de falar e até mesmo de se mover. Daí em diante eles passarão várias horas em oração, prostrados como o amigo do céu, repetindo: Meu Deus eu creio, adoro, espero e vos amo.... Só muitos dias depois que este estado de alma diminuirá pouco a pouco.

 

Eis como nos conta Lúcia, na 4ª Memória:

 

«A atmosfera do sobrenatural, que nos envolveu era tão intensa que quase não nos dávamos conta da própria existência, por um grande espaço de tempo, permanecendo na posição em que nos tinha deixado, repetindo sempre a mesma oração. A presença de Deus sentia-se tão intensa e íntima, que nem mesmo entre nós nos atrevíamos a falar. No dia seguinte, sentíamos o espírito ainda envolvido por essa atmosfera, que só muito lentamente foi desaparecendo. Nesta aparição, nenhum pensou em falar, nem em recomendar segredo. Ela de si o impôs. Era tão íntima, que não era fácil pronunciar sobre ela a menor palavra. Fez-nos talvez também maior impressão por ser a primeira assim manifesta».

 

A segunda aparição foi no verão deste mesmo ano (julho ou agosto). Será a segunda lição de vida sobrenatural, centrada sobre o espírito de sacrifício. Após lhes dizer para rezar muito, o anjo acrescenta:

 

– Os Corações Santíssimos de Jesus  e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. E acrescenta: Oferecei constantemente ao Altíssimo orações e sacrifícios.

 

– Como nos havemos de sacrificar? pergunta Lucia.

 

– De tudo o que puderes oferecei a Deus sacrifício em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e súplica pela conversão dos pecadores. Atraí, assim, sobre a vossa Pátria a Paz....sobretudo aceitai e suportai com submissão os sofrimento que o Senhor vos enviar. (2ª Memória)

 

Eis, então, que Deus pede a Lúcia e seus companheiros muito mais do que na primeira vez. É normal que eles tenham perguntado ao anjo como se sacrificar. Para crianças daquela idade a palavra sacrifício tem um sentido limitado, infantil. Deus queria que eles fossem além. Por isso o anjo lhes ensina a se sacrificar, e traz para eles algumas noções até então ignoradas: ato de reparação pelos pecados, súplica pela conversão dos pecadores, aceitação das cruzes que Deus nos envia.

 

Que impressão causou esta nova lição do anjo, em suas almas? Lúcia nos conta:

 

«Estas palavras do Anjo gravaram-se em nosso espírito, como uma luz que nos fazia compreender quem era Deus; como nos amava e queria ser amado; o valor do sacrifício, e como ele lhe era agradável; como, por atenção a ele, convertia os pecadores. Por isso, desde esse momento começamos a oferecer ao Senhor tudo o que nos mortificava, mas sem discorrermos a procurar outras mortificações ou penitências, exceto a de passarmos horas seguidas prostrados por terra, repetindo a oração que o Anjo nos tinha ensinado». (4ª Memória)

 

Vemos neste texto a origem da grande mortificação das três crianças. Ela não nasceu de uma vontade mórbida qualquer, de um fanatismo fabricado pela imaginação; ela não lhes foi inspirada por nenhum sacerdote exagerado. A luz divina que invadiu suas almas as levou com mansidão e naturalidade a um conhecimento tal da vida divina, do olhar de Deus sobre nós, que eles não conseguiriam mais viver sem este espírito e prática do sacrifício reparador.

 

É de se notar que os efeitos da primeira aparição limitam-se a um estado de alma por certa presença do sobrenatural. Nesta, trata-se de um verdadeiro conhecimento de Deus e de seu relacionamento com suas almas.

 

Por aí se vê que é impossível proceder da imaginação. Também não pode ser obra do demônio, pois não tem ele poder para apresentar coisas que tanta operação e paz e sossego e aproveitamento produzem na alma. Especialmente três são os frutos que deixa em subido grau.

Primeiro: conhecimento da grandeza de Deus, a qual se nos dá a entender na medida das luzes maiores que temos sobre Ele.

Segundo:  conhecimento próprio e humildade, ao ver como criatura tão baixa em comparação do Criador de tantas grandezas, ousou ofendê-lo; até mesmo não sabe como se atreve a por nele os olhos.

Terceiro: baixo apreço de todas as coisas da terra, com exceção das que lhe podem ser úteis para serviço de tão grande Deus. - Sta Tereza d'Avila, Castelo Interior, Sextas Moradas, cap. V

 

A terceira aparição do Anjo levará a formação espiritual das crianças a um ponto altíssimo, onde a própria comunhão eucarística marcará a Caridade que Deus lhes comunica.

 

Estavam eles numa gruta de difícil acesso, para rezar escondidos. Estavam assim, prostrados, repetindo a oração do Anjo: "Meu Deus eu creio, adoro...etc."

 

«Não sei quantas vezes tínhamos repetido esta oração, quando vemos que sobre nós bilha uma luz desconhecida. Erguemo-nos para ver o que se passava, e vemos o Anjo, tendo na mão esquerda um cálice, sobre o qual está suspensa uma Hóstia, da qual caem algumas gotas de sangue dentro do cálice. O Anjo deixa suspenso no ar o cálice, ajoelha junto de nós e faz-nos repetir três vezes:

 

         Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, ofereço-Vos o Preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores.

 

Depois levanta-se, toma em suas mãos o cálice e a Hóstia. Dá-me a Sagrada Hóstia a mim, e o Sangue do cálice dividiu-O pela Jacinta e o Francisco, dizendo ao mesmo tempo: – Tomai e bebei o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos! Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus. E prostrando-se de novo em terra, repetiu conosco outras três vezes a mesma oração e desapareceu. Nós permanecemos  na mesma atitude, repetindo sempre as mesmas palavras, e quando nos erguemos vimos que era noite, e por isso horas de virmos para casa» (2ª Memória)

 

Na quarta Memória, Lúcia dá detalhes sobre as conseqüências desta última aparição do Anjo:

 

«A força da presença de Deus era tão intensa que nos absorvia e aniquilava quase por completo. Parecia privar-nos até do uso dos sentidos corporais por um grande espaço de tempo. Nesses dias, fazíamos as ações materiais como que levados por  esse mesmo ser sobrenatural que a isso nos impelia. A paz e felicidade que sentíamos era grande, mas só íntima, completamente concentrada a alma em Deus. O abatimento físico que nos prostrava também era grande».

 

Um pouco antes ela escrevia: «Na terceira aparição a presença do sobrenatural foi ainda muitíssimo mais intensa. Por vários dias nem mesmo o Francisco se atrevia a falar. Depois dizia: Gosto muito de ver o Anjo; mas o pior é que depois não somos capazes de nada! Eu nem andar podia! Não sei o que tinha».

 

Era tanto o abatimento espiritual e corporal, era tal o  êxtase dessas crianças, que nem viram a noite chegar: «Apesar de tudo, foi ele (Francisco) que se deu conta das proximidades da noite. Foi quem disso nos advertiu e quem pensou em conduzir o rebanho para casa».

 

Procurei citar toda a passagem das Memórias de Lúcia devido ao seu caráter eminentemente sobrenatural. É muito difícil ler estas palavras e dizer que tudo foi invenção. Os detalhes de vida espiritual são muito fortes. Já estavam as crianças levadas espiritualmente à oração constante e mortificada. O Anjo lhes ensina uma oração nova, onde destacamos:

-          a adoração à Santíssima Trindade
-          o oferecimento de Jesus na Sagrada Hóstia como reparação
-          o Imaculado Coração de Maria medianeira de todas as graças, participando dos méritos do Sagrado Coração.

 

Lúcia conta que recebeu uma verdadeira hóstia. Jacinta recebe o Preciosíssimo Sangue sabendo que é a comunhão. Já Francisco não percebe de imediato que está comungando.

 

Só passados alguns dias, quando conseguem falar novamente, é que o menino pergunta:

 

«O Anjo, a ti deu-te a Sagrada Comunhão; mas a mim e à Jacinta, que foi o que ele nos deu?!

 

 Foi também a Sagrada Comunhão! respondeu a Jacinta numa alegria indizível. Não vês que era o Sangue que caía da Hóstia?!

 

E Francisco diz então estas palavras, que são a prova da veracidade das graças com as quais Deus enchia estas almas infantis:

 

«–Eu sentia que Deus estava em mim, mas não sabia como era!

 

E prostrando-se por terra, permaneceu por largo tempo, com sua irmã, repetindo a oração do Anjo: Santíssima Trindade...etc.».

 

Aqui se lhe comunicam todas três Pessoas, e lhe falam, e lhe dão a compreender aquelas palavras do Senhor no Evangelho, quando disse que viria Ele com o Pai e o Espírito Santo a morarem na alma que o ama e guarda os seus mandamentos... E cada dia se admira mais esta alma, porque lhe parece que as Pessoas Divinas nunca mais se apartaram dela; antes, notoriamente vê que, do modo sobredito, as tem em seu interior, no mais íntimo, num abismo muito fundo; e não sabe dizer como é, porque não tem letras, mas sente em si esta divina companhia.  - Sta Tereza d'Avila, Castelo Interior, Sétimas Moradas, cap. I

 

É no exemplo vivo desta criança que aprendemos o que muitos espirituais nos ensinam com palavras humanas e que nos torna difícil a compreensão do que seja a Santa Comunhão. Que extraordinária ação de graças fazem estas crianças, dias depois de receberem a comunhão, milagrosamente, das mãos de um Anjo, elevadas a um júbilo sobrenatural ao compreenderem que era Jesus escondido que os visitara.

 

A lição estava dada, a formação espiritual alcançara um grau em que já era possível que elas entendessem profundamente as graças que a Mãe do Céu viria lhes dar.

 

A história da vida de oração, da vida interior deles, apenas começava. E se foi com razão que disseram que o grande milagre de Lourdes foi a alma de Santa Bernadete, podemos dizer o mesmo destas três crianças, ou pelo menos das duas menores, visto que Lúcia ainda vive.

 

As aparições de Nossa Senhora

 

Chegamos ao dia 13 de maio de 1917.

 

Comecemos pela descrição que Lúcia nos faz na sua 4ª Memória. Transcrevo-a toda para os que nunca a leram. As crianças viram um reflexo de luz no céu, como um relâmpago, e com medo de uma chuva, vão tocando as ovelhas em direção à casa, quando vêem um segundo clarão e, logo depois, uma senhora sobre uma carrasqueira «Vestida de branco, mais brilhante que o sol, espargindo luz mais clara e intensa que um copo de cristal cheio d'água cristalina, atravessado pelos raios do sol mais ardente...estávamos tão perto que ficávamos dento da luz que a cercava ou que ela espargia. Talvez a metro e meio de distância, mais ou menos». Esta proximidade com a luz  que dela saía tem sua importância pelo que virá.

 

«– Não tenhais medo. Eu não vos faço mal.
– De onde é vossemecê? perguntei.
– Sou do Céu.
– E o que é que Vossemecê me quer?
– Vim para vos pedir que venhais aqui seis meses seguidos, no dia 13, a esta mesma hora. Depois vos direi quem sou e o que quero. Depois voltarei ainda aqui uma sétima vez.
– E eu também vou para o Céu? – Sim, vais.
– E a Jacinta?  – Também.
– E o Francisco? – Também, mas tem que rezar muitos Terços.»

 

Depois desta introdução, que segue com perguntas sobre as amigas de Lúcia já falecidas, Nossa Senhora dirá o que realmente quer das crianças, dizendo coisas parecidas com as palavras do Anjo, já conhecidas dos três. Não vemos aqui Nossa Senhora ensinando-os a rezar ou as crianças perguntando do que se trata. Tudo é claro e rápido:

 

– «Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido, e de súplica pela conversão dos pecadores?
– Sim, queremos.
– Ide pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto.

 

Dentro do nosso estudo das graças místicas das três crianças, temos os seguintes elementos nesta primeira aparição:

 
-          elas se encontram dentro da luz que emana da Virgem.
-          Nossa Senhora lhes pede sofrimentos e eles aceitam já sabendo do que se trata.
-          Ela confirma que sofrerão muito e terão o socorro especial da graça de Deus.

 

O que segue, é a conseqüência disso:

 

«Foi ao pronunciar as últimas palavras que abriu pela primeira vez as mãos, comunicando-nos uma luz tão intensa, como que reflexo que delas expedia, que nos penetrava no peito e no mais íntimo da alma, fazendo-nos ver a nós mesmos em Deus, que era essa luz, mais claramente que nos vemos no melhor dos espelhos.»

 

Estando dentro da luz que emana de Nossa Senhora elas vêem, das palmas das mãos da Senhora, brotar mais luz ainda. E essa nova luz penetra no íntimo de suas almas, dando-lhes  um conhecimento que uma simples criança não poderia ter: conhecimento de si mesmos em Deus que era aquela luz. Ora, isso é o que acontecerá conosco no céu. Durante alguns instantes, que não foram demorados, mas também não foram muito rápido, elas estiveram no céu. O que mais impressiona é que elas não tenham morrido de amor, passando do êxtase para a glória. O fato é que a terra, naquele momento desapareceu para eles:

 

«Então, por um impulso íntimo, também comunicado, caímos de joelhos e repetíamos intimamente: "Ó Santíssima Trindade, eu Vos adoro. Meu Deus, meu Deus, eu Vos amo no Santíssimo Sacramento". Passados os primeiros momentos Nossa Senhora acrescentou: Rezem o Terço todos os dias, para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra».

 

Nossa Senhora não repetiu para eles a oração. Ela brota da iluminação em que estão mergulhados. A Santíssima Trindade já era deles conhecida pela oração do Anjo, assim como o amor por Jesus escondido no Santíssimo Sacramento. Ambos lhes foram comunicados na terceira aparição do Anjo, quando as crianças comungam de suas mãos.

 

É preciso compreender que o que há de mais rico e elevado nesta aparição de Nossa Senhora está escondido no coração das crianças: «Omnis glóriae filiae Regis ab intus – toda a glória da filha do Rei vem do interior» (Sl.44). E a Virgem Maria permanece ali, no silêncio das colinas de Fátima, rodeada por três inocentes criancinhas, mergulhadas num êxtase de amor. Quanto tempo ficou ali a Mãe de Deus? Ninguém sabe.

 

Na verdade, o que Nossa Senhora comunicou às almas das crianças naquele momento foi algo diferente das aparições do Anjo: «A aparição de Nossa Senhora veio de novo a concentrar-nos no sobrenatural, mas mais suavemente. Em vez daquele aniquilamento na Divina presença, que prostrava mesmo fisicamente, deixou-nos uma paz e alegria expansiva que nos não impedia falar, em seguida, de quanto se tinha passado.» (4ª Memória).

 

E, de fato, os três falavam entre si com facilidade sobre o grande acontecimento. Jacinta será mesmo indiscreta, contando em casa o acontecido, o que será motivo de muito sofrimento e humilhações para os três.

 

«...foi ela que, não podendo conter em si tanto gozo, quebrou o nosso contrato de não dizer nada a ninguém. Quando, nesta mesma tarde, absorvidos pela surpresa, permanecíamos pensativos, a Jacinta, de vez em quando, exclamava com entusiasmo: Ai! que Senhora tão bonita!» (1ª Memória)

 

E Francisco também expansivo:

 

«Oh! Minha Nossa Senhora, terços rezo todos quantos Vós quiserdes!» E ainda: «Gostei muito de ver o Anjo; mas gostei ainda mais de Nossa Senhora. Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor naquela luz que Nossa Senhora nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus! Mas Ele está tão triste por causa de tantos pecados. Nós nunca havemos de fazer nenhum.»

 

A vida dos pastores se transforma e seria muito longo nós comentarmos todas as impressionantes mortificações que eles farão, pela conversão dos pecadores, para que as almas não se percam no inferno, para consolar o Bom Deus já tão ofendido.

 

No entanto devemos marcar a vocação própria dos dois menores: Jacinta fica muito impressionada com o inferno, antes mesmo de terem a visão da terceira aparição; a pequenina pensa com freqüência nos pobres pecadores que sofrerão para sempre ali.

 

Francisco, o mais interior dos três, isola-se em oração, rezando o Terço, pensando sempre em consolar a Deus.

Mas as graças não param na primeira aparição. Suas almas ainda têm mais a aprender sobre Deus e sobre elas mesmas. E a lição de vida mística continuará na segunda aparição.

 

A Segunda Aparição: 13 de junho de 1917.

 

Tanto pelas palavras de Nossa Senhora quanto pela visão da luz que se irradia novamente de suas mãos, esta segunda aparição nos mostra a missão de cada uma delas e a  importantíssima revelação da devoção ao Imaculado Coração de Maria:

Queria pedir-lhe para nos levar para o Céu.
  Sim, a Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá m ais algum tempo. Jesus quer servir-se de ti para Me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção a Meu Imaculado Coração.
  Fico cá sozinha? perguntei com pena.
  Não filha. E tu sofres muito?! Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio, e o caminho que te conduzirá até Deus.

 

Foi no momento em que disse estas últimas palavras que abriu as mãos e nos comunicou, pela segunda vez, o reflexo dessa luz imensa. Nela nos víamos como que submergidos em Deus. A Jacinta e o Francisco parecia estarem na parte dessa luz que se elevava para o Céu, e eu na que se espargia sobre a terra. À frente da palma da mão direita de Nossa Senhora estava um coração cercado de espinhos que parecia estarem-lhe cravados. Compreendemos que era o Imaculado Coração de Maria, ultrajado pelos pecados da humanidade, que queria reparação.» (4ª Memória)

 

Esta visão sublime e tão importante foi como um segredo que eles conseguiram guardar, pois tratava-se da vida deles. Só em 1941, ao redigir estas Quartas Memórias, é que irmã Lúcia revelará ao mundo esta luz.

 

Porém, o modo como Deus se serviu de seus inocentes amiguinhos para revelar ao mundo o Imaculado Coração de sua Mãe Santíssima é outra marca da grandeza dos acontecimentos de Fátima.

 

«Parece-me que neste dia, este reflexo teve por fim principal infundir em nós um conhecimento e amor especial para com o Coração Imaculado de Maria, assim como das outras duas vezes o teve, me parece, a respeito de Deus e do mistério da Santíssima Trindade.» (3ª Memória).

 

Vemos assim que não foi por causa da visão do Coração na palma da mão que os corações das crianças passaram a ter grande amor pelo Imaculado Coração, mas sim pela luz divina que lhes foi comunicada, com o conhecimento infuso da realidade de fé que se escondia por detrás daquela visão extraordinária. Devoção real, sólida, profunda, sem nada de sentimental. «Desde esse dia sentimos no coração um amor mais ardente pelo Coração Imaculado de Maria.A Jacinta dizia-me de vez em quando: "Aquela Senhora disse que o Seu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá a Deus. Não gostas tanto? Eu gosto tanto do seu Coração. É tão bom!» E antes de ir para o hospital ela insistia com Lúcia para não ter medo de, chegada a hora, dizer ao mundo que Deus queria a devoção ao Imaculado Coração de Maria.

 

Não sei se as longas citações das Memórias de Irmã Lúcia nos desvia das considerações de ordem espiritual, no sentido da vida mística das crianças. Mas tudo o que foi citado mostra as principais etapas e acontecimentos que foram formando e elevando as suas almas.

 

Assim é que, entre a segunda e a terceira aparição aconteceu um fato de grande importância para o que estamos a tratar. Lúcia passa por uma grande noite da Fé. Ela, cheia de dúvidas, achando que tudo aquilo pode ser do demônio, e os seus priminhos chorando e sofrendo por ver a prima naquele estado. Grandes purificações para grandes almas. Todos os esforços foram vãos para convencer a mais velha, que só foi ao encontro por ter sido arrancada de sua casa por um impulso mais forte do que ela, indo encontrar os dois pequenos chorando de joelhos em sua casa. E Francisco dirá depois como se comporta os santos diante das grandes decisões: «Credo! Aquela noite não dormi nada; passei-a toda a chorar e a rezar para que Nossa Senhora te fizesse ir!» (4ª Memória)

 

Eles estavam, enfim, prontos para a grande revelação que Nossa Senhora queria lhes fazer.

 

A Terceira Aparição: 13 de julho de 1917.

 

A narrativa da terceira aparição nos afastaria do nosso assunto. Lembremos apenas que ela é o centro do conjunto de aparições e de fatos sobrenaturais que as três crianças assistiram:

- a visão do inferno para onde vão as almas dos pecadores
- o Imaculado Coração de Maria como remédio para salvar a humanidade desse inferno
- a Rússia, castigo para esse mundo pecador
- a terceira parte do segredo, que segundo testemunho de altas personalidades da Igreja, que a leram, fala da terrível crise de fé que assola o mundo e a Igreja desde o último Concílio.

 

O que mais nos interessa aqui é a impressão que lhes ficou da visão do inferno e das profecias ditas por Nossa Senhora: «Na terceira aparição, o Francisco pareceu ser o que menos se impressionou com a vista do Inferno, embora lhe causasse também uma sensação bastante grande. O que mais o impressionava ou absorvia era Deus, a Santíssima Trindade, nessa luz imensa que nos penetrava no mais íntimo da alma. Depois dizia: "Nós estávamos a arder naquela luz, que é Deus e não nos queimávamos! Como é Deus!...não se pode dizer! Isto sim, que a gente nunca pode dizer! Mas que pena Ele estar tão triste! Se eu O pudesse consolar!...» (4ª Memória)

 

Esta elevada e bela afirmação vem se juntar a todas as outras que já fizemos da vida de Francisco Marto, onde sua alma de criança e de santo se desenha com tanta clareza, inundada desta graça de vida mística, de vida perdida em Deus.

 

Jacinta, ela, viverá até o fim com esta visão do inferno diante de si, como um aguilhão que lhe dará sempre mais forças para sofrer: «A vista do Inferno tinha-a horrorizado  a tal ponto que todas as penitências e mortificações lhe pareciam nada, para conseguir livrar de lá algumas almas... Algumas pessoas, mesmo piedosas, não querem falar às crianças do Inferno, para não as assustar; mas Deus não hesitou em mostrá-lo a três e uma de seis anos apenas, e que Ele sabia se havia de horrorizar a ponto de, quase me atrevia a dizer, de susto se definhar.

 

Com freqüência se sentava no chão ou nalguma pedra e pensativa começava a dizer: "O inferno, o inferno! Que pena eu tenho das almas que vão para o inferno! E as pessoas lá, vivas, a arder como a lenha no fogo! E meio trêmula ajoelhava, de mãos postas, a rezar a oração que Nossa Senhora nos havia ensinado: "Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do Inferno, levai as alminhas todas para o Céu, principalmente as que mais precisarem".» (3ª Memória)

 

Muitas graças extraordinárias são descritas por Lúcia sobre seus primos. A visão que Francisco tem de um demônio, como o que eles viram na visão do inferno, a visão que Jacinta tem do Papa, bi-locação, as profecias sobre as modas que ofenderão a Deus. Um pouco antes de sua morte, Nossa Senhora aparece para ela e lhe pergunta se ela aceita continuar a salvar as almas do inferno. Todas elas são confirmações, conseqüências da elevação a um alto grau de santidade operada pelo aprendizado do Céu, desde as aparições do Anjo até a morte das duas crianças. Mas voltemos ao dia 13 de julho:

 

Quando Nossa Senhora chega sobre a azinheira, Lúcia fica muda, em êxtase, diante dessa luz intensa, da qual ela tinha duvidado. Foi Jacinta que a alertou: fale pois ela já está falando com você. Lúcia, sempre discreta sobre as graças recebidas por ela própria ficará sempre com saudades do céu, e quando ela manifestava isso a eles, Jacinta lhe lembrava que o Imaculado Coração de Maria seria o seu refúgio. Sua missão quase profética de anunciar a revelação do Imaculado Coração de Maria parece, aliás, ter começado ainda no dia da última aparição. Eis o que nos conta o Dr. Carlos Mendes:

 

«Quando o sol voltou ao normal, tomei Lúcia nos meus braços para leva-la até o caminho. Meus ombros foram assim o primeiro púlpito de onde ela pregou a mensagem que acabara de lhe confiar Nossa Senhora do Rosário. Com grande entusiasmo e Fé ela gritava: "Façam penitência, façam penitência! Nossa Senhora quer que façais penitência. Se fizerdes penitência a guerra acabará". Ela parecia inspirada. Era impressionante ouvi-la. Sua voz tinha entoações como a voz de um grande profeta

 

A Continuação

 

Depois da morte de Francisco e Jacinta, Lúcia continuará recebendo muitas graças e procurando desempenhar seu papel de testemunha da vontade de Nossa Senhora. No dia 10 de dezembro de 1925, apareceu-lhe a Santíssima Virgem e ao lado, suspenso numa nuvem luminosa, um Menino. Nossa Senhora pôs sua mão no ombro da religiosa e mostrou-lhe na palma da outra mão, seu Coração cercado de espinhos. Disse o Menino: "Tem pena do coração de tua Santíssima Mãe, que está coberto de espinhos, que os homens ingratos a todos os momentos lhe cravam, sem haver quem faça um ato de reparação para os tirar."

 

E Nossa Senhora pede, então, que irmã Lúcia espalhe pelo mundo a devoção dos 5 Primeiros sábados do mês. A todos os que se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, meditando nos quinze mistérios do Rosário, com o fim de desagravar ao Imaculado Coração de Maria, a boa Mãe do Céu promete assistir na hora da morte com todas as graças necessárias para a salvação. E mais tarde Nossa Senhora explicará porque pediu 5 sábados: porque são cinco as espécies de ofensas e blasfêmias proferidas contra o Imaculado Coração de Maria:

-          blasfêmias contra a Imaculada Conceição
-          contra sua Virgindade
-          contra a Maternidade divina, e recusa de recebe-la como Mãe
-          os que procuram infundir nos corações das crianças a indiferença, o desprezo e até  o ódio para com esta Imaculada Mãe.
-          os que a ultrajam em suas sagradas imagens.

 

Os grandes mistérios revelados e vividos pelas criancinhas de Fátima continuam, portanto, diante de nós, diante do mundo indiferente. Cabe a cada um de nós tomar a iniciativa de se entregar ao amor desta incomparável Mãe, que trouxe o Céu até a terra, nas terras de Portugal, para a nossa salvação. Que os bem-aventurados Francisco e Jacinta de Fátima intercedam por nós, para que nós estejamos à altura deste amor Maternal que Nossa Senhora quer nos comunicar. Rezemos o Terço todos os dias.

 

 

 

 

 

 

Fotos de um martírio

 

“Dos mártires daqueles dias, nenhum chamou tanto a atenção do público no México e no resto do mundo como o Jesuíta Miguel Agustín Pro. Pro foi morto por um pelotão de fuzilamento em frente das câmeras dos jornais que o governo trouxera para gravar o que esperava ser o constrangedor espetáculo de um padre implorando por misericórdia. Foi uma das primeiras tentativas modernas de usar a mídia para a manipulação da opinião pública com propósitos anti-religiosos. Mas, ao invés de vacilar, Pro demonstrou grande dignidade, pedindo apenas a permissão de rezar antes de morrer. Após alguns minutos de prece, levantou-se, ergueu seus braços em forma de cruz – uma tradicional posição de oração mexicana – e, com voz firme, nem desafiante, nem desesperada, entoou de forma comovente palavras que desde então se tornaram famosas: 'Viva Cristo Rey'.

As mártires de Compiègne

[Nota da Permanência] O texto que se vai ler foi tirado do apêndice histórico da edição brasileira da obra de Gertrud von le Fort (A Última ao Cadafalso, trad. de Roberto Furquim, Quadrante, São Paulo, 1998), e tem por base o livro de Bruno de Jesus Maria, O.C.D, Le Sang du Carmel ou la véritable passion des seize carmelites de Compiègne, Plon, Paris, 1954 e o informe do Secretariatus pro monialibus, Curia Generalis O.C.D., As Bem-aventuradas mártires de Compiègne, Roma, S.d. As citações entre aspas, exceto quando é indicado o contrário, provêm dos manuscritos da Irmã Maria da Encarnação. 

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