"Se queres ser amigo da Igreja é preciso estender a tua amizade em toda a altura, largura e profundidade da Igreja. Serás amigo dos primeiros cristãos, companheiro de peregrinação dos peregrinos de Emaús. Acharás bela a palavra de Pedro, belos os pés do apóstolo que anunciam Jesus, bela a autoridade de Inácio de Antioquia e ainda mais bela a sua humildade, mas ainda muito mais belo o seu testemunho. Conhecerás histórias dos que creram e cada um a seu modo trouxe um testemunho. Como é possível amar a Igreja sem gostar da convivência antiga dos irmãos na Fé? Como é possível amar a Igreja sem considerar com sobrenatural ternura, com estremecimentos de gratidão, a galeria dos Padres, e sem admirar toda uma civilização povoada de santos e marcada de Evangelho? Como é possível amar a Igreja sem admiração agradecida por todos os que deixaram a passagem marcada no chão do mundo ou no mundo das almas?"
(Amizades, 10/05/69)
AMIZADES
"Todo amigo é amigo de infância. Não importa se você o conheceu no mês passado ou se soltou papagaio com ele na Rua do Matoso. Se a amizade é verdadeira, ela tem esta força que vence as distâncias e os anos, e tem necessidade de uma profunda comunhão de vida. O amigo não quer o amigo apenas no momento que passa, não se contenta com encontros e trocas fortuitas; o amigo quer o amigo em todas as suas dimensões, quer conhecer suas raízes e apreciar seus frutos. O amigo quer o amigo como companheiro de caminhar neste mundo. E por isso, a primeira idéia que nos acode quando pensamos na perfeição da amizade é a da fidelidade.
"Observai quantas e quantas vezes a Sagrada Escritura nos fala da amizade, insistindo sempre na idéia de longa fidelidade: "O amigo é amigo todos os dias, mas na hora da desgraça é irmão" (Prov. XVII, 17). "Um amigo fiel é uma proteção poderosa, e quem o achou possui um tesouro. Nada vale mais do que um amigo fiel, nenhum peso de ouro marca seu preço. Um amigo fiel é remédio da vida, e aqueles que temem o Senhor o encontram. Quem teme o Senhor é capaz de verdadeira amizade, pois vê no amigo o seu semelhante". (Ecc. VI, 14-17).
Por outro lado, o que marca o falso amigo é justamente a sua inconstância: "Este é amigo em tal hora, mas não o será no dia da aflição; este outro é hoje amigo e amanhã inimigo; aquele é amigo quando está sentado à mesa, mas não o é na hora da dor." (Ecc. VI, 8-10)
Há entretanto uma amizade maior do que as outras: a de quem dá a vida por seus amigos. "Sois meus amigos se fizerdes o que mando", disse-nos o Senhor, e logo acrescentou: "Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o senhor, chamo-os amigos porque tudo o que ouvi de meu Pai vos dei a conhecer".
E é por isso que Santo Tomás nos ensina que a caridade é uma amizade porque inclui um paralelismo de vontades e uma comunhão de beatitude."
(Amizades, 10/05/69)
" Na volta para casa eu ia pensando que as ruas, os lampiões elétricos, os trilhos dos bondes, a polícia, os motores de explosão, o asfalto, tudo, enfim, existe para facilitar os encontros da amizade e as festas do afeto e da inteligência. E se não é para isto que existem, então não vejo que diacho de serventia terá a máquina das cidades e das civilizações"
(Como é bom viver entre irmãos! DN, 23/4/1960)
AMOR
"A conversação amorosa tem esse caráter especial: todos os assuntos são pretextos. Dentro da infinita variedade que a vida e o mundo proporcionam, o coração enamorado vê no assunto um lugar de encontro, um modo de contato."
(Wolfgang Amadeus Mozart, in Dez Anos)
"Antigamente, quando se acreditava demais nos valores extrínsecos e no funcionamento das instituições, que seriam capazes até de arredondar as arestas vivas das almas, era costume aconselhar casamento em função das qualidades e dos títulos. Havia por exemplo o casamento do "bom partido". E ainda hoje muita mãe calejada, ou de si mesma esquecida, espanta-se e assusta-se quando vê a filha recusar um desses bons partidos. Diz que amor é poesia que passa. Ensina que a vida é diferente. Alega sua experiência. Mas no caso quem tem razão é a filha, porque ninguém se casa com adjetivos. Por melhores que sejam de ambas as partes, a convivência será um doloroso desencontro se faltar a misteriosa afinidade que só pode ser revelada e descoberta na experiência do amor. Ninguém se casa com títulos. É com a pessoa, essa coisa espessa e compacta, integrante de todas as qualidade numa substância concretíssima e singularíssima, é com a pessoa, com o ser total do outro, que a gente se casa. E isto só se manifesta quando funcionam as finas intuições do coração, e o amor é a virtude de multiplicar por mil as secretas sensibilidades desse instinto. A intuição amorosa não despreza as qualidades, não faz tábula rasa dos títulos e recomendações, mas integra-os no todo da pessoa amada. O amor é essencialmente totalizador, ao contrário do desamor que é essencialmente analista. Quando a gente gosta de uma pessoa, pessoalmente, até o fundo, é da pessoa total que se gosta; quando porém a pessoa aborrece é sempre pelas partes e pelas superfícies que aborrece."
(A Boa Escolha, in Claro Escuro)
"Muita gente diz que amor é cego, e portanto mau conselheiro. Mas não é verdade. Cego é o amor próprio, que muita vez se finge de amor. Ao contrário, amor é compreensão, é penetração, é conhecimento."
(A Boa Escolha, in Claro Escuro)
"Dizer que o amor é cego equivale a afirmar a radical incompatibilidade entre o amor e a razão. O caloroso amor será cego; a lúcida razão será gélida. Divide-se então o homem em si mesmo, de um modo irremediável, e o jogo do amor será uma loteria com poucos prêmios e muitos bilhetes brancos. A razão virá mais tarde, quando esfriar o amor, para passar um pito no apaixonado; ou para se rir amarelo da ilusão dos que ainda vivem nos amorosos torpores.
"[...] Ao contrário, o amor é lúcido. O amor, o verdadeiro amor é ardentemente compreensivo. Só quem ama verdadeiramente, conhece verdadeiramente. Se é verdade que o conhecimento precede o amor, é verdade também que o amor precede a dilatação do conhecimento.
"O amor, o verdadeiro amor tem um conhecimento penetrante, candente, fino, lúcido; tem um conhecimento de ressonância profunda, de identificação, de conaturalidade.
"O amor, o verdadeiro amor advinha, penetra, descobre, simpatiza, faz suas as aflições do outro, dá ao outro suas próprias alegrias. É compreensivo. Mas não é compreensivo no sentido que se dá a esse vocábulo, quando quer significar uma tolerância que fecha os olhos. Não. O amor verdadeiro é compreensivo num sentido maior, que não fecha os olhos, mas que também não fecha o coração. Vê as falhas do outro, vê as misérias do outro, com uma generosa inquietação, com uma piedosa solicitude. Mas vê. Vê com amor. Mas vê. E é nessa visão que ele encontra as forças de paciência para os dias difíceis, e que se defende das amargas decepções. A miséria, o defeito, a falha, apresentados pelo amor, conservam sempre a dignidade do contexto em que foram apreendidos, sem sacrifício da veracidade. Porque o amor é veraz, é verídico, é essencialmente amigo da verdade. E como compete à razão guiar a alma nos caminhos da verdade, segue-se com lógica irresistível que a razão é o piloto do amor."
(Amor, casamento, divórcio, A Ordem fev/52)
AMOR AO PRÓXIMO
"Um de nós, que nunca viu o sr. João Amazonas, e que só o conhece de nome, não o pode amar. Como é possível amar o interventor do Pará ou o marajá de Kapurtala, a alguém que nunca tenha encontrado esses ilustres personagens? Amanhã ou depois um dos nossos talvez venha a encontrar o marajá ou o deputado comunista, numa dessas interseções da vida, como aconteceu com o bom samaritano que permitiu ao Senhor a lição sobre o próximo, mas antes disso acontecer é ridículo dizer que já os amamos.
Ridículo e um pouco hipócrita. Amamos o próximo; e antes de tudo amamos a Deus. Quanto ao marajá e ao interventor, está na mão de Deus, pelo ministério dos anjos, a distribuição do afeto dentro da comunhão dos santos. Este é o único modo de que dispomos, neste mundo, de honrar a humanidade dos desconhecidos, pela santa humanidade de Cristo. Nosso amor a Deus descerá como uma chuva nas casas dos japoneses e nas choças dos índios, mas não nos fica bem enunciar esse mistério dizendo desde já que sentimos palpitações de amor quando pensamos no sr. João Amazonas. Será preferível, mais sincero, mais varonil, talvez mais cristão dizer claramente que sentimos uma veemente indignação pelo que dele sabemos como homem público, que nas câmaras procura nos arrastar para uma iniquidade."
("Combate ao Comunismo", A Ordem, Editorial, Janeiro de 1947)
AMOR MATERNO
"Também o amor materno, que fez a violência de rachar o corpo ao meio, em grandes dores, para dar à luz, isto é, para se separar, muitas vezes se arrepende freneticamente e volta-se contra o filho com um vampirismo monstruoso que se prolonga para a vida inteira. O primeiro gesto maternal de agarrar o filho ao colo já é uma mistura de amor e de avareza. Mais tarde serão agasalhos, conselhos, solicitudes que tentarão se interpor para tirar a luz depois de ter dado a luz. E quando o filho se aproxima da idade das núpcias, podendo em cada instante descobrir pelo amor a prodigiosa objetividade da noiva, a mãe devorante se multiplica silenciosamente, cerca, abafa, agasalha, transforma-se ela toda num enorme útero, tépido, escuro, palpitante".
(A Descoberta do Outro, pág. 184)
ARQUITETURA
"Aliás, por falar em arquitetura, é forçoso reconhecer que nosso autor reconhece a fraqueza da cultura soviética nesse domínio. Diz, em conversa com Ilya Ehrenburg, que a arquitetura soviética está atrasada vinte anos. Trocam idéias sobre esse fenômeno que parece explicar-se por certas causas sutilmente apontadas pelo autor russo. A mim tudo pareceu obscuro nessa passagem porque, de início, não sei o que quer dizer atraso de vinte anos em arquitetura. Sei, ou julgo saber, o que é uma casa feia. Mas não sei o que é uma casa atrasada. A maior parte dos edifício feios que conheço aqui no Rio, não representa um atraso da arquitetura: mais depressa representa um avanço. O que se construiu entre 1920 e 1930 peca, evidentemente, por adiantamento sobre o que se construiu nos tempos coloniais. O pó de pedra foi um adiantamento sobre a parede caiada. O nosso Arsenal de Marinha está adiantado de trezentos anos, em relação ao nosso Mosteiro de São Bento. Em português, é óbvio, que não está na folhinha ou no relógio, o critério para a crítica de arte, mas em russo, talvez tenha algum sentido especial, que me escapa, o atraso de vinte anos em arquitetura"
(Viagem pela Rússia, Diário de Notícias, 16/12/1955)
ARTE
"Não é por mero floreio literário que disse estarem os homens preparando uma exposição para o juízo final. Na verdade, o fazer artístico, saiba ou não saiba o artífice, é uma espécie de ofertório".
("Quadros em uma exposição", in O Desconcerto do Mundo)
ARTE MODERNA
"A mais humilhada das artes tirou uma desforra completa. Fugiu do internato. Ou do orfanato. Rasgou o uniforme, e andou pelas ruas da cidade descabelada e impudica. Fauvismo, cubismo, dadaísmo, futurismo, orfismo, sincronismo, construtivismo, suprematismo, purismo, surrealismo, pós-cubismo, pós-surrealismo, abstracionismo, concretismo... A história continua a descrever a curva perigosa. E foi nos solavancos e na vertigem da mudança geral de valores e critérios que se realizaram as ofegantes experiências estéticas. É difícil discriminar o falso e o genuíno, o estéril e o fecundo, nessa Babel de tentativas. É difícil saber qual é a parte de todo esse conjunto que terá ingresso, não nos salões oficiais dos juízes carregados dos preconceitos da época, mas naquele salão universal e apoteótico que os anjos contemplam."
("Quadros em uma exposição", in O Desconcerto do Mundo)
"Passaram-se os tempos. A curva continua, mas agora nós nos habituamos à vertigem. Pode-se até dizer que de tal modo nos habituamos à curvatura da história que até passamos a considerar os solavancos como rotinas. Temos ou apregoamos uma facilidade enorme de aceitar todas as inovações. Temos até vergonha, respeito humano, de demonstrar um sincero ahurissement diante de alguma tela exposta na bienal. Não fica bem manifestar estranheza diante do que é estranho. Escancarada e complacente, a opinião pública aceita tudo. O espírito burguês, vivendo a antítese do fixismo derrubado, tornou-se revolucionário. E a audácia de recusar foi substituída pela audácia de aceitar e de fingir que compreende tudo. E assim, ao farisaísmo de 1870 responde o mundo moderno com um publicanismo de infinita tolerância, que muitos pensam ser uma infinita sabedoria, e alguns ousam pensar que é uma infinita caridade. Quando a forma da música ou da poesia parecer esdrúxula demais, o público tem um moeda desvalorizada para comprá-la, ou uma fórmula para conjurá-la: arte moderna. Nós nos rimos hoje dos críticos que riam de Manet, do pacato Manet, do tranqüilo Manet. Quem se rirá de nós?"
("Quadros em uma exposição", in O Desconcerto do Mundo)
ARTISTAS
"O pobre do artista, por mais que falem de suas vaidades e jactâncias, é sempre um inseguro. Um mísero, que às vezes sabe o que faz, mas quase sempre ignora o que fez. Um mendigo que precisa, mais do que ninguém, de pancadinhas no ombro. Um sequioso de confirmação. Um faminto de elogio. Só não precisa de elogios o homem muito santo ou o homem muito orgulhoso. O primeiro, porque tem a alma repleta do elogio da Graça; o segundo porque carrega em si mesmo a sua claque, a sua bancada, a sua maioria.
"Mas o artista do vulgar meio termo, que anda na montanha russa da vida, ora mais alto, ora mais baixo, sem atingir a santidade e sem se endurecer de suficiências, esse precisa de palmas, de sinais que o confirmem, de mãos que o salvem do oceano de perplexidades."
(Agradecimento, in Dez Anos)
"Com já tive a ocasião de salientar mais de uma vez, tenho a convicção de que a arte, se lhe tiram o sentido, a dimensão escatológica, deixa de ser o que é, perde-se, desmancha-se. Os artistas estão aqui, neste mundo obscuro e bastante desconcertado para mostrar aos homens os preparativos de uma festa a que todos estão convidados. O trabalho deles, dentro de tal concepção, é como as estrelas que brilham sem vencer a escuridão da noite. Estamos aqui no mundo, não apenas vendo sombras, como disse Platão, mas vendo lampejos, como disse o Apóstolo Paulo. E é nesse sentido mais alto que agora coloco o esforço de tornar visível o que está escondido no âmago das coisas: os poetas, os escritores como Eça, são semeadores de estrelas em nosso caminho escuro; e nisto, queiram ou não queiram, sejam liberais ou anti-clericais de um modo mais ou menos pueril, como nosso excelente português, estarão sempre a serviço de Deus. Canta a Igreja, na Quinta-Feira Santa, durante o Lava-pés, a antífona tirada do Evangelho de São João: Ubi caritas, et amor, Deus ib est. Ora, o que o Evangelista disse do amor, creio que se possa analogamente dizer da beleza. Onde estiver algumas cintilações da beleza, aí Deus está."
("Na mesma língua em que chorou Camões", in O Desconcerto do Mundo)
AVENTURA
"(...) nós naqueles verdes anos estávamos simplesmente realizando o que é próprio do homem: a aventura. Na verdade toda a humanidade não tem feito outra coisa senão cometer extraordinárias imprudências que depois se transformam em impérios, em fama e glória, em história, em lenda, em canto.
"Vejam se o velho do Restelo não tinha razão em apostrofar os bravos lusitanos que sob o comando de Vasco da Gama iam ao outro lado do mundo fundar novos reinos e comprar especiarias. Vejam os fenícios que certamente andaram aqui por perto; vejam os vikings, vejam todos os grandes navegantes e grandes aventureiros e assim também vejam o sagaz e astuto Ulisses, que não fazia outra coisa senão aventurosamente voltar para casa, que é a maior das aventuras.
"Os economistas que costumam explicar os atos humanos pelas causas materiais, na verdade são uma raça de gente que vê o mundo pelo en dessous das coisas. Eles pensam que assim explicam melhor os atos humanos, os grandes feitos, aventuras e guerras. Na verdade em todo o mundo físico, as leis que governam os movimentos dos astros e das coisas são aquelas do caminho mais curto. Eu não sei qual a versão que dariam, esses explicadores de tudo pelo lado do nada, à expedição do sábio dinamarquês Amundsen ao Pólo Sul. A mim, hoje, parece-me que esses intérpretes da história, nas explicações que dão, explicam tudo menos daquilo que é o principal no homem, a saber, o espírito. Eles não sabem que há duas leis regendo os movimentos humanos. Às vezes o homem se sujeita à técnica e procura a lei do menor caminho, mas antes disso já aceitara a lei da aventura e do caminho mais longo."
Num interessante inquérito promovido pelas revistas norte-americanas U.S. News and World Report, e publicado com grande destaque pelo O GLOBO, desde os dias 18 e 19 do corrente, vem sendo abordado problema da crise, do malogro ou do futuro da “democracia”. Numerosos intelectuais norte-americanos e ingleses, de alto prestígio, como: Professor Samuel P. Huntington — Cientista Político, Professor Charles Frankel — Filósofo, Professor Robert L. Heilbroner — Economista, Professor Max Beloff — Cientista Político, Professor William H. McNeill — Historiador, Professor Michael J. Crozier — Sociólogo, Professor Friedrich A. Hayek — Economista e Professor René Dubos. Cientistas, trouxeram sua contribuição ao debate que, para esses intelectuais, parece assentado em claros postulados aceitos por todos e motivado por mais uma inquietação do mundo moderno, ou pelo menos, do ocidente moderno.
Em primeiro lugar observo que o termo “democracia” sempre demarcado com o artigo “a” que reforça sua determinação designa um conceito quase tão claro e tão unívoco como o de “quadrado”. Ora, desde aqui me parece que esse inquérito aceita, sem sinais de relutância, todos os movediços equívocos que formam a atmosfera cultural de nosso tempo.Leia mais.
Nas vésperas das eleições, mergulhados na poluição fedorenta de todo esse sistema espúrio e corrupto capaz de levar o Brasil a estabelecer no poder pessoas que deveriam estar na cadeia, respiremos algum ar fresco do pensamento reto, luminoso e profundo de Gustavo Corção
Alguém do Jornal do Brasil telefonou-me perguntando se eu poderia responder a duas perguntas simples: 1° — Quem seria no novo presidente? 2° — Que pensa o senhor do regime e sobretudo desse método de escolha dos chefes?
Esquivei-me da primeira pergunta por falta de informações exatas. Mas não hesitei em responder à segunda: depois do movimento de 64, que considero providencial, o Brasil achou-se com um regime de governo que, a meu ver, é o melhor, mas ainda não tem denominação feliz. Usando a clássica qualificação dos regimes, deixada por Aristóteles, o governo atual do Brasil e do Chile não é monárquico nem democrático: é o governo que Aristóteles chamou aristocrático, deixando o termo oligárquico para designar sua depravação.
É hoje evidentíssimo que nenhum desses dois nomes pode ser convenientemente proposto. Mas também torna-se cada vez mais evidente que é esse o melhor regime. Ouçamos algumas palavras de Santo Agostinho que, como sempre, bem responde aos problemas de hoje: “Se um povo é sério e prudente, zeloso pelo interesse público, é justo que se faça uma lei que permita a esse povo dar a si mesmo os magistrados. Entretanto, se tornado pouco a pouco depravado, esse povo tornar venal seu sufrágio entregando o governo a celerados e infames, é justo que se lhe retire a faculdade de conferir os cargos públicos, e se volte ao sistema de sufrágio limitado a algumas pessoas idôneas” (Santo Agostinho, Tratado do livre arbítrio, Vol. I cap. VI, citado por Santo Tomás).
Eis aí uma citação que convém como uma luva a recente história do Brasil. Depois das graves contribuições trazidas pelos últimos governos ditos democráticos, que já entregavam o Brasil ao comunismo, achamo-nos diante de uma situação singular: todos os brasileiros, nas famosas Marchas com Deus e pela Família, demonstraram a aceitação do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, escolhido por indicação de seus companheiros das Forças Armadas.
Lembro aqui também o grande Papa Leão XIII na sua encíclica Immortale Dei, mais de uma vez citada nestas colunas. No tópico n° 10, essa encíclica formula o mais enérgico repúdio dos novos direitos trazidos pela Revolução do século passado, e não dissimula sua condenação à filosofia política que se funda na soberania nacional e no princípio de igualdade para fazer finalmente do sufrágio universal um dos famosos direitos do homem.
Que nome daremos nós a esse novo regime em que providencialmente se achou o Brasil? Eu não costumo me prender demais aos nomes desde que li os versos de Shakespeare onde o poeta atribui a Julieta essas palavras relativas ao nome da família de Romeu: “What is a name?” Teria a rosa menos perfume se tivesse outro nome? Há porém um abismo entre o diálogo amoroso de dois namorados e as exigências do bem comum. No plano das atividades políticas os nomes inculcados às multidões têm funcionado com força mágica. Nossos adversários, os comunistas — que militam dentro da mais dura e desumana de todas as oligarquias, apelidada democracia popular por escárnio — tornaram-se exímios no uso e abuso das palavras mágicas. Reação, fascismo, democracia, marcadas umas com o labéu da execração pública e outras com o halo dos idealismos puros, tornaram-se hoje impraticáveis, se quisermos escrever algumas linhas que sejam entendidas por mais de 10 pessoas. Sabemos de episódios em que jovens se entregaram aos comunistas só para fugir ao terrível anátema do termo “fascista”.
Como já me dispus a tudo nessa matéria não hesitei em denunciar a impostura que tinha a democracia como único regime condizente com os direitos do homem. Dou hoje mais um passo, depois de lembrar que Aristóteles considerava impraticável (e eu diria: sobretudo em regime democrático) a Polis que tivesse mais de 100.000 habitantes. Repito o jogo de palavras que já empreguei nestas colunas: nos tempos modernos aumentou a tal ponto a densidade demográfica que se tornou temerário, mais do que nunca, o uso da forma democrática. O governo e a designação dos chefes não podem ser, por sufrágio universal, entregues ao povo, cada vez mais desumanizado. Sim! Não podem e não devem jamais ser entregues a esse monstruoso soberano que é onipotente (já que todo o poder dele emana) e nihilciente (já que tal coletivo se torna irresistivelmente diminuído e subumanizado). Um modesto homem do povo pode ter a sabedoria de um Sócrates; mas cem milhões de pessoas tornam-se irresistivelmente um ídolo que tem olhos e não vê, orelhas e não ouve etc. De uma só cajadada abato dois nomes mágicos: democracia e povo. Agora, já que estamos com a mão na massa, aproveito para desaprovar, tarde demais, o nome dado ao movimento de 64: “Revolução”, que é o mot d’ordre de toda a esquerda revolucionária e anarquista. Nossos bravos e bons soldados, chamados por Deus à salvação da pátria, assumiram o poder cerimoniosamente, encabulados, e até com certo sentimento de culpa. Por isso até hoje se prendem às idéias políticas de 1789, quando vivemos o ano novo de 1978. O nome de nosso movimento deveria ser este: Reação Nacional. Corajosamente. E que nome daremos ao regime recomendado por Santo Agostinho? Fica aqui o desafio a quem tiver talento de títulos melhor do que o meu. Mas enquanto não acharem o nome, olhemos a “coisa” de face e sem nenhum constrangimento. O movimento de Reação Nacional de 64 veio acabar com o prestígio e a superstição do sufrágio universal. E deve manter-se firme nesta obra de purificação prestada ao país. Não! Nem prestígio nem superstição. O termo que convém melhor é o de “mentira vital”. Porque aqui entre nós dois, meu caro Fulano, desabafemo-nos. Na verdade, na verdade, não creio que ninguém, em são juízo, fora do torpor causado pelo ópio, possa acreditar na pureza e num mínimo de racionalidade do sufrágio universal. Eu votei em Jânio Quadros, e quem teve razão foi o cronista David Nasser, de “O Cruzeiro”, quando estampou com enorme destaque esta frase: “Seis milhões de loucos votaram em Jânio Quadros”.
E aqui, como derradeiro argumento, trago os dados da história do Brasil republicano. Os melhores governos que o país teve foram os dos três presidentes paulistas, Prudente de Morais, Campos Sales e principalmente Rodrigues Alves. Ora, como estamos cansados de saber, as eleições nesse tempo eram feitas a bico de pena, eram dirigidas por uma minoria.
Quando Getúlio Vargas trouxe o sufrágio universal em 34 (para logo liquidá-lo em 37), passamos a ter os governos catastróficos que culminaram em Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, que fizeram no Brasil obra semelhante à de Allende no Chile. Vocês se lembram de março de 1964? Lembro-me eu.
Nos últimos dias de agosto, como se não bastassem os acontecimentos desse mês que nos pareceu ter trezentos dias, correu entre nós um boato que nos deixou sacudidos entre o gáudio e a tristeza: as irmãzinhas do Père Foucald, que se achavam no sertão de Goiás, vivendo entre os índios o obscuro esplendor da virgindade e da paciência, como Santa Rosa de Lima, teriam sido trucidadas pelos tapirapés ou por seus ferozes inimigos. A morte horrível das duas moças, cujas irmãs tantas vezes visitamos na casinha do morro de São Carlos, parecia-nos um sinal do céu, uma réplica que o sertão do Brasil dirigia à capital do Brasil, nesse diálogo de violências que nos encheu o mês de agosto, uma réplica de Deus a nos dizer que seu pendão orvalhara a nossa terra com o sangue dos mártires...
Visa o presente estudo investigar o processo e a natureza das faculdades especiais que caracterizam o inventor, esse singular indivíduo que consegue combinar, de um modo novo, os elementos antigos, criando um objeto novo como um abridor de latas ou um Radar.
Comecemos por um jogo falseado, ou melhor, pela realidade que se esconde sob aquela falsidade, ou ainda melhor, ou talvez irremediavelmente pior, comecemos pelo anúncio de trágicas conseqüências da falsificação tomada como critério de valor ou de verdade. E qual é essa falsificação? É o esquema, ou o jogo Esquerda-Direita.
“Pode alguém ignorar a doença profunda e grave que nestes tempos, muito mais do que no passado, devasta a sociedade humana e que dia a dia agravada, a corrói até a medula e a arrasta à ruína? Essa doença é o descaso de Deus e a apostasia; e nada, sem dúvida alguma, leva mais depressa à ruína, segundo esta palavra do Profeta: “Eis que perecerão os que se afastam de Vós”. São Pio X, “E Supremi Apostolatus”, 1905.
Em Mateus (XIX, 16-22), lemos a primeira definição do monge: “E eis que alguém, abordando-o, disse: Mestre, que devo eu fazer de bom para ter a vida eterna? E ele lhe diz: Por que me interrogas sobre o que é bom? Um só é bom. Se queres entrar na vida, observa os mandamentos. E ele lhe diz: Quais? Jesus responde: São estes: não matarás, não cometerás adultério, não furtarás, não pronunciarás falso testemunho, honrarás pai e mãe, e amarás o próximo como a ti mesmo. Diz-lhe o moço: Observei-os todos, que me falta ainda? Jesus lhe diz: Se queres ser perfeito, vai, vende o que possuis, dá tudo aos pobres, e terás um tesouro nos céus: depois vem, e segue-me. Quando ouviu estas palavras, o moço afastou-se contristado porque era muito rico”.