Skip to content

A desfiguração do Natal

HISTORIANDO UMA HISTÓRIA
— A DESFIGURAÇÃO DO NATAL —
 
A OPINIÃO pública acompanhou com grande interesse as peripécias do caso surgido entre o escritor Gustavo Corção, a revista "Manchete" e o matutino carioca "Jornal do Brasil. Naturalmente variaram os juízos, motivados ora pela desinformação, ora pelos preconceitos, ora pela inciência.

Para melhor compreensão da origem deste caso, lembramos que foi o "Jornal do Brasil", na Natal de 1967, quem primeiro difundiu a nova doutrina que reduz Jesus Cristo às dimensões puramente humanas de um líder excepcional. Na época, o artigo infeliz foi denunciado na imprensa por nossos atuais colaboradores. O assunto, porém, haveria de ser reaberto. Desta feita, coube à revista "Manchete" — ver neste número, pág. 35 "Quem era Jesus?" de Gladstone Chaves de Melo — repetir a façanha. E o fez no Natal de 1968. Os que reagiram um ano atrás, com maiores razões voltaram à liça, insurgindo-se contra o "flagelo e a blasfêmia" assestados contra Aquele
que padeceu desonra e vitupério,
sofrendo morte injusta e insofrível
e que do céu à terra em fim desceu
por subir os mortais da terra ao céu.
 
Voltamos então a discutir um caso que preferíamos ver aquietado. Voltamos a 1967, falando de 1968, ao sentir os fios da meada que ligavam os responsáveis pelas duas publicações. E voltaremos sempre que a blasfêmia for difundida.
 
Supondo que alguns leitores de PERMANÊNCIA não hajam acompanhado o caso e tenham pena de que isso sucedesse, resolvemos publicar aqui a crônica e a documentação a ele referente. Inclusive, para permitir aos distantes e alheios condições de um julgamento objetivo.
 
Um agravo à consciência católica brasileira
 
O número de Natal de "Manchete'" (28-12-68) trouxe um artigo, de medíocre feitio e muito mal traduzido, que nega a divindade de Cristo e sugere que Ele pertença à comunidade dos Essênios, melhor conhecida depois da descoberta, em 1948, dos Manuscritos do Mar Morto. A tese não é nova, já foi julgada pelos competentes e devidamente arquivada. Mas há sempre maneira de ressuscitar cadáveres, para servirem de fantasmas por quinze minutos ou quinze dias. Até aí nada de extraordinário, porque vulgus vult decipi, como dizia o poeta latino. Acontece, porém, que o mal traduzido artigo de "Manchete" foi publicado no Natal, era de molde a confundir muita gente ignorante e inculta e, principalmente, constituía agravo à consciência católica brasileira.
 
Artigo-protesto de gustavo Corção
 
Reagiu, pois, Corção, denunciando este último aspecto do problema. Eis a íntegra de seu artigo, publicado, além de outros jornais, em “O Globo" de 28-12-68:
 
"E muitas outras coisas diziam contra Ele blasfemando” (Lc 22, 65)
 
"A rigor, não faze­mos outra coisa, no mundo, senão colaborar com aqueles que esbofetearam Jesus, como se lê no mesmo versículo de Lucas de onde tiramos o título deste artigo. Sim, todos nós, com nossos pecados, com nosso desamor ou com os nossos esquecimentos, que às vezes são mais cruéis do que as formas mais agressivas do pecado, não fazemos outra coisa senão prolongar na história a paixão de Cristo. "Jesus será en agonie jusqu'à la fin du monde”. E até o fim do mundo será flagelado, será desprezado, será desfigurado.
 
"Há entretanto alguns que se esmeram, e que requintam o flagelo e a. blasfêmia. No ano passado tivemos um caderno inteiro do "Jornal do Brasil" inspirado pelo zelo dos flageladores de Jesus, e tivemo-lo também nas vésperas do Natal. Antigamente era anedota dizer que um jornalista brasileiro era capaz de escrever o artigo de Natal contra Jesus Cristo. Agora tornou-se realidade e até já posso dizer que se tornou sistema.
 
"Refiro-me ao último número de "Manchete", onde se lê um intolerável artigo intitulado Quem era Jesus? Com citações de ciência requentada dos racionalistas do século passado, e até com citações de Teilhard de Chardin, que julga ser um cientista sério, ignorando as arrasadoras críticas do zoólogo inglês P. B. Medwar que ridicularizou ponto por ponto o Phenomène Humain, o autor do artigo de "Manchete" pretende demonstrar a figura cristã de Jesus Cristo, e reduzi-la à de um curandeiro da seita dos essênios ou à de um agitador social que tentou um putsch contra os vendilhões do Templo. Para agravar o requinte dessa publicação feita às vésperas do Natal, a revista "Manchete" entremeia as blasfêmias e as tolices do texto com as figuras produzidas pela imensa e piedosa tradição de arte cristã. Consegue assim a revista ferir a cultura e até os tradicionais sentimentos de nossa gente. E aqui, muito a contragosto, assinalo uma estranha coincidência: em ambas as publicações, a do "Jornal do Brasil" do ano passado e a de "Manchete" deste ano, há responsabilidade de um ou mais judeus. E eu lhes pergunto: por que nos provocam, a nós que os recebemos de braços abertos quando outros povos e outros governos os perseguiam? E antes que me apontem como anti-semita eu venho lembrar os títulos de amizade publicados em meu livro Dez Anos, e sou forçado a dizer que tenho hoje meu nome em cem árvores piedosamente plantadas em terras de Israel por uma judia que assim fez questão de provar sua amizade. Por que nos provocam? Por que nos injuriam?
 
"A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil distribuiu pelos escritores católicos e não católicos um pedido relativo aos tempos de Natal e à necessidade de acentuar o espírito de Natal que tem sido obscurecido, e vem sendo substituído (sou eu agora quem o diz) por festas pagãs. A revista “Manchete" certamente recebeu o apelo, o pedido, e aqui está a bofetada com que os Bloch's e os Dines respondem à cordialidade brasileira.
 
"Vem-me agora à memória a vaga lembrança de uma reportagem pedida por "Manchete" para seu primeiro número. Tratava-se também de assunto religioso, e foi publicada em tom que me obrigou a escrever-lhes recusando a remuneração combinada e qualquer outra posterior colaboração. Vejo agora que permanece no espírito dos diretores de "Manchete” a mesma inimizade pelo cristianismo e o mesmo desprezo pela cultura brasileira que os recebeu.
 
"Não julgue o leitor que eu esteja aqui invocando a espada de Carlos Magno ou as fogueiras da inquisição para castigar os maus hóspedes de nossa terra e os inimigos de nossa religião. Posso escrever livremente por saber com convicção que nenhum perigo correm os mais ativos flageladores de Jesus, que nisto não estão sozinhos, mas há, uma espécie de punição que posso pedir ao meu leitor: o inocente e indolor bloqueio dessa malfazeja revista. E estou certo que meus queridos amigos judeus vivos e mortos concordarão com o protesto que lavro aqui e que se tornou especial­mente imperativo pelo pedido que a Igreja faz na semana do Natal".
 
Uma carta de um diretor de “Manchete”
 
Revidando, veio à liça, por "Manchete", um sr. Justino Martins, que publicou no vespertino a carta que vai abaixo.
 
Ao publicá-la, "O Globo" (4-1-1969) ressaltou que o fazia “sem endossar um só dos adjetivos endereçados contra um dos maiores pensadores brasileiros, o nosso eminente colaborador, líder católico e cidadão exemplar, o professor Gustavo Corção”.
 
Eis a carta:
 
"Surpreendido com o artigo do Sr. Gustavo Corção divulgado pelo “O Globo” em sua edição de 28 de dezembro último, solicito-lhe a gentileza de publicar, também no vespertino que tanto respeito, a seguinte resposta:
 
"1 — Comenta o Sr. Gustavo Corção um artigo publicado por "Manchete” que "pretende demonstrar a figura cristã de Jesus Cristo e reduzi-la à de um curandeiro da seita dos essênios". Considerando o artigo "intolerável", atribui aquele senhor uma intensão (sic) sórdida à sua divulgação, pois a revista pertence a uma empresa e Ediora de cuja direção fazem parte alguns brazileiros de origem semita.
 
"2 — No que toca ao artigo, tenho a informar, como diretor de “Manchete" que o mesmo traz a assinatura do jornalista católico Tanneguy de Quenétain e que também foi publicado pela conhecida revista francesa "Realité". Em nenhuma linha ou palavra do artigo qualquer espírito lúcido encontrará desrespeito eblasfêmia, como insinua o sr. Corção. Limita-se o autor, com base nos célebres Manuscritos do Mar Morto, já parcialmente decifrados, a lançar algumas hipóteses sobre a época em que Jesus viveu.
 
"3 — Num momento histórico em que a Igreja se renova abrindo o diálogo com as diferentes religiões e estendendo sua fraternidade até mesmo aos ateus, os comentários sem conteúdo do Sr. Corção são simplesmente tolos. Mas ocorre que, aparte isso, revelam uma flagrante e ferina intensão (sic) de envolver a revista por mim dirigida numa jogada de fundo racial. Sem tomar partidos, "Manchete'" tem por normas a informação e o esclarecimento­ dos temas que julga interessar os leitores. Neste particular, posso realçar a ampla cobertura que damos a tudo o que se relaciona com a vida e os problemas da Igreja, tratando-a como uma das grandes forças espirituais da Humanidade e tendo em vista exatamente a formação católica da maioria dos nossos leitores.
 
"4 — Mas o Sr. Corção, cujos artigos sempre leio por curiosidade, parece ser um católico todo especial, julgando-se proprietário exclusivo da religião. Daí, os seus freqüentes ataques não só aos intelectuais e pensadores da Igreja como aos sacerdotes, bispos e até ao próprio Papa. Profissional da grosseria e notório em, tolices, foi ele o homem que negou a possibilidade de Brasília possuir telefones. Invocando a sua condição de "professor de eletrônica", garantiu que na nova Capital da República seria impossível a telefonia, com ou sem fio. Quando funcionou o primeiro­ aparelho, o então Prefeito Israel Pinheiro ligou para o Sr. Corção que, mesmo assim, permaneceu incrédulo: só acreditaria na existência de telefones em Brasília se visse o catálogo. Ao ser lançado o "Sputnik”, primeiro satélite artificial — façanha saudada pelos norte-americanos, pelo Papa, pelo mundo inteiro — o Sr. Corção desatou a condenar os jornais brasileiros que, como o próprio "O Globo", haviam caído "numa cilada da propaganda soviética", publicando tamanho blefe.
 
"5 — Enfim, é esse mesmo homem que, depois de ter rompido com os seus amigos do Centro Dom Vital — caluniando-os ao considerá-los a soldo dos comunistas — vem agora apelar "para a espada de Carlos Magno", como se fosse indulgente. Com um pouco mais de intolerância, ele apelaria facilmente para as labaredas da Inquisição medieval ou para os modernos fornos crema­tórias de Treblinka.
 
"6 — Dirijo "Manchete” há mais de dez anos e dou o meu testemunho de jornalista profissional como jamais notei nesta casa qualquer discriminação de ordem racial ou religiosa. Só mesmo a má-fé do Sr. Gustavo Corção poderia cavar uma acusação tão torpe como a que ele fez em seu artigo. — Atenciosamente, Justino Martins.
 
Segundo artigo de Gustavo Corção
 
“Primeiro os Judeus” — "Agredido, volto a reclamar o desagravo das ofensas feitas, agora regularmente, à consciência católica brasileira. Dois anos seguidos o santo dia do Natal vem sendo aproveitado para desfiguração de Jesus. No ano passado foi o "Jornal do Brasil", sob a responsabilidade do Sr. Dines, que publicou a blasfêmia; neste ano foi “Manchete", sob a responsabilidade do Sr. Bloch. Ambos judeus.
 
"De início quero bem frisar que sei o que é um judeu, quase por conaturalidade, ou por uma espécie de vocação. Desde minha primeira mocidade tive a vida povoada de afetos por judeus. Lembro-me bem do grupo com que joguei um campeonato de xadrez no Cap Polonio em 1928. Todos eles me perguntavam: "O Sr. é um dos nossos?" Mais tarde me lembro da grande amizade que me prendeu a um dos melhores homens que encontrei na vida e de quem escrevi estas coisas1: "... eu não tinha forças para convencê-lo, não ousava esperar convertê-lo. O desembaraço que mais tarde terei com os moços da gentilidade falta-me agora quando defronto o mistério e a grandeza de Israel. Sinto-me mais moço do que ele, Nathan. Recém-vindo. Menor. Gentio. Incircunciso. E não ouso propor-lhe aquilo que lhe foi oferecido antes de me ser dado. Um dia, com voz sumida, ele me dirá que, quando lhe falam em Deus, pensa nos judeus arrastados pelas barbas... Respondo-lhe então com voz ainda mais sumida, que eu também, quando me falam em Deus, penso num judeu desfigurado. E ficamos parados nesse encontro, ou nesse desencontro, até que um claro teorema nos veio tirar da espessa realidade com cheiro de sangue, e nos permitiu a evasão para o harmonioso mundo dos entes de razão".
 
"Quando me disseram que Nathan Neugroschell acabava de morrer, que morrera de repente, do coração, senti o maior abalo, o mais agudo sentimento de absurdo que jamais me dera notícia de morte. E instantaneamente pedi a Deus, quase como quem reclama, quase como quem exige — em nome do sangue da descendência de Davi e em nome da Judia que reina no Céu e na Terra — que abrisse de par em par as portas de sua misericórdia para aquele homem de coração puro, para aquele verdadeiro ami­go da verdade..."
 
"Antes dessa amizade posso dizer que fui judeu com os judeus, que sofri com eles, que não estive alheio à salvação de um velho casal que o Governo Vargas entregaria às chaminés nazistas, co­mo entregou a mulher de Prestes que por acaso, por estar visitando outro preso em Frei caneca, vi descer a escadinha da sobreloja com uma maleta de fibra, vestidinho verde e gravidez de sete meses... Várias vezes, antes das larguezas ecumênicas e superecumênicas de hoje, me cobri com a "kipa" para chorar os mor­tos judeus e acompanhar com condoído respeito as orações e invocações que têm o sobrenatural contra-senso de chamar Aquele que já veio (precisamente no dia do Natal) e já se tornou o Emanuel, ou Deus conosco.
 
"Aos israelenses torno a dizer, neste capítulo de declarações insensatas a que me obrigam os mais insensatos, que muito me honra o fato de ter meu nome vinculado a cem árvores doadas a Israel por uma família de amigos judeus.
 
*  *  *
 
"Mas agora lembremos o que está escrito na Epístola aos Ro­manos sobre o terrível mistério do povo que rejeita o Cristo em nome da Lei e com a autoridade dos mesmos profetas que O anunciaram: "Deus dará a cada segundo suas obras... tribulações e angústias aos homens que praticam o mal, primeiro ao Judeu e em seguida ao Gentio; glória, honra e paz a quem faz o bem, primeiro ao Judeu e depois ao Gentio". Eis aí o sobrenatural privilégio desse povo de cuja ruína nos veio a maior riqueza (Rm 11, 12). Eis aí claramente declarada a precedência de nossos mais velhos, no bem e no mal. E é por isso que posso abrir a boca e dizer bem alto o horror que me causam os judeus que ultra­passaram o desatino de desconhecerem e crucificarem Jesus. Ainda era, porém, em nome de Deus verdadeiro mal compreendido que eles desconheceram e rejeitaram o verdadeiro Deus. Ainda são judeus os que permanecem na motivação religiosa dessa impensável recusa. Mas não é mais com esse critério que dois judeus escolheram o santo dia do Natal para desfigurar Jesus Cristo. Mas antes de lhes pedir contas novamente, devo duas palavras ao brasileiro batizado que nos apareceu em "O Globo" de 4 do cor­rente com uma carta onde pretende defender e justificar as desfigurações da revista "Manchete”.
 
"Em primeiro lugar direi ao moço de recados do Sr. Bloch que a blasfêmia não perde sua responsabilidade e sua gravidade por ser mal traduzida do francês. Direi também ao magoado juscelinista, que adulterou o caso dos telefones de Brasília: na época lancei mais de uma vez desafios muito claros que ofereciam a to­dos os juscelinistas uma oportunidade de me arruinar, já que eu apostava a casa que tinha. A lista telefônica que na ocasião me enviaram de Brasília era falsa, como se pode ver ainda hoje. Será preciso provar que até hoje não funcionou o "serviço telefônico" com as características definidas por mim naqueles artigos? Aliás no próprio Rio já deixou de existir uma coisa propriamente chamada serviço telefônico. Em terceiro lugar aconselho vivamente o Sr. Martins a não se obstinar em escrever "intenção" com "s". Escreva com "ç". É mais fácil do que telefonia ou religião. E agora, moço, faça-me o favor de sair de minha frente por­que ainda tenho alguma coisa a dizer a seu amo.
 
"Volto ao texto paulino para dizer que o mistério de Israel inclui um terrível e insondável mistério de abjeção, que entra em jogo quando o judeu perde sua religião e se inclina para o mundo com a avidez infinita que a alma preparara para o desejo de Deus. E ainda se torna mais turvo e mais profundo quando o capitaliza­dor de apostasias escolhe no mundo a paixão marxista, para servi-la direta ou indiretamente. Nós outros costumamos dizer, diante de certas  vilanias judaicas, que os seis milhões de assassinados na Alemanha nos tapam a boca. Mas o judeu marxista a destapa porque nos obriga a gritar contra a sua tríplice traição. Traem aqueles mesmos seis milhões, que são mais de doze milhões se contarmos as vítimas russas. Sim. É preciso não esquecer que não foi Hitler pessoalmente e sozinho que conseguiu tal prodígio de perversidade, como não foi Hitler pessoalmente e sozinho que incendiou Varsóvia e depois o mundo. Há responsabilidades pessoais de incalculável gravidade, mas ainda assim é preciso lembrar que o Agente perfeito que ensangüentou o Mundo foi o Pacto Germano-Soviético que enxertou, um no outro, os dois monstros infernais de nosso século. Pela delirante estupidez dos norte-americanos em Ialta ficou eclipsada a parte comunista do monstro, e chegou este pobre planeta habitado à supremíssima vergonha de ter a sessão inaugural do tribunal de Nuremberg presidida por um membro soviético!!
 
"Ainda hoje tornamos a ver a intransponível hipocrisia de alguns judeus que se queixam de Pio XII em nome de seis milhões de mortos da Alemanha nazista, ao mesmo tempo em que, por toda a parte do mundo onde houver um jornal ou uma agência telegráfica, haverá sempre um Bloch ou um Dines a servir a causa dos assassinos dos seis milhões e dos outros mais milhões que não foram recenseados.
 
"Qualquer pessoa que não seja inteiramente imbecil ou imbecilizada pelo jogo literário de entes de razão sabe que existe, no mundo inteiro, uma guerra revolucionária com o objetivo de massificar o homem e de apagar nas almas os últimos lampejos das saudades de Deus. Os marxistas desempenham papel de desta­que, e os judeus marxistas ou filocomunistas trazem para esta causa todo o furor que lhes vem da antiga grandeza.
 
"O Sr. Embaixador de Israel interveio no episódio do ligeiro incômodo proporcionado aos jornalistas que promoveram e espicaçaram as desordens estudantis. Com que pretexto? A que título? Creio que invocou a importância desses personagens no Sionismo mundial. O que é isto? Que nova categoria é esta que autoriza a intromissão de uma Chancelaria estrangeira num negócio interno que envolve brasileiros natos ou naturalizados? Respeitaria o passo diplomático se se tratasse de uma religião, mas não há religião nem para afrontar outra religião. Não foi em no­me do Deus de Abraão, Isaac e Jacó que a revista do Sr. Bloch e o matutino de que se apoderou o Sr. Dines conspurcaram a figura de Jesus. Foi em nome do ateísmo. Foi em nome do nada com que abundantemente querem sufocar a alma humana.
 
*  *  *
 
"Permanece o fato: duas vezes seguidas, no santo dia do Natal, o caderno do “Jornal da Brasil” e a revista "Manchete" insultam a fé católica brasileira, além de insultarem a inteligência de seus leitores com a mesma requentada meia ciência que só prova a estultícia de seus autores. E se um brasileiro católico reclama, o Sr. Bloch ainda envia um de seus moços de libré marxista para deblaterar asneiras e desaforos em mau português".
 
(Publicado em “O Globo”, 9-1-69)
  
Editorial do “Jornal do Brasil”
 
Nesta altura entra em cena o "Jornal do Brasil" (do qual Alberto Dines é Editor-Chefe e onde goza de grande prestigio) e, contrariando uma velha praxe sua de não atacar pessoalmente ninguém nos editoriais, publica o seguinte artigo-de-fundo (10-1-1969) de responsabilidade direta dos editores, M. F. do Nascimento Brito e José Sette Câmara:
 
"Racismo Anacrônico” — De repente surgiu no Brasil uma voz odiosa, desenterrando fantasmas do capítulo mais negro da história da humanidade, que parecia estar definitivamente sepultado com as cinzas de Belsen, de Auschwitz, de Dachau, de Treblinka. Trata-se do estilo amargo e bilioso do Sr. Gustavo Corção, que resolveu levantar nas terras de nossa democracia racial a bandeira cruel e desumana do anti-semitismo.
 
“O novo pregador da "solução final" encontrou como pretexto artigos publicados no "Jornal do Brasil" e no semanário "Manchete”, que considera insultuosos à figura do Cristo. A anedótica acusação de que alguém possa escrever artigos contra Nosso Senhor Jesus Cristo, mereceria apenas irrisão e desprezo não fossem as graves circunstâncias de que se reveste. O artigo do "Jornal do Brasil”, que o Sr. Corção resolveu submeter ao seu anacrônico auto-da-fé, é apenas uma transcrição de trecho de livro de um dos maiores líderes cristãos do século XX, Albert Schweitzer, filósofo, teólogo, músico, médico missionário e laureado em 1952 com o Prêmio Nobel da Paz. Quem conhece a crônica inquisitorial do Sr. Corção não se admirará de que ele chegue ao ponto de levar à fogueira purificadora o apóstolo de Lambarene, que mergulhou no coração da África Equatorial para tratar dos negros morféticos no seu famoso hospital. Mas é curioso que o feroz escriba evite cuidadosamente dar nomes aos bois e identificar o autor do malfadado artigo. Também é assaz estranho que o Sr. Corção tenha esperado um ano para investir contra o "Jornal do Brasil". Aguardou o Sr. Corção, na tocaia de sua perfídia, que um momento especialmente difícil da vida política do Brasil lhe propiciasse uma oportunidade de ataque. Na hora em que os objetos de sua aversão racial lhe pareceram desamparados e indefesos desfechou a covarde agressão. Mas, muito se engana o mestre inquisidor, se pensa que a Revolução e os militares brasileiros vão dar cobertura à sua execranda campanha de anti-semitismo.
 
"O Brasil reconhece como brasileiro todos os que aqui nasceram, ou que escolheram a nacionalidade brasileira por naturalização, quaisquer que sejam as suas origens étnicas. O Sr. Corção comete grave crime contra as leis brasileiras, quando atribui a cidadãos brasileiros a condição de estrangeiros por motivo de sua ascendência racial.
 
"O achaque tardio de anti-semitismo do Sr. Corção ocorre justamente quando se realiza em Roma o Congresso Mundial Judeu com o propósito de levar avante o programa ecumênico de com­preensão mútua das grandes religiões, repetidamente preconiza­do pelos Papas João XXIII e Paulo VI. Mas dentro do seu mundo solitário e odiento o Sr. corção ignora as perspectivas de paz, de entendimento e de progresso, que ainda existem na Terra, apesar de todas as tensões internacionais. Um homem que ainda hoje nega a existência de telefones em Brasília, que afirma ser falsa a lista de telefones da nossa capital, que até há pouco negava a viabilidade do lago de Paranoá e que agora investiu contra os autores da façanha histórica da Apolo 8, só pode viver e respirar mergulhado no fumo dos fornos crematórios de Hitler. É preciso que a opinião pública repudie com repugnância esse renascer do anti-semitismo, antes que o Sr. Corção venha pregar à iniciativa privada brasileira a necessidade de montar uma indústria de sabão utilizando como matéria-prima as gorduras humanas, e uma fábrica de abajur feitos com a pele das vítimas de seu ódio étnico..
 
"Os artigos anti-semitas desse enfezado Eichman caboclo são um insulto ao Brasil".
 
Um artigo que virou carta
 
O insólito e a baixeza da agressão deixaram estupefatos e indignados os homens de bem da cidade e do país. Choveram tele­fonemas, muitos se ofereciam para vingar, até fisicamente. Houve que apaziguar, que acalmar os ânimos. Um grupo de amigos incontinenti encaminhou ao matutino, para publicação com igual destaque, um artigo de protesto. É claro que o destaque ficou só na intenção dos signatários. O jornal lançou a matéria para "Carta do leitor", em letra pequena e ao lado dos editoriais. Eis o conteúdo do artigo:
 
"A propósito do artigo publicado no número de Natal da revista "Manchete", injurioso para a consciência católica brasi­leira publicou o escritor Gustavo Corção em "O Globo" um pro­testo, no qual lembrava que no ano anterior, na mesma data cristã, a mesma injúria fora feita no Caderno Especial do "Jornal do Brasil". Agredido por um funcionário de "Manchete” em carta publicada no referido vespertino, revidou Gustavo Corção em artigo intitulado Primeiro os judeus. Desta vez, insistiu o escritor no fato penoso de serem judeus ambos os responsáveis pelas publicações blasfematórias.
 
"Como velho amigo de muitos judeus, e para não deixar dúvidas no espírito de leitores seus recentes, ocupou Corção metade de seu espaço glosando o mistério da grandeza de Israel, apoiado na palavra de São Paulo, que diz ser Deus justo remunerador das obras, premiando os bons e castigando os maus, num e noutro caso, primeiro os judeus, depois os gentios. Em função desta precedência sobrenatural e deste título de nobreza foi que Corção asperamente cobrou a responsabilidade dos judeus que se degradam no filocomunismo ou no marxismo, aliando-se destarte ao regime atroz que, geminado ao nazismo, matou muito mais do que seis milhões de judeus.
 
"Foi com surpresa indignada, ao último ponto, que vimos no "Jornal do Brasil” de sexta-feira um editorial em que o redator apresenta o velho amigo de tantos judeus e indefectível condenador do ódio racista Como anti-semita e até como carrasco, que "só pode viver e respirar mergulhado no fumo dos fornos crematórios de Hitler", conforme diz, entre outros primores, o editorial.
 
"Qualquer leitor não desmemoriado há de lembrar-se do belo artigo com que Gustavo corção, num grito de entusiasmo juvenil, saudou a vitória de Israel na guerra de seis dias (David e Golias, "Diário de Notícias" de 11-6-1967). Onde o monstro? Onde o vampiro? Onde o anti-semita?
 
"O editorial, que erra de alto a baixo, afirma, por exemplo, que corção só veio a protestar contra os artigos natalinos anti-cristãos do "Jornal do Brasil" um ano depois, o que é falso, porque o re­vide foi imediato, em carta à redação e em artigo no "Diário de Notícias", de 3-1-68. Diz que o artigo motivador do protesto é de autoria de Albert Schweitzer, quando não foi: respondeu ele e respondemos alguns de nós a uma matéria do Departamento de Pesquisas do JB e a um artigo de Danilo Nunes, que apresentavam Cristo como um agitador político ou uni iluminado, ávido de poder, colhido nas malhas da lei do tempo, como todo revolucionário mal sucedido. Atira contra Corção o grande Schweitzer, esquecido que foi justamente Corção quem escreveu em português a mais deslumbrada apologia do médico, musicólogo, pastor protestante e salvador dos pobres e abandonados negros de Lambarene. E assim por diante. Il y a des circonstances où le mensonge est le plus saint des devoirs, como a Désambois faz dizer Labiche. Ou ­Mentez, mentez, il en restera toujours quelque chose.
 
"O temível e corajoso lutador não foi atingido: não se pode jogar com a amnésia de todos, nem é bom processo apresentar exatamente pelo avesso a personalidade do odiado adversário.
 
“Não obstante, fica de pé o nosso protesto de católico contra a prática regular de publicações blasfematórias no tempo do Santo Natal. Corção falou por milhares e milhões que não têm como nem onde se expressar e que sofrem de ver seu Deus Redentor apresentado como um megalômano, um líder político fracassado, um curandeiro ou simplório.
 
"Compreendemos bem o ódio que contra si levanta quem tem coragem de denunciar a conjuração do mal, as tramas da impostura e da demagogia e os vilipendiadores da verdade. Compreendemos, portanto, o ódio que tantos votam a Corção. Mas os homens retos, bem formados e bem informados são-lhe permanentemente agradecidos. Não o desfigurará a sanha da calúnia!
 
"Júlio Fleichman, Ernesto Willy Froitzhesm, Eduardo Borgerth, Alfredo Martins Lage, Sileno Ferreira da Costa, Cláudio Humberto Moniz Braga, Filipe Daudt de Oliveira, Roberto Leão Veloso Ebert, Edgard de Barros Siqueira Campos, Hélio Drago Romano, Gladstone Chaves de Melo, Maximiano Carvalho e Silva, Graça Carvalho Pierotti, Helena F. Rodriguez, Aíla de Oliveira Gomes, Alaíde Neves, Maria Soares dos Santos, Álvaro Tavares Ferreira, Dulce Magalhães e Ana Maria Murici — Rio”.
 
Depois de publicado, recebeu este artigo apoio de diversas pessoas, que explicitamente manifestaram desejo de ver seu nome nele subscrito.        
 
Surge outro diretor de "Manchete"
 
Entrementes, o sr. Murilo Melo Filho, também de "Manchete", estampou em "O Globo" de 10-1-1969 a seguinte carta:
 
"Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1969, Ilmo. Sr. Roberto Marinho, Diretor-Redator-Chefe de "O Globo". Senhor Roberto Marinho: O segundo artigo do Sr. Gustavo Corção contra "Manchete" é um longo e discursivo amontoado de explicações que pouco explicam, nada provam e muito ofendem. Quanto mais ele se proclama “amigo dos judeus”, mais se revela anti-semita. As árvores que em seu nome se plantaram em Israel certamente já feneceram, num irreprimível impulso de rejeição. A ideologia do Sr. Gustavo Corção está há muitos anos sepultada. Sua ótica é obscurantista. Remonta à Idade Média, às perseguições da Inquisição, aos rancores do racismo. — justamente quando a Igreja caminha para as "larguezas ecumênicas", que ele tanto desdenha, para a união de todos os cristãos e para o congraçamento de todas as religiões. Não nos admira que ele agora se atire contra nós. Antes, já se atirara contra bispos, contra católicos e líderes do centro Dom Vital, contra modestos padres da Ação Católica, enfim, contra todo os quantos lutam, humilde e obstinadamente, para levar ao povo o contexto social renovador das Encíclicas. Sou católico, apostólico, romano e praticante. pergunto: será o meu Cristo o mesmo do Sr. Gustavo Corção? Quantos fiéis ele já conquistou? Quantas escolas já construiu? Quantos empregos já criou? Quantos impostos já pagou? Quantas bondades já distribuiu? Quanta riqueza já semeou? Quantas folhas de operários já teve que pagar num fim de mês?
 
"Dele não se conhece até hoje uma só campanha construtiva, um só movimento a favor, uma só chaminé, uma só idéia de grandeza ou de superioridade, num momento em que alguns homens estão subindo para a imensidão da Lua e outros descendo para a pequenez do seu submundo. Realmente, "ainda se flagela Jesus". como denunciou ele no seu primeiro artigo de provocação contra nós, porque cada rancor seu é um novo flagelo, para as chagas de Cristo, que em vida pregou amor e perdão. Cada nova ira sua é um novo insulto e ultraje à lição evangelizadora das Escrituras.
 
"Este País é grande demais, na sua dimensão, continental e no seu destino histórico, para comportar tamanha mesquinharia. Há problemas graves a resolver. Nossa geração precisa dar uma resposta ao desafio que lhe foi lançado. Somente a união dos esforços de todos os brasileiros, independentemente de raça, de cor, ou de credo, poderá fazer esta Nação recuperar o atraso e partir pa­ra sua grande decolagem. Desunidos e entredevorados, seremos os infelizes órfãos do progresso e os tristes párias do ano 2.000. Sr. Roberto Marinho. Houve um homem que nós dois sempre estimamos muito e de quem temos, ambos, uma saudade imensa. Ele se chamava Augusto Frederico Schmidt e era padrinho de batismo de minha filha Fátima, nome escolhido em honra à nossa comum devoção à. grande padroeira. Nesta mesma página do seu jornal, o compadre querido, que está fazendo muita falta, costumava lamentar, como eu o faço agora, que, com tantas coisas urgentes a fazer na construção de um Brasil grande, ainda tivéssemos de perder tempo com o ódio do Sr. Gustavo Corção. Desiluda-se ele, entretanto. A empresa para a qual trabalho há quinze anos, onde entrei como repórter "free-lancer”, está muito acima e a salvo dos seus ataques. Aqui se constroem e se doam escolas onde milhares de jovens brasileiros estão diariamente aprendendo lições de amor ao Brasil e desamor à mediocridade. Aqui se emitem mensagens de confiança, de esperança e de otimismo. Aqui se respeitam a honra, a religião, a dignidade e a opinião alheias, como sempre respeitamos, até agora, as do Sr. Gustavo Corção. Aqui trabalham 3.000 pessoas — diretores, jornalistas e operários; de todas as crenças, cores e raças, que não são, "amos nem es­cravos" e que em família representam 15.000 brasileiros. Aqui se amam a arte e o esforço criador. Aqui se edificou, com suor, luta e sacrifício, uma indústria capaz de produzir revistas que os brasileiros mostram com orgulho em qualquer parte do mundo. Pode o Sr. Gustavo Corção prosseguir nas suas cruzadas anticatólicas, anticristãs e anti-semitas, no seu negativismo e no seu derrotismo. Mas saia do nosso caminho. Esqueça-nos, por favor, e deixe-nos em paz, pois temos ainda muitos planos, sonhos e idéias a executar e o tempo é pouco para ser desperdiçado em estéreis polêmicas, que, com esta carta, se nos for possível, pretendemos encerrar. Nós só acreditamos no trabalho, porque somos um pro­duto dele. O Sr. Gustavo Corção só acredita no ódio, porque é um resultado dele. Exatamente por isso, e graças a Deus, nunca nos entenderemos. (a) Murilo Melo Filho".
 
A evidência de um enorme desnível
 
Estas increpações tão pueris, tão insubsistentes, tão sem lógica e tão reveladoras da grave desinformação do jornalista provocaram de Gustavo Corção a resposta, ("O Globo”, 16-1-1969) que deu aos leitores e evidência do enorme desnível entre os contendores — Eis a íntegra da resposta de Corção:
 
"Curriculum Vitae” —  Mais uma vez um dos funcionários do Sr. Bloch envia pa­ra me esmagar uma carta onde sou apresentado com uma folha de serviços pavorosamente branca e vazia. Na opinião do Sr. Murilo Melo Filho, consegui viver setenta e dois anos sem fazer nada e sem ajudar ninguém. Aterrado, ia eu responder-lhe gemendo que não me parecia bom o critério que aquilata as pessoas por folhas de pagamento e impostos pagos porque, com essa pedra de toque, seriam grandes homens os Rots­childs, os Onassis, e desprezíveis os Einstein, os Mozart e principalmente os São Francisco de Assis.
 
"Ia também eu responder-lhe que as boas obras que acaso realizei nos intervalos milagrosos de minha maldade não podem ser trombeteadas sem perder seu magro valor. Não posso, pois, informar ao diretor de "Manchete" que algum dia dei uma excepcional esmola, ou que algum desgarrado achou o caminho da Igreja nas minhas pregações. Ai de mim, senti-me esmagado, derrubado, achatado, amordaçado;e estava para gemer uma súplica de clemência quando subitamente li uma palavra que me tocou o nervo do ofício e me desafiou a pena. O Sr. Murilo me cobra chaminés, me pergunta quantas chaminés construí.
 
"O diretor de "Manchete", não sabe, ao que parece, que sou engenheiro. A título de informação e para completar os arquivos de "Manchete", aqui trago minha folha-corrida. Começo pelos 23 anos: estou no município de Ponta-Porã trabalhando em astronomia de campo. Um ano depois dirijo o serviço de coordena­das geográficas no serviço da carta do Estado do Rio. Nesse meio tempo apresentara ao Dr. Morize e ao Dr. Allyrio de Matos um trabalho original sobre determinação de latitude, com teodolito, sem leitura do círculo vertical. Em 1922, pensando em casar-me, troquei a astronomia pela eletricidade industrial, e aqui se tornam mais terrestres e palpáveis minhas chaminés. Fui uma miniatura do Polvo Canadense em Barra do Piraí em cujo município dupliquei a rede, e instalei um serviço telefônico em Vassouras. Mais tarde, em 1924, fui o Dr. Antônio Gallotti de Cachoeiro do Itapemirim, onde, modéstia à parte, nasceu Rubem Braga. Instalei em Cachoeiro o serviço telefônico e uma linha de bonde elétrico que espero ter alegrado a meninice do gracioso cronista.
 
"Em 1926, já casado, mudei-me para o Rio e para radio-comunicação. Foi na estação receptora da Radiobrás, em Jacarepaguá, que trabalhei, que vivi como uma espécie de monge eletrônico durante treze anos. Aquela grande empresa, formada de grandes capitais estrangeiros, cometera um grave erro de extrapolar indevidamente uma fórmula empírica, e de acreditar que as ondas longas, de 20.000 metros, chegariam à Europa e aos Estados Uni­dos. Foi um fracasso total, e a empresa faliria se três engenheiros indígenas não tivessem a idéia de lançar mão das ondas curtas, e não tivessem montado transmissores e receptores provisórios. Esses três engenheiros foram José Jonotskoff de Almeida Gomes, Carlos Lacombe e o autor destas mal traçadas linhas. O Rodrigo Otávio Filho e o Dr. João Buarque de Macedo estão aí para dizer que não minto. Em 1928 fui eu, na Taquara, quem fez com a cabeça e com as mãos, a aparelhagem que inaugurou a telefonia internacional no Brasil. Foi também nesse tempo que inventei um órgão eletrônico que entusiasmou Frei Pedro Sinzig e que me parece ter sido o primeiro a ser feito no mundo, talvez empatado com o do francês Martenot, que conheci anos depois. Com a idéia de industrializar a invenção, e ajudado por meu irmão e outros companheiros, fundamos a Rádio Cinefon Brasileira, que logo de­pois se desviou para atender a encomendas da Companhia Telefônica Brasileira e se tornar, assim, pioneira deste ramo de indústria. Grave, Sr. Murilo, estes três marcos pioneiros e passemos adiante.
 
Em 1935 fomos procurados pelo coronel Amaro Bittencourt a fim de organizar e iniciar um curso de telecomunicações na Es­cola Técnica do Exército. Marque, por favor, mais esta baliza. Permaneci na Escola Técnica do Exército (hoje Instituto Militar de Engenharia) até a aposentadoria, e foi aí que tive o prazer de colocar dois professores judeus refugiados. Peço ao Sr. Murilo que me marque esta estrela. Mais tarde fui também organizador e iniciador do curso de telecomunicações na Escola Nacional de Engenharia, onde no ano seguinte fui escolhido como paraninfo de quatrocentos engenheirandos.
 
"E aí estão as chaminés metafóricas, sem falar em duas autênticas chaminés que construí em Barra do Piraí, e de muitas coisas menores, como por exemplo o estudo fisiológico e eletrônico do ouvido, e a palestra pronunciada sobre este assunto, pela primeira vez, na Faculdade Nacional de Medicina, a pedido do Prof. Carlos Chagas. Recentemente fabriquei em casa vitrolas de alta fidelidade para os filhos e amigos. E dois órgãos eletrônicos modernizados. Tenho em casa uma pequena e desarrumada oficina (que meu neto Nick acha "maravilhosa"), onde me refugio quando engrossa no Brasil a onde de besteiras: a técnica é meu rio Lete (veja, Sr. Murilo, o "petit Larrousse": Léthé).
 
"O Sr. Murilo diz que eu nunca montei um colégio. Não teve sorte o recadeiro do Sr. Bloch. Com minha mãe e toda a família, sou co-fundador do velho Colégio corção. Não entrei com Capital nem fiz folhas de pagamento, como quer o diretor da "Manchete” : entrei de corpo e alma. No primeiro dia ajudei meu padrasto a pintar a tabuleta azul. Depois ajudei minha mãe a ensinar. Sim, ensinei, brinquei, vivi, namorei e casei-me no bom Colégio Corção, que vejo ao longe, dourado e azul, como um anjo de fogo a defender a porta de uma infância feliz.
 
“O Sr. Murilo falou no Centro D. Vital. Não. Não rompi com os amigos, rompi com o Centro por discordar da orientação tomada pelo Presidente. E aconteceu o seguinte: com minha saída, pouco tempo depois extinguiram-se as atividades do centro, morreu a revista, e dispersaram-se os sócios. Ao contrário do que diz o senhor Murilo, os amigos se reencontraram todos em PERMANÊNCIA que, em dois meses, congregou mais de duas mil assinaturas para a revista e centenas de freqüentadores das aulas e reuniões. Marque, Sr .Murilo, mais este pioneirismo temporão.
 
"Nada disse dos livros que escrevi. Encorajado pelas chaminés, direi que escrevi oito ou nove livros, alguns na 12a. edição, e traduzidos em sete línguas. Falarei dos jornais? Escrevo atual­mente dois artigos por semana nos maiores jornais do País, e creio que alcanço destarte mais de um milhão de leitores duas vezes por semana.
 
“Duas palavras sobre a vida de professor que mantenho sem descontinuidade desde os dez anos de idade. Meu primeiro aluno pagava-me dez mil réis para aprender as quatro operações. Andei por todos os níveis de ensino: na Escola Superior de Guerra mais de uma vez ensinei, tendo numa dessas ocasiões, por aluno, o Marechal Castelo Branco; num porão da praça Saenz pena dei aulas de eletrônica elementar a técnicos do Departamento de Cor­reios e Telégrafos. Ensinei meus próprios filhos a ler e até para um deles fiz a própria cartilha, e na paróquia tive o gosto de ensinar doutrina católica às empregadas domésticas. .. E mais não digo, parecendo-me que já falei demais no que seria melhor guardar no coração. "Altre non vi dico di questa materia". Se o Sr. Murilo quer completar suas informações a meu respeito poderá consultar a  Enciclopédia Judaica Resumida, de Fernando Levisky, pg. 42.
 
*  *  *
 
"O Sr .Murilo Melo Filho, se chegar aos setenta anos, apresentará certamente uma folha de serviço mais completa, com mais impostos e folhas de pagamento. Aconselho-o porém que desde já tome o cuidado de apagar no seu curriculum vitae o papel que está fazendo na revista onde lhe parece muito ecumênico, muito pós-conciliar, a largueza de vistas que não faz questão de contar as cusparadas que se atiram à face de quem temos por Deus e Senhor.
 
  "O Sr. Murilo fez frases com o seu Cristo e com o meu Cristo. Não ouso abordar este tópico, nem acrescentar nada ao que os amigos lá escreveram sobre o editorial do “Jornal do Brasil". Acolho com temor e tremor a terrível e imerecida homenagem que me prestam o "Jornal do Brasil” e "Manchete": ambos me desfiguram por ter protestado contra a desfiguração do Cristo Jesus no santo dia do Natal. Não posso me gabar de toda aquela poeira de coisas idas e vividas já que só na cruz de Nosso Senhor convém que nos gloriemos, mas não posso deixar de agradecer a Deus o ter-me livrado de algum dia fazer com alguém o que me fizeram os redatores de "Manchete" e "Jornal do Brasil”.
 
A palavra de PERMANÊNCIA
 
Já têm os leitores elementos para julgarem diretamente e pessoalmente, bem como todo o material necessário para esclarecer a quem se interesse pelo caso e dele queira formar opinião isenta de possíveis deformações.
 
Concluindo, diremos que, em todo esse episódio, são estranháveis, lamentáveis ou condenáveis, conforme a perspectiva, três coisas. Primeiro, que sejam leigos que hão de protestar contra heresias e blasfêmias estampadas em jornais ou revistas de amplís­sima divulgação, e isto no Brasil mil vezes proclamado "o maior país católico do mundo". Segundo, que se possam levianamente publicar artigos sobre matéria religiosa difícil, assinados por quem não tem preparo para isso e, não obstante, apresentar a matéria co­mo sendo a última palavra da ciência. Terceiro, que se possa, com o maior desembaraço e impunemente, caluniar, distorcer, injuriar e denegrir, jogando com a honra, a dignidade e as arraigadas convicções alheias, como se fosse bola de futebol.
 
A luta em si é dura e difícil, e torvo e turvo é o ambiente em que ela se trava.
 
 
(PERMANÊNCIA, nos. 5/6, fev.-mar 1969.)

  1. 1. Gustavo Corção, Dez Anos, AGIR, 1957, págs. 139-140.
AdaptiveThemes