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Gustavo Corção
A imortalidade de que se fala nas academias, ou nos comentários tecidos em torno de um grande morto, como acontece agora com Hemingway, é aquela que Augusto Comte chamava de imortalidade subjetiva, e que consiste na sobrevivência, não da pessoa, mas das obras e dos passos. Essa imortalidade comporta graus, conforme seja maior ou menor o rumor que o finado tenha feito em torno de si. Há nomes sonoros que ficam na lembrança dos povos por séculos e séculos, enquanto outras vidas mais leves, mais silenciosas e cinzentas logo se apagam, às vezes no próprio mundo familiar. Lembra-me aqui um amigo que morreu deixando um magro legado de ressonâncias. Tão obscuro, tão pouco conseqüente fora que até um dia aconteceu-me, encontrando a viúva, abrir a boca para perguntar notícias do Belmiro, já morto, mais morto do que um prego de caixão de defunto como dizia Dickens. Calei-me a tempo quando recapitulei rapidamente a história póstuma do amigo. Deixara filhos e viúva, mas por uma ironia da sorte a viúva recebeu uma herança, empregou-se num desses cargos em que se ganha muito e pouco se faz, como tantos há nesta República, e assim a família conheceu melhor padrão nos dias de luto. Um ano depois a viúva namorava um guapo peruano que acabou de apagar na memória de todos a lembrança fugaz do pobre Belmiro. Lembro-me de um pormenor curioso da história do apagamento do Belmiro: um dia, trazendo os filhos para o colégio, de automóvel, entrou de mau jeito, como aliás freqüentemente o fazia, e tirou um pedaço, um pequeno pedaço do pilar do portão. Ficou aquela marca discreta, de que, ao cabo de algum tempo, suponho, só eu conhecia a causa. E sempre que passava por ali, e que via o arranhão na alvenaria, evocava a figura de Belmiro. Um dia, veio um pedreiro, recompôs o pilar, e com essa pá de cal desapareceu o último vestígio interessante de uma vida vivida meio século.
Creio que a ninguém escapa o ridículo que sempre acompanha esta tal imortalidade subjetiva, mesmo quando a figura imortalizada é imponente e o traço deixado na casca do planeta é um pouco maior do que um risco na cal. Ainda outro dia estive a ruminar meditações deste tipo diante de uma estátua que o escultor concebera e realizara em atitude oratória e que, exposta ao aguaceiro, tinha um aspecto lamentável.
Entretanto, apesar dessa carga de ridículo, a humanidade se obstina em guardar as lembranças dos mortos, e nós mesmos, se nos sondarmos com lealdade, descobriremos um esquisito desejo de sobrevivência na memória dos outros. De que nos vale isto? De que me vale meu nome pronunciado aqui ou acolá, com tais ou quais atributos, se eu não estou aqui ou acolá, pessoalmente, sobrevivente?
O fato é que apesar dessa pobreza de significação pessoal, desse caráter acidental, a sobrevivência pelas obras corresponde a um profundo desejo de nosso ser. Ninguém quer passar a vida em branca nuvem. Ninguém quer morrer como o poeta disse que morrem os pássaros. Mas a verdade é que é esse instinto de sobrevivência, digamos horizontal, que nos impede a visão da outra imortalidade, a vertical, a que tem dimensões de eternidade e não dimensões de história, à qual também corresponde um grande anseio de nossa alma, que tem horror à morte, à idéia do aniquilamento da pessoa, e que se insurge em cada caso, diante de cada defunto, como se estivesse vendo um espetáculo de espantosa raridade. O caso é que a alma humana tem profundidades de inconsciência em dois sentidos. Diria até dois hemisférios, um voltado para a terra e outro voltado para o céu. Num desses hemisférios a idéia de imortalidade da alma brilha como uma estrela; no outro, entretanto, levantam-se obstáculos erguidos pelas exigências da sensibilidade. É por isso que nos parece fria e distante a consideração filosófica em torno do asssunto. Disse Edgar Poe que não custou muito a ver que jamais se convenceria de sua própria imortalidade se tivesse de aceitar as demonstrações filosóficas. Pagando o seu tributo ao empirismo triunfante na atmosfera cultural de seu tempo, Edgar Poe diz brutalmente: «... he (the man) will never be so convinced by the mere abstractions which have been so long the fashion of the moralists of England, of France, and of Germany».
Que quer isto dizer? Será assim tão inoperante, tão pouco convincente a demonstração filosófica? Será a razão tão pobre ou tão fria diante da vida? Na verdade, estamos diante de um problema típico, ou melhor de um tratamento típico dado a um problema espiritual pelo empirismo, podendo ser este da espiritualidade e decorrente imortalidade da alma, ou o da existência de Deus. Quando alguém diz categoricamente que as demonstrações filosóficas não convencem intelectualmente, ele quer dizer que tais demonstrações não satisfazem à sensibilidade. Quer dizer que não sacia a fome, não apazigua o sexo, não tranqüiliza os nervos, não atende em suma a exigências que vêm de todo o dinamismo da sensibilidade. Seria pueril zombar de tais exigências e fazer parada de espiritualidade alambicada e inteiramente despreendida daqueles laços. Mas também é pueril pedir à inteligência um tipo de alimento que não lhe compete preparar. É claro, claríssimo, que ninguém se lembrará de ler uma página filosófica para o pai que chora diante do cadáver do filho. Mas também é claro que nesta mesma hora o pobre pai não entenderia uma demonstração de geometria. Será defeito da geometria? Ou será mais fácil pensar que a situação emocional, sensibilizada, responde pela momentânea incapacidade?
A filosofia é mais difícil do que todas as geometrias juntas, e para se tornar operante e convincente numa alma é preciso que essa alma trabalhe longamente para se desobstruir do empirismo. Assim, a idéia de imortalidade da alma, que vale a pena ser desempatada, tem de ser apresentada ao espírito muito antes da emoção, da perturbação, para que na hora oportuna ela tenha algum valor vital.
Vale à pena desempatar esse problema, e procurar entrever, através de nossos obstáculos, as novas dimensões da eternidade. A imortalidade verdadeira, pessoal, essencial, não se distribui pelas pessoas em graus proporcionados ao sucesso da vida. É ao contrário um atributo da alma espiritual, e portanto um denominador comum de toda a humanidade. E se assim é, segue-se que a sorte do homem, referida aos eixos da eternidade, deveria dominar todas as cogitações da vida terrena, e não estar relegada à categoria de assunto que serve para consolo nas câmaras ardentes e logo em seguida é esquecido. Vale à pena desempatar este problema que nada tem de relativo. Ou somos dotados de alma espiritual ou não somos. Ou somos criaturas com vocação de eternidade, ou não somos. Uma das mais inacreditáveis contradições da condição humana é justamente a do pouco caso com que tratamos as coisas mais relevantes; mas ainda mais espantosa atitude é a daquele que se alegra com a divisão de opiniões em todos os assuntos, inclusive nesses de máxima relevância. E ainda mais incompreensível, nessa progressão geométrica de disparates, é o fato de passar por muito inteligente quem relativiza todas as categorias intelectuais e alegremente desiste de pensar.
Vale à pena tirar a limpo o x da sorte do homem; mas para isto temos de seguir um caminho inteiramente diverso do experimentalismo procurado por Edgar Poe, no conto de onde tiramos a passagem acima transcrita. O caminho da descoberta dos valores de eternidade é o da purificação e o da ascensão da inteligência e da vontade espiritual, e até o da renúncia de qualquer perpetuidade na memória do mundo. Na mente do santo, o mais vertical dos homens, tudo se refere à vida eterna que por sua vez se refere a Deus. Nós outros, por nossos pecados, por nossa gulodice de instantes de vida, pela impureza de nossos critérios, temos apenas lampejos, e às vezes nem a isso damos uma pequena parte de nossa atenção.
(Diário de Notícias 16/7/1961)
[Nota da Permanência] Dentro das comemorações dos 150 anos da proclamação do dogma da Imaculada Conceição (8 de dezembro de 1854), reproduzimos aqui um editorial da Revista Permanência (que eram escritos por Gustavo Corção). A espiritualidade mariana é sempre a mesma, católica, eterna. Já os desmandos e invenções dos modernistas estavam, naquela época, em sua fase de "destruições". Tudo o que era católico, tudo o que "cheirava a incenso", tudo o que era da Tradição, era simplesmente dilapidado, destruído, chutado, desprezado. Tábula rasa, era o lema dos progressistas. Depois virão outras fases que nos conduzirão à construção do monstro que hoje tenta nos devorar. Porque os modernistas instalados no Vaticano, quando toda a Tradição já estava destruída, construíram uma nova religião que tem uma carapaça pintada com "catolicismos", mas cujo conteúdo, tirado de Vaticano II, já não é mais católico. Este editorial pode parecer defasado na sua crítica aos progressistas, mas não é. O monstro cresceu mas é o mesmo daquela época. "Eis que o diabo, como um leão rugidor, vos cerca querendo vos devorar. Resisti-lhe fortes na Fé" (Ep. de S. Pedro)
VATICANO II
"SANTO DEUS! Esses mesmos autores de tal otimismo que tanto lisonjeiam o mundo e tantas vezes disseram quere acomodar as coisas da Igreja às exigências da mentalidade contemporânea, ao que parece, não se detiveram a bem observar o testemunho que ele — este bravo novo mundo — dá de si mesmo. Sim, depois de todas as conquistas da ciência e as mais inebriantes experiências de todas as liberdades, e de todas as perversidades, o espetáculo que vemos é o do planisfério de um imenso desespero.
"Está nas caras, nos braços caídos. Nas pernas moles. Nos cabelos sujos e emaranhados. Nos olhos alucinantes. E está nos fatos, nos atos, nos costumes. Nos divórcios fáceis. No aborto legal. Na procura das evasões pelos psicotrópicos que são uma espécie de suicídio à prestação. As famílias se decompõem, a intemperança cresce dia a dia, prendendo os homens às coisas de barro e à coisinhas que inventaram. E por cima deste mundo de liberdade em decomposição, uma atmosfera de impostura feita pela primeira vez na história por uma "civilização" que, como principal exigência, quer a negação de Deus. Ora, Santo Deus! Diante de tal quadro vemos três mil bispos a aplaudir, a sorrir, a encorajar: estejam à vontade, cada um é senhor de sua sorte, estejam a gosto..."
(Um texto singular, O Globo, 3/9/77, sobre a GAUDIUM ET SPES)
VIDA CATÓLICA
Há no mundo uma coisa que poderíamos chamar de tom ou timbre católico: é uma voz que todos conhecemos, e cujo timbre se estende da súplica do mendigo à homilia do bispo. É um acento; um timbre; uma colocação; um sotaque que poucos anos de prática gravam de um modo inconfundível. É um modo de falar que sai naturalmente de um modo de pensar, e que se aprende em pouco tempo porque é o modo próprio e normal para essa raça de homens tocados pelo batismo."
("À Margem de um Discurso", A Ordem, Janeiro de 1947)
"O cristão é um espinho fincado à força no mundo. É um soldado do Cristo, do Senhor, do Imperador, portador da Sua cultura, autêntico representante onde quer que esteja, vivendo humilde e vitorioso, entre as formidáveis pressões do mundo e de Deus, na exinanição e na exaltação, defrontando todas as ondas com um ato positivo.
"É um mendigo (ele apregoa isso), um decepcionado em cada hora (ele bem o sabe); mas é um mendigo, um decepcionado que recebe cada dia o corpo de Deus."
(Decepções, editorial, A Ordem, Maio de 1942)
VIAGENS
"Disse atrás que Pascal explica a maior parte das viagens pelo desejo de buscar assunto e alimento para a vaidade. Viaja-se para obter um diploma, como o de bacharel; ou para aumentar o reservatório de temas. Viaja-se para voltar com carimbos na mala, e com vulcões na memória. Posso imaginar o aventureiro retilíneo que faça exceção, mas não duvido que o caso geral seja este de quem parte para voltar, para trazer a personalidade engrossada.
"Mas essa mesma idéia, como tudo que é do homem, tem duas faces. Acho belíssima essa voracidade do homem, e essa capacidade de trazer para casa, para a sala-de-estar, sob as espécies do assunto, as guerras, os terremotos e os ciclones. Por outro lado, porém, acho lúgubre essa avidez de engrossar por fora a ganga do eu, numa capitulação da maior das aventuras, que é a conquista de si mesmo, a descoberta de sua própria alma. Há duas iluminações na face de um Marco Polo: de um lado o brilho ensolarado da boa aventura; de outro a verde lividez do homem que foge de si mesmo."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 190)
VISIBILIDADE DA IGREJA
"Ao contrário do que diziam os autores super-espirituais que chegaram a perturbar a grande Teresa d'Ávila, e que pretendiam ver na Ascensão de Cristo, e na descida do Espírito, uma manobra de Deus para nos livrar da visibilidade do seu Corpo, nós podemos dizer sem receio que Nosso Senhor se tornou ainda mais visível no seu Corpo Místico espalhado pelo mundo. A Igreja é de fato o alastramento universal do Salvador. O sangue derramado é agora estendido, e tinge o mundo inteiro numa prodigiosa iluminura. E a Igreja cresce, como cresce o dia, de "claridade em claridade".
("A Visibilidade da Igreja", A Ordem, Maio de 1951)
VOTO OBRIGATÓRIO
"Já que resolvemos abordar este desagradável assunto, é melhor que fique dito tudo que nos pesa. Voltemos pois à expressão "votar disciplinadamente". Em nossa opinião, essa fórmula é obscena [...]
"O voto é um ato (um ato moral) com que o cidadão exprime sua livre escolha para o governo da cidade. Faz parte da essência do voto, portanto, a sua liberdade, não sendo possível, disciplinadamente, namorar, casar, passear, entrar para um convento, amar os filhos, venerar os santos e adorar a Deus.
"Em compensação, é possível prevaricar disciplinadamente. Prevaricar aos sábados. Prevaricar com método. Porque nesses atos, em que a matéria submete o espírito, a férrea disciplina pode entrar tão bem como numa férrea ajustagem mecânica.
"Há evidentemente, uma louvabilíssima disciplina, se por tal entendermos o cumprimento de certas regras da vida comum, como encolher as pernas no bonde, não soltar urros no cinema e não cuspir dos sobrados. Neste caso é possível votar disciplinadamente: trata-se então de chegar cedo ao posto, com seus papéis em ordem, de não ficar meia hora dentro da cabine indevassável e de não entreter com algum mesário conhecido uma inoportuna conversação sobre o calor ou o preço dos gêneros. A esse conjunto de pequenas e preciosas virtudes, filhas da justiça, chamaremos de boa educação e respeito; mas não temos grande relutância em aceitar a denominação de disciplina, se quiserem.
"O que relutamos em aceitar é que, disfarçada com o mesmo nome, a disciplina tente penetrar no íntimo dos atos que só valem quando são livres. Um destes é o voto. Voto é voto. É opção; é escolha; é, enfim, um desses atos em que o homem mais fortemente, e com todo agrado de Deus, imprime a marca de seu espírito.
"A muitos parecerá que a escolha de um senador seja mesquinha ou ridícula, comparada à escolha de uma esposa, de uma ordem monástica, ou de um Papa. Atrevemo-nos a fazer um paralelo entre todas as eleições, afirmando uma grande piedade por esse desdenhado campo dos atos humanos que estão pedindo santificação. Não achamos a política ridícula e mesquinha senão na medida dos seus erros; como não achamos ridícula a fidelidade e respeito de um esposo por uma pobre mulher que tenha perdido seus encantos; como não achamos ridícula a vigília à cabeceira de um doente; como não achamos indigno do Evangelho e da solicitude cristã nenhum ato humano que seja tentado na linha da justiça.
"O voto, por definição, não pode ser disciplinado. Quem receia tão nervosamente o clima da liberdade, ou não observou que todas as modernas formas da tirania apregoam a disciplina; ou então deseja a disciplina precisamente porque deseja a tirania. Deseja uma tirania que lhe seja favorável, e que neutralize e destrua a tirania que lhe é desvantajosa.
"Por isso, deveria ser lançado à execração pública quem jamais se atrevesse a pronunciar essa enormidade: votar disciplinadamente. Quem agita essa bandeira não crê no voto; não crê na política de fundamento moral; não crê em senado, deputado e vereador; não crê em democracia; não crê no direito natural, no direito das gentes, nas raízes do direito positivo; não crê na justiça; não crê, simplesmente, na justiça."
(Editorial de A Ordem, março de 1947)
TOLERÂNCIA
"A grande doença de nossa época, e principalmente de nosso país, é a da insensibilidade moral travestida em bondade. Todos toleram tudo, e depois se espantam com o antinômico resultado dos vagões de gases."
(Pode-se transigir em religião?, A Ordem, Fevereiro de 1954)
"Ah! essa caridade assim definida, eu a vomito! A que aprendi, e tão mal sirvo, soa como bronze e queima como fogo. É paciente, sem dúvida, conforme diz o apóstolo, mas é paciente quando está em jogo o seu próprio interesse, e impetuosa, terrível, colérica, quando vê a injustiça triunfar, quando vê nos postos de mando os que deviam estar na cadeia, quando vê o bem comum mal servido, quando vê o pobre humilhado, o inocente ferido, e sobretudo, sobretudo! quando vê o culpado engrandecido."
(Caridade e caridade, in Dez Anos)
"Há inúmeras situações humanas em que a solução acertada é um meio termo. Assim acontece quando, por exemplo, queremos regular o uso dos bens materiais; e assim também acontece quando devemos navegar entre escolhos. Seria, entretanto um erro gravíssimo supor que a boa solução está sempre no meio termo ou na bissetriz. Costuma-se hoje criticar, apostrofar as pessoas que em certas situações de dilema tomam posições extremadas ou radicais. Há também inúmeros casos em que o acerto está num extremo e não no meio. A integridade e a totalidade da Fé estão nesse caso.
"A Fé divina constituirá para nós a mais bela e adamantina intolerância; ou a maior das exigências feitas aos homens. Seria insustentável se Deus mesmo, para tanto, não nos desse a força interna, a virtude teologal, visão obscura, mas certa, semente de vida eterna, mas já eternidade diante de Deus. E para nós é especialmente grato lembrarmo-nos de que aparelho, de que obra, nos vêm essa energia espiritual — a Cruz de nosso Salvador."
(Curso de Religião, Cadernos Permanência, 1979)
"A propósito de maus e bons mosteiros, escreveu assim o abade de Solesmes: "Um mau mosteiro não é aquele em que os monges cometem muitas faltas; é aquele em que as faltas não são punidas". E eu creio firmemente que o próprio São Bento não diria melhor. Realmente, onde alguns monges cometem muitas faltas pode-se dizer que existem diversos maus monges; mas onde essas faltas não tem conseqüências, são todos que se tornaram maus, sim, maus por indiferença à linha divisória entre o bem e o mal, maus por negação da ordem moral, e sobretudo maus por indiferença ao mal que causa o mal praticado impunemente.
"Ora, esse princípio elementar, essa decorrência imediata da Caridade, ou essa exigência primeira da lei moral, não somente está em desuso como também em descrédito. Ninguém corrige, ninguém pune. Nas famílias, nas dioceses, nas universidades, na sociedade civil (...) E quando se esboça um pequeno movimento de reação e de virilidade, surgem logo os bons moços a gritar contra o "terrorismo cultural", ainda que reconheçam, como Tristão de Ataíde, que se trata de um "terrorismo suave".
"Depois, o bom moço recebe abraços dos patifes, é elogiadíssimo pelos corruptos, recebe telegrama dos apóstatas, e cartas efusivas dos blasfemos. E o bom moço fica contente consigo mesmo e com o mundo, porque a forma mais alta da caridade é a tolerância, como me escreve um imbecil, ou algum interessado em pensão de moças."
(Impunidades, O Globo, 16/09/65)
“É impossível, no convívio dos homens, sempre dizer sim e nunca dizer não. Há situações em que o sim é a expressão triste de um grande egoísmo e o não, a forte manifestação de ardente amor. A caridade nem sempre agrada e a prudência só é autêntica se aliada à força. Se em casa os pais não sabem dizer não ao filho e à filha desde a terna infância, mais tarde certamente irão dizer a eles vítimas do tóxico e do amor-livre um sim entristecido.”
(Editorial Permanência)
"Reconheço que usei expressões que a muitos parecerão excessivas e que corri os inevitáveis riscos de quem escreve com amor. Mas ainda não consegui encontrar um tom avaselinado quando vejo o incêndio lavrar na Cidade de Deus, e quando está em jogo o Sangue de nosso Salvador."
(Cavalos, Avestruzes e Cães Cegos, O Globo, 5 de Março de 1970)
TRABALHO
"Uma errônea filosofia, em reação a outra não menos errônea, afirma em nossos dias o "primado do trabalho", não apenas no contrato de trabalho entre os operários e empregadores, mas em todas as situações da vida, como se o homem tivesse nascido para trabalhar, e viva para trabalhar em vez de trabalhar para viver como diz o bom-senso e a reta filosofia [...] É fácil compreender que estaremos irremediavelmente perdidos, como pessoas, se concedermos esse primado do trabalho pelo qual seríamos essencialmente, antes de mais nada, um animal produtor. Não [...] o homem trabalhar "para"... descansar "para"... para o quê? Para ser dono de si mesmo, fazer o que lhe agrada, amar, meditar, rezar e tudo o mais que não é "trabalho" nem "lazer", que não é divertimento nem descanso, mas plenitude de vida, ainda que a manifestação seja a mais humilde.
"[...] E é para isto que existem as refinarias de petróleo, as usinas siderúrgicas, os computadores eletrônicos, mesmo porque, se não tiverem esta serventia, não terão nenhuma."
(A Volta para Casa, 23/08/64)
SÉCULO XX
"O que sou eu principalmente? O habitante do século XX não sabe responder a essa pergunta, e conseqüentemente não sabe se deve andar ou parar, se deve sentar-se para estudar, se deve deitar-se e deixar a vida correr, se deve virar de cabeça para baixo como os palhaços, se deve cair de quatro como os imbecis, se deve erguer a cabeça, ou se deve dobrar o joelho. O mundo em que vivemos é a projeção de todas estas perplexidade dos "eus" que já não sabem o que são."
(A Crise de autoridade e o Democratismo, Permanência, junho de 1969 )
"Em nome de um otimismo confiante nos recursos humanos, na ida à Lua e nos transplantes de corações logo rejeitados, em nome de um novo humanismo que ousa dar o qualificativo de novo ao capricho inconstante dos homens, em nome do nada e da vaidade das vaidades, perseguição de vento, o caudal de erros se alargou neste estuário de disparates que inunda o mundo e produz na Igreja devastações incalculáveis. Que nome daremos ao mal deste século?
"Este: DESESPERANÇA.
"Ei-lo, o mal de nosso tormentoso e turbulento século que ousou horizontalizar as promessas de Deus transformadas em promessas humanas. Que ousou tentar a secularização do Reino de Deus que não é deste mundo. Ei-los os escavadores do nada a construir em baixo-relevo, en creux, a nova torre de Babel. Esperantes às avessas, eles querem fazer revoluções niilistas, querem voltar ao zero, querem destruir, querem contestar, rejeitar, querem niilizar. E se chamam "progressistas".
"No século anterior as agressões e traições convergiram contra a Fé, como se viu na crise modernista que São Pio X represou. Tremo de pensar que o próximo século será o do desamor. Perguntando ao mar, às árvores, ao vento, o que querem esses homens que se agitam e meditam coisas vãs, parece-me ouvir uma resposta de pesadelo. Eles querem produzir uma sinarquia, uma espécie de unanimidade, uma espécie terrível de paz e bem-estar. Qual?
"Querem chegar ao PECADO TERMINAL.
(...)
"Que fazer? Lutar. Combater. Clamar. Guerrear. Mas lutar sabendo que lutamos não somente contra a carne e o mundo, mas contra o principado das trevas. É preciso gritar por cima dos telhados que, se o cristianismo se diluir, se a Igreja tiver ainda menos visível o ouro de sua santa visibilidade, se seu brilho se empanar pela estupidez e pela perversidade de seus levitas, o mundo se tornará por um milênio espantosamente, inacreditavelmente, inimaginavelmente estúpido e cruel.
"Roguemos pois a Deus, com todas as forças; desfaçamo-nos em lágrimas de rogo e gritemos a súplica que nos estala o coração: enviai-nos, Senhor, ainda neste século, um reforço de grandes santos, de grandes soldados que queiram dar a vida, no sangue ou na mortificação de cada dia, pela honra e glória de Nosso Senhor Jesus Cristo. Compadecei-vos, Senhor, de nossa extrema miséria, e sacudi os homens para que eles saibam quem é o Senhor!
"É preciso lutar; e sobretudo não desanimar quando nos disserem que o inimigo cerca a Cidade de Deus com cavalos e carros de combate. Ouçamos Eliseu: "Não tenhais medo porque os que estão conosco são muito mais fortes do que os que estão contra nós". E elevando a voz Eliseu exclamou: "Senhor, abri-lhes os olhos para que eles vejam. E abrindo-lhes os olhos o Senhor, eles viram, em torno de Eliseu, a montanha coberta com cavalos de guerra e carros de fogo". (II Reis, VI,16)
(O Século do Nada, Conclusão)
SINCERIDADE
"Uma das mais monstruosas deformações de nosso tempo é a que faz da SINCERIDADE a suprema virtude. Ora, a sinceridade não chega a ser uma virtude; é necessária mas não é bastante para a integridade do ato moral. Será, materialiter, uma meia-virtude.
"Se definirmos a sinceridade como uma concordância entre a consciência e o ato exterior, ação ou palavra, podemos facilmente mostrar que os grandes celerados da humanidade foram sinceros. Hitler, por exemplo, foi um modelo de sinceridade e de autenticidade. Durante a guerra, evidentemente, teve de mentir e enganar o inimigo; mas antes da guerra disse em palavras dispersas, e no livro que imprimiu, tudo o que contava fazer, e que fez.
"Raskolnikoff foi levado a assassinar uma velha por um ditame da sinceridade. Convenceu-se a si mesmo de que sua vida era um bem infinitamente superior ao da vida de uma pobre velha, e com este sistema instalado e transformado em instância última de sua consciência, concluiu que podia matar a velha rica e usurária.
"A sinceridade só será boa se vier acompanhada da clara notícia de que precisa um complemento. Normalmente, a consciência é a regra próxima do agir humano, e, portanto, sua consulta é boa e necessária. Mas não é o bastante. É preciso que a consciência se reconheça incompleta e dependente, e obrigada a procurar sempre a regra exterior que vem de Deus, ou pela revelação, para a vida sobrenatural, ou pela experiência humana, e pelos ensinamentos da Igreja, para a lei natural.
"A consciência moral que não sabe e não sente que está obrigada a uma regra exterior, ou que julga ter atingido sua plenitude quando prescinde dessa regra e se basta, na verdade atingiu o ponto mais baixo da humana monstrificação. Quando o homem quer ser sua própria lei e seu próprio Deus, só consegue aproximar-se dos modelos atrás citados."
(Editorial da revista Permanência n° 7, abril de 1969, Ano II)
SOCIALISMO
“Dizem alguns intelectuais que o mundo marcha para o socialismo: e dizem-no alegremente. Talvez tenham razão: o mundo marcha para o socialismo como eu, ele e você marchamos em passos desiguais para a mesma terra que nos alimentou, e no fim se alimentará de nós. Se ao menos enunciassem a idéia em toada de marcha fúnebre, teriam mais lógica, e até certa graça tarjada de preto” (Jornal do Brasil, As verdades de Gustavo Corção, 7/7/78)
REMBRANDT
"Outros dez passos, e estamos diante de Rembrandt. Auto-retrato. Da juventude. Mais tarde pintará outro auto-retrato, que está no Louvre, e que os entendidos consideram obra mais perfeita. Vi-o, anos atrás, mas não tive a mesma forte impressão, ou não fiz a mesma descoberta de ontem: Rembrandt é o Bach da pintura (...) Quem será o Mozart da pintura?"
(Quadros em uma Exposição, in O Desconcerto do Mundo)
REVOLUÇÃO DE 1964
"Com um mínimo de choques libertamo-nos da sarna esquerdista que já estava No Poder e já iniciara o assassinato de um grande povo. E agora os outros países que se afogam em sangue e naquela outra substância a que Bernanos aludia freqüentemente, ousam criticar as prisões que se efetuaram, e dão ouvidos, e proporcionam todos os meios de publicidade aos maus brasileiros expulsos do país. Em abril de 1964 nós fizemos aquela única Revolução que Peguy admitiu: a revolução moral. Seremos nós brasileiros os herdeiros do sangue de Peguy?" (Jornal do Brasil, antologia de citações, 7/7/78)
RIO ANTIGO
"A cidade era bela como as moças daquele tempo. Enquanto eram meninas cantavam de roda e não havia bairro sem cantos infantis a marcar o anoitecer. As meninas também brincavam com a boneca. Depois, quando acontecia nelas o mistério da transformação, que nesse tempo era posto em surdina, a menina punha vestidinhos compridos e virara flor à espera de quem descobrisse dentro da corola uma sede de amor. As moças de meu tempo ficavam à janela, ou no portão, cercadas de madressilvas. O namorado, olhava para ela de longe, muito tempo, encostado num lampião com as pernas trançadas, a torcer o bigode que nascia. Gestos, bigodes, lampião, calças, tudo passou. E como vento foi-se a suavidade e a doçura de viver acreditando em almas de flor. A rua da Cidade ajudava a viver. O transporte ajudava a respeitar. Quem nesse tempo ousava encostar de leve no sagrado corpo da menina-moça? Vinha o mundo abaixo, e o bonde inteiro ameaçava o audacioso, o perverso."
("Reminiscências", in Conversa em Sol Menor)
"O povo era mais bem vestido, e, sobretudo, a tenue, a posição do corpo era mais ereta, mais briosa, mais desempenhada que a de hoje. Corra você mesmo, leitor, seu álbum de avós e repare como eles eram mais altivos e verticais. E então? O que foi que houve com os homens, com as cidades? O que foi que aconteceu?"
("Rio Antigo", in Conversa em Sol Menor)
RISOS
"O cômico, como Bergson tão bem assinalou, supõe o social, isto é, supõe a possibilidade de imaginar um picadeiro para o personagem que se singulariza e uma arquibancada para seus juízes, que pronunciam às gargalhadas o seu curioso veredicto.
"Quem será então que se ri desse generalizado espetáculo que envolve três bilhões de palhaços? Às vezes nós conseguimos a ilusão de um camarote confortável que nos permita rir dos outros. Mas de onde vem esse eco, essa ressonância de um riso muito mais poderoso do que o meu? Quem está aí? Quem está por aí, nessas cadeiras vazias, a rir-se de mim?
"O mundo é um circo em que a arena e as arquibancadas são relativas. Três bilhões de autores mal ensaiados passam a vida a divertir-se, cada um apontando no outro o rabo de papel. Ou a trave no olho."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 92).
ROSÁRIO
"Uma das grandes crises de nosso tempo, especialmente dolorosa em meio católico, é a crise moral que se traduz no amolecimento chamado “falta de caráter” que parece ter-se tornado o novo caráter do homem mutacionado de nosso século.
"Ora, o melhor exercício espiritual para ganharmos a virilidade evanescente, para recuperarmos a coragem e o vigor de amar o bem e detestar o mal é o de tomar viva consciência de nossa linhagem sobrenatural, e das armas com que venceremos o mundo sob o signo da cruz de Nosso Senhor, que “já venceu o mundo”. E entre as armas do céu, especialmente eficazes contra os demônios que devastam as almas, é oportuno lembrar o santo rosário, cuja festa instituída por São Pio V em 1571 em agradecimento pela vitória de Lepanto, hoje esquecida e desdenhada pelos católicos que invocam a paz da carne e do sangue, por já não terem fibra e fé para pelejarem pela paz de Cristo."
(Editorial, Permanência, no. 48, Out. 72)
ROUSSEAU, JEAN JACQUES
"O leitor de sã formação filosófica, ou de robusto bom senso, descobrirá logo que Jean Jacques Rousseau, pretendendo arvorar a bandeira da santidade natural, da bondade sem contágios, da pureza sem salpicos, na verdade professava horror à natureza propriamente humana, valorizando a subnatureza, a sensibilidade em detrimento dos valores espirituais."
(Dois Amores Duas Cidades, Ia parte III capítulo, "conjunção dos pares")
PACIFISMO
"Apresso-me a explicar. A paz, tanto na vida pessoal como na vida das nações, têm o caráter de fruto e de fim. Será, como a felicidade e a alegria, um fruto da justiça, um atingimento conseguido no itinerário das perfeições. Todos os homens, evidentemente, desejam a felicidade. Fim útlimo subjetivo, universalmente desejado, até pelo homem que prepara a corda do suicídio, como observa Pascal, a felicidade não pode constituir o objetivo direto e imediato de um programa de ação. Por mais variada que seja a humanidade, sobretudo em suas tolices, creio que ainda não passou pelo espírito de ninguém ser venturista ou jubilista. Tenho pois o direito de me espantar que haja passado pelo espírito de muitos a cômica idéia de ser pacifista.
"Num quinzenário de cultura brasileira encontrei um tópico do artigo editorial onde se lê o seguinte ideal comum a todos os homens de cultura: "... fazer estancar o derramamento de sangue, onde quer que ele se verifique e sejam quais forem os motivos que o provocaram; o de impôr a existência de condições de liberdade e de segurança para que floresçam normalmente as atividades literárias, artísticas e científicas do mundo inteiro."
"Passo sem comentários pela curiosa construção verbal ´impôr... liberdade e segurança´; mas detenho-me a considera a estranha subversão que coloca o fruto antes da flor, ou que faz da cultura um fim e da paz um meio, que deve ser procurado a qualquer preço. Para o autor daquele editorial não importa averiguar os motivos de uma luta sangrenta. Ora, para mim, o que mais importa numa luta sangrenta é averiguar os motivos que a provocaram. Sempre pensei, e continuo obstinadamente a pensar, que há pelo menos uma boa dúzia de motivos que justificam, e que até reclamam a violência e a briga."
(Os pacifistas, Diário de Notícias, 2/12/1956)
"Ora, é fácil mostrar que esse ideal pacifista é apenas, sem tirar nem pôr, a quintaessência da moral burguesa da agonizante sociedade liberal. Os fundadores daquela cultura imaginaram um equilíbrio de egoísmos para fundamentar a riqueza e a prosperidade das nações. Os modernos apregoam o mesmo princípio no plano internacional: a paz do mundo será obtida pelo equilíbrio dos egoísmos nacionais.
"Na verdade, o pacifista não é o homem que ama a paz; é o homem que quer a paz-a-qualquer-preço, que é uma coisa essencialmente diferente da paz. Quem ama o fruto, deve amar a raiz, o tronco e as folhas. O pacifista não ama, não quer cultivar a árvore da paz; o pacifista quer comprar a paz."
(Os pacifistas, Diário de Notícias, 2/12/1956)
PASTORAL
"A Igreja é polêmica e freqüentemente dramatizante. Ainda se chama a Igreja na terra de militante e não de dialogante. E quanto mais "pastoral" mais militante e mais viril deve ser a atitude do homem de Igreja, seja ele leigo ou Papa. Porque diacho terão descoberto sentido analgésico e soporífero ou lubrificante no termo "pastoral"?
"Semanas atrás todos nós meditamos sobre a obra-prima divina, se assim podemos dizer, que é o Evangelho do Bom Pastor. Nessa polêmica e dramática alegoria, em três linhas encontramos:
1. O Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas.
2. O mercenário, que em vez de defender suas ovelhas, as aconselha a dialogar com o lobo.
3. O lobo, que devora não sabemos quantos apóstatas por dia.
"Não vejo nesse Evangelho nenhum traço desse "pastoralismo" inventado recentemente pelo qual o mercenário não é tão feio quanto se pinta e o próprio lobo tem inegavelmente um lado positivo.
"No meu entender, "pastoral" continua a ser um termo enérgico, militante, que lembra o Pastor que deu a vida por suas ovelhas, e que tem cor de sangue para lembrar o sacrifício e o amor. Continuo a crer que a Igreja na terra continua Militante, com a função de anematizar o erro por amor à Verdade e por amor aos homens. [...]"
(Pastoral! O Globo, 27/4/78)
"Discutiu-se o problema do Concílio [Vaticano II] ser apenas pastoral; alguns mais lúcidos chegaram a dizer que todos os concílios ecumênicos são necessariamente pastorais. A esses mais lúcidos faltou todavia a coragem ou a lucidez para ir até o fim da sentença. Todos os concílios ecumênicos foram pastorais, exceção feita do Concílio Vaticano II, que foi "aberto", tolerante, pragmático - tudo o que quiserem - menos pastoral [...]
"E agora, com o coração a estalar de dor, nós podemos, na presença de Deus que não nos deixa mentir, perguntar que título merece este Concílio que no seu encerramento deixou claramente entendido que seus três mil bispos, numa opressiva e sufocante maioria, já não acreditam em lobos e na perdição das almas, e que na sua última declaração sobre a Liberdade Religiosa, com o pretexto de agradar aos homens, confirma os transviados no erro mortal, e acaricia o orgulho dos que se julgam senhores de sua própria lei? Posso dizer que os bispos e o Papa mostraram um ardente interesse pelos problemas temporais e uma estranha simpatia pelos piores regimes muitas vezes condenados pela Igreja, mas não mostraram o menor zelo pela cura das almas. Poderei, diante de Deus, deizer que essa declaração sobre a Liberdade Religiosa, e mais as outras duas sobre a Igreja e o Mundo e sobre o ecumenismo, demonstram que esse Concílio terá sido "pastoral" entre aspas e piscadelas de olhos entre os evoluídos e mutacionados. Mas não no sentido austero, severo, amoroso e terrível que a Igreja Católica sempre deu a esse termo. Não foi pastoral no sentido dos Evangelhos e do Magistério. Mas se eles próprios dizem que o Concílio só foi "pastoral" (aspas e piscadelas de olhos) então nós só podemos concluir, aterrados, que esse Concílio autofágico não foi nada, ou então que foi uma trama urdida pelo Diabo para a ruína e desmoralização de todos os valores e todas as verdades da Santa Religião fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo"
(Pastoral? O Globo, 29/4/78)
PÁTRIA
"E não se diga que o sentimento pátrio nos separa da grande humanidade comum. Acidentalmente acontecerá tal coisa, mas normalmente a diversidade de nações e costumes melhor realça a unidade essencial do gênero humano. O homem está no fluxo da história para manifestar, aos homens, aos anjos e a Deus todas as virtualidades da essência humana; e para isto é boa a divisão que multiplica a possibilidade de manifestações do mesmo universal louvor elevado a Deus. Cada país, cada nação habilitada a se constituir em corpo político não existe só para o bem-estar de seus cidadãos. Cada nação traz à história uma contribuição civilizacional própria. Há nações mais importantes, como a França, cuja ausência na história repugna até a fantasia. Poderá alguém imaginar a história desse mundo sem a Inglaterra? Poderá um brasileiro sequer fantasiar a caricatura de um mundo sem Portugal, sem Camões, sem Vasco da Gama? Poderá algum espírito anêmico conceber um planeta Terra sem a flor da bela Itália ou da rubra Espanha? E perdoem-me a inevitável omissão todas as pátrias irmãs que incluo na festa do dia da pátria para lembrar que todas se devem umas às outras, sem quebra da ordem que nos preceitua um dever mais próximo, mais direto e imediato em relação àquela onde nascemos e para cuja glória devemos trazer nosso modesto tributo."
("A Vocação do Brasil" in Permanência no. 35, Agosto de 71)
PATRIOTISMO
"O patriotismo é uma virtude moral anexa da justiça. Como todas as virtudes morais, tem a universalidade que não conhece fronteiras, mas deve exercer-se concretamente no desejo e na promoção do bem comum de uma determinada comunidade humana definida por fronteiras culturais, geográficas, lingüísticas e históricas. O homem procura o bem sob o duplo ângulo do universal e do concreto. Se a idéia de justiça manda que se dê a cada um o que lhe é devido, de um modo geral, a virtude da justiça é inclinada ao exercício, ao particular, ao concreto, ao próximo. (...) Sendo o patriotismo uma virtude moral, é claro que o sentimento mais se dirige para os homens do que para as coisas. É mais uma forma de fraternidade do que uma admiração pela bacia hidrográfica do Amazonas."
"O patriotismo é uma forma de reverência que tem apoio na tradição. É um sentimento, raro hoje, de respeito pelos antepassados. É um modo peculiar, racional e afetivo, de ver no chão de uma terra o sinal de pés antigos. É um modo especial de adivinhar numa paisagem os sinais, os comoventes sinais de antigas mãos. É um modo sem igual de simpatizar com dores passadas e de se alegrar com passadas alegrias. É ter uma história comum, que vem de longe, cantada na mesma língua e vivida no mesmo grande e permanente cenário."
(Patriotismo e Nacionalismo, in As Fronteiras da Técnica)
PAULO VI
"Se quiséssemos fazer um resumido inventário desse pontificado, teríamos de começar evidentemente pelo Concílio Vaticano II e mais especialmente pela Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo atual, o Decreto sobre o ecumenismo, a Declaração sobre a liberdade religiosa e pelo discurso de encerramento pronunciado pelo Sumo Pontífice.
"Em seguida mencionaríamos as reformar litúrgicas feitas "para acomodar a santa liturgia" à mentalidade contemporânea, e mais especialmente o novo Ordo Missae, e especialíssimamente o ponto 7 da Institutio Generalis do mesmo. Em seguida lembraríamos a campanha desencadeada no mundo inteiro contra o IV mandamento de Deus e a promoção do "jovem". Em seguida falaríamos sobre a acintosa heterodoxia de vários autores sob a benevolente tolerância que encontraram e que prova o desgoverno da Igreja. Mencionamos alguns pregadores dessas novas e detestáveis doutrinas: Karl Rahner, Hans Kung, Ratzinger (elevado ao cardinalato), J. B. Metz, Schillebeckx, Yves Congar, Gonzalez-Ruiz; e na América Latina: Juan Segundo, Segundo Galileia, Gustavo Gutierez, e no Brasil, Leornado Boff, Carlos Mesters e outros.
"A esses abusos e aos correlatos descasos pelo Depósito Sagrado, acrescentaríamos os aberrantes produtos da nova pastoral catequética. De um modo geral falaríamos na protestantização da Igreja e finalmente mencionaríamos a "Ost-Politik" do Vaticano.
"Diante de todas essas aberrações, não hesitaríamos em dizer que o pontificado de Paulo VI foi o mais tormentoso e desastroso de toda a história da Igreja.
"Como resultado global, temos hoje um cisma mais profundo e mais grave do que o Grande Cisma do Ocidente ocorrido no século XIV. Com uma diferença: naquele tempo os fiéis católicos estiveram hesistantes diante de duas obediências, e até alguns grandes santos, como São Vicente Ferrer, enganavam-se de papa (escolhendo Clemente VII em vez de Urbano II), MAS NÃO SE ENGANAVAM DE IGREJA, que permanecia una, íntegra, nas duas obediências. Hoje, ao contrário, temos duas Igrejas: a Igreja Católica, fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo, e outra reformada, alterada, adulterada em favor de um humanismo sem dimensões sobrenaturais, e ostensivamente apegado às coisas temporais, usque ad contemptum Dei."
("O Pontificado de Paulo VI", revista Permanência Maio-Junho de 1978)
PEREIRA PASSOS
"Lembro-me agora das ressonâncias que tinha para nós, em casa, o nome do grande engenheiro. Foi talvez ele que me plantou na alma o gosto da profissão, de tanto ouvir falar em torno, com respeito e até veneração. Lembro-me de minha mãe, num dia muito claro e muito antigo, a me explicar a obra daquele grande homem que n´O Malhor eu via caricaturado ou fotografado ao lado do presidente da República, que eu aprendi a desenhar assim: um círculo, dois círculos menores no lugar dos óculos, e cinco fios de barbante paralelos.
("Rio Antigo" in Conversa em Sol Menor)
PLÍNIO SALGADO
"Sem conhecer os rudimentos da arte, tornou-se escritor e orador; sem conhecer a doutrina que diz defender, tornou-se um exegeta; sem conhecer os elementos de filosofia, tornou-se pensador. E ainda por cima, no arrojo de todos esses empreendimentos não o ajuda a inteligência. Porque inteligente ele não é (...)
"Confiante em si, como a seu tipo convém, o encorajado pelas mesmericas emanações de seu público, o sr. Plínio Salgado pretendeu ser uma voz poderosa, ou melhor, um coro, uma orquestra viva, rica em timbres, com o registro de sociólogo completando o do católico, e com o barítono do cientista armado em sabia fuga de quatro compassos com o tenor do patriota.
"E desafinou. Provou, a quem tenha um par de ouvidos comuns, e não simplesmente um par de orelhas, que não possui nenhuma daquelas vozes. "
("À Margem de um Discurso", A Ordem, Janeiro de 1947)
PRINCÍPIO DE IDENTIDADE
“Quando um juiz delibera, em vista de um volumoso processo, que um réu é culpado, já pressupõe, com uma certa segurança, que o réu é ele mesmo. Por isso, e para evitar que no mais brilhante dos debates seja condenada uma das testemunhas, costuma-se indagar o nome, a idade, a residência, e verifica-se a carteira com fotografia e impressão digital.”
(O Humorismo, A Ordem, agosto de 1942)
PROFESSOR
"Saí pela rua procurando alguém que entendesse uma coisa extraordinariamente, assustadoramente simples: que a marcha da civilização chegará a um colapso no dia em que ficar unanimemente estabelecido que um professor de telecomunicações deve preocupar-se meticulosamente com o conhecimento de coisas como o salário-família, o exercício findo, o encerramento do exercício etc. etc. etc. Sempre imaginei que existissem Secretarias, e funcionários de Secretarias, para notificar, avisar, telefonar e até para tornar a advertir e tornar a telefonar aos professores distraídos. Agora vejo que eles existem para se divertirem com as distrações dos professores. Ora, ou o professor é distraído, ou não é professor. Ou se ocupa dos alunos e da matéria, confiando que dele se ocupem no que tange o salário, as gratificações, os abonos e descontos, ou então tem de mudar cabeça e coração e mudar de ofício. Não é propriamente o tempo que falta. Sobra-me tempo para ouvir música, para conversar, para escrever artigos e para estudar muitas coisas que não se relacionam com a matéria ensinada. O que falta não é pois tempo; é disposição, é gosto, é alma, é boca. Será que não encontro em São Paulo quem entenda uma coisa tão simples?"
("Um Professor em Apuros", in Conversa em Sol Menor)
PROGRESSISMO E PROGRESSISTAS
"Chamamos de progressismo não a procura do progresso, que é própria do homem, mas a procura feita em direção errada e com critérios errados, e também a má doutrina que tenta reduzir todas as várias linhas de progresso humano àquela que se processa nos problemas da relação homem-mundo exterior e interior"
(Origens do progressismo, revista Permanência no. 19, Abril 1970)
"Os “progressistas” flagelam desembaraçosamente a Pessoa da Igreja, mas não admitem que lhes pisem os purpurados calos do personnel, que são para eles mais sagrados do que as cinco adoráveis chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo."
(Editorial Permanência, n°56, Ano VI, Junho de 1973.)
PROTESTANTISMO
"...o que nos choca na atitude protestante é o seu esquisito modo de estimar a Bíblia. Nenhum de nós que escreve gostaria de sofrer o tratamento a que o protestante submete o Espírito Santo. Nenhum de nós se alegra de ser livremente interpretado; e podemos até dizer que o nosso mais acabrunhante sentimento vem do elogio equivocado. André Gide disse uma vez a um admirador apressado que, por favor, não o compreendesse tão facilmente. Pois bem, o Deus ciumento de sua identidade, que martela em nossos ouvidos a sua terrível definição "Eu sou aquele que sou", e que nos recomenda insistentemente que guardemos a doutrina, é tratado como um acomodado personagem que nos dissesse com bonomia: Aqui está a minha revelação, estejam a gosto, e façam dela o que quiserem."
("A Visibilidade da Igreja", A Ordem, Maio de 1951)
PSICOLOGISMO
"A racionalização do mistério da iniqüidade é uma iniqüidade. O mundo que não é do Cristo, que não vive o mistério da Fé, perde também a consciência sobrenatural do mal (...) os pagãos apóstatas dos tempos modernos reduzem toda a tragédia humana a conflitos íntimos ou a problemas econômicos. Não há nenhuma tragédia, mas mal entendidos; não existe ódio, mas ressentimentos e recalques. Os autores contemporâneos, quando escrevem romances ou dramas, têm um imenso trabalho, apelam para mil finuras, procuram o concurso de mil circunstâncias, antes de consentirem na realidade brutal do ódio. Estão longe da grandeza de Shakespeare e da clara simplicidade da Branca de Neve. A filha do rei Lear tinha ódio; a rainha madrasta tinha ódio. É verdade que parece fácil explicar, até para uma criança, que a razão daquele ódio era a inveja; mas é justamente a clareza desse motivo, ou antes sua escuridão, que falta em nossa mentalidade apegada ao psicologismo dos conflitos internos. A inveja não é um conflito psicológico, mas um pecado mortal, uma ofensa dirigida para fora, atirada em cima da Suma Objetividade, através da face do próximo."
("Vade Retro, Satana", in A Descoberta do Outro)
PSICOLOGIA INFANTIL
"'Se não fordes como as criancinhas não entrareis no reino dos Céus'. O mundo moderno não quer ser como as criancinhas para as quais o tempo só existe como a regra dum brinquedo e como a ordem duma féerie. Nunca houve tamanho massacre de inocentes como neste tempo de muitos Herodes. O século que diz ter entronizado a criança, que mais livros escreveu sobre testes, sobre psicologia infantil, sobre doutrinas de aprendizagem, tiradas, aliás, de experiências feitas com cachorros, na verdade, na verdade mesmo, odeia a criança."
(A Descoberta do Outro, pág. 158)
OBSESSÃO
"Qual é a natureza da obsessão? Quanto ao objeto, ela consiste em afirmar "que existe uma coisa e só uma a temer". Quanto ao sujeito, consiste em supor que todas as virtudes devem ser concentradas na direção daquele perigo único. Ora, tanto uma idéia como outra é contrária à noção de vigilância que a Igreja não se cansa de nos inculcar. O vigilante é o homem que, de certo modo, não sabe de onde virá o perigo. Não sabe a hora e o dia. Ou melhor, sabe que ele poderá vir a cada instante (o perigo e a salvação) e de cada direção. O obsedado, ao contrário, é o homem que se gaba de saber precisamente a hora e o azimute do perigo. Ora, essa é a mentalidade do homem técnico, do tático, e não do homem que consulta a prudência propriamente moral. Nas guerras nós sabemos, com certa nitidez, de que lado está o adversário; na vida a Igreja nos ensina que ele está em torno de nós, "ao redor de nós, a rugir como um leão". E não à frente; e não à direita; e não à esquerda.
"Ainda mais, convém notar que o mesmo indivíduo pode ser vítima de muitas obsessões. Melhor do que acima dissemos, a obsessão consiste, não tanto na idéia de um objeto único, detestável ou apetecível, mas na idéia da decomposição em partes do domínio moral. O mesmo sujeito pode sofrer a obsessão do pecado contra a castidade e do comunismo. Pode ter mil obsessões sem que o número, por mais elevado que seja, restaure a fundamental unidade do ato moral radicada na razão. Basta uma zona obscura para estar completamente perdida a integridade moral.
"A obsessão é uma paixão desgovernada, tornada má por falta da inteireza, e, pelo medo ou pela concupiscência, conduzirá o indivíduo, por caminhos tortuosos, levando-o infalivelmente a perder o que busca alcançar e a abraçar com o espectro que o apavora. [...]
"Revista-se embora de aspectos virtuosos, nunca é virtude; seja um mal o que evita, acaba por atraí-lo; seja um bem que procura, só consegue perdê-lo."
(Editorial não Assinado de A Ordem, Março de 1947)
OBEDIÊNCIA
"Sim, o Crime da Obediência. Será preciso lembrar que a virtude da obediência é a que exige o mais fino e intransigente dos discernimentos?"
("Remember", artigo sobre o Nazismo, in Patriotismo e Nacionalismo)
"(...) diante de uma hierarquia tornada quase invisível, aqueles que mais amam obedecer, são levados por um indizível sentimento de orfandade, e se embaraçam numa invencível dificuldade de obedecer..."
(Editorial de Permanência, no. 52)
"Quando Santa Tereza (para obedecer ao confessor) fazia caretas à visão que lhe aparecia, ouviu do Senhor Jesus: "filha, agrada-me a tua obediência". Mas quando porém se trata da salvação das almas, como silenciar sem desobedecer? Para fingir que obedecemos, desobedeceremos àquele que nos deixou dito: "... sereis minhas testemunhas..." (At 1,8)"
(Editorial de Permanência, no. 52)
"E não se diga que o clero e o laicato "progressista" quebraram a disciplina. É pouco. Diga-se que quebraram uma coisa mais profunda e mais preciosa. De um jovem que acha indispensável esbofetear a mãe para afirmar sua maioridade não diríamos que quebra a disciplina. Antes diremos que quis quebrar tudo, céus e terra, e só feriu a autoridade próxima por não ter à mão a Face de um Deus que se encarnou para ser esbofeteado, cuspido e depois crucificado.
"Salta aos olhos do mais desatento habitante do século que o espetáculo da morte da autoridade é sinal do desejo da morte de Deus. Andam por aí os padres que não obedecem aos bispos, os bispos que não obedecem ao Papa, e enchem o mundo os filhos que não obedecem aos pais.
"Mas não haveria crise de autoridade se o fenômeno se limitasse à desobediência ou se a falha estivesse só do lado dos revoltosos. Não haveria a calamidade de dimensões planetárias sem a outra metade do problema, isto é, sem a omissão dos que deviam exercer e não exercem a autoridade, não apenas por fraqueza ou covardia, mas por uma espécie de simpatia e conivência, ou por uma espécie de descrença profunda."
(A Crise de Autoridade e o Democratismo, Permanência, junho de 1969)
OFÍCIOS
"Sempre que medito na variedade dos ofícios humanos sinto uma espécie de vertigem, como se essa multiplicidade separasse e dividisse a espécie humana em miríades de subespécies; e preciso agarrar-me à metafísica para lembrar que essa pluralidade espantosa de habilidades prova a unidade do gênero humano no nível da racionalidade. Somente poderia dominar os seres corpóreos com tal universalidade um ser, embora corpóreo, animado por uma substância ontologicamente superior à substâncias materiais. É a espiritualidade da nossa alma que nos proporciona essa espantosa multiplicidade de ofícios. Mas essa mesma capacidade que glorifica o homem tem seu lado de miséria, porque cada ofício é uma gaiola onde o homem canta sua humanidade à custa da prisão que lhe assegura o alpiste de cada dia, como dizia o Bilac de minha infância."
("A Profissão dos outros e a minha", in Conversa em Sol Menor)
"Dias há em que a gente fica triste com o ofício que tem. Imagino como não deve ser enervante para as cozinheiras, nesses dias, a atmosfera das frituras e a companhia das caçarolas; como não deve ser monótono para o ferreiro o gemido das bigornas; como não deve ser triste, muito triste, o vai-e-vem da agulha na mão picada da velha costureira. Cada ofício é uma prisão. Se a gente tem o espírito largo dos santos, a prisão vira clausura de amor e torna-se recanto de paz; mas onde falta a largueza de coração, o ofício é ofício, e a prisão é prisão: as coisas ficam sendo o que são pelo bagaço. E o cárcere do ofício é duro, asfixiante, enervante."
("Não matar", A Ordem, Novembro de 1953)
OTIMISMO
"De início quero registrar a chocante impropriedade dessa mistura de confiança em Deus com otimismo. O termo otimismo não tem lugar, a não ser em serviços muito subalternos, no léxico cristão. É em nome da divina Esperança que repilo o otimismo, e que não posso ser otimista diante do tal Homem Moderno. Esse termo foi inventado e posto em circulação para designar uma espécie de bobagem muito humana, humana demais, e não para substituir os termos com que há dois mil anos sabemos exprimir nossa confiança em Deus. "
(O GLOBO 11 de abril de 1974)
"Não se trata porém de pessimismo como me escreve um leitor querendo colocar minha posição em termos de pessimismo ou otimismo. Em primeiro lugar, chamo a atenção do leitor para uma esquisita contradição que esses termos produzem na mente dos que os escrevem: o escritor que passou sua vida tomando posições, combatendo sem tréguas poderá parecer realmente pessimista, no sentido vulgar do termo, pelo simples fato de estar quase sempre em defesa de uma causa e contra os adversários. Serão então otimistas, positivos, construtivos aqueles que tudo aceitaram, tudo engoliram e só produzem atos reticentes?
"Neste caso prefiro ser pessimista e desde logo digo que, no caso atual da crise da Igreja, não tenho a menor esperança humana. Só espero em Deus."
(Apelos e súplicas sem resposta, O Globo, 10/6/78)
OS DESESPERADOS
"Morto o Papa Pio X reorganizaram-se os inimigos da Igreja; e terminada a Guerra Mundial I com a vitória de ninguém, surgiu no mundo um frenesi de viver que era uma réplica nervosa ao frenesi de matar. E começa nosso pobre bravo século de tantas invenções e de conquista da lua (!!!) a percorrer suas derrisórias oscilações entre tempos de depressão e tempos de exaltação. Século ciclotímico. Já em 30 cansa-se o planeta de seu frenesi de viver e entra em crise de depressão que atinge os alicerces econômicos. Logo depois surge nova forma de exaltação. Com nostalgia da guerra, da camaradagem viril, da comunhão do perigo, surgem os "ativistas desesperados" de Malraux que em lugar de sentido da vida, e de doutrinas de verdade só procuram combates, sim, combates que por si mesmos bastem para provar e sentir a coragem como um engajamento sem retorno, ou para satisfazer aquele anseio de fraternidade viril, ou combate puro onde não se quer mais do que desforrar-se da obscuridade da vida... Ativistas desesperados, Malraux, Drieu La Rochelle, Brasillach. Exaltação, procura de heroísmo. Ou procura desesperada de uma exaltação de ventura. "Une grande action quelconque...", "... un mot: bonheur!".
[...]
E com a infiltração do marxismo nos meios católicos franceses, nas revistas Sept, Esprit, Témoignages Chrétiens, Études etc., a heresia do século cresce, incha, torna-se gigantesca, planetária. Agora não é a Razão que se ergue contra a fé, não é a Ciência que julga a Igreja, agora o que reclamam da velha Madre ineficiente é a sua incapacidade de fazer um mundo feliz. Já não é o valor-verdade, para afirmar ou para negar, o que mais se discute, o que mais importa é o valor-vital, é a felicidade, o bem-estar, o paraíso, já, aqui, agora, exigido pelos tempos modernos, imperiosamente reclamado pelos impacientes credores de Deus! Transforme-se a Igreja em eficiente instituição filantrópica, ou em divertido clube de jovens, casem-se ou não se casem os padres, exista ou não exista outro mundo: o que importa soberanamente é comer, beber e coroarmo-nos de rosas, porque amanhã morreremos. Os credores de Deus protestam as sagradas escrituras e penhoram a Casa de Deus. Faliu a Igreja dos santos, a Igreja que prometia uma festa no céu como nas histórias de crianças: cabe agora ao homem libertado de tais alienações a edificação de um novo mundo... E aqui temos o traço principal de todo esse movimento de apostasias que, por eufemismo, chamam de progressismo; é a heresia do século, ou melhor, o somatório, o compêndio, a concentração de todas as heresias do século — com uma orientação dominante: contra a Esperança. Sabemos, pelas especulações teológicas dos melhores doutores, que no ato de dar as costas a Deus e de converter-se às criaturas, a primeira virtude mais diretamente afligida é a da Esperança.
"Todo este vendaval de insânias, toda esta tormenta de blasfêmias, de sacrilégio, de profanações que temos diante de nossos olhos — e para os quais contribuímos com a tristeza de nossos pecados, mesmo quando combatemos com argumentos de boa doutrina — todo esse emaranhado de malícia e de estupidez dos católicos que se deixam enlear pelos mais brutais inimigos de todas as transcendências de nossa sorte não é mais do que isto: um imenso e ensurdecedor gemido de desesperança.
"Os imbecis, que se guiam pelo ruído que as palavras fazem, dizem que os progressistas têm confiança no homem e no mundo; dizem que os progressistas são otimistas.
Não duvidamos que o sejam; mas sabemos que não há nada mais lúgubre do que o otimismo dos desesperados."
(Editorial, Permanência no. 27, Dez de 1970)
"E ousando imitar o tom do grande papa santo, ouso eu dizer-vos, "aos amigos católicos": bem sabeis qual é a grave e profunda causa desse desespero em que se debate essa geração. Para cúmulo de seus males perderam a estrela que sempre, de algum modo tinham como guia e como última esperança. Onde está ela? Onde a Casa de Ouro que anunciava um Reino que não é deste mundo? Onde a luz sobrenatural? Onde a tradição que de boca para ouvido, pelos séculos e séculos, contava uma história de milagres que acabava na madrugada de um Deus ressuscitado?"
(Um texto singular, O Globo, 3/9/77)
NIETZSCHE
"Nietzsche foi o poeta épico dos pequenos-burgueses, o bardo dos subchefes de seção, ou, então, o profeta que anunciou o advento tumultuoso de três bilhões de deuses..."
(A Descoberta do Outro, pág. 76)
NOVOS TERMOS: "LARGUEZA DE ESPÍRITO" E "DIALOGAR"
"O que é isso? A julgar pelos lugares onde já encontrei essa expressão, receio tratar-se de uma disposição para cuja conquista não me sinto atraído. Serei reprovado no vestibular de "largueza de espírito", se por tal coisa se entende a facilidade de "dejeuner chaque jour un crapaud", como dizia Cyrano de Bergerac, ou de comer lagartixas, como hoje diz Nelson Rodrigues. Não, não serei reprovado porque não chegarei sequer a me matricular em tal maratona.
"Também não sei o que quer dizer "dialogar", mas pelo que suspeito desde já advirto à leitora desconhecida que não lhe fica bem dizer que "dialogar" não faz mal a ninguém. Na Faculdade Nacional de Filosofia, no início da década de 60, quando o termo explodiu, "dialogar" engravidou várias alunas. Na PUC o mesmo verbo transformou mocinhas egressas do Colégio Sion ou do Sacré Coeur em terroristas, amantes de terroristas e assassinas."
(Resposta a uma leitora. O Globo, 12/9/70)
NOSSO DEVER
"Mais do que nunca na história é imperiosa a mobilização de todas as devoções. Temos o direito de reclamar, de acusar, de denunciar, e até de pedir o castigo dos soberbos. Mas todos esses incontestáveis direitos são fracos recursos diante de um dever que pode nos esmagar mas do qual não podemos fugir: o dever de tomar os lugares vazios, as vagas, e o dever de preencher com atos de submissão e de adoração os enormes buracos deixados pelos trânsfugas. Precisamos multiplicar por cem ou por mil as orações de súplica e de adoração, precisamos importunar nosso Pai do Céu com a repetição de nossos atos de Fé, com nossa fidelidade, com nossa incondicional permanência."
(Editorial da revista Permanência, no. 30)
MACHADO DE ASSIS
"... sua obra foi um milagre. Dentro de um ambiente de verborréia que ofendia a palavra e traía de modo elementar o espírito de nossa língua, Machado soube guardar-se e, compreendendo que o português é avesso às rotundidades, escreveu como seus antigos, curto de fôlego e enxuto de formas. Foi verdadeiro no instrumento e verdadeiro na obra."
(A Descoberta do Outro, pág. 130)
"Tempos atrás, para escândalo de um crítico musical, ousei um paralelo entre Machado e Mozart. E torno a perpetrá-lo, pois não sei de outros, nas línguas ou na música, que saiba entrar com tamanha graça e tão notável desenvoltura. Dêem-nos dois ou três acordes, duas ou três frases, e logo identificamos a inigualável figura de um desses autores."
("Na mesma língua em que chorou Camões", in O Desconcerto do Mundo)
"Os autores das modernas filosofias existencialistas optaram pelo absurdo. O que vale dizer que não optaram, e que ficaram detidos, imobilizados, sem ímpeto para atravessar o espelho e entrar no mundo das maravilhas. Dessa paralisação da inteligência resulta um pessimismo real, profundo, desconsolado e degradante, que não era, de modo algum, o pessimismo de Machado de Assis. (...)
"Até seus últimos dias, na desolação da velhice e da viuvez, Machado de Assis conserva intacto o senso moral. Se nos romances parece ter atingido um cansaço da vida e um desconsolo supremo, aí está sua correspondência Para nos mostrar o outro lado do homem que persiste em crer no homem e na realidade moral. E a explicação desse dualismo está no Eclesiastes, ou melhor, naquilo que falta no Eclesiastes, que é por assim dizer um livro onde o principal é justamente o que falta: a notícia de nossa transcendência e de nossa ressurreição."
("Na mesma língua em que chorou Camões", in O Desconcerto do Mundo)
MARCEL LEFEBVRE
"De início eu diria ao meu escandalizado leitor que é fácil julgar-se mais católico, mais virtuoso do que Dom Lefebvre, mas que não é tão fácil sê-lo efetivamente.
"A Europa inteira está emocionada e aturdida diante da suspensão do venerável ancião que se achou colocado na situação prevista na famosa carta que os cardeais Ottaviani e Bacci dirigiram ao Sumo Pontífice em 1969: «...a promulgação do Novo Ordo coloca o fiel católico diante de uma trágica opção».
"Coube à grande alma católica do Bispo fundador de seminários católicos o encargo de condensar em sua obra, em seu coração, o sofrimento de todos os sacerdotes e leigos do mundo que sofrem o mesmo dilaceramento."
("Dom M. Lefebvre fala", Revista Permanência n° 140-141, Julho-Agosto 1980)
"Tantos são os sinais mais ou menos graves da ruptura da tradição, que sem hesitação podemos dizer ― com o que aprendemos no regaço da Igreja onde queremos viver e morrer ― que o rumoroso caso de Dom Lefebvre ultrapassa de muito a dimensão de uma questão disciplinar: o que esta em jogo é o valor que damos ao Sangue de nosso Salvador."
("A Necessidade de Explicar tudo", O Globo 2/9/76)
"Estas singelas considerações talvez ajudem os católicos que sinceramente amam a Igreja a compreender que não há nenhuma desobediência nas missas rezadas por Dom Lefebvre: ele obedece ao Espírito de sua Igreja; os padres extravagantes citados pelo Pe. Auvray obedecem materialmente ao espírito que inspirou os falsos princípios.
"Entre esses dois exemplos há a maioria dos vacilantes, dos tímidos, dos mornos, que obedecem materialmente a papéis marcados com o sinete do Vaticano, e ficam com a consciência em paz enquanto a Religião de Cristo sofre perseguição e as almas se perdem."
("Onde irá parar a Missa?", O Globo 9/9/76)
MATEMÁTICOS
"Os matemáticos são os joalheiros do senso comum, mas às vezes entusiasmam-se pensando que o ouro foi também feito por eles."
(Descoberta do Outro, pág. 77)
MILITÂNCIA CATÓLICA
"Um dia de aniversário festivo Manuel Bandeira e outro conhecido acadêmico cordialmente me saudaram e me disseram que a Academia reclamava a minha presença. Volto ao mesmo sábado de poesia e de loucura para responder ao convite amável: "Não sei, Manuel Bandeira, se alguma vez, nas vezes das Marias, das Terezas, você encontrou quem lhe dissesse estar comprometido. Digo-lhe hoje eu. Chego a ter, Deus me perdoe, inveja de sua graciosa liberdade, inveja de não poder desatar o prisioneiro que trago. Sou hoje militante. Engajado. Comprometido. Com sete deveres de estado e um noivado no Céu. Ousarei confessar-lhe, ó poeta, que ainda não morreu o poeta-menos-do-que-menor que não fui? Muitas vezes vou visitá-lo às escondidas, como um Nicodemus, e de nossas confabulações trago o pouco que põe a vida e calor nas obras de meus compromissos, dos sete deveres de estado."
"(...) não recebi o dom de bem discorrer sobre rosas e rubis para servir as academias. Não posso pois reclamar omissão alguma no país dos homens de letras; mas posso pedir ao leitor a compreensão, a paciência de reconhecer que eu devo continuar a escrever contra os discursos do Congresso Eucarístico de Manaus, os pronunciamentos da CNBB e outros tediosíssimos assuntos. No fim de todo este delírio, conservo a convicção da inutilidade de meu serviço, mas sobeja a certeza de que, feitas todas as contas, Deus quer o meu testemunho.
"E ai de mim se o não der."
(Sereis minhas testemunhas, O Globo, 27/09/75)
MISSA
"(...) há hoje todo um esforço de covardia e traição universal para conjurar o insuportável espetáculo da Cruz. E então, para fugir à visão daquele divino pára-raios da cólera divina, para tirar os olhos do sangue, inventaram o recurso de fazer a missa derivar mais da ceia do que da Cruz, e com esse estratagema malicioso e parvo, fizeram da Santa Missa um espetáculo de feira, aonde a assembléia dos fiéis é aquele “respeitável público” dos palhaços de circo".
(O GLOBO 7/4/77 )
"Quando nós vamos à Missa não vamos para constituí-la, para fazê-la o que ela é por nossa reunião. Vamos à Missa para usar a oportunidade maravilhosa e misteriosa que Deus nos oferece de estarmos misticamente, mas realmente, ao pé da Cruz, naquele dia e naquela hora da Salvação.
"E assim, qualquer católico alfabetizado, e ainda não imbecilizado pela onda de novidades, compreenderá que definir a Missa pela assembléia dos fiéis é sacrílego, herético e estúpido. Dir-se-ia que somos nós, assembléia de fiéis, que fazemos ao Cristo o favor de rememorar seus feitos, e não que é o Cristo que nos faz o infinito e incompreensível favor de nos oferecer uma oportunidade de colhermos os frutos da árvore da salvação, e uma possibilidade de participarmos de sua obra."
(De Roma a Olinda, O Globo 28/7/77)
"Sem nenhum prurido latinista eu me pergunto se terá sido boa a substituição da língua universal pelas diversas línguas nacionais. A meu ver há boa dose de exagero nos meios em que tenho visto adotarem a renovação com entusiasmo. A Igreja tem que ir ao povo mas não num estilo que se aproxima da demagogia. Creio que se enganam os que julgam que o povo gosta dos sermões em que o padre diz que está batendo um papo com os fiéis. Estou convencido que se enganam os que julgam que o povo se encontra mais bem representado pela mediocridade, pela chulice, do que pela nobreza do estilo, pela elevação do tom e até pela pompa dos paramentos. Essas coisas, ao contrário do que pensam os que vivem falando na pobreza, constituem a riqueza do pobre. O pobre tem na Igreja o lugar em que alguém lhe fala com elevação e esmero; tem na Igreja a casa das alfaias ricas; tem na Igreja seu luxo, seu requinte, seu apuro. Em todos os outros lugares do mundo, o pobre encontra a pobreza. Em casa, tem a pobreza da necessidade; nos lugares de trabalho tem a pobreza funcional, técnica. Só na Igreja o pobre continua a encontrar o ouro, o incenso e a mirra"
(Reformas Litúrgicas, O Globo, 18/3/65)
"É preciso dizer por cima dos telhados, aos gritos, com cólera ou com dor, que nós não precisamos dos conselhos e da colaboração dos protestantes para decidir a feição de nosso culto de adoração, isto é, para observar e apartear o que temos de mais íntimo na vida da Igreja. Esta falsa modéstia, esta falsa humildade, este falso ecumenismo é que clamam aos céus e a nós nos ferem em nossa honra e no nosso amor."
(Editorial Permanência, n°56, Ano VI, Junho de 1973.)
MORTE
"Curioso é esse contraste: a morte é o que há de mais certo, a ponto de servir no modelo clássico de silogismo; e é por outro lado a idéia que mais nos custa admitir, e tanto mais custa quanto mais perto nos toca. É uma certeza que anda ao contrário das outras."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 35).
"E a morte? Onde ficou a morte em todo esse filosofar? Que relação existe entre o mistério da pessoa e os trinta ou quarenta dias que me são adjudicados?
"A relação existe. Deixamos para trás a certeza da morte, que é luminosa na visão essencial, e que evolui em proporção inversa da evidência, transformando-se em surpresa, em estranheza, em repugnância, em estupor, à medida que emerge a realidade da pessoa. Concluímos pois que há na pessoa, no mistério da pessoa, uma força que empurra a morte para trás, que recusa a morte, que denuncia a morte como um espantalho de contradição.
"Estarei descobrindo que a alma é imortal?"
(Trecho em que o personagem José Maria descobre a imortalidade da alma. Ibid, pág. 48).
MOVIMENTOS CATÓLICOS
"Algum dos modernos, creio que no tempo dos padres-operários, já observou que sempre que surge ardoroso movimento de evangelização, a Igreja o entrava e o bloqueia. E faz bem, porque na maioria dos casos o ardor de novas iniciativas mais se nutre de amor-próprio inquieto e ávido de sucesso do que se inspira de pura e casta caridade. A grande calamidade que aflige a Igreja de nosso tempo tem origem, ou fator dominante, numa inversão de atitude que levou a Igreja, aí pela década dos 40 e dos 50, a ver as efervescências sem a antiga e sábia reserva."
(O Século do Nada, 2a. edição, Record, pág. 173)