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V

VATICANO II
"SANTO DEUS! Esses mesmos autores de tal otimismo que tanto lisonjeiam o mundo e tantas vezes disseram quere acomodar as coisas da Igreja às exigências da mentalidade contemporânea, ao que parece, não se detiveram a bem observar o testemunho que ele — este bravo novo mundo — dá de si mesmo. Sim, depois de todas as conquistas da ciência e as mais inebriantes experiências de todas as liberdades, e de todas as perversidades, o espetáculo que vemos é o do planisfério de um imenso desespero.
 
"Está nas caras, nos braços caídos. Nas pernas moles. Nos cabelos sujos e emaranhados. Nos olhos alucinantes. E está nos fatos, nos atos, nos costumes. Nos divórcios fáceis. No aborto legal. Na procura das evasões pelos psicotrópicos que são uma espécie de suicídio à prestação. As famílias se decompõem, a intemperança cresce dia a dia, prendendo os homens às coisas de barro e à coisinhas que inventaram. E por cima deste mundo de liberdade em decomposição, uma atmosfera de impostura feita pela primeira vez na história por uma "civilização" que, como principal exigência, quer a negação de Deus. Ora, Santo Deus! Diante de tal quadro vemos três mil bispos a aplaudir, a sorrir, a encorajar: estejam à vontade, cada um é senhor de sua sorte, estejam a gosto..."
(Um texto singular, O Globo, 3/9/77, sobre a GAUDIUM ET SPES)
 
VIDA CATÓLICA
Há no mundo uma coisa que poderíamos chamar de tom ou timbre católico: é uma voz que todos conhecemos, e cujo timbre se estende da súplica do mendigo à homilia do bispo. É um acento; um timbre; uma colocação; um sotaque que poucos anos de prática gravam de um modo inconfundível. É um modo de falar que sai naturalmente de um modo de pensar, e que se aprende em pouco tempo porque é o modo próprio e normal para essa raça de homens tocados pelo batismo."
("À Margem de um Discurso", A Ordem, Janeiro de 1947)
 
"O cristão é um espinho fincado à força no mundo. É um soldado do Cristo, do Senhor, do Imperador, portador da Sua cultura, autêntico representante onde quer que esteja, vivendo humilde e vitorioso, entre as formidáveis pressões do mundo e de Deus, na exinanição e na exaltação, defrontando todas as ondas com um ato positivo.
 
"É um mendigo (ele apregoa isso), um decepcionado em cada hora (ele bem o sabe); mas é um mendigo, um decepcionado que recebe cada dia o corpo de Deus."
(Decepções, editorial, A Ordem, Maio de 1942)
 
VIAGENS
"Disse atrás que Pascal explica a maior parte das viagens pelo desejo de buscar assunto e alimento para a vaidade. Viaja-se para obter um diploma, como o de bacharel; ou para aumentar o reservatório de temas. Viaja-se para voltar com carimbos na mala, e com vulcões na memória. Posso imaginar o aventureiro retilíneo que faça exceção, mas não duvido que o caso geral seja este de quem parte para voltar, para trazer a personalidade engrossada.
 
"Mas essa mesma idéia, como tudo que é do homem, tem duas faces. Acho belíssima essa voracidade do homem, e essa capacidade de trazer para casa, para a sala-de-estar, sob as espécies do assunto, as guerras, os terremotos e os ciclones. Por outro lado, porém, acho lúgubre essa avidez de engrossar por fora a ganga do eu, numa capitulação da maior das aventuras, que é a conquista de si mesmo, a descoberta de sua própria alma. Há duas iluminações na face de um Marco Polo: de um lado o brilho ensolarado da boa aventura; de outro a verde lividez do homem que foge de si mesmo."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 190) 
 
VISIBILIDADE DA IGREJA
"Ao contrário do que diziam os autores super-espirituais que chegaram a perturbar a grande Teresa d'Ávila, e que pretendiam ver na Ascensão de Cristo, e na descida do Espírito, uma manobra de Deus para nos livrar da visibilidade do seu Corpo, nós podemos dizer sem receio que Nosso Senhor se tornou ainda mais visível no seu Corpo Místico espalhado pelo mundo. A Igreja é de fato o alastramento universal do Salvador. O sangue derramado é agora estendido, e tinge o mundo inteiro numa prodigiosa iluminura. E a Igreja cresce, como cresce o dia, de "claridade em claridade".
("A Visibilidade da Igreja", A Ordem, Maio de 1951)
 
VOTO OBRIGATÓRIO
"Já que resolvemos abordar este desagradável assunto, é melhor que fique dito tudo que nos pesa. Voltemos pois à expressão "votar disciplinadamente". Em nossa opinião, essa fórmula é obscena [...]
 
"O voto é um ato (um ato moral) com que o cidadão exprime sua livre escolha para o governo da cidade. Faz parte da essência do voto, portanto, a sua liberdade, não sendo possível, disciplinadamente, namorar, casar, passear, entrar para um convento, amar os filhos, venerar os santos e adorar a Deus.
 
"Em compensação, é possível prevaricar disciplinadamente. Prevaricar aos sábados. Prevaricar com método. Porque nesses atos, em que a matéria submete o espírito, a férrea disciplina pode entrar tão bem como numa férrea ajustagem mecânica.
 
"Há evidentemente, uma louvabilíssima disciplina, se por tal entendermos o cumprimento de certas regras da vida comum, como encolher as pernas no bonde, não soltar urros no cinema e não cuspir dos sobrados. Neste caso é possível votar disciplinadamente: trata-se então de chegar cedo ao posto, com seus papéis em ordem, de não ficar meia hora dentro da cabine indevassável e de não entreter com algum mesário conhecido uma inoportuna conversação sobre o calor ou o preço dos gêneros. A esse conjunto de pequenas e preciosas virtudes, filhas da justiça, chamaremos de boa educação e respeito; mas não temos grande relutância em aceitar a denominação de disciplina, se quiserem.
 
"O que relutamos em aceitar é que, disfarçada com o mesmo nome, a disciplina tente penetrar no íntimo dos atos que só valem quando são livres. Um destes é o voto. Voto é voto. É opção; é escolha; é, enfim, um desses atos em que o homem mais fortemente, e com todo agrado de Deus, imprime a marca de seu espírito.
 
"A muitos parecerá que a escolha de um senador seja mesquinha ou ridícula, comparada à escolha de uma esposa, de uma ordem monástica, ou de um Papa. Atrevemo-nos a fazer um paralelo entre todas as eleições, afirmando uma grande piedade por esse desdenhado campo dos atos humanos que estão pedindo santificação. Não achamos a política ridícula e mesquinha senão na medida dos seus erros; como não achamos ridícula a fidelidade e respeito de um esposo por uma pobre mulher que tenha perdido seus encantos; como não achamos ridícula a vigília à cabeceira de um doente; como não achamos indigno do Evangelho e da solicitude cristã nenhum ato humano que seja tentado na linha da justiça.
 
"O voto, por definição, não pode ser disciplinado. Quem receia tão nervosamente o clima da liberdade, ou não observou que todas as modernas formas da tirania apregoam a disciplina; ou então deseja a disciplina precisamente porque deseja a tirania. Deseja uma tirania que lhe seja favorável, e que neutralize e destrua a tirania que lhe é desvantajosa.
 
"Por isso, deveria ser lançado à execração pública quem jamais se atrevesse a pronunciar essa enormidade: votar disciplinadamente. Quem agita essa bandeira não crê no voto; não crê na política de fundamento moral; não crê em senado, deputado e vereador; não crê em democracia; não crê no direito natural, no direito das gentes, nas raízes do direito positivo; não crê na justiça; não crê, simplesmente, na justiça."
(Editorial de A Ordem, março de 1947)

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