Category: No. 136 -
Há verdades fundamentais que cada vez se nomeiam menos, quando não são deixadas sistematicamente no esquecimento; silêncio que explica por que nossos contemporâneos encontram um não sei quê de estranho e antinatural cada vez que, devido a circunstâncias excepcionais, estas verdades chegam a seus ouvidos.
Convém observar que em tempos normais — tanto em sua vida social como pessoal — o homem manifesta uma atração pela verdade se esta se apresenta sob uma aparência lisonjeira e sedutora.
E se, ao contrário, a verdade requer um esforço nos atos ou uma renúncia? O homem se aparta rapidamente para seguir seu próprio interesse ou prazer; não consente em escutar essa voz que vem do alto, e só o faz quando que se encontra oprimido, metido em um caminho sem saída ou presa do sofrimento.
Chegamos nós hoje a tal extremo no plano das realidades temporais? Sem dúvida ainda não de todo. No entanto, desde há alguns anos um sentimento novo parece manifestar-se nas massas: um desgosto e uma inquietude que não provêm somente das dificuldades do momento presente ou das dificuldades que se prevêem para um futuro mais ou menos próximo, mas que consistem mais profundamente em uma angústia mesclada com um ceticismo acerca das respostas dadas às aspirações humanas de felicidade e de justiça em todas as formas técnicas de organização.
Na medida em que estas dúvidas afastem de nós uma segurança artificialmente alimentada durante décadas pelo racionalismo e pelo positivismo político, devemo-nos alegrar: o florescimento de tal sentimento é provavelmente a percepção do que um filósofo chamou “a insuficiência essencial das coisas visíveis”. Sobre a terra, somente o homem é capaz desta percepção.
O fato curioso é que esse fenômeno geral e ainda bastante informe não parece ser advertido no plano da classe dirigente, seja porque esta tem o poder e em tal caso não percebe o que sucede nos corações inquietos acerca da ordem por ela estabelecida, seja porque se encontra na oposição, em cujo caso se mostra totalmente insensível àquilo que não entra em uma visão catastrófica do homem e das coisas.
De qualquer forma o fato está aí, imponente. E assim os “políticos”, em vez de dignar-se considerar esse desgosto coletivo, se limitam a lançar reformas superficiais, incessantemente submetidas a discussões por um prurido psicológico de mudanças, ou a elaborar programas unicamente centrados no melhoramento das condições técnicas.
Essa solicitude pelo progresso material, comum a todas as instituições, trate-se de instituições amigas ou rivais, impede-lhes conceber o futuro de outra maneira que não seja sob a forma de uma benéfica evolução contínua, concebida segundo o modelo — admirado por todos — do desenvolvimento científico. Desta perspectiva, a visão social do futuro não pode evidentemente consistir em outra coisa senão em proporcionar cada vez mais abundantes vantagens e direitos aos cidadãos, os quais cada vez estão mais exigentes com respeito à quantidade e variedade dos alimentos terrestres oferecidos a seu apetite.
Só se trata de um consumidor para alimentar e divertir?
É verdade que faz parte da responsabilidade do Poder procurar tais bens, e seria injusto reprovar a dita preocupação dos governantes, os quais se esforçam com boa vontade e com talento por corresponder às aspirações gerais da população. Todos esses esforços, no entanto, não impedem que as coletividades entrem em uma engrenagem geradora de novas dificuldades. Assegura-se-nos um nível de vida cada vez mais alto, mas os recursos do universo são ilimitados? A explosão demográfica do Terceiro Mundo nos permitirá desfrutá-los tranqüilamente? Os danos trazidos pelo progresso técnico não atentam contra o bom funcionamento dos fatores naturais? E, sobretudo, o homem se torna com tudo isso mais sábio?
Os governantes do mundo se submetem ansiosamente aos problemas próprios de nosso tempo recorrendo a novos remédios materiais, dado que, uma vez mais, não podem imaginar outros.
Como não se perguntar se esse comportamento político-econômico universal não traduz uma filosofia do homem radicalmente insuficiente, que desemboca no desconhecimento de suas necessidades autênticas?
É como se nossos governantes considerassem o homem só sob o aspecto de um consumidor que há que alimentar e divertir, como se não vissem nele mais que uma emanação da ordem material, já que não se fala nunca do que constitui sua essência e sua nobreza, ou seja, sua participação na ordem espiritual, nem, com maior razão, se fala da subordinação da ordem espiritual à da Graça.
Podemos figurar a diversão dos homens públicos a quem se pediu que se debruçassem sobre as exigências morais e espirituais dos cidadãos, assim como, por outra parte, podemos figurar a irritação dos ditos homens se lhes dissessem que as vantagens materiais devem ter em vista seu próprio bem e não a satisfação de seus próprios egoísmos; sua ascensão às alturas e não seu envilecimento na lama.
Ai de mim! A maior parte de nossos chefes — também cristãos (sem dúvida cristãos na vida privada, mas fortemente “laicilizados” em seus pensamentos e comportamentos políticos, por terem demasiado bem aprendida a lição dos clérigos desviados) — já não querem saber que coisa é o homem, donde vem, para onde vai, as aspirações de seu coração nem a grandeza de seu destino.
Subdesenvolvimento moral e espiritual
É mister ir ainda mais longe e deplorar o fato de que a filosofia política dos tempos modernos se baseia no repúdio deliberado da “ferida original”, sem a qual é impossível compreender o homem e ajudá-lo eficazmente no plano político-social.
Alguns pensadores disseram que seria necessário dar ao mundo “uma alma suplementar” ou recordaram que as civilizações são mortais. Suas vozes não são escutadas: a batalha cotidiana, provocada pela busca dos próprios interesses, sufoca todos os clamores da razão.
Para estarem ainda mais seguros de que nenhuma luz seria projetada sobre a condição real do homem, foi negado às autoridades espirituais o direito de “informar” e de “animar” a ordem temporal, deixando-lhes somente o direito de ocupar-se do culto e a possibilidade de testemunhar sua simpatia a um mundo em decadência, e é necessário reconhecer que, salvo raras exceções, elas não fizeram muitos esforços por rechaçar a voz do Tentador.
É finalmente demasiado evidente que os bens materiais, ainda que sejam necessários tanto para o exercício da inteligência especulativa e prática como para a satisfação dos sentidos, não podem nutrir o corpo nem a alma. Mas os governantes não olham para o alto: limitam-se a formar eruditos, artistas, técnicos, amantes de doçuras sensíveis e de raciocínios sutis. Estão oficialmente impossibilitados de formar corações leais, ardentes e puros, almas cheias de coragem e de fé. Esse campo está “minguado”, “posto entre parênteses”, como dizem os filósofos alemães.
O resultado dessa extraordinária carência se manifesta agora: o mundo inteiro se encontra imerso em um subdesenvolvimento moral e espiritual, o qual comove todos os ambientes, e do qual pouquíssimos homens públicos parecem ter consciência, sem porém ousar dizer uma palavra.
Ao rés do chão, como as andorinhas que anunciam a chuva
Conhecer sempre mais a fundo o mundo exterior, interpretá-lo e transformá-lo para melhor gozá-lo parece ser verdadeiramente o único objetivo dos governantes e dos governados.
Até que ponto chefes e cidadãos compartilham esta visão mutilada e mutilante do homem, pudemos constatá-lo por ocasião dos debates sobre a anticoncepção e o aborto. Guias e guiados, todos sofrendo a mesma cegueira, trabalharam por via legal no delito mais inescusável, explicando solidamente seu repúdio em aceitar que no homem há algo que ultrapassa o mesmo homem.
No entanto, essa cumplicidade não tira absolutamente a maior responsabilidade dos governantes.
Os programas que hoje nos propõem sofrem todos esta lacuna. Nenhuma perspectiva ética ou espiritual se delineia, nem sequer em filigrana. Seja em nome da justiça, do progresso ou da liberdade, nós continuamos voando ao rés do chão como andorinhas que anunciam a chuva. Não nos surpreendamos que nessas condições nos choquemos contra obstáculos que podíamos evitar alçando os olhos um pouco mais alto.
Não imaginando tampouco a subordinação da ordem temporal à ordem espiritual e da ordem espiritual à ordem sobrenatural, os governantes podem esperar somente um redobramento de concupiscências ferozes, estendidas para colher os frutos proibidos, o que portanto fará necessário pôr em prática medidas repressivas destruidoras da liberdade.
Uma “liberdade” homicida
Quando se perdem de vista a origem e o fim do homem, por que o Poder e os cidadãos se deveriam privar de violar as leis naturais e morais, cujos imperativos os perturbam? Uma liberdade que se exercita no contexto de uma filosofia mutilada não é mais que uma liberdade egocêntrica e se torna, mais cedo ou mais tarde, uma liberdade homicida.
Dizem-nos que a metafísica e a religião não devem entrar no plano de nossos economistas e de nossos políticos, da mesma maneira que no século passado eram também declaradas alheias ao trabalho de nossos sábios. Mas essa decisão arbitrária nada pode contra a realidade: dado que criado por Deus, o homem é constitucionalmente um animal metafísico e religioso. O não levar em conta sua verdadeira natureza e seu fim leva aos piores erros doutrinais e práticos, até ao próprio sacrifício das vidas humanas.
Repetimo-lo: não podemos rechaçar em nome da verdade — ao contrário! — nenhum dos esforços realizados para melhorar a vida cotidiana dos homens. Digamos somente que é uma loucura querer limitar-se a obrar só no nível “cérebro-digestivo”, oferecer ao espírito humano só algumas quimeras astrais e a seu apetite só alimentos materiais. Estamos seguros de que os demônios que dormem em nós não tardarão a despertar para desencadear uma espantosa carnificina. Esse extermínio já se está realizando diante de nossos olhos, mas não perturba o sono de ninguém!
Uma escolha dramática
Em verdade se trata de uma escolha dramática, que consiste em salvar nossa vida ou perdê-la. Amiúde se comparou a vida humana à subida de uma alta montanha: antes de alcançar o cume onde nos espera Aquele que não pode enganar-se nem enganar-nos, nós caminhamos penosamente, não sem ser tentados a cada passo a tomar sendas equivocadas que nos convidam a descer facilmente a abismos bem dissimulados.
Não existe um caminho no meio! A maior parte dos homens gostaria de poder divertir-se descuidadamente sobre vertentes menos escarpadas, onde brotassem a cada passo todos os tipos de alimentos agradáveis. Mas este agradável hedonismo entra nas miragens ou paraísos que se podem chamar, com toda a justiça, artificiais.
O êxito sanguinário do século XVIII, tão próximo de nós por seu aspecto racional e por seu afã de gozo, está cheio de ensinamentos. Lembra aquele amante apaixonado da liberdade que, no momento de subir ao patíbulo, teve de reconhecer os crimes cometidos em nome dessa idéia. Como poderia ser de outra maneira, dado que se havia querido cortar o laço ontológico que une o homem à sua origem e ao seu fim? Estavam condenados a não compreender mais nada do mistério do homem e a deixar de respeitar sua dignidade. Algo desventurosamente semelhante nos ameaça ainda. As hierarquias desmoronam por todos os lados, enquanto as barreiras legais e morais, protetoras da Sociedade, se transtornaram. Sinal revelador, que, não podemos cansar de repeti-lo como um Leitmotiv, é o massacre legalmente autorizado dos inocentes.
Vae victoribus! (Ai dos vencedores!)
Em verdade, o trabalho que cabe a nossos governantes é gigantesco. Muitos deles se dedicam sinceramente a dar à gente o alimento e as diversões que exigem. Quase nenhum — ai de mim! — tem a coragem de praticar e de requerer dos outros o agere contra e o sursum corda (equivalente social e moral da inesgotável fórmula dada pela Virgem em Lourdes: “Oração e penitência”), o que constitui o preâmbulo indispensável para qualquer diretriz nacional.
Resta alguma esperança humana? Uma só poderia ser: a existência de certo número de dirigentes decididos que conheçam perfeitamente, conscientemente, as medidas por tomar:
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para favorecer a unidade e a fecundidade da célula familiar;
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para ensinar aos jovens e aos não tão jovens o respeito às leis fundamentais que regem a vida humana;
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para restituir às instituições civis e militares o sentido de sua missão e para inseri-los novamente no “tecido” nacional.
Esta breve admoestação patriótica e moral feita aos governantes pode, por outro lado, ser dirigida aos governados. Deploramos já a cumplicidade na astúcia e no mal que infecciona de cima a baixo a pirâmide social. Essa constatação permite dizer aos cidadãos que também eles devem merecer os governantes que desejam ter.
Observemos, finalmente, um ponto importante que está relacionado com o que eu disse: as relações entre o poder temporal e o poder espiritual. Esse ponto mereceria, por si só, uma longa explanação. Basta dizer que sobre esse ponto capital haveria que corrigir muitas coisas tanto no plano dos princípios como no que se refere a atos concretos. Em todo o caso, não pode ser supérfluo recordar que os representantes dos dois poderes estão submetidos aos mesmos imperativos do bem e da verdade, e que tal exigência veda qualquer acordo secreto ao serviço de causas equívocas.
Estas últimas afirmações parecerão duras a alguns. Poderia pensar-se que fossem infundadas. Ao contrário, no curso da metade do século passado não assistimos muito freqüentemente à marginalização de espíritos excelentes pelas pressões, às vezes conjuntas (e jamais confessadas), das autoridades civis e religiosas? Sem dúvida é uma lei constante que a Cruz seja a sorte daqueles que amam e servem a verdade, ao passo que aqueles que abusam de seus poderes legítimos recebem na terra sua recompensa. Mas não duvidamos em dizer: Vae victoribus!, ai dos vencedores por um dia, que crucificam os justos com a aprovação do mundo e do inferno! São responsáveis pela dupla ruína do Templo e de Jerusalém, quer dizer, da Igreja e da Sociedade, à espera de serem os grandes vencidos na eternidade.
Conclusão
Possam os dirigentes em todas as ordens e de todos os graus:
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compreender que a grandeza de um país não está ligada à acumulação de riquezas materiais nem ao desenvolvimento da arte e da técnica, mas que está unida sobretudo ao valor moral e espiritual dos homens que o compõem;
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reconhecer, por conseguinte, que só a formação dos planificadores, peritos e eruditos, por muito honrosos que esses qualificativos possam ser, não acrescenta um côvado à estatura moral de uma nação;
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dar-se conta de que, limitando-se a fabricar cada vez mais objetivos de consumo para indivíduos moralmente subdesenvolvidos, faz crescer consideravelmente o risco de graves desequilíbrios passionais tanto no plano individual como no coletivo;
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aceitar corajosamente pôr em seu verdadeiro lugar os ídolos apresentados muito freqüentemente pelos tribunais oficiais como fins supremos;
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pôr termo à mortal separação entre a política, a metafísica e a religião;
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assumir os cargos públicos para servir ao bem comum e não para seu próprio proveito pessoal ou para o prestígio de um partido;
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rechaçar os jogos de prestidigitação que consistem em apresentar a realidade sob uma luz incerta ou falsa, propícia para todos os maquiavelismos;
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dedicar-se desde agora a construir, sobre os fundamentos dos verdadeiros princípios, a arca temporal que nos permitirá enfrentar sem demasiados danos o dilúvio devastador cujos sinais premonitórios já se fazem sentir;
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em uma palavra, tomar consciência da excepcional responsabilidade tanto moral como social que pesa sobre eles, acrescentando que um dia serão julgados de maneira proporcional ao uso que hajam feito de seu poder e à energia que hajam utilizado para tal.
Está bem claro: só o ordenamento da ordem temporal à lei natural e sobrenatural apresenta caráter de necessidade; não está permitido (non licet) a nenhuma autoridade civil ou religiosa nem a nenhum súdito o subtrair-se. Ao contrário, as modalidades de atribuição ou de devolução do poder apresentam, enquanto puras técnicas institucionais, um caráter contingente; elas podem variar sensivelmente segundo os dados da história e do temperamento dos povos. Nesta perspectiva, a legitimidade do poder não está unida nem à forma do regime, nem a um homem eleito segundo os acontecimentos, nem a uma dinastia, mas essencialmente à fidelidade de que dá prova aquele regime, aquele homem ou aquela dinastia diante da lei natural e sobrenatural.
Fora dessa referência meta-histórica, o poder não pode senão alegar justificações mutiladas ou relativas que, por outro lado, ele não tarda a absolver, imitando a verdade para idealizar suas próprias ações e para melhor seduzir os espíritos.
Finalmente, é evidente que em nenhum país do mundo os mecanismos políticos, econômicos e sociais podem funcionar normalmente se estão “gangrenados” contemporaneamente pela sujeição de uma fração importante da nação a um empreendimento progressivo e programado de dominação planetária, e pela existência de um poder paralelo, difundido por todos os lados, que duplica de maneira oculta as instituições oficiais (civis, militares ou religiosas).
(Sim Sim Não Não, no. 106)
Um leitor nos escreve:
Caro diretor,
Li com grande interesse seu artigo no Sim Sim Não Não de setembro passado (há sete anos devoro esse jornal, forte alimento espiritual que tem renovado minha vida) e gostaria de partilhar certas considerações e questões sobre um assunto que para mim é de importância vital. O senhor diz com Leão XIII que às vezes é preciso desobedecer aos homens para obedecer a Deus, o que é muito correto. Pergunto-me, entretanto, como o simples fiel pode fazer distinção, cada vez que o Papa fala, entre o que está correto e o que não está. O simples fiel tem uma noção da infalibilidade que talvez não seja teologicamente exata, mas é uma noção de bom senso: normalmente, podemos confiar tranqüilamente no que diz o Papa quando se trata de um assunto justo e santo, mesmo que tal assunto não esteja dentro do âmbito da infalibilidade. O Papa age e fala normalmente para o bem das almas e não para sua perdição. Na verdade, a atitude da maioria esmagadora dos católicos em relação aos que são fiéis à tradição é uma atitude de desconfiança, pois aparentemente, estes “pretendem saber mais do que o Papa”. Nós temos o Sim Sim Não Não e outras publicações excelentes para nos guiar, mas o que farão os que não têm essa chance? Como pode o simples católico se orientar nos meandros do magistério papal, guardando o que deve ser guardado e rejeitando o que deve ser rejeitado? O Papa não é a norma estrita da verdade? Quero dizer que, se formalmente o discurso de Georgius não muda de rumo, conclui-se que, pelo intuito ou pelo bom senso (não falo do sensus fidei), ou deve-se aceitar tudo o que o Papa diz ou deve-se tudo desprezar. Não me refiro a assuntos menores, mas à linha magisterial em seu conjunto, linha caracterizada por um extremismo ecumênico sem precedentes, fundada sobre um erro doutrinal de fundo (o fundamento da salvação deslocado da Redenção para a Encarnação), como bem mostrou o professor Doerman em suas obras. Eis porque as posições sedevacantistas, sem entrar nas distinções entre elas, me parecem mais lógicas e mais defensáveis, entre outras razões, porque permitem não nos alinharmos com os extremistas de “esquerda”, que criticam o Papa por motivos opostos. Não ignoro que o sedevacantismo origina alguns problemas doutrinais, mas eles me parecem menos graves do que o fato de reconhecer como Pontífice uma pessoa que, ocasionalmente, tem razão em pontos particulares, mas que fundamenta seu pontificado sobre uma doutrina já condenada pela Igreja, e que instaurou na própria Igreja (os senhores ilustram isso regularmente na rubrica “Semper Infideles”) uma situação aparentemente desesperadora. Não foi o senhor que nos explicou (esses princípios estão gravados na minha alma) que “a fé ou é inteira ou não é”, que “a pior mentira é aquela que se aproxima da verdade”, e que nas heresias e nas falsas religiões “a verdade serve ao erro”? Não podemos repetir tudo isso, falando de João Paulo II? Ele não parece lembrar-se da doutrina católica somente de vez em quando? Para que tenhamos certeza de que ele não é Papa, ao menos formalmente (o caso do Papa herético é previsto pela doutrina), o que teria ele ainda de dizer ou fazer, pior do que já tenha dito ou feito até hoje?
Essas questões me atormentam há anos, desde que conheci o tradicionalismo. A divisão sobre esse ponto separa muitas pessoas, muitos bons combatentes, espalhando incompreensões e ódio entre eles, a ponto de fazer o que Leopardi deplorava em “Ginestra”: voltar as armas contra os próprios companheiros em vez de apontá-las contra o inimigo comum. Essa é uma situação que literalmente me impede de dormir. É possível que tudo isso esteja no plano de Deus?
Com devoção e gratidão, in Jesu et Maria,
Carta assinada.
Caro amigo,
A posição sedevacantista não é nem a mais lógica nem a mais defensável; ela é apenas a resposta mais simplista que se pode dar à atual crise da Igreja. Ela se justifica apoiando-se sobre o seguinte silogismo: 1) o Papa é sempre infalível; 2) o Papa se engana; 3) logo ele não é Papa. Mas quando foi que a Igreja ensinou que o Papa é sempre infalível, mesmo quando não fala ex cathedra?
Antes do Concílio Vaticano I, em 1859, o Padre Zaccaria S. J., escrevendo contra Febronius, exprimia assim a fé da Igreja: “o privilégio dado aqui [Lc 22, 32, ss] a Pedro e a seus sucessores comporta a infalibilidade [1o] nas decisões solenes, [2o] em matéria de fé e de moral, [3o] dirigidas por ele mesmo a toda a Igreja” (Anti-Febronius, t. II c.X). O Concílio Vaticano I apenas dogmatizou essa fé perene da Igreja.
A Cilviltà Cattolica, que era editada sob o controle da Santa Sé, escrevia em seu número 4, de março de 1902:
“Mas todo ensinamento é infalível?
"Eis o ponto da questão que muitos negligenciam sem malícia. Mas é dessa negligência que provêm os escândalos que enumeramos abaixo.
Um assunto pode encontrar-se fora da esfera da infalibilidade do magistério eclesiástico de dois modos, isto é, por duas razões: seja por estar fora do objeto da infalibilidade prometida à Igreja, seja por estar fora do sujeito ao qual a infalibilidade foi prometida. São objetos da infalibilidade todas as verdades que concernem à fé e à moral ou que estão necessariamente ligadas a elas. O sujeito da infalibilidade é duplo: O Papa, mesmo sozinho, e a Igreja com seu chefe, quando exercem a autoridade de ensino em seu grau supremo. É preciso reter bem esse último ponto, para não cair em equívoco; na verdade é raro que a Igreja e o Papa, no exercício de seu poder e ensino, façam uso de seu poder no mais alto grau, porque eles podem – e é o que acontece normalmente – exortar, aconselhar, permitir, ordenar, sem verdadeiramente definir ex cathedra por sentença irrevogável”.
A posição sedevacantista é fundada sobre uma premissa errada (o Papa é sempre infalível), e essa razão já é suficiente para considerá-la como ilógica e indefensável.
Todos os textos de teologia católica, além disso, (da verdadeira teologia católica, naturalmente, não da “nova teologia” que é elucubração neomodernista) distinguem o magistério pontifical infalível do magistério pontifical simplesmente autêntico (isto é, provido de autoridade, mas não infalível), e portanto, distinguem o assentimento absoluto, incondicional, sem exame (cego), devido ao magistério infalível, do assentimento que se deve ao magistério “mere authenticum”: assentimento relativo, condicionado, em que o exame é permitido, e portanto também a eventual suspensão ou eventual recusa do próprio assentimento. Os sedevacantistas pularam essa página da teologia católica. Com que direito?
Além do mais: a questão do “Papa herético” é ainda uma questão controvertida, sobre a qual teólogos (e canonistas) estão longe de entrar num acordo e sobre a qual a própria Igreja não se pronunciou.
Assim, certos teólogos competentes excluem o fato de que o Papa, como “pessoa privada” (mas o que significa pessoa privada não está muito claro) possa cair em heresia, outros teólogos tão competentes quanto os anteriores sustentam o contrário, enquanto que outros ainda levam em consideração as duas hipóteses. Quase todos os teólogos autorizados sustentam que o Papa herético é destituído de seu pontificado, mas outros, como Bouix, afirmam o contrário, e mesmo dentro do primeiro grupo há divergência: alguns pensam que o Papa herético perde seu pontificado no mesmo momento em que cai na heresia, outros pensam que ele o perde quando sua heresia torna-se manifesta (esses últimos não chegam a um acordo sobre o que se deve entender por heresia “manifesta”); enfim, segundo alguns, o Papa herético perde ipso facto, automaticamente, o pontificado; segundo outros, é necessária uma declaração de heresia por parte – e aqui também há divergência – de um concílio ou de cardeais ou de bispos.
Resumimos tudo isso rapidamente mas é o suficiente para podermos indagar: é lógica e defensável uma posição cujo fundamento, em matéria tão grave, está numa hipótese (e não numa doutrina) teológica ainda controvertida?
Além de tudo, o senhor próprio escreve que para poder falar de um “Papa herético” é necessário que ele seja formalmente herético. Portanto, é preciso que ele professe um erro contrário à fé (heresia material) e também, consciente e deliberadamente, sustente a heresia com obstinação, o que constitui propriamente a essência, a forma da heresia. Ora, podemos afirmar com certeza que os últimos Papas sejam Papas formalmente heréticos? Não poderiam ser eles – e esta é nossa modesta opinião – Papas teologicamente mal formados e, sobretudo, fascinados pela ilusão ecumênica, em que eles não percebem plenamente todas as implicações heréticas?
Não queremos discutir opiniões, e o que acabamos de expor é apenas uma opinião. De definido e claro há apenas o fato de que, enquanto a heresia formal não for provada, não se pode falar em “Papa herético”.
Abordemos agora o problema das almas. Normalmente (o senhor tem toda razão de sublinhar esse termo) é de bom senso confiar tranqüilamente no Papa, mesmo quando o que ele ensina não está garantido pelo carisma da infalibilidade. O Papa normalmente (ainda é o senhor que frisa) fala e age para o bem das almas, mas o sensus fidei e os frutos da atual corrente eclesial nos advertem de que não estamos mais em tempos normais.
Uma vez que o fiel tenha tomado consciência da anormalidade dos tempos, não é preciso que ele faça distinção, cada vez que o Papa se pronuncia, entre o que está certo e o que está errado. Não. Basta que ele, em cada caso, recuse o que ele percebe ser contrário à fé constante da Igreja. Essa fidelidade, que não exige grande ciência teológica, atrairá para ele, da parte de Deus, luzes cada vez maiores. Para quem teve a sorte de conhecer a normalidade dos tempos com Pio XII, basta ater-se ao que foi ensinado naqueles tempos de posse tranqüila da doutrina. É verdade que a doutrina já estava atingida pelo modernismo, mas ela era defendida por Roma (e hoje os modernistas acusam a Igreja de ter feito isso). As gerações seguintes, mesmo se não tiverem acesso ao Sim Sim Não Não e outras ótimas publicações, têm a ajuda interior do Espírito Santo e o catecismo de São Pio X, que resume a fé perene da Igreja (e por isso ele é tão mal visto pelos modernistas). Os erros de hoje são tão enormes que basta, para percebê-los (não estou dizendo para refutá-los), conhecer bem o catecismo da Santa Igreja.
Infelizmente, o Concílio aconteceu quando os católicos já se encontravam num deplorável estado de ignorância culpável e de fé morta não traduzida em atos na vida prática. Os Pontífices Romanos pré-conciliares lutaram, sem terem sido escutados, contra essa decadência. Lembremo-nos do brado de S. Pio X: “Catecismo! Catecismo!” e do doloroso discurso de Pio XII sobre as “almas mortas”, numerosas demais.
Como o sensus fidei não pode se exercer sem um conhecimento elementar das verdades da Fé e um esforço sério para viver segundo a Fé, compreende-se que muitos católicos não tenham sabido enfrentar a prova, cuja gravidade talvez nem tenham percebido (o que demonstra falta de vitalidade espiritual). O ensinamento da Sagrada Escritura se verifica aqui: os maus pastores são uma punição para todo o povo infiel.
Seja como for, a provação atinge também as almas de boa vontade, e é uma verdadeira prova, pois, como escreve o Padre Palmieri, o Papa, “mesmo que não fale com toda plenitude de sua autoridade (magistério infalível), fala com autoridade, eis porque não se pode considerá-lo como um doutor qualquer”. É então difícil e doloroso – eu diria até antinatural – para toda consciência católica ter de resistir ao Papa, assim como seria difícil, doloroso e antinatural um filho ter de resistir ao pai se este o obrigasse a fazer qualquer coisa contra Deus. Difícil e doloroso, mas justo, por fidelidade a Cristo e para sua própria salvação e previsto pela doutrina católica (mesmo se até Pio XII não foi necessário ensiná-la comumente ou lembrá-la). Na verdade, deve-se ao Pontífice Romano, quando ele não ensina infalivelmente, “um assentimento religioso desde que não haja nada que aconselhe, segundo a prudência, a suspensão do assentimento”. Hoje, o motivo que aconselha a suspensão prudente do assentimento é fundamental: o magistério dos últimos Pontífices, dotado de autoridade, mas não de infalibilidade, está, por razões abertamente ecumênicas, em contradição com o ensinamento infalível e bimilenar da Igreja. Ora, é claro que “o Papa é norma estrita da Fé”, mas, precisamente por ser “norma estrita”, o Papa tem o dever de estar em harmonia com a norma mais alta da Fé: a Revelação divina (Sagrada Escritura e Tradição), tal como ela foi fiel e infalivelmente transmitida e explicada pela Igreja durante dois mil anos. Eis porque um Papa em ruptura com a Tradição, que em lugar do “depósito da Fé” propõe suas opiniões pessoais e suas utopias, cessa de ser norma “estrita da Fé”.
A suspensão do assentimento pode também ser geral, se a prudência exigir, mas tal suspensão não tem nada a ver com a proclamação de que o Papa é “herético” e que a sede de Pedro está vazia, proclamação que seria também – esperamos tê-lo demonstrado – altamente imprudente, pois corre o risco de lançar os sedevacantistas num cisma irreparável.
Nessa provação, que é castigo para uns e provação para outros, o fiel é socorrido pela graça divina e reconfortado pela certeza de que, mesmo a partir dos males atuais, Deus saberá tirar um bem maior para a Igreja e para as almas. Além disso, sabemos por experiência própria – e sua carta no-lo confirma – que Deus não permite que almas sinceras e de boa vontade se percam por causa da crueldade do tempos. Parece que Ele, ao contrário, aumenta Sua graça na proporção em que crescem as necessidades. Se os semeadores da cizânia trabalham nessa noite pós-conciliar, Deus, como o fazendeiro da parábola, não perde o controle da situação e tudo voltará à ordem no tempo oportuno. Então, confiança e coragem!
Passemos às divisões entre os que resistem ao neomodernismo. Essa divisões certamente não são desejadas por Deus mas elas não são de admirar nesse quadro tão transtornado da atualidade. Quando a cabeça não funciona, todo o resto do corpo vacila (“Ferirei o Pastor e as ovelhas se dispersarão” Mc 14, 27). Além disso, essas divisões têm uma função providencial porque elas nos lembram a importância da Autoridade na Igreja e afastam as almas de boa vontade da tentação de erigir uma “Igreja” por conta própria sob pretexto de que a infidelidade dos homens da Igreja encobriu com um véu a Igreja de Nosso Senhor.
Essas divisões (não achamos que cheguem a ser ódios) nascem, enfim, da fraqueza e da miséria humana. Deus nos previne, pela boca de São Paulo: “Não discutam sobre opiniões!” Mesmo assim, alguns não sabem se limitar a defender a Fé sem emitir opiniões pessoais que gostariam de impor aos outros, apesar de não terem a menor autoridade para isso. Eles não se dão conta de que somos como pessoas mergulhadas nas trevas do imprevisto, a quem só resta esperar imóveis que a luz volte, exatamente no mesmo lugar onde a escuridão os surpreendeu. E isso, sem se aventurar a fazer movimentos irrefletidos, bruscos, arriscando cair não se sabe onde.
O centro de unidade estabelecido por Deus é e continua sendo o Pontífice Romano, guardião supremo da verdadeira Fé. Ora, mesmo que os últimos Pontífices pareçam (contra os princípios do Concílio dogmático Vaticano I) ter exercido mais o papel de “inventores” de uma “nova religião” do que o de guardiões da Fé revelada, não estamos totalmente nas trevas, apesar de estarmos mergulhados na obscuridade desde que a lâmpada mais próxima de nós se apagou: contra as heresias do modernismo, temos para nos guiar, diferentemente dos cristãos dos primeiros séculos, dois mil anos de Magistério ordinário e extraordinário. Nenhum “Papa de hoje em dia” tem autoridade para contradizê-lo e é em sua direção que podemos e devemos nos voltar como faríamos em direção a uma luz que ilumina nossas trevas, começando pelo simples e luminoso catecismo de S. Pio X. Tudo isso não significa pretender “saber mais do que o Papa”, é somente pretender saber o que sabe a Igreja, infalível “coluna e fundamento da verdade” (S. Paulo). Nós participamos dessa infalibilidade quando professamos a fé perene, que todo Papa tem o dever de “confirmar” e que ele não tem o direito de transformar nem de por em perigo.
Já dissemos, mas não nos cansaremos jamais de repetir: é tempo que as almas de boa vontade reconstruam em si mesmas e em suas vidas o que elas, sofrendo, vêem se destruído na Santa Igreja de Deus. É assim, e não através de polêmicas perigosas e estéreis contra as vítimas do neomodernismo (que também são, a nosso ver, sedevacantistas) que apressaremos a hora da divina Misericórdia.
Hirpinus
Por mais difícil e desagradável que seja, teremos de admitir cedo ou tarde que o senhor Adel Smith, Presidente da União dos muçulmanos da Itália, recentemente fez calar a elite política e intelectual italiana. Nós vismos alguns "laicistas", "moderados" e pessoas "políticamente corretas" escandalizarem-se com o tom e as afirmações deste senhor e saírem das posições em que estavam instalados, convencidos de que deviam se retratar. Como? Depois de vários anos de "doutrinação" sobre o "diálogo", sobre o multiculturalismo, sobre o Estado multi-étnico, sobre a riqueza das diferenças... Traição! Entretanto, ninguém, até o momento, foi capaz de se opor com argumentos sólidos ao Presidente da União dos muçulmanos da Itália, se bem que todos reagiram como se tivessem sido picados por uma tarântula. Parece que a lógica desse "novo Averróis" não tem uma falha: se, com a Nova Concordata a religião católica não é mais reconhecida como a religião do estado italiano, que sentido tem deixar os crucifixos nos lugares públicos? Alguns pensarão: "Será que o Sim Sim Não Não também mudou de idéia?" Não, senhores! Mas temos de reconhecer que não há como escapar das conseqüências que o senhor Adel Smith tira das premissas nessa questão. O problema está justamente nas premissas que utiliza. Há mais ou menos vinte anos, o senador Gozzini declarou: "Em um futuro próximo, estaremos diante do problema da exposição do crucifixo em lugares públicos. E este problema deverá ser resolvido em coerência com o pluralismo, respeitando todas as confissões religiosas que emergem assim da Nova Concordata"[1]. Profecia? Não, simples lógica.
O mais triste espetáculo, infelizmente, é o que o mundo "católico" oferece: nas raras vezes em que se levantam para defender Nosso Senhor, não se dão ao trabalho de buscar a raiz do problema. Defenderam ao máximo as razões culturais para manter a presença do crucifixo nos lugares públicos; mas seria isso suficiente? Podemos nos contentar em dizer: "nós mantemos o crucifixo porque ele é o sinal das raízes cristãs de nosso país"[2]? E por que então não expor algo que faça lembrar nossa antiguidade imperial; ou ainda as raízes celtas na Lombardia, as raízes dos Bourbons no Sul...? E esses muçulmanos, não teriam eles o direito de reclamar algum sinal que lhes faça lembrar sua presença na Sicília?
O problema é outro e, infelizmente, bem mais grave: a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a sociedade não é mais reconhecida! S. Pio X afirmava: "É uma tese absolutamente falsa, um erro muito perigoso, pensar que se deve separar a Igreja do Estado. Esta opinião está fundamentada sobre o princípio de que o Estado não deve reconhecer nenhum culto religioso. E isto é absolutamente injurioso a Deus (magnam infert iniuriam Deo) porque o Criador do homem é também o fundador das sociedades humanas... É por isso que nós lhe devemos não apenas um culto privado mas também um culto social e honras públicas (non privatim tantummodo colatur necesse est, sed etiam publice)"[3]. A imutável Tradição da Igreja afirma e repete sem cessar esse princípio, porque ela nunca pôs em dúvida que a religião católica é a única religião verdadeira, a única capaz de dar as provas de sua origem divina. Mas ninguém, manifestamente, nessa polêmica atual, ousa fazer alusão a isso. Ninguém teve a coragem (e, talvez, a capacidade) de aceitar o desafio no terreno da apologética (falando nisso, o que aconteceu com essa disciplina na formação dos seminaristas?).
A questão está aqui, precisamente: "Não será difícil — escreve Leão XIII — distinguir qual a religião verdadeira, desde que se exerça nessa procura um julgamento prudente e imparcial. De fato, através de numerosas e evidentes provas (argumentis enim permultis atque illustribus), tais como as profecias realizadas, o número extraordinário de milagres, a rápida difusão da Fé em meio de inimigos e obstáculos muito graves, o testemunho dos mártires, e outras provas semelhantes, ficou manifesto que a única verdadeira religião é aquela que o próprio Jesus Cristo fundou e confiou à sua Igreja, para que ela a conserve e a difunda pelo mundo"[4].
É inaceitável que o Estado fique indiferente diante do problema religioso. O Estado delibera em matéria de economia, de saúde, de educação, de política,... mas decide não tomar nenhuma posição em matéria religiosa. Por que? Como podemos considerar que religiões resoluta e objetivamente opostas umas às outras, devam ser colocadas num mesmo plano? Um Estado que visa o bem comum de seus cidadãos pode ficar indiferente à veracidade ou à falsidade de uma religião da qual provém um resultado temporal e uma conseqüência eterna?
Um Estado que adota uma atitude neutra ("a neutralidade desarmada" de Don Abbondio?) em matéria religiosa, é um Estado ateu, de um ateísmo prático, de facto. Tal Estado exclui Deus da vida pública. Além disso, afasta-O da consciência dos indivíduos. Agindo assim, ele já declarou que Deus não tem o direito de ser considerado na esfera pública: Deus não tem o direito de ser Deus! Essa "abstenção" do Estado é na realidade uma posição arbitrária. É uma posição contra Deus e contra a verdade objetiva, que designa o Cristianismo como única religião verdadeira, revelada e instituída por Deus.
Hoje, a hierarquia eclesiástica também tem de tomar uma decisão: seguir, como é seu dever, o ensino tradicional, que tem que chamar os governantes dos países a reconhecer a Religião Católica como a religião do Estado, ou continuar no caminho atual cujo termo inevitável é o destronamento completo de Cristo na vida pública.
A Conferência Episcopal Italiana informa que "o Protocolo Adicional [da nova Concordata] adverte que 'considera-se não estar mais em vigor o princípio de que a religião católica seja a única religião do Estado'. Compreendemos as razões de uma tal mudança que, à luz da Declaração do Concílio [que agora tornou-se o Concílio!] sobre a liberdade religiosa, se inspira no respeito devido a quem quer que possua uma outra fé ou uma convicção de consciência diferente".[5] Se é possível reconhecer a árvore por seus frutos... muitíssimo obrigado, Concílio!
Lanterius
(Sim Sim Não Não no. 136)