Por mais difícil e desagradável que seja, teremos de admitir cedo ou tarde que o senhor Adel Smith, Presidente da União dos muçulmanos da Itália, recentemente fez calar a elite política e intelectual italiana. Nós vismos alguns "laicistas", "moderados" e pessoas "políticamente corretas" escandalizarem-se com o tom e as afirmações deste senhor e saírem das posições em que estavam instalados, convencidos de que deviam se retratar. Como? Depois de vários anos de "doutrinação" sobre o "diálogo", sobre o multiculturalismo, sobre o Estado multi-étnico, sobre a riqueza das diferenças... Traição! Entretanto, ninguém, até o momento, foi capaz de se opor com argumentos sólidos ao Presidente da União dos muçulmanos da Itália, se bem que todos reagiram como se tivessem sido picados por uma tarântula. Parece que a lógica desse "novo Averróis" não tem uma falha: se, com a Nova Concordata a religião católica não é mais reconhecida como a religião do estado italiano, que sentido tem deixar os crucifixos nos lugares públicos? Alguns pensarão: "Será que o Sim Sim Não Não também mudou de idéia?" Não, senhores! Mas temos de reconhecer que não há como escapar das conseqüências que o senhor Adel Smith tira das premissas nessa questão. O problema está justamente nas premissas que utiliza. Há mais ou menos vinte anos, o senador Gozzini declarou: "Em um futuro próximo, estaremos diante do problema da exposição do crucifixo em lugares públicos. E este problema deverá ser resolvido em coerência com o pluralismo, respeitando todas as confissões religiosas que emergem assim da Nova Concordata"[1]. Profecia? Não, simples lógica.
O mais triste espetáculo, infelizmente, é o que o mundo "católico" oferece: nas raras vezes em que se levantam para defender Nosso Senhor, não se dão ao trabalho de buscar a raiz do problema. Defenderam ao máximo as razões culturais para manter a presença do crucifixo nos lugares públicos; mas seria isso suficiente? Podemos nos contentar em dizer: "nós mantemos o crucifixo porque ele é o sinal das raízes cristãs de nosso país"[2]? E por que então não expor algo que faça lembrar nossa antiguidade imperial; ou ainda as raízes celtas na Lombardia, as raízes dos Bourbons no Sul...? E esses muçulmanos, não teriam eles o direito de reclamar algum sinal que lhes faça lembrar sua presença na Sicília?
O problema é outro e, infelizmente, bem mais grave: a realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a sociedade não é mais reconhecida! S. Pio X afirmava: "É uma tese absolutamente falsa, um erro muito perigoso, pensar que se deve separar a Igreja do Estado. Esta opinião está fundamentada sobre o princípio de que o Estado não deve reconhecer nenhum culto religioso. E isto é absolutamente injurioso a Deus (magnam infert iniuriam Deo) porque o Criador do homem é também o fundador das sociedades humanas... É por isso que nós lhe devemos não apenas um culto privado mas também um culto social e honras públicas (non privatim tantummodo colatur necesse est, sed etiam publice)"[3]. A imutável Tradição da Igreja afirma e repete sem cessar esse princípio, porque ela nunca pôs em dúvida que a religião católica é a única religião verdadeira, a única capaz de dar as provas de sua origem divina. Mas ninguém, manifestamente, nessa polêmica atual, ousa fazer alusão a isso. Ninguém teve a coragem (e, talvez, a capacidade) de aceitar o desafio no terreno da apologética (falando nisso, o que aconteceu com essa disciplina na formação dos seminaristas?).
A questão está aqui, precisamente: "Não será difícil — escreve Leão XIII — distinguir qual a religião verdadeira, desde que se exerça nessa procura um julgamento prudente e imparcial. De fato, através de numerosas e evidentes provas (argumentis enim permultis atque illustribus), tais como as profecias realizadas, o número extraordinário de milagres, a rápida difusão da Fé em meio de inimigos e obstáculos muito graves, o testemunho dos mártires, e outras provas semelhantes, ficou manifesto que a única verdadeira religião é aquela que o próprio Jesus Cristo fundou e confiou à sua Igreja, para que ela a conserve e a difunda pelo mundo"[4].
É inaceitável que o Estado fique indiferente diante do problema religioso. O Estado delibera em matéria de economia, de saúde, de educação, de política,... mas decide não tomar nenhuma posição em matéria religiosa. Por que? Como podemos considerar que religiões resoluta e objetivamente opostas umas às outras, devam ser colocadas num mesmo plano? Um Estado que visa o bem comum de seus cidadãos pode ficar indiferente à veracidade ou à falsidade de uma religião da qual provém um resultado temporal e uma conseqüência eterna?
Um Estado que adota uma atitude neutra ("a neutralidade desarmada" de Don Abbondio?) em matéria religiosa, é um Estado ateu, de um ateísmo prático, de facto. Tal Estado exclui Deus da vida pública. Além disso, afasta-O da consciência dos indivíduos. Agindo assim, ele já declarou que Deus não tem o direito de ser considerado na esfera pública: Deus não tem o direito de ser Deus! Essa "abstenção" do Estado é na realidade uma posição arbitrária. É uma posição contra Deus e contra a verdade objetiva, que designa o Cristianismo como única religião verdadeira, revelada e instituída por Deus.
Hoje, a hierarquia eclesiástica também tem de tomar uma decisão: seguir, como é seu dever, o ensino tradicional, que tem que chamar os governantes dos países a reconhecer a Religião Católica como a religião do Estado, ou continuar no caminho atual cujo termo inevitável é o destronamento completo de Cristo na vida pública.
A Conferência Episcopal Italiana informa que "o Protocolo Adicional [da nova Concordata] adverte que 'considera-se não estar mais em vigor o princípio de que a religião católica seja a única religião do Estado'. Compreendemos as razões de uma tal mudança que, à luz da Declaração do Concílio [que agora tornou-se o Concílio!] sobre a liberdade religiosa, se inspira no respeito devido a quem quer que possua uma outra fé ou uma convicção de consciência diferente".[5] Se é possível reconhecer a árvore por seus frutos... muitíssimo obrigado, Concílio!
Lanterius
(Sim Sim Não Não no. 136)