O segundo discute-se assim. – Parece que os demônios não tem fé.
1 – Pois, como diz Agostinho, a fé consiste na vontade dos crentes, Ora, boa é a vontade pela qual queremos crer em Deus. Não havendo porém nos demônios nenhuma vontade deliberadamente boa, como já se disse, resulta que neles não há fé.
2. Demais. –É a fé um dom da graça divina, segundo a Escritura. Pela graça é que sois salvos, mediante a fé, porque é um dom de Deus. Ora, os demônios perderam os dons gratuitos, pelo pecado, como diz a Glosa àquilo da Escritura: Eles põem os olhos nuns deuses estrangeiros e gostam do bagaço das uvas. Logo, a fé não subsistiu nos demônios, depois do pecado.
3. Demais. –A infidelidade é considerada o mais grave dos pecados, como claramente o diz Agostinho sobre aquilo da Escritura: Se eu não viera e não lhes tivera falado, não teriam eles pecado ; mas agora não tem desculpa no seu pecado. Ora, certos homens cometem o pecado de infidelidade. Portanto, se os demônios tivessem fé, certos homens cometeriam um pecado mais grave que o deles, o que é inadmissível. Logo, os demônios não tem fé.
Mas, em contrário, a Escritura: Os demônios creem e estremecem.
SOLUÇÃO. –Como já dissemos, o intelecto de quem crê assente no objeto em que crê, não por que o veja, em si mesmo, ou pela resolução aos primeiros princípios intuitivos, mas por império da vontade. Ora, de dois modos pode a vontade mover o intelecto a assentir. Primeiro, pela ordenação dela para o bem, e então crer é ato louvável. De outro modo, por ficar o intelecto convencido, de maneira a julgar que deve crer naquilo que foi dito, embora não esteja convencido da evidência disso. Tal o caso do profeta, que prenunciasse, em nome de Deus, um acontecimento futuro e mostrasse um sinal, ressuscitando um morto. Então esse sinal convenceria o intelecto, de quem o visse, que manifestamente conheceria a predição como vinda de Deus, que não mente, embora não fosse tal acontecimento do futuro evidente em si mesmo. Portanto, não ficaria desse modo, eliminada a fé, na sua essência. Por onde, devemos concluir, que dos fiéis é a fé louvável ao primeiro modo, pelo qual não existe nos demônios, em que só do segundo modo existe. Pois veem muitos indícios manifestos por onde percebem que a doutrina da Igreja vem de Deus, embora não vejam as verdades mesmas que a Igreja ensina, por exemplo, que Deus é trino e uno e outras.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A fé, nos demônios, é de certo modo, forçada pela evidência dos sinais. Por onde, o que creem não lhes redunda em mérito para a vontade.
RESPOSTA À SEGUNDA. –A fé que é dom da graça inclina o homem a crer, por algum desejo do bem, embora informe. Por onde, a fé, nos demônios, não é dom da graça, pois ao contrário, são forçados a crer pela perspicácia do intelecto natural.
RESPOSTA À TERCEIRA. –O que desagrada aos demônios é serem compelidos a crer nos sinais da fé, tão evidente são eles. Portanto, o que creem de nenhum modo lhes diminui a malícia.