Category: Santo Tomás de Aquino
(II Sent., dist. VI. Q. 1, a. 4; IV dist. XLVII, q. 1, a. 2, qa 4; Ephes., cap. VI, lect. III).
O primeiro discute-se assim. — Parece que não há ordens de demônios.
1. — Pois, a ordem é da essência do bem, como o modo e a espécie, segundo diz Agostinho. E ao contrário, a desordem é da essência do mal. Ora, nos bons anjos, nada é desordenado. Logo, não há ordens de maus anjos.
2. Demais. — As ordens angélicas estão compreendidas em alguma hierarquia. Ora, os demônios, privados de toda santidade, não estão em nenhuma hierarquia, que é o principado sagrado. Logo, não há ordens de demônios.
3. Demais. — Os demônios decaíram das varias ordens dos anjos, como se diz comumente. Se pois, alguns demônios são considerados pertencentes a alguma ordem, porque dela decaíram, conclui-se que lhes deveriam ser atribuídos os nomes das várias ordens. Ora, nunca se soube que fossem chamados Serafins, Tronos ou Dominações. Logo, por igual razão, não estão nas demais ordens.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Ef 6, 12): nós temos que lutar contra os Principados e Potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso.
Solução. — Como já se disse (q. 108, a. 4, 7, 8), a ordem angélica é considerada em relação ao grau da natureza e ao da graça. Ora, a graça tem duplo estado: o imperfeito, que é o de merecer; e o perfeito, que é o da glória consumada. Se, pois, considerarem-se as ordens angélicas quanto à graça imperfeita, então os demônios lhes pertenceram, outrora, mas delas decaíram: e isto é conforme ao que já estabelecemos (q. 62, a. 3), que todos os anjos foram criados em graça. Se porém forem considerados quanto à natureza, então ainda agora eles a elas pertencem, pois não perderam os dons da natureza, como diz Dionísio.
Donde a resposta à primeira objeção. — Como já se estabeleceu (q. 49, a. 3), o bem pode existir sem o mal, mas não este, sem aquele. Por onde, os demônios, na medida em que têm a natureza boa, são ordenados.
Resposta à segunda. — A ordenação dos demônios, considerada em relação a Deus ordenador, é sagrada, pois, ele usa deles para si mesmo. Mas em relação à vontade dos demônios, não o é, porque abusam da natureza própria, para o mal.
Resposta à terceira. — O nome de Serafins é imposto por causa do ardor da caridade; o de Tronos, por habitar neles a divindade; o de Dominações, por fim, importa uma certa liberdade. Tudo o que se opõe ao pecado. Por onde, tais nomes não se podem atribuir aos anjos pecadores.
Em seguida devemos considerar a ordem dos anjos maus.
E sobre esta questão quatro artigos se discutem:
(II Sent., dist. IX, a. 8)
O oitavo discute-se assim. — Parece que os homens não serão transferidos às ordens dos anjos.
1. — Pois, a hierarquia humana está compreendida na ínfima hierarquia celeste, como esta, na média, e a média, na primeira. Ora, os anjos da ínfima hierarquia nunca serão transferidos para a média ou para a primeira. Logo, nem os homens serão transferidos para as ordens dos anjos.
2. Demais. — Certas funções cabem às ordens dos anjos, como guardar, fazer milagres, afastar os demônios e outras, que não se consideram cabíveis às almas dos santos. Logo, não, serão estes transferidos às ordens dos anjos.
3. Demais. — Assim como os bons anjos levam ao bem, assim, os demônios, ao mal. Ora, como o reprova Crisóstomo, é errôneo dizer que as almas dos homens maus convertem-se em demônios. Logo, não se deve concluir que as almas dos santos se transfiram para as ordens dos anjos.
Mas, em contrário, diz o Senhor, falando dos santos: serão tomo os anjos de Deus no céu.
Solução. — Como já se disse, as ordens dos anjos distinguem-se pela condição da natureza e pelos dons da graça. Se, pois, forem elas consideradas só quanto ao grau da natureza então de nenhum modo os homens poderão ser transferidos para elas porque permanecerá sempre a distinção das naturezas. Donde, certos, considerando isso, afirmaram que de nenhum modo os homens podem ser transferidos à igualdade angélica; o que é errôneo e repugna à promessa de Cristo: são iguais aos anjos por serem filhos da Ressurreição. Pois, o que procede da natureza é material, em relação à ordem; ao passo que o que é completivo é dom da graça, dependente da liberalidade de Deus e não, da ordem da natureza. Por onde, por dom da graça, os homens podem merecer glória tão grande, que se igualem aos anjos, conforme os graus de cada ordem; e isso é serem os homens transferidos para as ordens dos anjos.
Outros, porém, dizem que, para as ordens dos anjos serão transferidos, não todos os que se salvam, mas só os virgens ou perfeitos; enquanto que os demais constituirão uma ordem própria, como que conjunta a toda a sociedade dos anjos. — Mas, esta opinião vai contra Agostinho, que diz não haverá duas sociedades, de homens e de anjos, mas uma só; pois, a beatitude de todos consiste em aderir a Deus uno.
Donde a resposta à primeira objeção. — A graça é dada aos anjos em proporção dos dons naturais; o que não se dá com os homens, como já se disse. Onde, assim como os anjos inferiores não podem ser transferidos ao grau natural dos superiores, assim nem ao grau gratuito. Os homens, porém, podem subir ao grau gratuito, mas não, ao natural.
Resposta à segunda. — Os anjos, pela ordem da natureza, são médios entre nós e Deus. Por onde, pela lei comum, por eles são administrados, não só as coisas humanas, mas também todos os seres corpóreos. Porém, os homens santos, mesmo depois desta vida, conservam a mesma natureza nossa. Por onde, pela lei comum, não administram as coisas humanas, nem intervêm nos negócios dos vivos, como diz Agostinho. Às vezes porém, por dispensa especial, a certos santos é concedido, vivos ou mortos, desempenhar esse ofício, quer fazendo milagres, quer afastando os demônios, ou fazendo coisas semelhantes, como diz Agostinho, no mesmo livro.
Resposta à terceira. — Não é errôneo dizer que os homens são transferidos às penas dos demônios; mas, alguns ensinaram erradamente, que os demônios não são mais do que as almas dos defuntos, e isso é o que Crisóstomo reprova.
(II Sent., dist. XI, part. II, a. 6; IV, dist. XLVII, q. 1, a. 2)
O sétimo discute-se assim. — Parece que as ordens não permanecerão depois do dia do juízo.
1. — Pois, diz o Apóstolo, que Cristo destruirá todo o Principado, e Potestade, quando tiver entregado o reino a Deus e ao Padre, e isso há de ser na consumação última. Logo, por igual razão, nesse estado, todas as outras ordens serão suprimidas.
2. Demais. — É função das ordens angélicas purificar, iluminar e aperfeiçoar. Ora, depois do dia do juízo, nenhum anjo purificará, iluminará ou aperfeiçoará outro, porque não mais têm que progredir na ciência. Logo, será inútil permanecerem as ordens angélicas.
3. Demais. — O Apóstolo diz, dos anjos, que todos esses espíritos são uns ministros, enviados para exercer o seu ministério a favor daqueles que hão de receber a herança de salvação; por onde é patente que as funções dos anjos se ordenam a conduzir os homens à salvação. Ora, todos os eleitos, até o dia do juízo, hão de conseguir a salvação. Logo, depois do dia do juízo, não permanecerão as funções e as ordens dos anjos.
Mas, em contrário, diz a Escritura: as estrelas, permanecendo na sua ordem e no seu curso o que é explicado como referente aos anjos. Logo, estes sempre permanecerão nas suas funções.
Solução. — Nas ordens angélicas, duas causas se podem considerar: a distinção dos graus e o exercício das funções. — A distinção dos graus nos anjos, se funda na diferença da natureza e da graça, como já se disse; e ambas essas diferenças permanecerão sempre neles. Pois, não podem ser privados das diferenças das naturezas, a não ser desaparecendo eles. E a diferença da glória sempre neles existirá, fundada na diferença do mérito precedente. — Quanto ao exercício das funções angélicas, esse, depois do dia do juízo, permanecerá de certo modo e, de outro, cessará. Cessará, quanto à condução de certos homens ao fim; permanecerá, porém, no que diz respeito à consecução última do fim. Assim, umas são as funções das ordens militares, na luta, e, outras, no triunfo.
Donde a resposta à primeira objeção. — Os Principados e as Potestades deixarão de existir, na referida consumação final, no atinente à condução dos fiéis ao fim; pois, conseguido este, já não é necessário tender para ele. E esta razão se deduz das palavras do Apóstolo: Quando tiver entregado o reino a Deus e ao Padre, i. é, quando levar os fiéis à fruição mesma de Deus.
Resposta à segunda. — As ações de uns anjos sobre outros devem-se considerar relativamente à semelhança dos nossos atos inteligíveis. Ora, há em nós muitos atos inteligíveis ordenados pela ordem da causa em relação ao causado; assim, quando por muitos meios chegamos gradualmente a uma conclusão. Ora, é manifesto que o conhecimento da conclusão depende de todos os meios precedentes, não só quanto à aquisição de nova ciência, mas também quanto à conservação desta. E a prova é que, se a alguém esquecer algum dos meios precedentes, poderá ter opinião ou fé, quanto à conclusão, mas não ciência, desde que é ignorada a ordem das causas. E portanto, como os anjos inferiores conhecem as razões das obras divinas pela luz dos superiores, desta luz depende o conhecimento deles, não só quanto à aquisição da nova ciência, mas também quanto à conservação desta. Por onde, embora depois do juízo, os anjos inferiores não mais progridam em nenhum conhecimento, contudo nem por isso deles se exclui a iluminação dos superiores.
Resposta à terceira. — Embora depois do dia do juízo, os homens não precisem mais ser levados à salvação pelo ministério dos anjos, contudo, aqueles que já o conseguiram terão alguma iluminação por ofício deles.
(II Sent., dist. IX, a. 3; III Cont. Gent., cap. LXXX; Compend.)
O sexto discute-se assim. — Parece que os graus das ordens estão inconvenientemente distribuídos.
1. — Pois, a ordem dos superiores é a suprema. Ora, as Dominações, os Principados e as Potestades têm, pelos seus próprios nomes, certa superioridade. Logo, estas ordens devem ser, entre todas, as supremas.
2. Demais. — Quanto mais próximo de Deus for uma ordem, tanto mais superior será. Ora, a ordem dos Tronos é a mais próxima de Deus, pois, nada se une mais proximamente com quem está sentado do que o seu assento. Logo, a ordem dos Tronos é a mais elevada.
3. — A ciência tem prioridade sobre o amor e o intelecto é mais elevado que a vontade. Logo também a ordem dos Querubins é mais elevada que a dos Serafins.
4. Demais. — Gregório coloca os Principados acima das Potestades. Logo, eles não estão colocados imediatamente acima dos Arcanjos, como diz Dionísio.
Mas, em contrário, Dionísio coloca na primeira hierarquia, como mais elevados, os Serafins; como médios, os Querubins, e os Tronos, como últimos. Na hierarquia média, as Dominações, como primeiros; as Virtudes, como médios; e as Potestades, como últimos. Na última, por fim, os Principados, como primeiros; os Arcanjos, como médios; e os Anjos, como últimos.
Solução. — Gregório e Dionísio distribuem os graus das ordens angélicas diferentemente, quanto aos Principados e às Virtudes, e, no mais, do mesmo modo. Pois, Dionísio coloca as Virtudes inferiores às Dominações e superiores às Potestades; os Principados, porém, inferiores às Potestades e superiores aos Arcanjos. Ao passo que Gregório coloca os Principados no meio, entre as Dominações e as Potestades; e as Virtudes, no meio, entre as Potestades e os Arcanjos. E ambas essas disposições podem se apoiar na autoridade do Apóstolo (Ef 1, 20) que, enumerando as ordens médias de maneiraascendente, diz, que Deus o constituiu, i. é, Cristo, à sua mão direita no céu, acima de todo o Principado, e Potestade, e Virtude, e Dominação; onde põe a Virtude entre a Potestade e a Dominação, conforme a distribuição de Dionísio. Mas, noutro passo, enumerando as mesmas ordens, de maneira descendente, diz (Cl 1, 16): quer sejam os Tronos, quer as Dominações, quer os Principados, quer as Potestades, tudo foi criado por ele e para ele; onde coloca os Principados como médios entre as Dominações e as Potestades, conforme a distribuição de Gregório.
Primeiro, pois, vejamos a razão da distribuição de Dionísio. Nela se deve considerar que, como já foi dito (a. 1), a primeira hierarquia vê as razões das coisas, no próprio Deus; a segunda, nas causas universais; a terceira, porém, quanto à determinação para efeitos especiais. E como Deus é o fim, não só dos ministérios angélicos, mas também de todas as criaturas, à primeira hierarquia pertence à consideração do fim; à média, a disposição universal do que se deve fazer; à última, a aplicação da disposição ao efeito, que é a execução da obra. Ora, estas três coisas encontram-se, manifestamente, em qualquer operação. E por isso, Dionísio, deduzindo dos nomes das ordens as propriedades delas, colocou, na primeira hierarquia, as ordens, cujos nomes são impostos, relativos a Deus, e são os Serafins, os Querubins e os Tronos. Colocou na hierarquia média as ordens, cujos nomes designam um governo ou disposição comuns, e que são as Dominações, as Virtudes e as Potestades. Colocou, por fim, na terceira hierarquia, as ordens cujos nomes designam a execução da obra e que são os Principados, os Anjos e os Arcanjos.
Em relação ao fim, porém, três coisas se podem considerar. Pois, primeiro, considera-se o fim; depois, adquire-se o conhecimento perfeito dele; terceiro, fixa-se nele a intenção. Ora, destas três coisas, a segunda se adiciona a primeira e a terceira, a ambas as outras. E como Deus é o fim das criaturas, assim como o chefe é o fim do exército, conforme diz Aristóteles, pode-se descobrir, nas coisas humanas, um símile das ordens em questão. Assim, há certos que têm tal dignidade, que podem por si mesmos achegar-se familiarmente ao rei ou ao chefe; outros, além disso, podem ainda conhecer-lhe os segredos; outros por fim e ainda mais, sempre o acompanham, estando-lhe como conjuntos. E de acordo com esta semelhança, podemos compreender a disposição das ordens da primeira hierarquia. Pois, os Tronos estão elevados de modo que recebem a Deus, familiarmente, em si mesmos, porque podem conhecer nele imediatamente as razões das coisas; e isso é próprio de toda a primeira hierarquia. Ao passo que os Querubins conhecem supereminentemente os segredos divinos. E os Serafins, enfim, são excelentes pelo que é mais elevado que tudo, a saber, estar unido ao próprio Deus. De modo que a ordem dos Tronos é denominada pelo que é comum a toda a hierarquia; assim como, pelo que é comum a todos os espíritos celestes, é denominada a ordem dos Anjos.
Por outro lado, em a noção de governo três coisas se incluem. A primeira é a definição daquilo que se deve fazer, e isso é próprio às Dominações. A segunda é dar a faculdade de cumprir, e isso pertence às Virtudes. A terceira é ordenar de que modo o preceituado ou definido pode ser cumprido, para que se executem, e isso pertence às Potestades.
Ora, a execução dos ministérios angélicos consiste em anunciar as coisas divinas. Mas, na execução de qualquer ato, uns começam a ação e outros a dirigem; assim, no canto, os que entoam e, na guerra, os que comandam e dirigem os outros. E isto pertence aos Principados. Outros há porém que simplesmente executam, e isso pertence aos Anjos. Outros, por fim, têm uma situação média, e é o que se dá com os Arcanjos, como já se disse.
Ora, esta distribuição das ordens é congruente, porque sempre o mais elevado da ordem inferior tem afinidade com o último da superior; assim os ínfimos animais distam pouco das plantas. A primeira ordem, pois, é a das divinas Pessoas e tem o seu termo no Espírito Santo, que é o amor procedente; com esta tem afinidade a ordem suprema da primeira hierarquia, que tira a denominação do incêndio do amor. Depois, a ínfima ordem da primeira hierarquia é a dos Tronos que, em virtude do próprio nome, têm certa afinidade com as Dominações. Pois os Tronos, como diz Gregório, são aqueles pelos quais Deus decreta os seus juízos; e recebem as iluminações divinas para o fim de iluminarem imediatamente a segunda hierarquia, à qual pertence à disposição dos divinos ministérios. Em seguida, a ordem das Potestades tem afinidade com a dos Principados; pois, devendo as Potestades impor a ordem aos que lhes estão sujeitos, essa ordenação está imediatamente designada em o nome dos Principados, que são os primeiros na execução dos ministérios divinos, por presidirem ao governo dos povos e dos reinos, que é o primeiro e o principal dos ministérios divinos, porque o bem do povo é mais divino que o de um só homem. E por isso, diz a Escritura: O príncipe do reino dos Persas resistiu-me.
Mas, também a distribuição que Gregório faz das ordens é congruente. Pois, como as Dominações definem e preceituam o que entende com os ministérios divinos, pelas disposições deles, em que se exercem os ministérios divinos, dispõem-se às ordens que lhe estão sujeitas. Porque, como diz Agostinho, os corpos são regidos numa certa ordem: os inferiores, pelos superiores, e todos, pela criatura espiritual; e o espírito mau, pelo bom. E a primeira ordem, depois das Dominações, é a dos Principados que governam também aos bons espíritos. Depois, as Potestades, pelas quais são afastados os maus espíritos, assim como pelas potestades terrenas são afastados os malfeitores, segundo a Escritura. Depois delas, as Virtudes, que têm poder sobre a natureza corpórea, na operação dos milagres. Em seguida, os Arcanjos e os Anjos, que anunciam aos homens grandes acontecimentos superiores à razão, ou pequenos, que a razão pode alcançar.
Donde a resposta à primeira objeção. — É mais importante para os anjos estarem sujeitos a Deus, do que presidirem aos inferiores; e isto deriva daquilo. Por onde, as ordens que recebem denominação da superioridade não são as supremas, mas antes, as que recebem a denominação do se voltarem para Deus.
Resposta à segunda. — A proximidade de Deus designada pelo nome dos Tronos, convém também aos Querubins e aos Serafins, e de modo mais excelente, como já se disse.
Resposta à terceira. — Como já se disse, o conhecimento. supõe o objeto conhecido em quem conhece; enquanto que o amor supõe. o amante unido à causa amada. Ora, o superior está, em si mesmo, de modo mais nobre que no inferior; ao passo que o inferior está de modo mais nobre no superior, que em si mesmo. Por onde, o conhecimento do que é inferior tem, preeminência sobre o amor; ao passo que o amor do que é superior, e sobretudo de Deus, tem preeminência sobre o conhecimento.
Resposta à quarta. — Se considerarmos atentamente as distribuições das ordens, segundo Dionísio e segundo Gregório, veremos que em pouco, ou nada diferem, referidas à realidade. Assim, Gregório, deduz o nome dos Principados do presidirem aos bons espíritos; o que também convém às Virtudes, em cujo nome se compreende a fortaleza, que dá eficácia aos espíritos inferiores para executarem os divinos ministérios. — Ainda. As Virtudes de Gregório identificam-se com os Principados, de Dionísio. Pois, o primeiro dos ministérios divinos é fazer milagres, preparando-se, por aí, a via para a anunciação dos Arcanjos e dos Anjos.
(II Sent., dist. IX, a. 3, 4; III, Cont.Gent., cap. LXXX; Compend. Theol., cap. CXXVI; Coloss., cap. I, lect. IV).
O quinto discute-se assim. — Parece que as ordens dos anjos não são convenientemente denominadas.
1. — Pois, todos os espíritos celestes chamam-se anjos e virtudes celestes. Ora, é inconveniente apropriar só a certos os nomes comuns. Logo, é inconvenientemente denominada uma ordem a dos Anjos e outra, a das Virtudes.
2. Demais. — Ser Senhor é próprio de Deus, conforme a Escritura (Sl 99, 3): Sabei que o Senhor é Deus. Logo, inconvenientemente uma das ordens dos espíritos celestes é chamada das Dominações.
3. Demais. — O nome de Dominação diz respeito a governo; e semelhantemente, os dos Principados e das Potestades. É pois, inconveniente atribuírem-se a três ordens esses três nomes.
4. Demais. — Denominam-se Arcanjos os que são como príncipes dos anjos. Logo, este nome só deve ser aplicado à ordem dos Principados.
5. Demais. — O nome de Serafim é imposto por causa do ardor, que diz respeito à caridade; enquanto que o de Querubim é imposto por causa da ciência. Ora, a caridade e a ciência são dons comuns a todos os anjos. Logo, não devem ser nomes de ordens especiais.
6. Demais. — Os Tronos chamam-se sedes. Ora, diz-se que Deus tem sede na criatura racional quando esta o conhece e ama Logo, não deve a ordem dos Tronos distinguir-se da dos Querubins e dos Serafins. Assim, pois, conclui-se que as ordens dos anjos são inconvenientemente denominadas.
Mas, em contrário, é a autoridade da Sagrada Escritura que assim os denomina. Pois, nela se encontram as denominações de Serafins (Is 6), Querubins (Ez 1), Tronos (Cl 1), Dominações, Virtudes, Potestades, Principados (Ef 1), Arcanjos e Anjos (em várias passagens das Escrituras).
Solução. — Na denominação das ordens angélicas necessário é considerar-se que os nomes próprios a cada ordem designam as propriedades delas, como diz Dionísio. Para se compreender porém, a propriedade de cada ordem, é preciso considerar, que de três modos podemos fazer uma atribuição, nos seres ordenados: por propriedade, excesso e participação. Assim, diz-se que uma coisa está em outra, por propriedade, quando é adequada e proporcionada à natureza desta. Por excesso, quando a coisa atribuída a outra é menos que esta, contudo lhe convém, por um certo excesso, como já se disse a respeito de todos os nomes atribuídos a Deus. Por participação, enfim, quando a atribuição não está no atribuído plenária, mas deficientemente; assim, os homens santos chamam-se deuses, participativamente. Se, pois, um ser deve receber a denominação que lhe designe a propriedade, taldenominação não deve provir daquilo que esse ser participa imperfeitamente, nem do que tem, em excesso, mas do que lhe é como coigual. Assim, quem quiser denominar propriamente o homem dirá que é uma substância racional; não, substância intelectual, denominação própria ao anjo, porque a simples inteligência convém ao anjo, por propriedade, e ao homem, por participação; nem substância sensível, denominação própria ao bruto, porque o sentido é menos do que o que é próprio ao homem, e a este lhe convém excelentemente, mais que aos brutos. E, portanto, devemos considerar que, nas ordens dos anjos, todas as perfeições espirituais são comuns a todos os anjos e todas existem mais abundantemente nos superiores, que nos inferiores.
Mas, como há graus nas próprias perfeições, a perfeição superior é atribuída à ordem superior, por propriedade, à inferior, porém, como participação; e, inversamente, a perfeição inferior é atribuída à ordem inferior, por propriedade, e à superior, por excesso. Donde resulta que a ordem superior é denominada pela perfeição superior. — E é assim que Dionísio expõe os nomes das ordens, conforme a conveniência para as perfeições espirituais delas. Ao passo que Gregório, na exposição desses nomes, parece atender mais aos ministérios exteriores. Assim, explica, chamam-se anjos os que, anunciam as coisas mínimas; Arcanjos, as sumas; pelas Virtudes fazem-se os milagres; pelas Potestades são debeladas as potestades adversas; os Principados são os que presidem aos bons espíritos.
Donde a resposta à primeira objeção. — Anjo significa núncio. Logo, todos os espíritos celestes, como manifestadores das ordens divinas, chamam-se anjos. Mas os anjos superiores têm, nessa manifestação, certa excelência, pela qual as ordens superiores são denominadas. Enquanto que a ordem ínfima dos anjos não acrescenta nenhuma excelência à manifestação comum; e por isso é denominada pela simples manifestação. E assim, o nome comum aplica-se, como próprio, à ínfima ordem, como diz Dionísio. Ou se pode dizer que a ordem ínfima pode ser chamada especialmente ordem dos anjos, porque nos anunciam imediatamente. — A virtude, porém, pode ser tomada em dupla acepção. Em acepção comum, a virtude é média entre a essência e a operação; e então, todos os espíritos celestes chamam-se virtudes celestes, bem como celestes essências. Noutra acepção, virtude importa excesso de força e então é nome próprio de ordem. Por onde, diz Dionísio, que o nome de Virtudes significa uma força viril e inconcussa; primeiro, em relação a todas as operações divinas que lhes são convenientes; e segundo, para receber os dons divinos. E assim, significa que, sem nenhum temor, acercam-se das coisas divinas que lhes dizem respeito; o que concerne à força do ânimo.
Resposta à segunda. — Como diz Dionísio, a Dominação é louvada, em Deus singularmente, por excesso; mas, por participação, as Divinas Letras chamam Dominações aos principais ornatos, pelos quais os inferiores recebem os dons de Deus. E por isso, Dionísio diz que o nome de Dominações significa primeiro, a liberdade, que isenta da condição servil e da sujeição plebéia, a que a plebe está submetida; e da opressão tirânica a que, às vezes, até mesmo os maiores estão sujeitos. Em segundo lugar, significa um governo rígido e inflexível, que não se inclina a nenhum ato servil, nem a nenhum ato próprio aos que são sujeitos e oprimidos pelos tiranos. Em terceiro lugar, significa o desejo e a participação do verdadeiro domínio, que está em Deus. E semelhantemente, o nome de qualquer ordem significa a participação do que exorta em Deus; p. ex., o nome de virtudes significa participação da divina virtude, e assim por diante.
Resposta à terceira. — Os nomes de Dominação, de Potestade e de Principado dizem respeito ao governo, diversamente. — Pois, ao senhor pertence apenas preceituar sobre o que se deve fazer, e por isso, Gregório diz: certas ordens de anjos, a que outras, que lhes estão sujeitas, devem obedecer, chamam-se Dominações. — Ao passo que o nome de potestade designa certa ordenação, conforme a Escritura (Rm 13, 2): Aquele que resiste à potestade, resiste à ordenação de Deus. E, por isso, Dionísio diz, que o nome de Potestade significa uma ordenação, relativa, tanto ao recebimento das ordens divinas, como às ações divinas, que os superiores comunicam aos inferiores, conduzindo-os para o alto. À ordem das Potestades, pertence, pois, ordenar o que deve ser feito pelos súbditos. — Ser principal, por outro lado, como diz Gregório, é ser primeiro entre os demais; assim, são como que os primeiros, na execução do que é mandado. E por isso, Dionísio diz, que o nome de Principados significa condutor, com ordem sagrada. Pois, os que conduzem os outros, sendo os primeiros entre eles, chamam-se propriamente príncipes, conforme a Escritura (Sl 67, 26): Foram adiante os príncipes; juntamente com os que cantavam salmos.
Resposta à quarta. — Os Arcanjos, segundo Dionísio, são médios entre os Principados e os Anjos. Ora, o meio, comparado com o extremo, é equiparado ao outro extremo, como participante da natureza de ambos; assim, o tépido, em comparação com o cálido, é frio, e em comparação com este é cálido. Assim, pois, os Arcanjos são chamados como que Príncipes dos Anjos, porque, em relação a estes, são príncipes, porém, em relação aos Principados são Anjos. — Segundo Gregório contudo, chamam-se Arcanjos porque presidem só a ordem dos Anjos, sendo como núncios das grandes coisas. E chamam-se Principados porque presidem a todas as virtudes celestes, cumpridoras das ordens divinas.
Resposta à quinta. — O nome de Serafim não é imposto tanto pela caridade, como pelo excesso desta, excesso em que importa o nome de ardor ou de incêndio. Por onde, Dionísio interpreta o nome de Serafim pelas propriedades do fogo, no qual há excesso de calor. Pois, três coisas se podem considerar, no fogo. Primeira, o movimento contínuo para cima. Pelo que se significa que são movidos para Deus, indeclinavelmente. — Segunda, a virtude ativa, que é a calidez. E esta não existe de modo absoluto no fogo,mas com certa acuidade; porque ele tem ação penetrativa em máximo grau, e atinge até às mínimas intimidades; e demais com fervor super-excedente. E por aí se significa a poderosa ação que os referidos anjos exercem sobre os que lhes estão sujeitos, excitando-os a fervor semelhante e purificando-os totalmente pelo incêndio. — A terceira é a claridade. E isto significa que os ditos anjos trazem, em si mesmos, luz inextinguível e iluminam perfeitamente os outros. — Semelhantemente, o nome de Querubins é imposto, pelo excesso de ciência e é interpretado como Plenitude da ciência. O que Dionísio explica relativamente a quatro pontos: primeiro, quanto à visão perfeita de Deus; segundo, quanto ao pleno recebimento da divina luz; terceiro, quanto ao contemplarem, em Deus mesmo, a beleza da ordem das coisas deles derivada; quarto, quanto a difundirem copiosamente, nos outros, esse conhecimento, em que superabundam.
Resposta à sexta. — A ordem dos Tronos têm excelência sobre as ordens inferiores por poderem conhecer imediatamente, em Deus, as razões das obras divinas. Ao passo que os Querubins têm a excelência da ciência; e os Serafins a do ardor. E embora nestas duas excelências esteja incluída a terceira, contudo, na dos Tronos não se incluem as duas outras. Por onde, a ordem dos Tronos se distingue das dos Querubins e Serafins. Pois, é comum para todos, que a excelência do inferior esteja contida na do superior, e não vice-versa. — Dionísio porém, explica o nome de Tronos, por conveniência com os sólios, na ordem material. Nos quais, há quatro causas a considerar. — Primeiro, o lugar, pois os sólios se elevam na terra. E assim os anjos chamados Tronos elevam-se até o conhecimento imediato em Deus, das razões das coisas. — Segundo, nos sólios materiais se considera a firmeza, porque neles firmemente nos assentamos. No caso vertente porém, dá-se o inverso, pois os anjos é que estão firmados por Deus. — Terceiro, porque o sólio recebe quem se assenta e este pode ser transportado nele. Assim também os anjos, de que tratamos, recebem Deus em si mesmos e o levam, de certo modo, aos inferiores. — Quarto, figuradamente, pois, o sólio é aberto de um lado para receber quem se assenta. Assim também os referidos anjos estão, pela sua presteza, abertos para receber a Deus e lhe servir.
(II Sent., dist. IX, a. 7; IV, dist. XXIV, q. 1, a. 1, qª 1, ad 3).
O quarto discute-se assim. — Parece que a distinção das hierarquias e das ordens não procede da natureza dos anjos.
1. — Pois, chama-se hierarquia a chefia sagrada em cuja definição Dionísio compreende a semelhança com a deiformidade, tanto quanto possível. Ora, a santidade e a deiformidade os anjos as têm por graça e não por natureza. Logo, a distinção de hierarquias e ordens, nos anjos, procede da graça e não da natureza.
2. Demais. — Serafins chamam-se os ardentes ou que incendeiam, como diz Dionísio. Ora, isto respeita à caridade, procedente da graça e não da natureza, e que se difunde como diz a Escritura (Rm 5, 5), em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado. E isto pertence não só às pessoas santas, mas também pode-se atribuir aos santos anjos, como diz Agostinho. Logo, as ordens dos anjos não procedem da natureza, mas da graça.
3. Demais. — A hierarquia eclesiástica modela-se pela celeste. Ora, as ordens dos homens não procedem da natureza, mas são dons da graça; pois, não é por natureza que um é bispo, outro sacerdote, outro, diácono. Logo, também as ordens dos anjos não procedem da natureza, mas, da graça somente.
Mas, em contrário, diz o Mestre das Sentenças: chama-se ordem dos anjos à multidão dos espíritos celestes, semelhantes, entre si, por algum dom da graça, do mesmo modo que têm de comum, entre si, a participação dos dons naturais. Logo, a distinção das ordens dos anjos procede, não somente dos dons gratuitos, mas também, dos naturais.
Solução. — A ordem do governo, que é a ordem da multidão, regida por um chefe, supõe a relação com um fim. Ora, duplamente se pode entender o fim dos anjos. — De um modo quanto à faculdade da natureza, feita para conhecer e amar a Deus por conhecimento e amor naturais. E em relação a este fim, as ordens dos anjos se distinguem pelos dons naturais deles. — De outro modo, pode-se compreender o fim da multidão angélica como superior à faculdade natural deles, e consistente na visão da divina essência e no gozo imutável da bondade da mesma; e tal fim os anjos não no podem alcançar senão pela graça. Por onde, em relação a este fim, as ordens dos anjos se distinguem, completivamente, quanto aos dons gratuitos; dispositivamente, quanto aos naturais. Pois, os anjos recebem os dons gratuitos conforme a capacidade para os naturais, o que não se dá com os homens, segundo ficou dito (q. 62, a. 6). E, portanto, as ordens dos homens se distinguem somente pelos dons gratuitos e não segundo a natureza.
Donde se deduzem claras as respostas às objeções.
(II. Sent., dist. IX a. 3., 5).
O terceiro discute-se assim. — Parece que não há vários anjos numa mesma ordem.
1. — Pois, como já se disse antes (q. 50, a. 4), todos os anjos são desiguais entre si. Ora, consideram-se da mesma ordem seres iguais. Logo, muitos anjos não são da mesma ordem.
2. Demais. — O que pode suficientemente ser feito por um, é supérfluo que se faça por muitos. Ora, o pertencente a uma função angélica pode suficientemente ser feito por um anjo; assim como o atinente à função do sol é realizado por um sol apenas; tanto mais quanto mais perfeito é o anjo do que os corpos celestes. Se, portanto, as ordens se distinguem, pelas suas funções, como já se disse (a. 2), é supérfluo haver vários anjos da mesma ordem.
3. Demais. — Como ficou dito (q. 50, a. 4), todos os anjos são desiguais. Se, pois, vários anjos, p. ex., três ou quatro, são da mesma ordem, o ínfimo da ordem superior mais comunidade tem com o supremo da ordem inferior, do que com o supremo da sua ordem; e assim, não se vê que pertença antes à mesma ordem daquele do que deste. Logo, não há vários anjos numa mesma ordem.
Mas, em contrário, diz Isaias (Is 6, 3): Os serafins clamavam um para o outro. Logo há vários anjos na mesma ordem dos Serafins.
Solução. — No que conhecemos perfeitamente podemos distinguir até as mínimas particularidades — os atos; as virtudes e as naturezas. No que, porém, conhecemos imperfeitamente só podemos distingui-las universalmente, distinção que pouco abrange. Assim, quem conhece imperfeitamente as coisas naturais distingue-lhes as ordens, em geral, colocando, numa ordem, os corpos celestes; noutra, os corpos inferiores inanimados; noutra, as plantas; noutra, os animais. Quem porém conhecer tais causas mais perfeitamente, poderá distinguir, entre os corpos celestes, e em cada um deles, várias ordens. Ora, nós, como diz Dionísio, conhecemos imperfeitamente os anjos e as suas funções. Por onde só em comum é que podemos distinguir as funções e as ordens deles; e desse modo muitos anjos estão contidos numa mesma ordem. Se, porém, lhes conhecêssemos perfeitamente as funções e as distinções, perfeitamente saberíamos que cada anjo tem a sua função própria e a sua ordem própria, entre os seres; e muito mais do que qualquer estrela, ainda que nos esteja oculta.
Donde a resposta à primeira objeção. — Todos os anjos de uma mesma ordem são, de certo modo, iguais, quanto à semelhança comum, que os constitui nessa ordem. Mas; em si mesmos, não são iguais. E por isso, Dionísio diz, que é preciso admitir, numa mesma ordem de anjos, os primeiros, os médios e os últimos.
Resposta à segunda. — É-nos desconhecida a distinção especial de ordens e de funções, pela qual cada anjo tem uma função e uma ordem própria.
Resposta à terceira. — Numa superfície semi-branca e semi-negra, duas partes confinantes, dessas cores, têm, pela situação, mais pontos comuns, que duas partes brancas; mas, menos, pela qualidade. Assim também dois anjos, que estão nos limites de duas ordens, mais convêm, pela proximidade da natureza, do que qualquer outro, com os demais da sua ordem; menos, porém, pela idoneidade para funções semelhantes, porque essa idoneidade chega até certo termo.
(II Sent., dist. IX, a. 3; IV, dist. XXIV, q. 2, a. 1, qª 2, a. 4).
O segundo discute-se assim. — Parece que numa mesma hierarquia não há muitas ordens.
1. — Pois, multiplicada a definição, multiplica-se o definido. Ora, a hierarquia, como diz Dionísio, é uma ordem. Se, portanto, são muitas as ordens, não haverá uma só, mas muitas hierarquias.
2. Demais. — Ordens diversas são graus diversos; e os graus, nos seres espirituais, são constituídos segundo os diversos dons espirituais. Ora, nos anjos, todos os dons espirituais são comuns, porque nada entre eles se possui singularmente. Logo, não são diversas as ordens dos anjos.
3. Demais. — Na hierarquia eclesiástica distinguem-se as ordens relativamente à purificação, à iluminação e à perfeição. Pois, a ordem dos diáconos é purgativa; a dos sacerdotes, iluminativa; a dos bispos, perfectiva, como diz Dionísio. Ora, qualquer anjo purifica, ilumina e aperfeiçoa. Logo não há distinção de ordens, nos anjos.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Ef 1, 21), que Deus constituiu Cristo homem acima de todo o principado, e potestade, e virtude, e dominação, que são as diversas ordens dos anjos; e certos, dentre eles, pertencem a uma mesma hierarquia, como a seguir se dirá (a. 6).
Solução. — Como já se disse (a. 1), uma hierarquia é uma chefia, i.é., uma multidão ordenada, do mesmo modo, sob o governo de um chefe. Ora, não seria a multidão ordenada, mas confusa, se nela não houvesse diversas ordens. Logo, a noção mesma de hierarquia requer a diversidade das ordens, e esta é considerada relativamente aos diversos ofícios e atos. E isso bem se vê na cidade, em que são diversas as ordens, segundo os diversos atos; assim, uma é a ordem dos que julgam, outra, a dos que pugnam, outra, a dos que trabalham nos campos, e assim por diante. Mas, embora sejam muitas as ordens de uma mesma cidade, todas, contudo, podem reduzir-se a três, por ter qualquer multidão perfeita princípio, meio e fim. Por onde, há tríplice ordem de homens na cidade: uns são os supremos, como os nobres; outros, ínfimos, como o baixo povo; outros, médios, como o povo honrado. Assim, pois, em qualquer hierarquia angélica, as ordens se distinguem segundo os diversos atos e ofícios; e toda essa diversidade se reduz a três ordens: a suma, a média e a ínfima. E por isso, em cada hierarquia, Dionísio coloca três ordens.
Donde a resposta à primeira objeção. — Ordem se toma em dupla acepção. Numa, a ordenação, em si, compreendendo graus diversos; e, deste modo, diz-se que a hierarquia é uma ordem. De outro modo, chama-se ordem a um mesmo grau; e assim, diz-se que há várias ordens numa mesma hierarquia.
Resposta à segunda. — Na sociedade dos anjos, tudo é possuído em comum; contudo, uns possuem certas coisas de modo mais excelente que outros. Ora, o que pode comunicar o que possui tem posse mais perfeita que o que não o pode; assim é mais perfeitamente cálido o que pode aquecer, do que o que não pode; e sabe mais perfeitamente quem pode ensinar, do que quem não o pode. E quanto mais perfeito for o dom comunicado, tanto mais perfeito será o grau de quem o comunica; assim, no grau mais perfeito do magistério está quem pode ensinar a ciência mais elevada. E, de acordo com esta semelhança deve-se distinguir a diversidade dos graus ou das ordens dos anjos, segundo os diversos ofícios e atos.
Resposta à terceira. — O anjo inferior é superior ao homem mais elevado, em a nossa hierarquia, conforme aquilo da Escritura (Mt 11, 2): O que é menor no reino dos céus, é maior do que ele, i. é, do que João Baptista, do qual entre os nascidos de mulher não se levantou outro maior. Por onde, o anjo menor da celeste hierarquia pode não só purificar, mas iluminar e aperfeiçoar, e de modo mais alto do que as ordens da nossa hierarquia. E assim pela distinção destes atos não se distinguem as ordens celestes, mas por outras diferenças deles.
(III, q. 8, a. 4; II Sent., dist. IX, a. 3; IV, dist. XXIV, q. 2, a. 1, qª 2, ad 4; Ephes., cap. I, lect. VII).
O primeiro discute-se assim. — Parece que todos os anjos são da mesma hierarquia.
1. — Pois, sendo os anjos as criaturas supremas, necessário é admitir-se que são otimamente dispostos. Mas, como diz claramente o Filósofo, a melhor disposição é a da multidão regida por um só chefe. Ora, como a hierarquia não é senão a chefia sagrada, resulta que todos os anjos são da mesma hierarquia.
2. Demais. — Dionísio diz, que a hierarquia é ordem, ciência e ação. Ora, todos os anjos convêm na mesma ordem, em relação a Deus, a quem conhecem e por quem são regulados, nas suas ações. Logo, todos são da mesma hierarquia.
3. Demais. — A chefia sagrada, chamada hierarquia, tanto existe entre os homens como entre os anjos. Ora, todos os homens são da mesma hierarquia. Logo, também todos os anjos.
Mas, em contrário, Dionísio distingue três hierarquias de anjos.
Solução. — Como se disse, a hierarquia é uma chefia sagrada. Ora, a palavra chefia abrange duas coisas: o chefe e o povo governado por ele. Ora, como Deus é o chefe, não só de todos os anjos, mas também dos homens e de toda criatura, por isso, uma só hierarquia formam todos os anjos e toda criatura racional, que possa ser participante das coisas sagradas, conforme a expressão de Agostinho: há duas cidades, i. é, duas sociedades; uma a dos anjos bons e dos homens; outra, a dos maus. Se, porém, se considerar a chefia em relação ao povo sujeito a um mesmo chefe, então forma uma chefia o povo que pode estar, de um mesmo modo, sob o governo de um mesmo chefe; e, os povos, que não puderem ser governados do mesmo modo, pelo mesmo chefe, formam chefias diversas. Assim, sob um mesmo rei, estão as diversas cidades, regidas por leis e governadores diversos. Ora, é manifesto que os homens recebem as iluminações divinas de modo diverso dos anjos; pois, estes a recebem na sua pureza inteligível, ao passo que aqueles sob semelhanças sensíveis, como diz Dionísio. E portanto, é forçoso distinguir a hierarquia humana da angélica.
E do mesmo modo, distinguem-se três hierarquias de anjos. Pois, como já se disse (q. 55, a. 3), quando se tratou do conhecimento dos anjos, os anjos superiores têm conhecimento mais universal da verdade, que os inferiores. Ora, esta apreensão universal do conhecimento pode ser dividida por três graus, nos anjos, pois, as razões das causas, sobre as quais os anjos são iluminados, podem-se considerar sob tríplice aspecto. — Primeiro, enquanto procedentes do primeiro princípio universal, que é Deus. E este modo convém à primeira hierarquia, que chega até Deus, e, corno diz Dionísio, está colocada quase nos vestíbulos de Deus. — Segundo, enquanto tais razões dependem das causas universais criadas já, de certa maneira, multiplicadas. E este modo convém à segunda hierarquia. — Terceiro, enfim, enquanto tais razões se aplicam a coisas singulares dependentes das causas próprias. E este modo convém à ínfima hierarquia, o que plenamente ficará explicado quando se tratar de cada uma das ordens (a. 6). Assim, pois, as hierarquias se distinguem em relação à multidão governada.
Por onde, é manifesto que erram e vão contra a intenção de Dionísio, os que introduzem, nas divinas Pessoas, a hierarquia a que chamam superceleste. Pois, nas Pessoas divinas há uma ordem de natureza e não de hierarquia. Porque, como diz Dionísio, a ordem de hierarquia consiste em serem uns purificados, iluminados e aperfeiçoados e em purificar, iluminar e aperfeiçoar a outros. E longe de nós introduzir tais distinções nas Pessoas divinas.
Donde a resposta à primeira objeção. — A objeção é procedente, quanto à chefia, relativamente ao chefe, porquanto é ótimo que o povo seja governado por um só chefe, como explica o Filósofo nos passos citados.
Resposta à segunda. — Quanto ao conhecimento de Deus mesmo, a quem todos os anjos vêm do mesmo modo, i. é, em essência, neles não se distinguem hierarquias; mas, quanto à razão das coisas criadas, como já se disse.
Resposta à terceira. — Todos os homens são da mesma espécie e, por isso, é-lhes conatural o mesmo modo de inteligir. Ora, como não se dá o mesmo com os anjos, não há semelhança de razão.