(II Sent., dist. IX, a. 3, 4; III, Cont.Gent., cap. LXXX; Compend. Theol., cap. CXXVI; Coloss., cap. I, lect. IV).
O quinto discute-se assim. — Parece que as ordens dos anjos não são convenientemente denominadas.
1. — Pois, todos os espíritos celestes chamam-se anjos e virtudes celestes. Ora, é inconveniente apropriar só a certos os nomes comuns. Logo, é inconvenientemente denominada uma ordem a dos Anjos e outra, a das Virtudes.
2. Demais. — Ser Senhor é próprio de Deus, conforme a Escritura (Sl 99, 3): Sabei que o Senhor é Deus. Logo, inconvenientemente uma das ordens dos espíritos celestes é chamada das Dominações.
3. Demais. — O nome de Dominação diz respeito a governo; e semelhantemente, os dos Principados e das Potestades. É pois, inconveniente atribuírem-se a três ordens esses três nomes.
4. Demais. — Denominam-se Arcanjos os que são como príncipes dos anjos. Logo, este nome só deve ser aplicado à ordem dos Principados.
5. Demais. — O nome de Serafim é imposto por causa do ardor, que diz respeito à caridade; enquanto que o de Querubim é imposto por causa da ciência. Ora, a caridade e a ciência são dons comuns a todos os anjos. Logo, não devem ser nomes de ordens especiais.
6. Demais. — Os Tronos chamam-se sedes. Ora, diz-se que Deus tem sede na criatura racional quando esta o conhece e ama Logo, não deve a ordem dos Tronos distinguir-se da dos Querubins e dos Serafins. Assim, pois, conclui-se que as ordens dos anjos são inconvenientemente denominadas.
Mas, em contrário, é a autoridade da Sagrada Escritura que assim os denomina. Pois, nela se encontram as denominações de Serafins (Is 6), Querubins (Ez 1), Tronos (Cl 1), Dominações, Virtudes, Potestades, Principados (Ef 1), Arcanjos e Anjos (em várias passagens das Escrituras).
Solução. — Na denominação das ordens angélicas necessário é considerar-se que os nomes próprios a cada ordem designam as propriedades delas, como diz Dionísio. Para se compreender porém, a propriedade de cada ordem, é preciso considerar, que de três modos podemos fazer uma atribuição, nos seres ordenados: por propriedade, excesso e participação. Assim, diz-se que uma coisa está em outra, por propriedade, quando é adequada e proporcionada à natureza desta. Por excesso, quando a coisa atribuída a outra é menos que esta, contudo lhe convém, por um certo excesso, como já se disse a respeito de todos os nomes atribuídos a Deus. Por participação, enfim, quando a atribuição não está no atribuído plenária, mas deficientemente; assim, os homens santos chamam-se deuses, participativamente. Se, pois, um ser deve receber a denominação que lhe designe a propriedade, taldenominação não deve provir daquilo que esse ser participa imperfeitamente, nem do que tem, em excesso, mas do que lhe é como coigual. Assim, quem quiser denominar propriamente o homem dirá que é uma substância racional; não, substância intelectual, denominação própria ao anjo, porque a simples inteligência convém ao anjo, por propriedade, e ao homem, por participação; nem substância sensível, denominação própria ao bruto, porque o sentido é menos do que o que é próprio ao homem, e a este lhe convém excelentemente, mais que aos brutos. E, portanto, devemos considerar que, nas ordens dos anjos, todas as perfeições espirituais são comuns a todos os anjos e todas existem mais abundantemente nos superiores, que nos inferiores.
Mas, como há graus nas próprias perfeições, a perfeição superior é atribuída à ordem superior, por propriedade, à inferior, porém, como participação; e, inversamente, a perfeição inferior é atribuída à ordem inferior, por propriedade, e à superior, por excesso. Donde resulta que a ordem superior é denominada pela perfeição superior. — E é assim que Dionísio expõe os nomes das ordens, conforme a conveniência para as perfeições espirituais delas. Ao passo que Gregório, na exposição desses nomes, parece atender mais aos ministérios exteriores. Assim, explica, chamam-se anjos os que, anunciam as coisas mínimas; Arcanjos, as sumas; pelas Virtudes fazem-se os milagres; pelas Potestades são debeladas as potestades adversas; os Principados são os que presidem aos bons espíritos.
Donde a resposta à primeira objeção. — Anjo significa núncio. Logo, todos os espíritos celestes, como manifestadores das ordens divinas, chamam-se anjos. Mas os anjos superiores têm, nessa manifestação, certa excelência, pela qual as ordens superiores são denominadas. Enquanto que a ordem ínfima dos anjos não acrescenta nenhuma excelência à manifestação comum; e por isso é denominada pela simples manifestação. E assim, o nome comum aplica-se, como próprio, à ínfima ordem, como diz Dionísio. Ou se pode dizer que a ordem ínfima pode ser chamada especialmente ordem dos anjos, porque nos anunciam imediatamente. — A virtude, porém, pode ser tomada em dupla acepção. Em acepção comum, a virtude é média entre a essência e a operação; e então, todos os espíritos celestes chamam-se virtudes celestes, bem como celestes essências. Noutra acepção, virtude importa excesso de força e então é nome próprio de ordem. Por onde, diz Dionísio, que o nome de Virtudes significa uma força viril e inconcussa; primeiro, em relação a todas as operações divinas que lhes são convenientes; e segundo, para receber os dons divinos. E assim, significa que, sem nenhum temor, acercam-se das coisas divinas que lhes dizem respeito; o que concerne à força do ânimo.
Resposta à segunda. — Como diz Dionísio, a Dominação é louvada, em Deus singularmente, por excesso; mas, por participação, as Divinas Letras chamam Dominações aos principais ornatos, pelos quais os inferiores recebem os dons de Deus. E por isso, Dionísio diz que o nome de Dominações significa primeiro, a liberdade, que isenta da condição servil e da sujeição plebéia, a que a plebe está submetida; e da opressão tirânica a que, às vezes, até mesmo os maiores estão sujeitos. Em segundo lugar, significa um governo rígido e inflexível, que não se inclina a nenhum ato servil, nem a nenhum ato próprio aos que são sujeitos e oprimidos pelos tiranos. Em terceiro lugar, significa o desejo e a participação do verdadeiro domínio, que está em Deus. E semelhantemente, o nome de qualquer ordem significa a participação do que exorta em Deus; p. ex., o nome de virtudes significa participação da divina virtude, e assim por diante.
Resposta à terceira. — Os nomes de Dominação, de Potestade e de Principado dizem respeito ao governo, diversamente. — Pois, ao senhor pertence apenas preceituar sobre o que se deve fazer, e por isso, Gregório diz: certas ordens de anjos, a que outras, que lhes estão sujeitas, devem obedecer, chamam-se Dominações. — Ao passo que o nome de potestade designa certa ordenação, conforme a Escritura (Rm 13, 2): Aquele que resiste à potestade, resiste à ordenação de Deus. E, por isso, Dionísio diz, que o nome de Potestade significa uma ordenação, relativa, tanto ao recebimento das ordens divinas, como às ações divinas, que os superiores comunicam aos inferiores, conduzindo-os para o alto. À ordem das Potestades, pertence, pois, ordenar o que deve ser feito pelos súbditos. — Ser principal, por outro lado, como diz Gregório, é ser primeiro entre os demais; assim, são como que os primeiros, na execução do que é mandado. E por isso, Dionísio diz, que o nome de Principados significa condutor, com ordem sagrada. Pois, os que conduzem os outros, sendo os primeiros entre eles, chamam-se propriamente príncipes, conforme a Escritura (Sl 67, 26): Foram adiante os príncipes; juntamente com os que cantavam salmos.
Resposta à quarta. — Os Arcanjos, segundo Dionísio, são médios entre os Principados e os Anjos. Ora, o meio, comparado com o extremo, é equiparado ao outro extremo, como participante da natureza de ambos; assim, o tépido, em comparação com o cálido, é frio, e em comparação com este é cálido. Assim, pois, os Arcanjos são chamados como que Príncipes dos Anjos, porque, em relação a estes, são príncipes, porém, em relação aos Principados são Anjos. — Segundo Gregório contudo, chamam-se Arcanjos porque presidem só a ordem dos Anjos, sendo como núncios das grandes coisas. E chamam-se Principados porque presidem a todas as virtudes celestes, cumpridoras das ordens divinas.
Resposta à quinta. — O nome de Serafim não é imposto tanto pela caridade, como pelo excesso desta, excesso em que importa o nome de ardor ou de incêndio. Por onde, Dionísio interpreta o nome de Serafim pelas propriedades do fogo, no qual há excesso de calor. Pois, três coisas se podem considerar, no fogo. Primeira, o movimento contínuo para cima. Pelo que se significa que são movidos para Deus, indeclinavelmente. — Segunda, a virtude ativa, que é a calidez. E esta não existe de modo absoluto no fogo,mas com certa acuidade; porque ele tem ação penetrativa em máximo grau, e atinge até às mínimas intimidades; e demais com fervor super-excedente. E por aí se significa a poderosa ação que os referidos anjos exercem sobre os que lhes estão sujeitos, excitando-os a fervor semelhante e purificando-os totalmente pelo incêndio. — A terceira é a claridade. E isto significa que os ditos anjos trazem, em si mesmos, luz inextinguível e iluminam perfeitamente os outros. — Semelhantemente, o nome de Querubins é imposto, pelo excesso de ciência e é interpretado como Plenitude da ciência. O que Dionísio explica relativamente a quatro pontos: primeiro, quanto à visão perfeita de Deus; segundo, quanto ao pleno recebimento da divina luz; terceiro, quanto ao contemplarem, em Deus mesmo, a beleza da ordem das coisas deles derivada; quarto, quanto a difundirem copiosamente, nos outros, esse conhecimento, em que superabundam.
Resposta à sexta. — A ordem dos Tronos têm excelência sobre as ordens inferiores por poderem conhecer imediatamente, em Deus, as razões das obras divinas. Ao passo que os Querubins têm a excelência da ciência; e os Serafins a do ardor. E embora nestas duas excelências esteja incluída a terceira, contudo, na dos Tronos não se incluem as duas outras. Por onde, a ordem dos Tronos se distingue das dos Querubins e Serafins. Pois, é comum para todos, que a excelência do inferior esteja contida na do superior, e não vice-versa. — Dionísio porém, explica o nome de Tronos, por conveniência com os sólios, na ordem material. Nos quais, há quatro causas a considerar. — Primeiro, o lugar, pois os sólios se elevam na terra. E assim os anjos chamados Tronos elevam-se até o conhecimento imediato em Deus, das razões das coisas. — Segundo, nos sólios materiais se considera a firmeza, porque neles firmemente nos assentamos. No caso vertente porém, dá-se o inverso, pois os anjos é que estão firmados por Deus. — Terceiro, porque o sólio recebe quem se assenta e este pode ser transportado nele. Assim também os anjos, de que tratamos, recebem Deus em si mesmos e o levam, de certo modo, aos inferiores. — Quarto, figuradamente, pois, o sólio é aberto de um lado para receber quem se assenta. Assim também os referidos anjos estão, pela sua presteza, abertos para receber a Deus e lhe servir.