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Art. 3 — Se o nosso intelecto conhece o ato próprio.

(III Sent., dist. XXIII, q. 1, a. 2, ad 3; II Cont. Gent., cap. LXXV; De Verit., q. 10, a. 9; II De Anima, lect VI).
 
O terceiro discute-se assim. ― Parece que o nosso intelecto não conhece o ato próprio.
 
1. ― Pois, é propriamente conhecido o que é objeto da virtude cognoscitiva. Ora, o ato difere do objeto. Logo, o intelecto não conhece o ato próprio.
 
2. Demais. ― Tudo o que é conhecido o é por algum ato. Ora, se o intelecto conhece o ato próprio, por algum ato o conhece; e, de novo, esse ato, por outro. Donde, há-se de proceder até o infinito, o que é impossível.
 
3. Demais. ― O sentido está para o seu ato, como o intelecto para o seu. Ora, o sentido próprio não sente o seu ato, pois isso pertence ao sentido comum, como já se disse. Logo, nem o intelecto intelige o seu ato.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Intelijo-me como inteligente.
 
Solução. ― Como já ficou dito (a. 1, 2), só se conhece aquilo que é atual. Ora, a perfeição última do intelecto é a sua operação. Esta operação, porém, não é ao modo da ação tendente para uma coisa exterior, como p. ex., a edificação é a perfeição da coisa edificada; mas permanece no operante, como perfeição e ato deste, segundo já se disse. Por onde, isto é que primeiro é inteligido, do intelecto, a saber, o seu próprio inteligir. ― Mas, nesta intelecção, os diversos intelectos se comportam diversamente. ― Assim, há um intelecto, o divino, que é o seu próprio inteligir. Por onde, Deus, inteligindo-se como inteligente, intelige a sua essência, pois esta é o seu inteligir. ― Há, porém, outro intelecto, o angélico, que não é o inteligir próprio, como já se disse (q. 76, a. 1); todavia, o primeiro objeto do inteligir do anjo é a própria essência dele. Por onde, embora no anjo se distinga, pela razão, o inteligir-se a si próprio, do inteligir a sua essência, contudo, ele intelige uma e outra coisa por um mesmo ato simultâneo. Porque, inteligir a sua essência é a perfeição própria desta; mas, por um mesmo ato simultâneo é inteligida a coisa, com a sua perfeição. ― Há, por fim, outro intelecto, o humano, que nem é o inteligir próprio, nem do seu inteligir é o objeto primeiro a essência própria, mas, algo de extrínseco, que é a natureza material da coisa. Por onde, o que é primariamente conhecido pelo intelecto humano é um objeto tal; secundariamente, é conhecido o ato mesmo pelo qual é conhecido o objeto; e, pelo ato, é conhecido o intelecto, em si, cuja perfeição é o inteligir. E, por isso, o Filósofo diz, que os objetos são conhecidos antes dos atos; e os atos, antes das potências.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― O objeto do intelecto é algo de comum, a saber, o ser e a verdade, no que está também compreendido o ato mesmo de inteligir. Por onde, o intelecto pode conhecer o ato próprio, mas não primariamente. Porque o primeiro objeto do nosso intelecto, no estado da vida presente, não é qualquer ser e qualquer verdade, mas o ser e a verdade considerados nas coisas materiais, como já se disse (q. 84, a. 7); e por eles é que o intelecto chega ao conhecimento de todas as outras coisas.
 
Resposta à segunda. ― O inteligir humano, em si, não é o ato e a perfeição da natureza inteligida, de modo que possa, por um só ato, ser inteligida a natureza da coisa material e o inteligir mesmo, assim como, por um só ato, é inteligida a coisa com a sua perfeição. Por onde, um é o ato pelo qual o intelecto intelige uma pedra e outro, o pelo qual se intelige como inteligindo a pedra, e assim por diante. Nem há inconveniente em que o intelecto seja potencialmente infinito, como antes já se disse (q. 86, a. 2).
 
Resposta à terceira. ― O sentido próprio sente por meio da imutação do órgão material pelo sensível exterior. Ora, não é possível que algo de material se imute a si mesmo; mas uma coisa é imutada por outra. Por onde, o ato do sentido próprio é percebido pelo sentido comum. Ora, como o nosso intelecto não intelige por imutação material do órgão, não há símile.

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