O primeiro discute-se assim. ─ Parece que a impotência não impede de se contrair matrimônio.
1. Pois, a conjunção carnal não é da essência do matrimônio; assim, é mais perfeito quando ambos os cônjuges fazem voto de continência. Ora, a impotência não impede senão a conjunção carnal. Logo, não é impedimento dirimente do matrimônio já contraído.
2. Demais. ─ Assim como a impotência impede a conjunção carnal, assim, também a demasiada paixão, que é exsecante. Ora, a paixão não é considerada impedimento ao matrimônio. Logo, nem a impotência deve sê-lo.
3. Demais. ─ Todos os velhos são impotentes. Ora, os velhos podem contrair matrimônio. Logo, a impotência não impede o matrimônio.
4. Demais. ─ A mulher que contrai matrimônio com um homem que sabe ser impotente, contrai com ele matrimônio válido. Logo, a impotência, em si mesma, não impede o matrimônio.
5. Demais. ─ Pode um, excitado pelo ardor da concupiscência, ser capaz de conjunção carnal com uma mulher deflorada, não porém com uma virgem; pois, a chama da concupiscência logo se apaga, em razão da sua debilidade, de modo que pode não tornar capaz da conjunção com uma virgem. Semelhantemente, pode um ser inflamado de paixão por uma mulher bela, que mais provoca a concupiscência, e contudo ser impotente em relação a uma prostituta. Donde, se conclui que a impotência, embora impida a cópula com uma, não impede contudo, absolutamente falando.
6. Demais. ─ A mulher é em geral mais fria que o homem Ora, as mulheres não são impedidas de casar. Logo, nem os impotentes.
Mas, em contrário, determina o direito: Assim como a criança, incapaz do dever conjugal, não é apta para o casamento, assim também os impotentes são considerados ineptos a contrair matrimônio. Ora, entram nesta classe os impotentes de toda espécie. Logo, etc.
2. Demais. ─ Ninguém pode obrigar-se ao impossível. Ora, pelo matrimônio, o homem se obriga à cópula carnal, pois para tal dá à sua mulher poder sobre o seu corpo. Logo, o impotente, incapaz da cópula carnal, não pode contrair matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ O matrimônio é um contrato pelo qual um dos cônjuges se obriga a cumprir para com o outro o dever conjugal. Por onde, assim como os outros contratos não obrigam legalmente quando uma das partes se compromete ao que não pode dar ou fazer, assim não há contrato legal de matrimônio, quando feito por quem não pode cumprir o dever da conjunção carnal. E esse impedimento se chama impotência física, de sua denominação geral. A qual pode provir de uma causa intrínseca e natural, ou de uma causa intrínseca e acidental, como no caso do malefício, segundo depois diremos. Se por causa natural, de dois modos pode sê-lo. Ou é temporal, podendo então desaparecer pela aplicação de um remédio ou pelo desenvolvimento da idade. Ou é perpétua. E então dissolve o matrimônio de modo que o marido, contra quem a mulher alegue esse impedimento, fica perpetuamente sem esperança de poder casar; a mulher, porém, poderá casar com quem quiser, no Senhor.
Mas, para se saber se o impedimento é perpétuo ou não, a Igreja estabeleceu um determinado tempo, o de um triênio, em que é possível experimentá-lo. Assim, depois de passado um triênio, durante o qual ambas as partes, apesar de procurarem praticar o dever conjugal, não conseguiram consumar o matrimônio, fica ele dissolvido por juízo da Igreja. Contudo, neste ponto às vezes a Igreja erra, porque a perpetuidade da impotência pode não ficar provada suficientemente durante esse lapso de tempo. Por isso, a Igreja, se vir que se enganou, pelo fato de ter o marido, contra quem se articulava esse impedimento, realizado a cópula carnal com outra ou com a sua mulher própria, revalida o matrimônio precedente e dirime o segundo, embora tivesse este sido celebrado com a sua anuência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Embora, o ato da cópula carnal não seja da essência do matrimônio, contudo a capacidade para praticar o é; pois o matrimônio dá a cada um dos, cônjuges poder sobre o corpo do outro, em respeito à cópula carnal.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A demasiada paixão será dificilmente um impedimento perpétuo. Seria porém, julgado tal se verificasse, que por um triênio impediu a cópula carnal. Contudo, é a impotência, de ordinário e mais frequentemente, um impedimento, não somente permitindo a mixtão das matérias seminais, mas também privando do vigor dos membros, que torna possível a união dos corpos. Por isso, no caso vertente, é antes a impotência, que o ardor da concupiscência, que se considera como impedimento, pois, todos os defeitos naturais se reduzem à impotência.
RESPOSTA À TERCEIRA ─ Os velhos, embora não tenham o ardor bastante para engendrar, tem-no contudo suficiente para a conjunção carnal. Por isso, se lhes permite o matrimônio como remédio à concupiscência, embora já não o possam tornar eficiente como função da natureza.
RESPOSTA À QUARTA. ─ É regra universal para todo contrato, que quem não pode pagar uma determinada coisa, não é idôneo para fazer o contrato pelo qual se obriga ao referido pagamento. Ora, de dois modos pode ser inidôneo. ─ Primeiro, por incapaz, de direito, de fazer o pagamento. E então, essa incapacidade de todos os modos torna o contrato nulo, quer o outro paciente saiba dela, quer não. ─ Noutro sentido, a incapacidade resulta de não poder, de fato fazer o pagamento. Então, se o outro paciente o sabia, e contudo fez o contrato, mostrou por aí que buscava com esse contrato outro fim; e portanto é ele válido. Mas, se não o sabia, nulo é o contrato.
Por onde, a impotência, que torna o homem incapaz, de fato do dever conjugal; e a condição de escravo, que o torna incapaz de o cumprir livremente, impedem o matrimônio. quando o outro cônjuge ignora essa incapacidade de cumprir tal dever. Quanto ao impedimento jurídico de cumprir o dever conjugal, como a consangüinidade, anula o casamento contraído, quer o outro conjugue o saiba, quer não, Por isso, o Mestre declara que a impotência e a escravidão tornam as pessoas não absolutamente incapazes de se casar.
RESPOSTA À QUINTA. ─ Não pode ser um impedimento natural perpétuo o que torna um homem impotente em relação a uma mulher e não, a outra. Dado porém que não possa realizar a cópula carnal com uma virgem, mas o possa com uma deflorada, então pode-se apelar para uma intervenção cirúrgica e tornar assim possível o ato conjugal. Nem iria isso contra a natureza, pois se trata de uma enfermidade a curar e não do prazer. Quanto à repugnância por uma determinada mulher, não é uma causa natural de impotência, mas causa acidental extrínseca. Por isso, devemos julgar dela como do malefício, de que mais adiante trataremos.
RESPOSTA À SEXTA. ─ O homem é ativo na geração, e a mulher passiva, Por isso, maior ardência deve ter o homem, que a mulher, na obra da geração. Por onde, a impotência, que torna o homem incapaz de gerar, pode não tornar incapaz a mulher. Mas, a mulher pode sofrer um impedimento de outra causa, a saber, o estreitamento vaginal, Então, devemos julgar desse impedimento como da impotência masculina.