Category: Santo Tomás de Aquino
O primeiro discute-se assim. — Parece que os astros não deviam ser produzidos no quarto dia.
1. — Pois, são corpos naturalmente incorruptíveis. Logo, a matéria deles não pode existir sem as respectivas formas. Ora, essa matéria foi produzida pela obra da criação, antes dos dias. Logo, também as suas formas o foram. Logo, não foram feitas no quarto dia.
2. Demais. — Os astros são uns quasi vasos de luz. Ora, esta foi feita no primeiro dia. Logo, nesse mesmo dia, e não no quarto, também deviam ter sido feitos aqueles.
3. Demais. — Como as plantas estão fixas na terra, assim estão fixos os astros no firmamento; por onde, a Escritura diz que colocou-os no firmamento. Mas, a produção das planta é descrita simultaneamente com a formação da terra, à qual são aderentes. Logo, também a produção dos astros devia ter sido feita, simultaneamente com a do firmamento, no segundo dia.
4. Demais. — O sol, a lua e os outros astros são causa das plantas. Mas, pela ordem natural, a causa precede o efeito. Logo, os astros não deviam ter sido feitos no quarto dia, mas no terceiro, ou antes.
5. Demais. — Muitas estrelas, segundo os astrólogos, são maiores que a lua. Logo, o sol e a lua, somente, não deviam ser considerados como os dois grandes luzeiros.
Mas, em contrário, basta a autoridade da Escritura.
SOLUÇÃO. — Na recapitulação das obras divinas, a Escritura assim diz (Gn 2, 1): Assim foram acabados os céus e a terra, e todo o seu ornato. Nessas palavras pode-se compreender uma tríplice obra: a da criação, pela qual, como se lê, foram produzidos o céu e a terra, mas informes; a da distinção, pela qual o céu e a terra foram aperfeiçoados, quer pelas formas substanciais, atribuídas à matéria totalmente informe, como sente Agostinho, quer quanto à decoração e à ordem convenientes, como dizem os outros Santos Padres. E a estas duas obras se ajunta o ornato, que difere da perfeição. Por onde, a perfeição do céu e da terra diz respeito ao que lhes é intrínseco; porém o ornato, ao que é delas distinto. Assim como o homem, que se aperfeiçoa pelas próprias partes e formas, orna-se, porém, com os vestimento ou coisas semelhantes. Ora, a distinção dos seres por excelência se manifesta no movimento local, que os separa uns dos outros. Por isso, à obra do ornato pertence a produção das coisas que têm movimento, no céu e na terra. Ora, como antes se disse, de três coisas se faz menção, na criação: do céu, da terra e da água. E essas três se formam pela obra da distinção, em três dias: no primeiro dia, o céu; no segundo, separam-se as águas; no terceiro, separa-se, na terra, o mar, da parte enxuta. E semelhantemente, na obra do ornato: no primeiro dia, que é o quarto, são produzidos os astros que se movem no céu, para ornato do mesmo; no segundo, que é o quinto, as aves e os peixes, para ornato do elemento médio, pois se movem no ar e na água, que se consideram idênticos; no terceiro dia, que é o sexto, são produzidos os animais, que se movem na terra, para ornato da mesma.
Mas, importa saber que, na produção dos astros, Agostinho não discorda dos outros Santos Padres. Pois, ensina que os astros foram feitos atual e não só virtualmente; porque o firmamento não tem a virtude produtiva deles, como a terra tem a das plantas. Por onde, a Escritura não diz: — Produza o firmamento astros — como diz: — Produza a terra erva verdejante.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Segundo Agostinho, nenhuma dificuldade oferece esta objeção. Pois, não admitindo a sucessão do tempo, em tais obras, não deve, por consequência dizer que a matéria dos astros estava sujeita a outra forma. Também nenhuma dificuldade há para os que dizem que os corpos celestes, sendo da natureza dos quatro elementos, são formados da matéria preexistente, como os animais e as plantas. Mas os que ensinam serem os corpos celestes de natureza diferente da dos elementos, e incorruptívei por natureza, devem também dizer que a substância dos astros foi criada informe desde o princípio, estando agora formada, não, por certo, pela forma substancial, mas por acrescentamento de uma determinada virtude. E por isso, no princípio, não se faz menção dos astros, senão só no quarto dia, como diz Crisóstomo; para que, assim, se afaste o povo da idolatria, mostrando-se que eles não são deuses, pois não existiam no princípio.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Segundo Agostinho, nenhuma dificuldade resulta desta objeção; pois, a luz de que se fez menção, no primeiro dia, era espiritual e a que agora foi feita, é corporal. Se, porém, se entender que a luz feita no primeiro dia é corporal, deve-se dizer que tal luz foi produzida, segundo a natureza comum da luz; porém, no quarto dia, foi atribuida aos astros uma determinada virtude para determinados efeitos; sendo por isso que vemos o raio do sol ter uns efeitos, e o da lua, outros, e assim por diante. E, por causa dessa determinada virtude, diz Dionísio, que a luz do sol, primeiramente informe, foi formada no quarto dia.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Segundo Ptolomeu, os astros não são fixos nas esferas, mas têm movimento diferente do delas. Por onde, ensina Crisóstomo, não se diz que Deus os colocou no firmamento porque nele estejam fixos, mas porque mandou que aí estivessem; assim como pôs o homem no paraíso, para que nele estivesse. Mas, segundo a opinião de Aristóteles, as estrelas estão fixas nas esferas e só pelo movimento destas se movem. Contudo, a verdade real é que o movimento dos astros é percebido pelos sentidos; não, porém, o das esferas. Mas Moisés, condescendendo com um povo rude, exprimiu-se conforme ao sensivelmente, como já se disse (q. 68, a. 3). A objeção cessa, porém, se houver outro firmamento, que os sentidos, aos quais como se disse , se atém Moisés, não distinguem, e que seja diferente, por natureza, do em que estão postos os astros. Pois, o firmamento, feito no segundo dia, quanto à parte inferior, só recebeu os astros, no quarto dia, quanto à parte superior; de modo que, conforme o que aparece aos sentidos, toma-se o todo pela parte.
RESPOSTA À QUARTA. — Como diz Basílio, coloca-se a produção das plantas antes da dos astros, para excluir a idolatria. Pois, os que crêem serem os astros deuses, dizem que as plantas tiram deles a sua origem primordial; embora, como diz Crisóstomo, assim os astros, com os seus movimentos, cooperem para a produção das plantas, como o agricultor.
RESPOSTA À QUINTA. — Segundo Crisóstomo, chamam-se dois grandes luzeiros, não tanto pelo tamanho, como pela eficácia e pela virtude; pois, embora as outras estrelas sejam maiores, em tamanho que a lua, contudo os efeitos desta se fazem mais sentir nos seres do nosso mundo; demais, ela aparece maior aos sentidos.
Em seguida, devemos tratar da obra do ornato. E, primeiro, de cada um dos dias, em si. Segundo, de todos os seis dias, em comum.
Quanto ao primeiro ponto, devemos tratar da obra do quarto dia. Segundo, da do quinto. Terceiro, da do sexto. Quarto, do concernente ao sétimo dia.
Sobre o primeiro ponto, três artigos se discutem:
O segundo discute-se assim. – Parece que não se lê com conveniência que a produção das plantas foi feita no terceiro dia.
1. – Pois as plantas, como os animais, têm vida. Ora, a produção dos animais não se coloca entre as obras da distinção, mas pertence à obra do ornato. Logo, nem a produção das plantas devia se comemorar no terceiro dia, que pertence à obra da distinção.
2. Demais. – O que implica a maldição da terra não devia ser comemorado com a formação da mesma. Ora, a produção de certas plantas implica a maldição da terra, segundo a Escritura (Gn 3, 17-18): A terra será maldita na tua obra... ela te produzirá espinhos e abrolhos. Logo, não devia, universalmente, ser comemorada no terceiro dia, que é o da formação da terra.
3. Demais. – Como as plantas, também as pedras e os minerais aderem à terra; e todavia deles não se faz menção, na formação desta. Logo, nem as plantas deviam ter sido feitas no terceiro dia.
Mas, em contrário, diz a Escritura (Gn 1, 12): E produziu a terra erva verde; e, em seguida, se acrescenta: E da tarde e da manhã se fez o dia terceiro.
SOLUÇÃO. – Como antes se disse, no terceiro dia foi removida a informidade da terra. Ora, descreve-se-lhe uma dupla informidade: uma, porque a terra era invisível, ou informe, por estar coberta das águas; a outra, porque estava desordenada, ou vazia, i. é, sem o devido decoro, adveniente das plantas que de certo modo a vestem. Assim, uma e outra informidade se lhe removeu nesse terceiro dia; a primeira, porque as águas, ajuntem-se num só lugar, e apareça o elemento árido; a segunda, porque a terra produziu erva verde.
Contudo, sobre a produção das plantas, Agostinho opina diferentemente dos outros expositores. Estes dizem, que as plantas foram produzidas, no terceiro dia, com as suas espécies atuais, conforme o sentido superficial do texto. Porém, opina Agostinho, diz-se que, então, a terra produziu a erva e as árvores, casualmente, i. é, recebeu a virtude de produzir. E ele o confirma com a autoridade da Escritura, dizendo (Gn 2, 4-5): Tal foi a origem do céu e da terra, quando foram criados, no dia em que o Senhor Deus fez o céu e a terra e toda a planta do campo antes que nascesse na terra e toda a erva da campina antes que germinasse. Logo, antes de nascerem na terra, nela se fizeram como na sua causa. E isto também se confirma pela razão. Porque, naqueles primeiros dias, Deus criou a criatura, originária ou causalmente; e descansou em seguida, porque desde então até agora ele opera, no governo das coisas criadas, pela obra da propagação. Ora, produzir da terra, as plantas, pertence à essa obra. Por onde, no terceiro dia, não foram produzidas as plantas atual, senão causalmente.
Embora, segundo outros, possa-se dizer, que a primeira instituição das espécies pertence às obras dos seis dias. Mas, o proceder, das espécies primeiro instituídas, a geração de seres especificamente semelhantes, já isso pertence ao governo das coisas. E é o que diz a Escritura: Antes que nascesse na terra, ou antes que germinasse, i. é, antes que os semelhantes fossem produzidos dos semelhantes, como vemos agora realizar-se naturalmente, por via de seminação. Donde o dizer a Escritura sinaladamente: Produza a terra erva verde, e que dê semente; pois, foram produzidas espécies perfeitas de plantas, das quais nasceriam as sementes de outras. Nem importa onde tenham a força seminal, se na raiz, no tronco ou no fruto.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A vida, nas plantas, é oculta, pois carecem do movimento local e dos sentidos, que distinguem, por excelência, o animado do inanimado. Por isso as plantas, aderindo imovelmente à terra, considera-se-lhe a produção uma como formação da terra.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Mesmo antes dessa maldição, os espinhos e os abrolhos foram produzidos, virtual ou atualmente, embora não o fossem para pena do homem; como se, p. ex., a terra, cultivada para dar-lhe alimento, germinasse em certas plantas infrutíferas e nocivas; por isso foi dito: Ela te produzirá.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Moisés só propôs aquelas coisas que manifestamente aparecem, como já se disse (q. 67, a. 4). Ora, os corpos minerais têm a geração oculta nas vísceras da terra; e, demais, desta não têm distinção manifesta, sendo, antes, considerados como espécies de terra. E por isso, não fez menção deles.
Em seguida devemos tratar do que o Verbo de Deus consumiu, ao assumir a natureza humana. E primeiro do que respeita à perfeição. Segundo, do que respeita aos defeitos.
No primeiro ponto consideram-se três outros. Primeiro, da graça de Cristo. Segundo, da sua ciência. Terceiro, do seu poder.
Quanto à graça de Cristo dá ela lugar a duas considerações. Primeiro, da sua graça enquanto um homem particular. Segundo, da sua graça enquanto Chefe da Igreja. Pois, da graça da união já tratamos.
Na primeira questão discutem-se treze artigos:
Em seguida devemos tratar da ordem da referida assunção.
E nesta questão discutem-se seis artigos:
Em seguida devemos tratar da assunção das partes da natureza humana.
E nesta questão discutem-se quatro artigos:
Em seguida devemos tratar da união relativamente ao assumido.
E nesta parte, devemos primeiro tratar do que foi assumido pelo Verbo de Deus. Segundo, das coisas coassumidas, que são as perfeições e os defeitos.
Ora, o Verbo de Deus assumiu a natureza humana e as suas partes. Por isso, sobre esse primeiro assunto, ocorre uma tríplice consideração. A primeira, relativa à natureza humana em si mesma. A segunda é relativa às suas partes. A terceira, à ordem da assunção.
Na primeira questão discutem-se seis artigos:
Em seguida devemos tratar da união relativamente à pessoa que assumiu.
E nesta questão discutem-se oito artigos:
Em seguida devemos tratar do modo da união do Verbo encarnado. E primeiro, quanto à união mesma. Segundo, quanto à pessoa que assumiu Terceiro, quanto à natureza assumida.
Na segunda questão discutem-se doze artigos:
No primeiro ponto três questões devem ser tratadas. A primeira, sobre a conveniência da Encarnação de Cristo. A segunda, do modo de união do Verbo encarnado. A terceira, dos resultados dessa união.
Na primeira questão discutem-se seis artigos: