Depois de termos tratado da união de Deus e do homem e do que resulta dessa união, resta tratarmos do que fez ou sofreu o Filho de Deus encarnado na natureza humana a que se uniu. Cujo tratado é quadripartido. Assim, primeiro, consideraremos o pertinente ao seu ingresso no mundo. Segundo, o pertinente ao desenrolar-se da sua vida neste mundo. Terceiro, a sua partida deste mundo. Quarto, do relativo à sua exaltação, depois desta vida.
No primeiro tratado, quatro pontos devem ser considerados. Primeiro, a concepção de Cristo. Segundo, a sua natividade. Terceiro, a sua circuncisão. Quarto, o seu batismo. Sobre a sua concepção, devemos, primeiro, tratar de certos pontos relativos à conceição de sua mãe. Segundo, do modo da conceição. Terceiro, da perfeição do filho concebido. Quanto à mãe, quatro questões se oferecem ao nosso exame. Primeiro, a sua santificação. Segundo, a sua virgindade. Terceiro, os seus desposórios. Quarto, a sua anunciação. Quinto, a sua preparação para conceber.
Na primeira questão discutem-se seis artigos:
O quarto discute-se assim. — Parece que Deus mais principalmente se encarnou para remédio dos pecados atuais do que para remédio do pecado original.
1. — Pois, quanto mais grave é um pecado tanto mais se opõe à salvação humana, por causa da qual Deus se incarnou. Ora, o pecado atual é mais grave que o original; pois, o pecado original merece uma pena mínima, como diz Agostinho. Logo, mais principalmente a Encarnação de Cristo se ordena a delir os pecados atuais.
2. Demais. — O pecado original não merece a pena do sentido, mas só a do dano, como se demonstrou na Segunda Parte da Primeira Parte (Ia. IIae, q. 87, a. 5 arg. 2). Ora, Cristo veio para, em satisfação dos pecados sofrer na cruz a pena dos sentidos, mas não, a do dano, porque não careceu nunca da divina visão nem da divina fruição. Logo, mais principalmente veio para delir o pecado atual, que o original.
3. Demais. — Crisóstomo diz: É disposição de um servo fiel reputar por prestados como que só a si os benefícios do seu Senhor, feitos quase geralmente a todos. Pois, como que de si só falando, Paulo escreve assim (Gl 2, 20): Amou-me e se entregou a si mesmo por mim. Ora, os pecados propriamente nossos são os atuais, pois o original é um pecado comum. Logo, devemos ter uma disposição tal, que julguemos ter ele vindo principalmente por causa dos pecados atuais.
Mas, em contrário, o Evangelho diz (Jo 1, 29): Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Expondo o que diz, a Glosa: Pecado do mundo se chama o pecado original, comum a todo o mundo.
SOLUÇÃO. — É certo ter vindo Cristo a este mundo não só para delir o pecado transmitido originalmente aos pósteros, mas também para delir todos os pecados que depois se lhe acrescentaram. Não que todos sejam delidos, pois o impede a culpa dos homens que não inerem a Cristo, segundo aquilo do Evangelho (Jo 3, 19): A luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas que a luz; mas porque ele fez o suficiente para delir a todos. Donde o dizer o Apóstolo (Rom 5, 16): Não foi assim o dom como o pecado; porque o juízo na verdade se originou de um pecado para condenação, mas a graça padeceu de muitos delitos para justificação.
Mas, tanto mais principalmente Cristo veio para delir um pecado, quanto maior ele é. Ora, a noção de maior é susceptível de dupla acepção. — Numa, intensivamente; assim, tanto maior é a brancura quanto mais intensa. E deste modo, maior é o pecado atual que o original, porque é mais essencialmente voluntário, como se demonstrou na Segunda Parte. — Noutra, diz-se maior o que o é extensivamente; assim, dizemos maior a brancura que cobre uma superfície maior. E, deste modo, o pecado original, que contaminou todo o gênero humano, é maior que qualquer pecado atual próprio de uma pessoa particular. E, sendo assim, Cristo veio mais principalmente para tirar o pecado original, pois, o bem do povo é mais divino que o de um só, como diz Aristóteles.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe quanto à grandeza intensiva do pecado.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O pecado original, na retribuição futura, não merece a pena do sentido. Contudo, as penalidades que sofremos sensivelmente nesta vida, como a fome, a sede, a morte e outras semelhantes, procedem do pecado original. Por isso Cristo, para satisfazer plenamente pelo pecado original, quis sofrer a dor sensível, consumando em si mesmo a morte e outros sofrimentos semelhantes.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como Crisóstomo induz no mesmo lugar, o Apóstolo dizia as referidas palavras, não como querendo diminuir os dons amplíssimos de Cristo e derramados pela universa terra; mas como se julgando exposto ele só por todos. Pois que importa, se fez também aos outros o que, feito a ti, é de tal modo íntegro e perfeito como se não fosse feito a nenhum outro? Por onde, pelo fato, de dever alguém reputar por feitos a si os benefícios de Cristo, não deve julgar que não foram feitos para os outros. O que portanto não exclui que viesse mais principalmente abolir o pecado de toda a natureza do que o pecado de uma só pessoa. Mas, esse pecado comum foi de tal modo remediado, em cada um, como se só nele o fosse, E assim, por causa da união da caridade, o todo que foi distribuído a todos cada um deve se atribuir a si.