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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 — Se o Filho de Deus assumiu a alma mediante o espírito.

O segundo discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus não assumiu a alma mediante o espírito.

1. — Pois, uma mesma coisa não pode ser meio entre ela própria e outra. Ora, o espírito ou o entendimento não difere, na essência, da alma em si mesma, como se estabeleceu na Primeira Parte. Logo, o Filho de Deus não assumiu a alma, mediante o espírito ou entendimento.

2. Demais. — O que se fez mediante a assunção parece ser o mais apto para ela. Ora, o espírito ou mente não é mais apto para ser assumido, que a alma; o que claramente resulta de não serem assumíveis os espíritos angélicos, como se disse. Logo, parece que o Filho de Deus não assumiu a alma mediante o espírito.

3. Demais. — Na assunção, ao primeiro princípio se une o elemento posterior mediante intermediário, que tem prioridade sobre este. Ora, a alma designa a essência em si mesma, naturalmente com prioridade sobre a sua potência, que é o entendimento. Logo, parece que o Filho de Deus não assumiu a alma mediante o espírito ou entendimento.

Mas, em contrário, diz Agostinho: A invisível e incomutável verdade recebeu a alma, pelo espírito, e, pela alma, o corpo.

SOLUÇÃO. — Como se estabeleceu, dizemos que o Verbo de Deus assumiu a carne mediante a alma, quer quanto à ordem da dignidade, quer também quanto à conveniência da assunção. Ora, uma e outra coisa encontraremos, se compararmos o intelecto, que se chama espírito, com as outras partes da alma. Pois, a alma não é assumível, por conveniência, senão por ser capaz de Deus, tendo a sua existência à imagem dele. O que é segundo o entendimento, que é chamado espírito, conforme àquilo do Apóstolo: Renovai-vos no espírito do vosso entendimento. Semelhantemente, também o intelecto, entre as outras partes da alma, é superior, mais digno e mais semelhante a Deus. Por onde, como diz Damasceno, uniu-se à carne por meio do intelecto o Verbo de Deus. Ora, o intelecto é o que. a alma tem de mais puro; mas também Deus é inteligência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora o intelecto não difira da alma pela essência, distingue-se porém das outras partes da alma, em virtude da potência. E por aí, compete-lhe o papel de meio.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Ao espírito angélico não lhe falece a conveniência para ser assumido, por falta de dignidade, mas pela irreparabilidade da queda. O que não pode ser dito do espírito humano, como se colige do que foi estabelecido na Primeira Parte.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A alma, entre a qual e o Verbo de Deus é meio o intelecto, não é tomada pela sua essência, que é comum a todas as potências; mas o é pelas potências inferiores, que são comuns a todas as almas.

Art. 1 — Se o Filho de Deus assumiu a carne mediante a alma.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus não assumiu a carne mediante a alma.

1. — Pois, mais perfeito é o modo pelo qual o Filho de Deus está unido à natureza humana e às suas partes, do que o pelo qual está em todas as criaturas. Ora, nas criaturas está imediatamente pela essência, pela potência e pela presença. Logo, com maior razão, o Filho de Deus está imediatamente unido à carne, e não mediante a alma.

2. Demais. — A alma e a carne estão unidas ao Verbo de Deus na unidade da hipóstase ou da pessoa. Ora, o corpo pertence imediatamente à pessoa ou à hipóstase do homem, como a alma; antes até, parece mais intimamente pertencente à hipóstase do homem o corpo, enquanto matéria, que a alma, enquanto forma; pois, o princípio de individuação, compreendido na denominação de hipóstase é a matéria. Logo, o Filho de Deus não assumiu a carne mediante a alma.

3. Demais. — Removido o meio, removido fica tudo o que por ele está unido; assim, removida a superfície, desapareceria a cor do corpo, que nele existe mediante a superfície: Ora, separada pela morte a alma, ainda permanece a união do Verbo com a carne, como a seguir se dirá. Logo, o Verbo não está unido à carne mediante a alma.

Mas, em contrário, diz Agostinho: O poder divino, que é imenso, uniu-se uma alma racional e, por ela, o corpo humano e o homem todo inteiro, para mudá-lo tornando-o melhor.

SOLUÇÃO. — O meio é assim chamado por implicar relação com o princípio e com o fim. Por onde, assim como o princípio e o fim implicam uma certa ordem, assim também o meio. Ora, há uma dupla ordem, a do tempo e a da natureza. Assim, na ordem do tempo, não se diz que há nenhum meio, no mistério da Encarnação, porque o Verbo de Deus uniu a si, simultânea e totalmente, a natureza humana, como a seguir se dirá. Quanto à ordem da natureza entre certos seres, podemos considerá-la a dupla luz. Primeiro, conforme o grau de dignidade; assim dizemos que anjos são médios entre os homens e Deus. Segundo, conforme a razão da causalidade; assim dizemos que existe uma causa média entre a primeira causa e o último efeito. E esta segunda ordem de certo modo é consequente à primeira; assim, como diz Dionísio, Deus age, pelas substâncias que lhe são mais chegadas, sobre as que dele estão mais afastadas. Se, pois, atendemos ao grau de dignidade neste último sentido, a alma é um termo médio entre Deus e a carne. E então podemos dizer, que o Filho de Deus uniu a si a carne, mediante a alma. Mas, também na ordem de causalidade, a alma é de certo modo a causa de a carne ter-se unido ao Filho de Deus. Pois, não poderia ser assumida, senão pela ordem que tem para com a alma racional da qual lhe resulta o ser carne humana. Pois, como dissemos acima, à natureza humana convinha, mais que a todas as outras, ser assumida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Podemos considerar uma dupla ordem entre a criatura e Deus. Uma, segunda a qual as criaturas são causadas por Deus, e dele dependem como do princípio do qual têm o ser. E então, pela infinidade do seu poder, Deus atinge imediatamente qualquer ser, pelo causar e conservar. Donde vem, que Deus está imediatamente em todos pela sua essência, presença e potência. Outra ordem é a em virtude da qual as coisas se reduzem a Deus como ao fim. E, então, há um meio entre a criatura e Deus; pois, as criaturas inferiores se reduzem a Deus por meio das superiores, como diz Dionísio. E a essa ordem pertence a assunção da natureza humana pelo Verbo de Deus, que é o termo da assunção. E portanto, pela alma se une a carne.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Se a hipóstase do Verbo de Deus fosse constituída simplesmente pela natureza humana, resultaria o tocar o corpo de mais perto a essa hipóstase, por ser matéria, que é o princípio da individuação; assim como a alma, que é a forma específica, toca de mais perto à natureza humana. Ora, como a hipóstase do Verbo é anterior e mais elevada, relativamente à natureza humana, tanto mais chegado lhe será o que, em a natureza humana, mais elevado for. Por onde, mais de perto lhe toca ao Verbo de Deus a alma que o corpo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Nada impede, que uma coisa, sendo causa de outra, quanto à aptidão e à conveniência, o efeito continue a existir, mesmo quando a causa for suprimida. Pois, embora a produção de uma coisa dependa de outra, contudo, quando esta última for existente, já não depende daquela. Assim, se a amizade entre duas pessoas for causada por uma terceira, ela permanece embora essa terceira desapareça. E assim também, se uma mulher foi tomada em casamento por causa de sua beleza, qualidade da mulher que facilita a união conjugal, contudo, desaparecida essa beleza, perdurará a união conjugal. E semelhantemente, separada a alma, subsiste a união do Verbo de Deus com a carne.

Art. 4 — Se o Filho de Deus assumiu o entendimento humano ou intelecto.

O quarto discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus não assumiu o entendimento humano ou intelecto.

1 Onde uma coisa está presente, nenhuma necessidade há da sua imagem. Ora, o homem, pela inteligência, é a imagem de Deus, como diz Agostinho. E portanto, como em Cristo estava presente o Verbo divino, não era necessário nele também o estivesse o intelecto humano.

2. Demais. — A luz maior ofusca a menor. Ora, o Verbo de Deus, a luz que alumia todo o homem que vem a este mundo, como diz o Evangelho, está para a nossa inteligência, como a luz maior para a menor; pois, também a inteligência é uma luz, quase uma lucerna iluminada pela luz primeira, no dizer a Escritura. O espiráculo do homem é uma lucerna do Senhor. Logo, em Cristo, que é o Verbo de Deus, não havia necessidade de existir a inteligência humana.

3. Demais. — A assunção da natureza humana pelo Verbo de Deus chama-se a sua Encarnação. Ora, o intelecto ou entendimento humano nem é carne nem ato da carne, porque não é ato de nenhum corpo, como .o prova Aristóteles. Logo, parece que o Filho de Deus não assumiu o entendimento humano.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Crê firmissimamente e de nenhum modo duvides, que Cristo, Filho de Deus, tem verdadeiramente a carne da nossa raça e uma alma racional. E da sua carne disse ele próprio: Apalpei e vede; que um espírito não tem carne nem osso como vós vedes que eu tenho. E também mostra que tem uma alma, quando diz: Eu ponho a minha vida para outra vez a assumir. E ainda mostra que tem o intelecto da alma, ao dizer: Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração. Enfim, o Senhor diz de. si mesmo, pelo Profeta: Eis aí está que o meu servo terá inteligência.

SOLUÇÃO. — Agostinho diz: Os Apolinaristas dissentiam da Igreja Católica, no tocante à alma de Cristo, ensinando como os Arianos, que Cristo assumiu só a carne sem a alma. Mas nessa questão, vencidos pelo testemunho do Evangelho, disseram que o lugar da inteligência humana, que não existia na alma de Cristo, ocupou-o o próprio Verbo.

Mas, essa doutrina, como a referida antes, se refuta pelas mesmas razões. Pois, primeiro, contraria à narração Evangélica. quando refere que ele se admirava. Ora, a admiração não pode existir sem a razão, porque implica na relação do efeito com a causa, isto é, porque a alma, vendo um efeito cuja causa ignora, busca-lhe a causa, como diz Aristóteles. Segundo, repugna à utilidade da Encarnação, que é a justificação do homem pecador. Pois, a alma humana não é capaz de pecado, nem da graça justificante, senão pelo intelecto. Por isso e principalmente era necessário que o entendimento humano fosse assumido. Donde o dizer Damasceno, que o Verbo de Deus assumiu o corpo e a alma intelectual e racional. E depois acrescenta: O todo foi unido ao todo para que a mim me gratificasse totalmente com a salvação isto é, me desse graça santificante; pois, o que não pode ser assumido é incurável. Terceiro, repugna à Verdade da Encarnação. Pois, proporcionando-se o corpo à alma, como a matéria à sua forma própria, não é verdadeiramente carne humana a que não é aperfeiçoada pela alma humana, isto é, racional. Por onde, se Cristo tivesse a alma, sem a inteligência, não teria verdadeiramente a carne humana, mas uma carne animal; porque só pela inteligência difere a nossa alma da alma do animal. Donde o dizer Agostinho; que desse erro resultaria ter o Filho de Deus assumido um animal irracional com a figura do corpo humano. O que, de novo repugna à verdade divina, que não se compadece com a falsidade de nenhuma ficção.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Onde uma coisa está realmente presente não há necessidade da sua imagem para se colocar em lugar ela coisa, Assim, onde está o imperador os soldados não lhe irão venerar a imagem. Contudo, é necessário coexistir com a presença da coisa a sua imagem, para completar-se com essa presença mesma Assim, uma imagem na cera se completa pela impressão do sê-lo; e a imagem do homem se reflete no espelho pela presença dele. Por onde, para a perfeição do entendimento humano foi necessário que o Verbo de Deus o unisse a si.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Uma luz maior inutiliza a menor, de outro corpo luminoso; mas longe de inutilizá-la aperfeiçoa a luz do corpo iluminado. Assim, a presença do sol obscurece a luz das estrelas ; mas, aumenta a do ar. Ora, o intelecto ou o entendimento do homem é quase uma luz iluminada pela do Verbo divino. Por onde, a luz do divino Verbo não inutiliza o entendimento humano, mas antes, a completa.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora a potência intelectiva não seja ato de nenhum corpo. contudo, a essência mesma da alma humana, que é a forma do corpo, há de ser mais nobre para ter o poder de inteligir. Por onde, é necessário lhe corresponda um corpo melhor disposto.

Art. 3 — Se o Filho de Deus assumiu a alma.

O terceiro discute-se assim. Parece que o Filho de Deus não assumiu a alma.

1. — Pois, João expondo o mistério da Encarnação, disse: o Verbo se fez carne, sem fazer menção nenhuma da alma, Ora, não diz que se fez carne porque nela se tivesse convertido, mas pela ter assumido. Logo, parece que não assumiu a alma.

2. Demais. - A alma é necessária ao corpo para ser vivificado por ela. Ora, para isso não era necessária ao corpo de Cristo como parece; pois é do próprio Verbo de Deus que diz a Escritura: Senhor, em ti está a fonte da vida. Logo, era supérflua a presença da alma onde estava a do Verbo. Mas, Deus e a natureza nada fazem em vão, como também o diz o Filósofo. Logo, parece que o Filho de Deus não assumiu a alma.

3. Demais. — Da união da alma e do corpo constitui-se uma natureza comum, que é a espécie humana. Ora, em Nosso Senhor Jesus Cristo não podemos admitir uma espécie. comum, como diz Damasceno. Logo, não assumiu a alma.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Não ouçamos aqueles que dizem ter sido só o corpo humano o assumido pelo Verbo de Deus; esses ouvem o que foi dito - O Verbo se fez carne - para negarem que esse homem tivesse a alma ou qualquer outra causa humana, além só da carne.

SOLUÇÃO. Como diz Agostinho, foi primeiro opinião de Ário, e depois, de Apolinário; que o Filho de Deus assumiu , só a carne, sem a alma, e ensinavam que o Verbo estava unido a carne, como se lhe fosse a alma. Donde resultava que em Cristo não existiam duas naturezas, mas uma só; pois, da alma e da carne constitui-se uma só natureza.

Mas esta opinião não pode subsistir, por três razões.

Primeiro, porque repugna à autoridade da Escritura, na qual o Senhor faz menção da sua alma. Assim, dizem o Evangelhos: A minha alma está numa tristeza mortal e: Tenho o poder de pôr a minha alma Mas a isto respondia Apolinário que, nessas palavras, a alma é tomada metaforicamente; assim, desse modo é que o Antigo Testamento se refere à alma, quando diz: A minha alma aborrece as vossas calendas e as vossas solenidades. - Mas, como diz Agostinho, os Evangelistas nas narrações dos Evangelhos narram que Jesus se admirou, que se encolerizou que se contristou e teve fome. E isso tudo demonstra que tinha verdadeiramente uma alma; assim como os fatos de comer, de dormir, de fatigar-se demonstram que tinha verdadeiramente um corpo humano. Do contrário, se fossem essas expressões metafóricas, como lemos coisas semelhantes no Antigo Testamento, de Deus, desapareceria a fé da narração Evangélica. Pois, é uma coisa a anunciação profética figurada; e outra o que, com propriedade real, constitui a narração histórica dos Evangelistas.

Segundo, o referido erro contraria à utilidade da Encarnação, que é a libertação do homem. Eis como a esse respeito argumenta Agostinho: Por que, tendo assumido a carne, o Filho de Deus deixou de assumir a alma? Era talvez ou porque, considerando-a inocente, pensou não ter ela necessidade de remédio; ou tendo-a como estranha a si, não a gratificou com o benefício da redenção; ou renunciou a curá-la julgando-a de todo incurável; ou enfim porque a rejeitou como um ser vil e totalmente inútil. Ora, duas dessas hipóteses implicam uma blasfêmia contra Deus; pois, como ser chamado onipotente se não pôde curar uma alma, de que desesperava? Ou como é o Deus de todos, se não foi ele mesmo que criou a nossa alma? Das duas outras, uma desconhece a causa da alma, a outra não lhe leva em conta o mérito. Pois, podemos crer que conheça a causa da alma quem pretende eximi-la do pecado de uma transgressão voluntária, embora tenha sido preparada pelo hábito incluso da razão natural a receber a lei? Ou como teria a ideia da sua nobreza, quem a representa como desprezível pela sua vileza? Se lhe atenderes à origem, a alma é a mais preciosa das duas substâncias; se à culpa da transgressão, a sua causa é a pior, dada a sua inteligência. Ora, eu de um lado conheço a perfeita sabedoria de Cristo e, de outro, não duvido que seja misericordiosíssimo. A primeira dessas perfeições impediu-o de desdenhar a melhor substância, a que é capaz de sabedoria; a segunda, a unir-se à que tinha sido mais profundamente ferida.

Em terceiro lugar, essa opinião é contrária à verdade mesma da Encarnação. Pois, a carne e as outras partes do homem se especificam pela alma. Por onde, ausentando-se a alma, já não há ossos nem carne senão equivocamente, como está claro no Filósofo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Quando o Evangelho diz  O Verbo se fez carne  carne significa todo o homem, como se dissesse: O Verbo se fez homem, no sentido em que diz a Escritura: Toda a carne verá a salvação do nosso Deus. E todo o homem é significado pela carne, porque, como diz o passo aduzido, pela carne o Filho de Deus manifestou-se visivelmente, sendo por isso que o texto acrescenta: E vimos a sua glória. Ou então porque, como diz Agostinho, em toda a unidade dessa assunção o principal é o Verbo; a carne vem em extremo e último lugar. Querendo, pois, o Evangelista mostrar-nos até que ponto foi Deus, na abjecção da humildade, por amor de nós, referiu-se ao Verbo e à carne, deixando de parte a alma, inferior, de um lado, ao Verbo e, de outro, superior à carne. E também era racional que designasse a carne que, por distar mais do Verbo, parecia menos digna de ser assumida.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O Verbo é a fonte da vida, como a primeira causa efetiva dela. Mas, a alma é o princípio da vida do corpo, como forma dele. Ora, a forma é o efeito de um agente. Por onde, da presença do Verbo poderíamos antes concluir que o corpo era animado, assim como o poderíamos, da presença do fogo, que é quente o corpo que ele atingiu.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não é inconveniente, mas antes, necessário dizer-se que Cristo tinha uma natureza constituída pela alma que veio unir-se ao corpo. Mas Damasceno nega haja em Nosso Senhor Jesus Cristo uma espécie comum, como um terceiro ser resultante da união da divindade à humanidade.

Art. 2 — Se Cristo tinha um corpo carnal ou terrestre ou celeste.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não tinha um corpo carnal nem terrestre nem celeste.

1. — Pois, diz o Apóstolo: O primeiro homem, formado da terra é terreno; o segundo homem, do céu, celestial. Ora, Adão, o primeiro homem, era de terra, quanto ao corpo, como se lê na Escritura. Logo, também Cristo, o segundo homem, era do céu, pelo corpo.

2. Demais. — O Apóstolo diz: A carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus. Ora, o reino de Deus está principalmente em Cristo, Logo, ele não tem carne, nem sangue mas é, antes, um corpo celeste.

3. Demais. — Tudo o que é ótimo devemos atribuir a Deus. Ora, dentre todos os corpos o nobilíssimo é o corpo celeste. Logo, tal corpo é o que Cristo devia assumir,

Mas, em contrário, diz o Senhor: Um espírito não tem carne nem ossos, como vós vedes que eu tenho. Ora, a carne e os ossos não são compostos de matéria do corpo celeste, mas dos elementos inferiores. Logo, o corpo de Cristo não foi um corpo celeste, mas carnal e terreno.

SOLUÇÃO. — Pelas mesmas razões pelas quais demonstramos que o corpo de Cristo não devia ser um corpo ficto, resulta que também não devia ser celeste. Pois, primeiro, porque assim como a natureza verdadeiramente humana não existiria em Cristo, se o seu corpo fosse ficto como ensinavam os Maniqueus, assim também não o seria se o seu corpo fosse celeste, como ensinava Valentino. Ora, sendo a forma do homem uma realidade natural, exige uma determinada matéria a saber, carnes e ossos, que é mister introduzir na definição do homem, como está claro no Filósofo. Segundo, porque também contrariaria a verdade do que Cristo fez, na sua vida corpórea. Pois, sendo o corpo celeste impassível e incorruptível, como o prova Aristóteles, se o Filho de Deus tivesse assumido um corpo celeste, não teria tido verdadeiramente fome, nem sede, nem teria sofrido a paixão e a morte. Terceiro, também contrariaria à verdade divina. Pois, o Filho de Deus, tendo se manifestado aos homens com um corpo de carne e terrestre, teria se manifestado falsamente, se tivesse um corpo celeste. Por isso; foi dito: Nasceu o Filho de Deus, recebendo a carne do corpo de uma virgem, e não trazendo-a do Céu consigo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — De dois modos dizemos que Cristo desceu do céu. Primeiro, em razão da natureza divina; não que a natureza divina deixasse por isso de estar no céu, mas porque começou a existir de uma nova maneira no mundo inferior, isto é, segundo a natureza assumida, conforme aquilo do Evangelho: Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, a saber, o Filho do homem, que. está no céu. de outro modo, em razão do corpo; não porque o corpo mesmo de Cristo, na sua substância, descesse do céu; mas porque o seu corpo foi formado por virtude celeste, isto é, do Espírito Santo. Donde o dizer Agostinho, expondo a autoridade citada:digo que Cristo é celeste, pai não ter sido concebido do ser humano. E nesse sentido também o expõe Hilário.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Carne e sangue não se tomam, no lugar citado, pela substância da carne e do sangue, mas pela corrupção da carne e do sangue. O que não existiu em Cristo por causa de nenhuma culpa. Mas existiu temporalmente, quanto à pena, para que cumprisse a obra da redenção.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Isso mesmo de um corpo enfermo e terrestre ter sido elevado a tanta sublimidade, manifesta a grande glória de Deus. Por isso, no Sínodo Efesino se leem as palavras de Santo Teófilo que dizem: Assim como não admiramos os melhores artistas somente quando exibem a sua arte em matérias preciosas, mas fazemos deles uma opinião muito mais elevada quando, no mais das vezes, tomam de um barro vil e da terra em dissolução, para mostrarem a sua capacidade; assim também o Verbo, o melhor artífice de todos, não escolheu, para descer até nós, a matéria preciosa de nenhum corpo celeste, mas nas fez ver a perfeição da sua arte exercendo-a no barro.

Art. 1 — Se o Filho de Deus assumiu um verdadeiro corpo.

O primeiro discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus não assumiu um verdadeiro corpo.

1. — Pois, diz o Apóstolo, que ele, se fez semelhante aos homens. Ora, o que verdadeiramente existe não existe por semelhança. Logo, o Filho de Deus não assumiu um verdadeiro corpo.

2. Demais. — A assunção do corpo em nada contrariava à dignidade da divindade; assim, como diz Leão Papa, nem a glorificação destruiu a natureza inferior, nem a assunção diminuiu a superior. Ora, a dignidade de Deus exige que seja totalmente separado do corpo. Logo, parece que, pela assunção, Deus não: se uniu a um corpo.

3. Demais. — Os sinais devem responder aos assinalados. Ora, as aparições do Antigo Testamento, que foram os sinais e as figuras da aparição de Cristo, não eram realmente de natureza corpórea, mas construíam visões imaginárias, como o adverte a Escritura: Vi ao Senhor assentado, etc. Logo, parece que também a aparição do Filho de Deus no mundo não foi a de um corpo real, mas só em figura.

Mas, em contrario, diz Agostinho, se o corpo de Cristo foi um fantasma, Cristo enganou; e se enganou, não é a verdade. Ora, Cristo é a verdade. Logo, fantasma não foi o seu corpo. E assim, é claro que assumiu um verdadeiro corpo.

SOLUÇÃO. — Como foi dito, o Filho de Deus não nasceu patativamente, quase com um corpo figurado, mas, com um verdadeiro corpo. E disto podemos dar três razões. — A primeira é deduzida da natureza humana, à qual é próprio ter um corpo. Suposto, pois, pelo que já dissemos, que era conveniente o Filho de Deus assumir a natureza humana, resulta, como consequência, que teve um verdadeiro corpo. — A segunda razão pode ser deduzida do que se realizou no mistério da Encarnação. Pois, se o corpo de Cristo não era real mas fantástico, também consequentemente não padeceu uma verdadeira morte, nem nada do que dele narram os Evangelistas realmente o praticou, mas só na aparência. Donde também resultaria que não operou a verdadeira salvação do gênero humano, pois, há de o efeito proporcionar-se à causa. — A terceira razão pode ser concluída da dignidade mesma da Pessoa assumente, a qual, sendo a verdade, não lhe era decente existir qualquer ficção na sua obra. Por isso, o próprio Senhor se dignou excluir esse erro. quando os discípulos, conturbados e aterrados, julgavam ver um espírito e não um corpo verdadeiro. Por isso, ofereceu-se lhes a que o apalpassem, dizendo: Apalpai e vede, que um espírito não tem carne nem ossos, como vós vedes que eu tenho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A referida semelhança exprime a verdade da natureza humana em Cristo, ao modo pelo qual todos os que têm verdadeiramente a natureza humana se consideram semelhantes, pela espécie. Mas não se entende por ela uma semelhança fantástica. E para evidenciá-lo o Apóstolo acrescenta — Feito obediente até à morte e morte de cruz, o que não poderia ser, se a semelhança fosse somente em imagem.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Pelo fato do Filho de Deus ter assumido um corpo real em nada se lhe diminuiu a dignidade. Por isso diz Agostinho: Abateu-se a si mesmo, tomando a forma de servo, para que se tornasse servo; mas não perdeu a plenitude da forma de Deus. Pois o Filho de Deus não assumiu um corpo real para que se fizesse a forma do corpo, o que repugna à divina simplicidade e pureza, pois tal seria assumir um corpo na unidade de natureza; o que é impossível, como do sobredito se colhe. Mas, salva a distinção da natureza, assumiu um corpo na unidade da pessoa.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A figura deve corresponder à realidade quanto à semelhança e não quanto à verdade mesma dessa realidade; pois, se a semelhança o fosse em tudo, já não seria um sinal, mas a realidade mesma, como diz Damasceno. Logo, era conveniente que as aparições do Antigo Testamento fossem só aparências, quase figuras; mas a aparição do Filho de Deus no mundo seria segundo a verdade do corpo, quase uma realidade figurada pelas anteriores figuras. Donde o dizer o Apóstolo: Que são sombra das coisas vindouras, mas o corpo é de Cristo.

Art. 6 — Se era conveniente que o Filho de Deus assumisse a natureza humana da raça de Adão.

O sexto discute-se assim. — Parece que não era conveniente que o Filho de Deus assumisse a natureza. humana da raça de Adão.

1. — Pois, diz o Apóstolo: Tal pontífice convinha que nós tivéssemos segregado dos pecadores. Ora, mais segregado seria dos pecadores se não assumisse a natureza humana da raça do pecador Adão. Logo, parece que não devia ter assumido a natureza humana da estirpe de Adão.

2. Demais. — Em todo gênero, o princípio é, mais nobre que o dele procedente. Se, pois, quis assumir a natureza humana, devia tê-la assumido, antes, em Adão mesmo.

3. Demais. — Os gentios eram mais pecadores que os Judeus, como diz a Glosa àquilo do Apóstolo: Nós somos Judeus por natureza e não pecadores dentre os gentios. Se, pois, quis assumir a natureza humana dos pecadores, devia tê-la assumido, antes, a da raça dos gentios, que a de Abraão, que foi justo.

Mas, em contrário, o Evangelho reduz a geração do Senhor até a de Adão.

RESPOSTA Diz Agostinho: Deus podia assumir a natureza humana noutra raça que não a desse Adão, que submeteu todo o gênero humano ao seu pecado. Mas, julgou melhor tirar da raça mesma que tinha sido vencida, o homem pelo qual queria vencer o inimigo do gênero humano, E isto por três razões. Primeiro, porque é próprio da justiça que satisfaça aquele que pecou. E por isso, da natureza corrompida por Adão devia ser tirado aquele que desse satisfação por toda a natureza. Segundo, porque também a maior dignidade do homem exigia que o vencedor do diabo saísse do gênero mesmo que foi vencido dele. Terceiro, porque assim também se manifestaria mais o poder de Deus, assumindo da natureza corrupta e enferma o que devia elevar a um tão alto grau de poder e dignidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo devia ser segregado dos pecadores quanto à culpa, que vinha delir; não quanto à natureza, que vinha salvar, e pela qual devia fazer-se em tudo semelhante a seus irmãos, como o Apóstolo também o diz. E nisto ainda se lhe manifestou mais admirável a inocência, que a natureza que assumiu fosse nele de tão grande pureza, apesar de tirada de uma massa contaminada pelo pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como se disse, aquele que veio tirar os pecados devia necessariamente ser segregado dos pecadores, quanto à culpa a que Adão estava sujeito e a quem Deus o tirou. do seu pecado, como diz a Escritura. Pois, era necessário que quem vinha purificar a todos não necessitasse de purificação; assim como em qualquer gênero de movimento, o primeiro motor é imóvel relativamente a esse movimento assim como o primeiro alterante é inalterável. Por onde, não era conveniente que assumisse a natureza humana em Adão mesmo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Porque Cristo devia por excelência ser segregado dos pecadores, quanto à culpa, dotado que era da suma inocência, foi conveniente que chegassemos a Cristo partindo do primeiro pecador, mediante certos justos, em que prefulgissem determinados sinais da santidade futura. E também por isso, no povo do qual Cristo devia nascer, Deus instituiu certos sinais de santidade, que começaram em Abraão, o primeiro que recebeu a promessa de Cristo e a circuncisão, como sinal da aliança, que devia se consumar como diz a Escritura.

Art. 5 — Se o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana em todos os indivíduos.

O quinto discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana em todos os indivíduos.

1. — Pois, o primário e em si mesmo assumido foi a natureza humana. Ora, o conveniente a uma natureza em si mesma o é também a tudo o existente nessa mesma natureza. Logo, era conveniente que a natureza humana fosse assumida pelo Verbo de Deus em todos os seus supostos.

2. Demais. — A Encarnação divina procedeu da caridade divina, donde o dizer o Evangelho: Assim amou Deus ao mundo, que lhe. deu o seu Filho unigênito. Ora, a caridade nos leva a nos darmos aos amigos o quanto possível. Ora era possível ao Filho de Deus ter assumido várias naturezas humanas, como se disse; e pela mesma razão todas. Logo, fora conveniente que o Filho de Deus assumisse a natureza humana em todos os seus supostos.

3. Demais. — Um agente perito pratica os seus atos pela via mais breve possível. Ora, teria sido uma via mais breve se todos os homens tivessem sido assumidos à filiação natural, do que, por um Filho natural, muitos terem recebido a adoção de filhos, como diz o Apóstolo. Logo, a natureza humana devia ter sido assumida pelo Filho de Deus em todos os seus supostos.

Mas, em contrário, diz Damasceno, que o Filho de Deus não assumiu a natureza humana considerada especificamente; nem, pois, lhe assumiu todas as hipóstases.

SOLUÇÃO. — Não era conveniente que a natureza humana fosse assumida: pelo Verbo em todos os seus supostos.  Primeiro, porque desapareceria assim a multidão dos supostos da natureza humana, que lhe é conatural. Pois, não se devendo considerar, em a natureza assumida, outro suposto além da Pessoa assumente, como se disse, se não existisse a natureza humana senão assumida, resultaria a existência de um só suposto da natureza humana, a saber, a Pessoa assumente.  Segundo, porque tal seria contra a dignidade do Filho de Deus encarnado, enquanto é o primogênito entre muitos irmãos, segundo a natureza humana, assim como é o primogênito de toda a criatura, segundo a natureza divina. E teriam então todos os homens a mesma dignidade.  Terceiro, porque era conveniente que, assim como um suposto divino se encarnou, assim assumisse uma só natureza humana, para haver, de ambos os lados, unidade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Ser assumida convém à natureza humana como tal; isto é, porque não lhe convém em razão da pessoa, assim como convém à natureza divina assumir em razão da pessoa. Pois, não lhe convém em si mesma, como lhe pertencendo aos princípios essenciais, ou como uma propriedade natural sua; por cujo modo conviria a todos os seus supostos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O amor de Deus pelos homens se manifesta não só na mesma assunção da natureza humana, mas sobretudo pelos seus sofrimentos, na natureza humana, pelos outros homens, segundo aquilo do Apóstolo: Mas Deus faz brilhar a sua caridade em nós, porque, ainda quando eramos pecadores, morreu Cristo por nós. O que não teria lugar se tivesse assumido a natureza humana em todos.

RESPOSTA À TERCEIRA. — É por causa da brevidade da via que o agente perito toma, que não faz por muitos meios o que pode suficientemente fazer por um só. Por isso, foi convenientíssimo que por um só homem todos os outros fossem salvos.

Art. 4 — Se o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana abstrata de todos os indivíduos.

O quarto discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana abstrata de todos os indivíduos.

1. — Pois, a assunção da natureza humana foi feita para a salvação comum de todos os homens donde o dizer o Apóstolo, de Cristo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente dos fiéis. Ora, a natureza, enquanto existente no indivíduo, já não é comum a todos. Logo, o Filho de Deus devia ter assumido a natureza humana, enquanto abstrata de todos os indivíduos.

2. Demais. — Em tudo, o que é nobilíssimo deve ser o atribuído a Deus. Ora, em cada gênero, o que é em si mesmo, é principal. Logo, o Filho de Deus devia ter assumido o homem em si mesmo; e esse é, segundo os Platônicos, a natureza humana separada dos indivíduos. Logo, essa é que o Filho de Deus devia ter assumido.

3. Demais. — A natureza humana não foi assumida pelo Filho de Deus, na sua significação concreta; designada pela palavra homem, como se disse. Pois, assim é significada como existente no indivíduo, segundo do sobredito se colige. Logo, o Filho de Deus assumiu a natureza humana, enquanto separada dos indivíduos.

Mas, em contrário, diz Damasceno: Deus, o Verbo encarnado, não assumiu aquela natureza que é o objeto da pura contemplação do espírito. Pois, essa não seria uma verdadeira Encarnação, mas enganosa e fictícia. Ora, a natureza humana, enquanto separada dos indivíduos, é objeto da pura contemplação, pois, não tem subsistência própria, como diz Damasceno no mesmo lugar. Logo, o Filho de Deus não assumiu a natureza humana, enquanto separada dos indivíduos.

SOLUÇÃO. — A natureza do homem, ou de qualquer outro ser sensível, além da existência que tem nos indivíduos, pode ser entendida a dupla luz: ou como tendo o ser quase por si mesma, independente. da matéria, segundo o ensinavam os Platônicos; ou enquanto existente no intelecto, humano ou divino.

Ora, por si só a natureza humana não pode subsistir, como o Filósofo o prova; porque a natureza específica das coisas sensíveis implica a matéria sensível, que lhe entra na definição, como as carnes e os ossos na definição do homem. Por onde, não pode a natureza humana existir separada da matéria sensível.

Se, porém, a natureza humana fosse subsistente desse modo, não fora conveniente que o Verbo a assumisse.  Primeiro, porque o termo dessa assunção é a pessoa. Ora, é contra a natureza de uma forma comum individuar-se numa pessoa. Segundo, porque a uma natureza comum não se podem atribuir senão as operações comuns e universais, pelas quais o homem não merece nem desmerece; e contudo, a assunção de que se trata foi feita para que o Filho de Deus, pela natureza assumida, merecesse por nós.  Terceiro, porque a natureza assim existente não é sensível, mas inteligível. Ora, o Filho de Deus assumiu a natureza humana, para que por meio dela se manifestasse visivelmente aos homens, segundo a Escritura: Depois disto foi ele visto na terra e conversou com os homens.

Semelhantemente, também não podia ser assumida a natureza humana pelo Filho de Deus, enquanto ela é existente no intelecto divino. Porque assim, nada mais é senão a natureza divina. E, deste modo, a natureza humana teria existido abeterno no Filho de Deus.

Semelhantemente, não é conveniente dizer que o Filho de Deus assumiu a natureza humana enquanto existente no intelecto humano. Porque essa assunção não seria mais do que o ato intelectual de conceber que ele assumiu a natureza humana, E, nesse caso, se não a assumisse, em a natureza das coisas, esse conceito seria falso. E a Encarnação teria sido uma Encarnação ficta, como diz Damasceno.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Filho de Deus encarnado é o Salvador comum de todos, não por uma comunidade de gênero ou de espécie, atribuída à natureza separada dos indivíduos, mas por uma comunidade de causa, enquanto que o Filho de Deus encarnado é a causa universal da salvação humana.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O homem em si mesmo não existe em a natureza das coisas, de modo a ter uma existência separada dos indivíduos, como o ensinavam os Platônicos. Embora certos digam que Platão entendia que o homem separado só existe no intelecto divino. E assim, não era necessário fosse assumido pelo Verbo, pois nele existia abeterno.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora a natureza humana não fosse assumida em concreto, de modo a ser preconcebida como o suposto da assunção, contudo o foi na sua individualidade, por tê-lo sido para subsistir num indivíduo.

Art. 3 — Se a Pessoa divina assumiu um homem.

O terceiro discute-se se assim. Parece que a Pessoa divina assumiu um homem.

1 — Pois, diz a Escritura: Bem-aventurado o que elegeste e tomaste para o teu serviço, o que a Glosa expõe, de Cristo. E Agostinho diz que o Filho de Deus assumiu o homem e sofreu, nele, o que é humano.

2. Demais. — A palavra homem designa a natureza humana. Ora, o Filho de Deus assumiu a natureza humana. Logo, assumiu o homem.

3. Demais. — O Filho de Deus é homem. Ora, não é um homem, que não assumiu, porque então seria, por igual razão, Pedro ou qualquer outro homem. Logo, é o homem que assumiu.

Mas, em contrário, a autoridade do Papa e Mártir Felix, citada no Sínodo Efesino: Cremos em Nosso Senhor Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria, porque é o Verbo e o Filho sempiterno de Deus, e não homem assumido por Deus, de modo que fosse outro, diferente dele. Nem o Filho de Deus assumiu um homem que fosse outro, diferente dele.

SOLUÇÃO. — Como se disse, o assumido não é o termo da assunção, mas é concebido como anterior à assunção. Ora, segundo dissemos, o indivíduo no qual é assumida a natureza humana, não é outra coisa senão a Pessoa divina, que é o termo da assunção. Pois, a palavra homem significa a natureza humana enquanto lhe é natural existir num suposto. Pois, como diz Damasceno, como o nome Deus significa aquele que tem a natureza divina, assim o nome homem, o que tem a natureza humana. Por onde, não há propriedade de expressão quando se diz, que o Filho de Deus assumiu o homem, supondo, como o exige a verdade das coisas, que em Cristo há um só suposto e uma só hipóstase. Mas, segundo os que introduzem em Cristo duas hipóstases e dois supostos, conveniente e propriamente se poderia dizer, que o Filho de Deus assumiu o homem. Por isso, a primeira opinião citada pelo Mestre das Sentenças concede ter sido o homem o assumido. Mas, essa opinião é errônea, como se demonstrou.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essas locuções não se devem aplicar em sentido extensivo, como próprias; mas devem ser entendidas piamente, sempre que são empregadas pelos sagrados Doutores,.de modo que quando dizemos  o homem assumido signifiquemos que a sua natureza foi assumida, e que a assunção terminou-se em ser o Filho do Deus, homem.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O nome homem significa a natureza humana em concreto, isto é, como existente num suposto. E portanto, assim como não podemos dizer que o suposto foi assumido, assim também não que o homem foi assumido.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O Filho de Deus não é o homem que ele assumiu, mas aquele cuja natureza assumiu.

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