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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 3 — Se Cristo é a cabeça de todos os homens.

O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não é a cabeça de todos os homens.

1. — Pois, a cabeça não não tem relação senão com os membros do seu corpo. Ora, os infiéis de nenhum modo são membros da Igreja, que é o corpo de Cristo, como diz o Apóstolo. Logo, Cristo não é a cabeça de todos os homens.

2. Demais. — O Apóstolo diz: Cristo se entregou a si mesmo pela Igreja, para a apresentar a si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula nem ruga, nem outro algum defeito semelhante. Ora, há ainda muito fiéis enfeiados pela mácula e a ruga do pecado. Logo, não será Cristo a cabeça de todos os fiéis,

3. Demais. — Os sacramentos da lei antiga estão para Cristo como a sombra para o corpo, no dizer do Apóstolo. Ora, os Padres do Antigo Testamento viviam no regime desses sacramentos, segundo o Apóstolo: Os quais servissem de modelo e sombra das causas celestiais. Logo, não pertenciam ao corpo de Cristo. E, portanto, Cristo não é a cabeça de todos os homens.

Mas, em contrário, a Escritura: É o Salvador de todos os homens e principalmente dos fiéis. E noutro lugar: Ele é a propiciação pelos nossos pecados; não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo. Ora, salvar os homens ou ser propiciação pelos pecados deles compete a Cristo enquanto cabeça. Logo, Cristo é a cabeça de todos os homens.

SOLUÇÃO. — A diferença entre o corpo natural do homem e o corpo místico da Igreja está em os membros todos do corpo natural coexistirem, ao passo que não coexistem os membros do corpo místico. Nem quanto ao ser natural deles, porque o corpo da Igreja é constituído dos homens existentes desde o princípio do mundo e que existirão até o fim dele, Nem quanto ao ser da graça, pois, dos que vivem num determinado tempo, uns não têm a graça, mas te-la-âo mais tarde, ao passo que já a tem outros. Assim, pois, consideram-se como membros do corpo místico os que não somente o são em ato, mas ainda os que o são em potência. Mas, certos o são, em potência, que nunca serão reduzidos ao ato; outros, porém, serão reduzidos ao ato, segundo tríplice grau - um, pela fé, o segundo, pela caridade desta vida, o terceiro, pela fruição da pátria.

Donde devemos concluir, que, considerando-o geralmente, segundo o tempo total do mundo, Cristo é a cabeça de todos os homens, mas em graus diversos. Assim, primária e principalmente, é a cabeça daqueles que atualmente lhe estão unidos pela glória. Em segundo lugar, dos que lhe estão unidos pela caridade. Em terceiro, dos que lhe estão unidos pela fé. Em quarto, dos que lhe estão unidos só em potência sem ainda terem sido reduzidos ao ato, mas que a este devem ser reduzidos, segundo a divina predestinação. O quinto, enfim, os que lhe estão unidos em potência e nunca serão reduzidos a ato, como os homens que vivem neste mundo e que não são predestinados. Mas que, partindo deste mundo, deixam totalmente de ser membros de Cristo, por já não poderem ser unidos a Cristo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os infiéis, embora atualmente não sejam da Igreja, são-no contudo, em potência. E essa potência tem duplo fundamento. O primeiro e principal, a virtude de Cristo, suficiente à salvação de todo gênero humano. O segundo, o arbítrio da liberdade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Constituir a Igreja gloriosa, sem mácula nem ruga, é o fim último a se dará no estado da pátria, mas não no da via, no qual, se dissermos que estamos sem pecado, nós mesmos nos enganamos, como diz a Escritura. Mas os membros de Cristo, pela união atual da caridade, já estão isentos de certos pecados, que são os mortais. Ao contrário, os que vivem sob o jugo desses pecados não são membros de Cristo atualmente, mas só potencialmente. Salvo talvez se, de maneira imperfeita, pela fé informe, que une a Cristo decerto modo, mas não absolutamente falando, a saber, de modo que, por Cristo, o homem consiga a vida da graça, segundo aquilo da Escritura: pois, a fé sem as obras é morta. Contudo, esses tais já recebem de Cristo um certo ato de vida, que é crer, como se um membro já atacado da morte fosse, de algum modo, movido pelo homem.

RESPOSTA À TERCEIRA Os santos Patriarcas não se apegavam aos sacramentos legais como a determinadas realidades, mas como a imagens e a sombras das coisas futuras. Ora, o movimento para a imagem, como tal, é o mesmo que o para a realidade, segundo está claro no Filósofo. Por isso, os antigos Padres, observando os sacramentos da lei, eram levados para Cristo pela mesma fé e pelo mesmo amor pelos quais também nós para ele somos levados. Por onde, os Patriarcas antigos pertenciam ao mesmo corpo da Igreja a que nós pertencemos.

Art. 2 — Se Cristo é a cabeça dos homens quanto aos corpos.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não é a cabeça dos homens quanto aos corpos.

1. — Pois, Cristo é chamado cabeça da Igreja, enquanto influi o senso espiritual e o movimento da graça na Igreja. Ora, o corpo não é capaz desse senso nem desse movimento espiritual. Logo, Cristo não é a cabeça de todos, quanto aos corpos.

2. Demais. — Temos o corpo de comum com os brutos. Se pois Cristo fosse a cabeça dos homens quanto aos corpos, resultaria que também dos brutos sê-la-ia. O que é inadmissível.

3. Demais. — Cristo tinha um corpo da mesma natureza que o dos outros homens, como se lê no Evangelho. Ora, a cabeça ocupa o primeiro lugar entre os outros membros, como se disse. Logo, não é a cabeça da Igreja, quanto aos corpos.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Reformará o nosso corpo abatido para o fazer conforme ao seu corpo glorioso.

SOLUÇÃO. — O corpo humano se ordena naturalmente à alma racional, dele a forma própria e o motor. E enquanto sua forma, dela recebe ele a vida e as outras propriedades convenientes ao corpo humano segundo a sua espécie. E enquanto a alma é o motor do corpo, este lhe serve a ela instrumentalmente. Donde devemos concluir que a humanidade de Cristo tem o poder de influir, enquanto unida ao Verbo de Deus, a quem o corpo está unido, pela alma, como se disse. Donde, toda a humanidade de Cristo, isto é, quanto à alma e quanto ao corpo, influi nos corpos e nas almas dos homens; mas, principalmente na alma e, secundàriamente, no corpo. De um modo, no dizer do Apóstolo enquanto os membros do corpo são oferecidos a Deus como instrumentos de justiça, na alma existente, por Cristo. De outro modo enquanto a vida da glória deriva da alma para o corpo, segundo o Apóstolo: Aquele que ressuscitou dos mortos a Jesus Cristo também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito, que habita em vós.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O senso espiritual da graça não chega ao corpo, primária e principalmente; mas, secundária e instrumentalmente, como se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O corpo do animal bruto nenhuma aptidão tem para a alma racional, como a tem o corpo humano. Logo, a comparação não colhe.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora Cristo tivesse o seu corpo feito da matéria igual a do corpo dos outros homens, contudo, a vida imortal do corpo todos os homens a recebem dele, segundo o Apóstolo: Assim como em Adão morrem todos, assim também- todos serão vivificados em Cristo.

Art. 1 — Se a Cristo, enquanto homem, compete ser a cabeça da Igreja.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a Cristo, enquanto homem, não compete ser a cabeça da Igreja.

1. — Pois, a cabeça influi o sentimento e o movimento nos membros. Ora, o sentimento e o movimento espirituais, oriundos, da graça não os influi em nós Cristo homem. Pois, como diz Agostinho, não Cristo enquanto homem, mas só enquanto Deus, é quem dá o Espírito Santo. Logo, não lhe compete, enquanto homem, ser a cabeça da Igreja.

2. Demais. — Uma cabeça não poder pertencer a outra. Ora, de Cristo, enquanto homem, a cabeça é Deus, conforme o Apóstolo: Deus é a cabeça de Cristo. Logo, Cristo em si mesmo não é cabeça.

3. Demais. — A cabeça, no homem, é um membro particular, e recebendo a sua influência do coração. Ora, Cristo é o princípio universal de toda a Igreja. Logo, não é cabeça da Igreja.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Constituiu-o a ele mesmo cabeça de toda a Igreja.

SOLUÇÃO. — Assim como toda a Igreja é considerada um corpo místico, por semelhança com o corpo natural do homem, o qual tem atos diversos distribuídos por membros diversos, consoante o ensina o Apóstolo; assim também Cristo é chamado cabeça da Igreja por semelhança com a cabeça do homem. No que podemos considerar três coisas: a ordem, a perfeição e a virtude. A ordem, por ser a cabeça a primeira parte do corpo humano, principiando de cima. Donde vem o costume de chamar cabeça a todo princípio, segundo a Escritura: Puseste na cabeça de todas as ruas o sinal público da tua prostituição. A perfeição, porque a cabeça dá o vigor a todos os sentidos interiores e exteriores, ao passo que os outros membros só têm o tato. Donde o dizer a Escritura: O ancião e o homem respeitável, esse é a cabeça. A virtude, enfim, porque a virtude e o movimento dos outros membros, e a governação dos atos deles vêm da cabeça, por causa da virtude sensitiva e motiva aí dominante. Por isso, o dirigente se chama cabeça do povo, segundo àquilo da Escritura: Porventura, quando tu eras pequeno aos teus olhos, não foste feito cabeça de toda as tribos de Israel? Ora, essas três coisas cabem a Cristo espiritualmente. Assim, primeiro, pela sua proximidade com Deus, a sua graça é a mais alta e a primeira, embora não no tempo; porque todos os outros receberam a graça em dependência da graça dele, conforme as palavras do Apóstolo: Os que ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. Segundo, a perfeição ele a tem, quanto à plenitude de todas as graças, conforme o Evangelho: E nós o vimos cheio de graça e de verdade, como se demonstrou. Terceiro, tem a virtude de influir a graça em todos os membros da Igreja, conforme ainda o Evangelho: E todos nós participamos da sua plenitude. Por onde é claro que Cristo é convenientemente chamado cabeça da Igreja.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Dar a graça ou o Espírito Santo convém a Cristo, enquanto Deus, autoritativamente; mas instrumentalmente lhe convém enquanto homem, isto é, enquanto a sua humanidade foi instrumento da sua divindade. E assim, os seus atos, em virtude da divindade, foram salutíferos para nós, como causadores em nós da graça, tanto por meio do mérito como de uma certa eficácia. Ora, Agostinho nega que Cristo, enquanto homem, dê o Espírito Santo por autoridade. Mas, instrumental ou ministerialmente também se diz que os outros santos dão o Espírito Santo, segundo o Apóstolo: Aquele que vos dá o Espírito Santo, etc.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Nas locuções metafóricas a semelhança não deve ser buscada na sua totalidade; pois, do contrário, já não seria semelhança, mas a realidade mesma. Ora, a cabeça natural não tem outra cabeça, por não ser o corpo humano, parte de outro corpo. Mas o corpo, assim chamado por semelhança, isto é, uma multidão ordenada, é parte de outra multidão; assim como a multidão doméstica é parte da multidão civil; por onde, o pai de família, cabeça da multidão doméstica, tem como cabeça superior o regente da cidade. E, deste modo, nada impede seja Deus a cabeça de Cristo, embora seja este a cabeça da Igreja.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A cabeça tem uma eminência manifesta em relação aos outros memdo corpo, ao passo que o coração tem uma certa influência oculta. E por isso é comparado ao Espírito Santo, que invisivelmente vivifica e une a Igreja; enquanto que Cristo mesmo é comparado à cabeça, segundo a natureza visível, que o coloca, como homem, acima dos outros homens.

Art. 13 — Se a graça habitual em Cristo era uma consequência da união.

O décimo terceiro discute-se assim. — Parece que a graça habitual em Cristo não era uma consequência da união.

1. — Pois, uma coisa não pode ser a consequência de si mesma. Ora, essa graça habitual parece ser a mesma que a da união. Pois, diz Agostinho: Pela mesma graça pela qual, desde que recebeu a fé, o homem se torna Cristão, por essa mesma aquele homem desde o princípio foi Cristo. E dessas coisas, a primeira pertence à graça habitual; a segunda, à da união. Logo, parece que a graça habitual não resulta da união.

2. Demais. — A disposição precede a perfeição temporalmente, ou pelo menos, intelectualmente. Ora, parece que a graça habitual é uma como disposição da natureza humana para a união pessoal. Logo, parece que longe de a graça habitual resultar da união, ela a precede.

3. Demais. — O comum é anterior ao próprio. Ora, a graça habitual é comum a Cristo e à todos os homens; ao contrário, a graça da união é própria de Cristo. Logo, segundo o intelecto, a graça habitual é anterior à união. E portanto, dela não resulta.

Mas, em contrario, a Escritura: Eis aqui o meu servo, eu o ampararei. E a seguir acrescenta: Sobre ele derramei o meu espírito o que pertence ao dom da graça habitual. Donde resulta, que a assunção da natureza humana em a unidade de pessoa precede a graça habitual em Cristo.

SOLUÇÃO. — A união da natureza humana com a pessoa divina, da qual dissemos acima ser a graça mesma da união, precede a graça habitual, em Cristo, não na ordem do tempo, mas na da natureza e do intelecto. E isto por três razões.

Primeiro, quanto à ordem dos princípios de ambas. Assim, o princípio da união é a Pessoa do Filho, assumente da natureza humana; por isso se diz que foi enviada ao mundo, por ter assumido a natureza humana. Quanto ao princípio da graça habitual, dada com a caridade, ela é o Espírito Santo, do qual se diz que é enviado por habitar na alma pela caridade. Ora, a missão do Filho, na ordem da natureza, é anterior à do Espírito Santo; assim como, na ordem da natureza, o Espírito Santo procede do Filho e, da sabedoria, o amor. Por onde, também a união pessoal pela qual concebemos a missão do Filho, é anterior, na ordem da natureza, à graça habitual, pela qual se concebe a missão do Espírito Santo.

Em segundo lugar, a razão dessa ordem se seduz da relação da graça com a sua causa. Pois, a graça é causada no homem pela presença da divindade, assim como a luz, no ar, pela presença do sol. Donde o dizer a Escritura: Entrava a glória do Deus de Israel pela banda do oriente e a terra estava resplandecente pela presença da sua majestade. Ora, a presença de Deus em Cristo é concebida segundo a união da natureza humana com a Pessoa divina. Por onde, a graça habitual de Cristo é entendida como consequente a essa união, como o esplendor, ao sol.

A terceira razão dessa ordem pode ser deduzida do dom da graça, a qual se ordena a fazer proceder bem. Ora, os atos são dos supostos e dos indivíduos. Por onde, a ação, e por consequência, a graça, que para ela ordena, pressupõe a natureza humana antes da união, como do sobredito resulta. Logo, a graça da união, segundo o intelecto, precede à graça habitual.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Agostinho, no lugar citado, chama graça gratuita à vontade de. Deus, que confere benefícios gratuitamente. E por isso, diz que por essa mesma graça pela qual foi feito o homem Cristo, todos os homens se tornam Cristãos. Porque ambas essas coisas se realizam pela vontade gratuita de Deus, sem dependência de méritos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como a disposição, na ordem da geração, precede à perfeição dispositivamente; assim ela também é consequente naturalmente. à perfeição que já foi atingida. Tal o calor que, tendo sido uma disposição à forma do fogo, é um efeito profluente da forma do fogo já preexistente. Ora, a natureza humana em Cristo esteve unida à Pessoa do Verbo, desde o princípio, sem sucessão. Por onde, a graça habitual não se entende como precedente à união, mas como consequente a ela, como uma propriedade natural. Donde o dizer Agostinho: A graça é de certo modo natural ao homem Cristo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O comum é anterior ao próprio, quando ambos são do mesmo gênero; mas, quando de gênero diversos, nada impede seja o próprio anterior ao comum. Ora, a graça da união não pertence ao mesmo gênero que a graça habitual, mas é superior a todos os gêneros como o é a Pessoa divina. Por onde, nada impede seja esse próprio, anterior ao comum, pois não se relaciona com este por adição, mas é, antes, o princípio e a origem do que é comum.

Art. 12 — Se a graça de Cristo podia aumentar.

O duodécimo discute-se assim. Parece que a graça de Cristo podia aumentar.

1 Pois, toda quantidade finita é susceptível de adição. Ora, a graça de Cristo era finita, como se disse. Logo, podia aumentar.

2. Demais. — O aumento da graça se faz por virtude divina, segundo o Apóstolo: Poderoso é Deus para fazer abundar em vós toda a graça. Ora, a virtude divina, sendo infinita, não se encerra em nenhuns limites. Logo, parece que a graça de Cristo podia ser maior.

3. Demais. — O Evangelho diz: Jesus crescia em sabedoria e em idade e em graça diante de Deus e dos homens. Logo, a graça de Cristo podia aumentar.

Mas, em contrário, o Evangelho: E nós o vimos, como de Filho unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. Ora, não podemos conceber nada maior do que ser alguém o Unigênito do Pai. Logo, não pode existir nem ser concebida nenhuma graça maior do que aquela da qual Cristo teve a plenitude.

SOLUÇÃO. — De dois modos pode dar-se que uma forma não possa aumentar; quanto ao sujeito e quanto à forma em si mesma. Quanto ao sujeito, no caso em que este atinge o último grau no participar, ao seu modo, dessa forma. Assim, se dissermos que o ar não pode aumentar em quentura, quando chega ao último grau de calor de que ele, por natureza, é susceptível, embora possa haver maior calor na natureza das coisas, que é o do fogo. Quanto à forma, exclui-se a possibilidade do aumento, quando um sujeito atinge a última perfeição de que tal forma é susceptível. Assim , se dissermos que o calor do fogo não pode aumentar, por não poder haver um grau mais perfeito de calor que o atingido pelo fogo. Ora, assim como foi determinada pela sabedoria divina ri medida própria das outras formas, assim também a da graça, segundo a Escritura: Todas as coisas dispuseste com medida e conta e peso, Ora, a medida de cada forma é predeterminada por comparação com o seu fim; assim como não há maior gravidade que a da terra, por não poder existir um lugar inferior ao da terra. Mas, o fim da graça é a união da criatura racional com Deus. Não pode, porém, existir nem ser concebida uma união maior da criatura racional com Deus, do que a existente na pessoa. Por onde, a graça de Cristo atingiu a medida suma da graça. E, portanto, é manifesto que a graça de Cristo não pode crescer, no atinente à graça em si mesma. Mas nem tão pouco relativamente ao sujeito; porque Cristo, enquanto homem, desde o primeiro instante da sua concepção, tinha verdadeira e plenamente a visão clara. Portanto, não podia nele haver aumento da graça; assim como nem nos demais santos, cuja graça não pode aumentar, porque já chegaram ao termo Nos homens, porém, que ainda vivem neste mundo, a graça pode aumentar, quanto à forma, pois, não atingem o sumo grau da graça; e quanto ao sujeito porque ainda não chegaram ao termo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Se nos referimos às quantidades matemáticas, a qualquer quantidade finita pode fazer-se adição; pois, da parte da quantidade finita nada há de repugnante à adição. Mas se nos referimos à quantidade natural, então pode haver repugnância por parte da forma, que deve ter uma quantidade determinada, assim como os outros acidentes determinados. Donde o dizer o Filósofo: Têm o seu termo e sua razão a grandeza e o acréscimo de tudo o que existe em uma natureza qualquer. E por isso não se pode fazer adição à quantidade total do céu. E com muito maior razão consideramos, nas formas em si mesmas, um termo, que elas não ultrapassam. Por onde, não é necessário que a graça de Cristo seja susceptível de adição, embora seja finita por essência.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A virtude divina, embora possa fazer algo de maior e de melhor que a graça habitual de Cristo, não pode contudo fazê-la ordenar-se a algo de maior do que a união pessoal com o Filho Unigênito do Pai, a cuja união suficientemente corresponde tal medida da graça, segundo a determinação da divina sabedoria.

RESPOSTA À TERCEIRA. — De dois modos pode alguém progredir na sabedoria e na graça. — Primeiro, quanto aos hábitos mesmos da sabedoria e da graça, aumentados. E, nesse sentido, Cristo não progrediu nelas. De outro modo, quanto aos efeitos, isto é, no sentido em que alguém pratica obras mais sábias e mais virtuosas. E então, Cristo progredia em sabedoria e em graça, como em idade; porque, a medida que crescia em idade, fazia obras mais perfeitas, para mostrar que era verdadeiramente homem, tanto no que respeita a Deus como no que respeita aos homens.

Art. 11 — Se a graça de Cristo era infinita.

O undécimo discute-se assim. Parece que a graça de Cristo é infinita.

1. — Pois, todo o imenso é infinito. Ora, a graça de Cristo é imensa, como o diz o Evangelho: Não lhe dá Deus o Espírito por medida. Logo, a graça de Cristo é infinita.

2. Demais. — Um efeito infinito demonstra uma virtude infinita, que só pode fundar-se numa essência infinita. Ora, o efeito da graça de Cristo é infinito, pois, abrange a salvação de todo o gênero humano; pois, é a propiciação pelos pecados de todo o mundo como diz o Evangelho. Logo, a graça de Cristo é infinita.

3. Demais. — Todo finito pode, por adição, atingir a quantidade de qualquer coisa finita. Se, pois, a graça de Cristo fosse finita, a graça de um outro homem poderia crescer a ponto de igualar a graça de Cristo. Contra o que vai a Escritura: Não se lhe igualará o ouro nem o cristal, segundo a exposição de Gregório. Logo, a graça de Cristo é infinita.

Mas, em contrário, a graça é algo de criado na alma. Ora, todo criado é finito, segundo a Escritura: Todas as causas dispuseste com medida e conta e peso. Logo, a graça de Cristo não é infinita.

SOLUÇÃO. — Como do sobredito se colhe, podemos considerar em Cristo uma dupla graça. Uma, a de união, consistente, como dissemos, no fato mesmo de estar unido pessoalmente ao Filho de Deus; e isso foi gratuitamente concedido à natureza humana. E essa graça é infinita, por ser infinita a Pessoa mesma do Verbo.

Outra, porém, é a graça habitual que também é suceptível de dupla consideração. Primeiro, como um determinado ser. E então há de necessariamente ser um ente finito. Pois, está na alma de Cristo como no seu sujeito. Pois, a alma de Cristo é uma determinada criatura, tendo capacidade finita. Por onde, o ser da graça, não excedendo a capacidade do seu sujeito, não pode ser infinito. — De outro modo, pode ser considerada quanto à essência própria da graça. E então, a graça de Cristo pode ser dita infinita, por não ser limitada; isto é, por ter tudo o que constitui a essência da graça, e não lhe ter sido dada segundo nenhuma medida certa o que pertence à essência da graça, pela razão que, segundo o desígnio da graça de Deus, a quem compete medi-la, a graça é conferida à alma de Cristo como a um princípio universal da gratificação na natureza humana, segundo àquilo do Apóstolo: Ele, nos fez agradáveis a si no seu amado Filho. Como se disséssemos infinita a luz do sol, não por essência, mas, em razão da luz, pois, tem tudo o que pode constituir a essência da luz.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O dito O Pai não dá ao Filho o Espírito por medida num sentido é exposto como referente ao dom que Deus Padre abeterno conferiu ao Filho isto é, a natureza divina, que é um dom infinito. Por isso, uma certa Glosa diz a esse lugar: De modo que tão grande seja o Filho como o Pai. Noutro sentido, pode referir-se ao dom conferido à natureza humana, de se unir à Pessoa divina, o que também é um dom infinito. Donde o dizer a Glosa, no mesmo lugar: Assim como o Pai engedrou o Verbo completo e perfeito assim, completo e perfeito ele se uniu à natureza humana. Em terceiro sentido, pode referir-se à graça habitual, enquanto que a graça de Cristo abrange tudo o que respeita à graça. Por isso Agostinho, expondo essa matéria, diz: A medida é uma certa divisão dos dons, pois, a um é dado pelo Espírito a linguagem da sabedoria, a outro a da ciência. Mas Cristo, que dá, não recebeu com medida.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A graça de Cristo tem um efeito infinito, quer por causa da infinidade predita da graça; quer por causa d unidade da Pessoa divina, a que estava unida a alma de Cristo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O menor pode aumentando, igualar a quantidade do maior, quando se trata de coisas cuja quantidade é da mesma natureza. Ora, a graça de um homem está para a de Cristo como uma virtude particular para a universal. Por onde, assim como a virtude do fogo, por mais que cresça, não pode igualar à, do sol, assim também, a graça de um homem, por mais que cresça, não pode igualar a graça de Cristo.

Art. 10 — Se a plenitude da graça é própria de Cristo.

O décimo discute-se assim. — Parece que a plenitude da graça não é própria de Cristo.

1 Pois, o próprio a alguém só a ele convém. Ora, o Evangelho atribui a certos outros a plenitude da graça; assim diz da Santa Virgem: Ave, cheia de graça. E o Apóstolo: - Estevão, cheio de graça e fortaleza. Logo, a plenitude da graça não é própria de Cristo.

2. Demais. — O que pode ser comunicado aos outros por Cristo não parece próprio de Cristo. Ora, a plenitude da graça pode ser comunicada aos outros por Cristo; assim, diz o Apóstolo: Para que sejamos cheios segundo toda plenitude de Deus. Logo, a plenitude da graça não é própria de Cristo.

3. Demais. — O estado da via se proporciona ao estado da pátria. Ora, no estado da pátria haverá uma certa plenitude; pois, na pátria celeste, onde há a plenitude de todos os bens, embora determinados dons sejam aí concedidos a certos de modo mais excelente, ninguém possuirá nada como próprio, no dizer de Gregório. Logo, cada homem tem, enquanto viandante a plenitude da graça. E portanto, a plenitude da graça não é própria de Cristo.

Mas, em contrário, a plenitude da graça é atribuída a Cristo, pelo Evangelho, enquanto o Unigênito do Pai: Vimos a sua glória, como do Filho Unigênito do Paz: cheio de graça e de verdade. Ora, ser Unigênito do Pai é próprio de Cristo. Logo, também lhe é a plenitude da graça da verdade.

SOLUÇÃO. — A plenitude da graça pode ser considerada a dupla luz. Em relação à própria graça e a quem além. — Em relação à própria graça, dizemos que há a plenitude dela quando alguém lhe chega ao sumo grau quanto à sua essência e à sua virtude; isto é, quando tem a graça na máxima excelência em que pode ser tida e na máxima extensão quanto a todos os seus efeitos. E tal plenitude da graça é própria, de Cristo. Quanto ao sujeito, dizemos que há plenitude da graça, quando ele a tem plena, segundo a sua condição. Quer quanto à intensidade, quando há nele a graça intensa até o limite que lhe Deus prefixou, segundo a expressão do Apóstolo: A cada um de nós foi dada a graça segundo a medida do dom de Cristo. Quer também segundo a virtude, isto é, quando tem a faculdade da graça para tudo o que lhe concerne ao dever ou ao estado, conforme aquilo do Apóstolo: A mim, que sou o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de manifestar a todos. E tal plenitude da graça não é própria a Cristo, mas é por Cristo comunicada aos outros.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO — A Santa Virgem é chamada cheia de graça, não relativamente à graça em si mesma pela não ter tido na suma excelência possível, nem em relação a todos os efeitos da graça. Mas é chamada cheia de graça relativamente a si própria; isto é, por ter tido a graça suficiente ao estado para o qual foi escolhida por Deus, que era o de ser mãe de Deus.  E semelhantemente, Estevão foi chamado cheio de graça, pela ter suficiente para ser idôneo ministro e testemunha de Deus, para o que foi escolhido.  E pela mesma razão devemos assim pensar dos demais. Dessas plenitude porém uma é mais plena que outra, enquanto é um preordenado por Deus para um mais elevado estado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O Apóstolo, no lugar aduzido, se refere àquela plenitude de graça recebida pelo sujeito, relativamente ao que o homem foi divinamente preordenado. E isso é ou algo de comum, para o que todos os santos são preordenados; ou algo de especial, pertinente à excelência de certos. E, assim sendo, há uma certa plenitude de graça comum a todos os santos; isto é, o terem a graça suficiente para merecerem a vida eterna, consistente na plena fruição de Deus. E essa plenitude o Apóstolo a deseja aos fiéis a quem escreve.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Esses dons comuns na pátria, a saber, a visão, a compreensão e a fruição e outros semelhantes, tem certos dons que lhes correspondem, enquanto dura esta vida, e que são também comuns aos santos. Contudo, os santos tem certas prerrogativas, tanto na pátria como na via, que os outros não tem.

Art. 9 — Se Cristo tinha a plenitude da graça.

O nono discute-se assim. — Parece que Cristo não tinha a plenitude da graça.

1. — Pois, da graça derivam as virtudes, como se disse na Segunda Parte. Ora, Cristo não tinha todas as virtudes; assim, não tinha a fé nem a esperança, como se demonstrou. Logo, Cristo não tinha a plenitude da graça.

2. Demais. — Como resulta do dito na Segunda Parte, a graça, se divide em operante e cooperante. Chama-se graça operante a pela qual o ímpio se justifica; o que não tinha lugar em Cristo, que não caiu nunca em nenhum pecado. Logo, Cristo não teve a plenitude da graça.

3. Demais. — A Escritura diz: Toda dádiva em extremo excelente e toda dom perfeito vem lá de cima e desce do Pai das luzes. Ora, o que desce é possuído particular e não plenamente. Logo, nenhuma criatura, nem mesmo a alma de Cristo, pode ter a plenitude dos dons da graça.

Mas, em contrário, diz o Evangelho: Nós o vimos cheio de graça e de verdade.

SOLUÇÃO. — Diz-se que é possuído plenamente o que o é perfeita e totalmente. Ora, a totalidade e a perfeição podem ser consideradas a dupla luz. Primeiro, quanto à sua quantidade intensiva; por exemplo, se disser que alguém tem a plenitude da brancura pela ter quanto lho permite a natureza. De outro modo, pela virtude; por exemplo, quando dizemos de alguém que tem plenamente a vida pela ter segundo todos os efeitos e operações vitais; e, assim, o homem tem plenamente a vida, mas não o bruto nem a planta.

Ora, de ambos os modos, Cristo teve a plenitude da graça.

Primeiro, pela ter em sumo grau, do modo perfeitíssimo pelo qual ela pode ser possuída. E isto resulta, primeiro, da proximidade da alma de Cristo, da causa da graça. Pois, como dissemos, quanto mais um ser que recebe a influência de outro está próximo dessa causa influente, tanto mais abundantemente, a recebe. E portanto, a alma de Cristo, mais estreitamente unida a Deus que todas as criaturas racionais, recebeu em supremo grau a influência da sua graça. Segundo, pela comparação com o seu efeito, pois a alma de Cristo recebeu a graça para, de certo modo, transfundi-la nos outros. E por isso era necessário que tivesse a graça máxima; assim como o fogo, causa do calor em todos os corpos quentes, é quente por excelência.

Também e semelhantemente, quanto à virtude da graça, teve-a plenamente, pela ter em relação a todas as operações ou efeitos da graça. E isto por lhe ter sido conferida a graça como a um certo princípio universal, no gênero dos que a tem. Ora, a virtude do primeiro princípio de um determinado gênero, se estende universalmente a todos os efeitos desse gênero; assim, o sol, causa universal da geração, como diz Dionísio, estende a sua virtude a tudo o que entra a ser gerado. E assim, a segunda plenitude da graça se funda, em Cristo, no estender-se a sua graça a todos os efeitos dela, que são as virtudes, os dons e coisas semelhantes.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A fé e a esperança designam efeitos da graça com uma certa deficiência, por parte de quem a recebe; isto é, enquanto que a fé tem por objeto o invisível e a esperança, o que não é possuído. Por onde, não poderia em Cristo, autor da graça, haver essas deficiências implicadas pela fé e pela esperança. Mas tudo o que tem de perfeição a fé e a esperança existiu em Cristo de modo muito mais perfeito. Assim como também o fogo não encerra todas as modalidades do calor, defeituosas por deficiência do sujeito, mas, tudo o que a perfeição do calor implica.

RESPOSTA À SEGUNDA. — É próprio da graça operante por si mesmo tornar alguém justo; mas, o fazer do impio um justo lhe é acidental, relativamente ao sujeito em estado de pecado. Por onde, a alma de Cristo se justificou pela graça operante, por ler sido por ela justa e perfeita, desde o princípio da sua conceição; não que, antes, tivesse sido pecadora ou mesmo não justa.

Art. 8 — Se Cristo teve a profecia.

Oitavo discute-se assim. Parece que Cristo não tinha o dom da profecia.

1. Pois, a profecia implica um certo conhecimento obscuro e imperfeito, segundo a Escritura: Se entre vós se achar algum profeta do Senhor, eu lhe aparecerei em visão ou lhe falarei em sonhos. Ora, Cristo teve um conhecimento pleno e patente, muito mais que Moisés de quem a Escritura acrescenta no mesmo lugar: Ele vê claramente o Senhor e não debaixo de enigmas. Logo, não devemos atribuir a Cristo a profecia.

2. Demais. — Como o objeto da fé é o que nós não vemos, e o da esperança o que não temos assim o da profecia é o que não está presente, mas distante; pois, profeta é chamado quem anuncia o que está longe (procul fans). Ora, em Cristo não havia fé nem esperança, como se disse. Logo, também não devemos atribuir a Cristo a profecia.

3. Demais. — O profeta é de ordem inferior ao anjo; por isso, de Moisés, que foi o supremo dos profetas, como mostramos na Segunda Parte, diz o Apóstolo, este é o que falava com o anjo na solidão. Ora, Cristo não foi menor que os anjos, pelo conhecimento da alma mas só pelo sofrimento do corpo. Logo, parece que Cristo não foi profeta.

Mas, em contrário, dele diz a Escritura: O Senhor teu Deus te suscitará um profeta dentre teus irmãos. E Cristo diz de si mesmo: Um profeta não tem honra na sua pátria.

SOLUÇÃO. — Profeta é chamado, por assim dizer quem anuncia ou vê o que está longe (procul stans); isto é, quem conhece e anuncia o que está afastado dos sentidos dos homens, como também o diz Agostinho. Ora, devemos considerar que não pode ser chamado profeta quem conhece e anuncia o que está distante para outros, com os quais ele não convive. E isto é manifesto, quanto ao lugar e quanto ao tempo. Assim, pois, quem, vivendo na França, conhecesse e anunciasse a outros, que também vivessem nesse mesmo país, o que então se passasse na Síria, fazia um anúncio profético; tal como Eliseu, quando anunciou a Giezi que um homem descia de um carro e lhe vinha ao encontro. Mas quem, vivendo na Síria, anunciasse coisas que aí mesmo se passassem, não anunciaria nada de profético. E o mesmo se dá no tempo. Assim, Isaías predisse profeticamente que Ciro, rei dos Persas, haveria de reedificar o templo de Deus. Mas, nada houve de profético no que Esdras escreveu sobre o que se realizou no seu tempo. Se, portanto, Deus e os anjos, ou também os santos, conhecem e anunciam o distante do nosso conhecimento isso não constitui nenhuma profecia, porque em nada eles participam da nossa condição.  Ora, Cristo, antes da paixão, participava da nossa condição, porque não somente gozava da visão clara, mas era também viandante como nós. E portanto, era profético o que, estando distante do conhecimento dos outros viandantes, ele o conhecia e anunciava. E por isso dizemos que nele havia a profecia.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Responde-se que essas palavras não pretendem significar seja da natureza da profecia o conhecimento enigmático, que se dá pelo sonho e na visão; mas fazem uma comparação dos outros profetas, que perceberam as coisas divinas pelo sonho e em visão, com Moisés, que viu a Deus face a face e não por enigmas; que contudo é chamado profeta, segundo aquilo: Não se levantou mais em Israel profeta algum como Moisés. Entretanto, podemos dizer que, embora Cristo tivesse um conhecimento pleno e compreensivo, quanto à sua faculdade intelectiva, realizava todavia, na sua faculdade imaginativa, certas semelhanças, através das quais podia também entender as coisas divinas, por ser não somente compreensor mas também viandante.

DONDE A RESPOSTA À SEGUNDA. — A fé tem por objeto o que é invisível ao crente; e semelhantemente, a esperança, o que ainda não é possuído por quem espera. Mas, a profecia tem por objeto o distante ao conhecimento do comum dos homens, com quem o profeta convive e comunica, pela condição da vida presente. Por isso, a fé e a esperança repugnavam à perfeição da santidade de Cristo, não porém, a profecia.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O anjo, gozando da visão beatífica, é superior ao profeta, que ainda é viandante; mas não, superior a Cristo, que ao mesmo tempo que era viandante, gozava da visão clara.

Art. 7 — Se em Cristo havia as graças gratuitas.

O sétimo discute-se assim. — Parece que em Cristo não havia as graças gratuitas.

1. — Pois, quem possui a plenitude de um bem não irá possuí-lo por participação. Ora, Cristo tinha a plenitude da graça, conforme o Evangelho: Cheio de graça e de verdade. Ora, as graças gratuitas parece umas participações divinas atribuídas dividida e particularmente a diversos, segundo o Apóstolo: Há repartição de graças. Logo, parece que em Cristo não havia as graças gratuitas.

2. Demais. — O devido a alguém não lhe é dado de graça. Ora, era devida ao homem Cristo a abundância em palavras de sabedoria e de ciência, o ser eminente na prática das virtudes, e outras semelhantes graças gratuitas; pois, ele é, no dizer do Apóstolo, a virtude de Deus e a sabedoria de Deus. Logo, não convinha a Cristo ter as graças gratuitas.

3. Demais  As graças gratuitas se ordenam à utilidade dos fiéis, segundo o Apóstolo: A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito. Ora, não constitui utilidade para ninguém um hábito ou uma disposição qualquer, se deles não usa, segundo a Escritura: Suponha-se que a sabedoria se conserva escondida e que o tesouro não está visível, que utilidade haverá em ambas estas coisas? Ora, não lemos no Evangelho que Cristo usasse de todas as graças gratuitas, sobretudo quanto aos gêneros das línguas. Logo, em Cristo não existiam todas as graças gratuitas.

Mas, em contrário, diz Agostinho, que assim como na cabeça estão todos os sentidos, assim em Cristo existiam todas as graças.

SOLUÇÃO. — Como se estabeleceu na Segunda Parte, as graças gratuitas se ordenam à manifestação da fé e da doutrina espiritual. Pois, é necessário quem ensina ter os meios de manifestar a sua doutrina, que, do contrário, seria inútil. Ora, o primeiro e principal Doutor da doutrina espiritual e da fé é Cristo, segundo o Apóstolo: A qual tendo sido começado a ser anunciada pelo Senhor, foi depois confirmada entre nós pelos que a ouviram, confirmando-a ao mesmo tempo Deus com sinais e maravilhas, etc. Por onde, é manifesto que Cristo teve excelentissimamente todas as graças gratuitas, como primeiro e principal Doutor da fé.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como a graça santificante se ordena aos atos meritórios, tanto interiores como exteriores, assim, as graças gratuitas se ordenam a certos atos exteriores manifestativos da fé, como a operação de milagres e outros semelhantes. Ora, de ambas essas graças Cristo teve a plenitude; pois, por estar a sua alma unida à divindade, tinha plena eficácia para praticar com perfeição todos os referidos atos. Ao passo que os outros santos movidos por Deus como instrumentos não unidos, mas separados, recebem uma eficácia particular para realizar tais atos ou tais outros. Por isso, os outros santos tem essas graças divididas, mas não Cristo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo é chamado a virtude de Deus e a sabedoria de Deus, enquanto Filho eterno de Deus. E como tal não lhe cabe ter a graça, mas antes, ser o distribuidor dela. Cabe-lhe, porém, ter a graça, pela sua natureza humana.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O dom das línguas foi dado aos Apóstolos, porque foram enviados a ensinar: todos os povos. Ao passo que Cristo quis pregar pessoalmente só à gente dos Judeus, como ele próprio o disse: Eu não fui enviado senão às ovelhas que pereceram da casa de Israel. E o Apóstolo: Digo de Jesus Cristo foi ministro da circuncisão. Por isso não tinha necessidade de falar muitas línguas. Mas nem por isso lhe faltou o conhecimento delas; a ele a quem não se lhe esconde nem o oculto nas profundezas dos corações, como depois diremos, do que as palavras, quaisquer que sejam, são os sinais. Nem contudo lhe foi inútil esse conhecimento que tinha: assim como não tem inutilmente um hábito quem dele não usa quando não é oportuno.

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