Skip to content

Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 2 — Se o Filho de Deus assumiu uma pessoa.

O segundo discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus assumiu uma pessoa.

1. — Pois, como diz Damasceno, o Filho de Deus assumiu a natureza humana na sua indivisibilidade (in átomo), isto é, na sua individualidade. Ora, indivíduo de .natureza racional é a pessoa como está claro em Boécio. Logo, o Filho de Deus assumiu uma pessoa.

2. Demais. — Damasceno diz que o Filho de Deus assumiu o que infundiu em nossa natureza. Ora, nela infundiu a personalidade, Logo, o Filho de Deus assumiu uma pessoa.

3. Demais. — Só é absorvido o que existe. Ora, Inocêncio III diz que a pessoa de Deus absorveu a pessoa do homem. Logo, parece que a pessoa do homem foi primeiramente assumida.

Mas, em contrário, diz Agostinho, que Deus assumiu a natureza do homem e não a pessoa.

SOLUÇÃO. — Dizemos que é assumido o que é tomado para alguma coisa (ad aliquid sumitur). Por onde, há de necessariamente o assumido ser concebido como anterior à assunção; assim como o que localmente se move há de ser concebido como anterior ao movimento. Ora, a pessoa não é concebida, em a natureza humana, como anterior à assunção; mas é, antes, o termo dela, como se disse..Se, pois, fosse concebida como anterior, ou haveria necessariamente de corromper-se, e então seria assumida em vão; ou haveria de permanecer, depois da união, e então seriam duas pessoas, uma assumida e outra assumente, o que é errôneo, como se demonstrou. Donde se conclui, que de nenhum modo o Filho de Deus assumiu a pessoa humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Filho de Deus assumiu a natureza humana na sua indivisibilidade (in átomo), isto é, num indivíduo que não é outra causa senão o suposto incriado, que é a pessoa do Filho de Deus. Donde não se segue seja a pessoa a assumida.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A natureza assumida não lhe falta uma personalidade própria, não por não lhe faltar nada do que exige a perfeição da natureza humana, mas por lhe ser acrescentada a união com a divina Pessoa, a qual é superior à natureza humana.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A absorção, nesse caso, não importa na destruição, de nada de anteriormente existente, mas, num obstáculo àquilo que poderia existir de outro modo. Se, pois, a natureza humana não tivesse sido assumida pela pessoa divina, essa natureza teria uma personalidade própria. E por isso dizemos que uma pessoa absorveu outra, embora impropriamente, por não ter a pessoa divina impedido, pela sua união, que a natureza humana tivesse uma personalidade própria.

Art. 1 — Se a natureza humana era, mais que qualquer outra natureza, apta a ser assumida pelo Filho de Deus.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a natureza humana não era, mais que qualquer outra natureza, apta a ser assumida pelo Filho de Deus.

1 - Pois, diz Agostinho: Nas operações miraculosas, toda a razão da obra é o poder de quem a fez. Ora o poder de Deus, que operou a Encarnação, obra de um sublime milagre, não é limitado a uma só natureza; pois, o poder de Deus é infinito. Logo, a natureza humana não era, mais que qualquer outra criatura, apta a ser assumida por Deus.

2. Demais. — A semelhança é a razão de conveniência, em se tratando da Encarnação de uma pessoa divina, como se disse. Ora, como em a natureza racional há uma semelhança de imagem, assim, em a natureza irracional, uma semelhança de vestígio. Logo, como a natureza humana, a criatura irracional era apta para ser assumida.

3. Demais. — Em a natureza angélica há uma semelhança de Deus mais expressa que em a natureza humana, como diz Gregório, citando aquilo da Escritura: Tu eras o selo da semelhança. E também os anjos são, como os homens, susceptíveis de pecado, conforme a Escritura: Entre os seus anjos achou crime.

4. Demais. — Sendo Deus dotado da suma perfeição, tanto mais semelhança tem uma coisa com ele quanto mais perfeita é. Ora, a totalidade do universo é mais semelhante com ele que cada uma das suas partes, entre as quais está a natureza humana. Logo, o universo no seu todo é mais apto para ser assumido, que a natureza humana.

Mas, em contrário, a Escritura: Achando as minhas delícias em estar com os filhos dos homens. E assim, parece haver uma certa conveniência de união entre o Filho de Deus e a natureza humana.

SOLUÇÃO. — Dizemos que pode ser assumido o que é como apto para o ser, por uma Pessoa divina. E essa aptidão não pode ser entendida como uma potência passiva natural, que não se estende ao que transcende a ordem natural, a qual é transcendida pela união pessoal da criatura com Deus. Donde resulta que o considerado apto a ser assumido há de sê-lo por congruência com a união referida. Ora, essa congruência tem um duplo fundamento em a natureza humana; a sua dignidade e a sua necessidade. A dignidade, porque à natureza humana, enquanto racional e intelectual, é natural atingir de certo modo o Verbo mesmo, pela sua operação, isto é, conhecendo-o e amando-o. A necessidade, porque precisava de reparação, sujeita, como o estava, ao pecado original. Ora, estes dois fundamentos- só em a natureza humana se encontram. Pois, à criatura irracional falta a congruência da dignidade, e à angélica, a referida necessidade. Donde resulta que só a natureza humana é apta a ser assumida.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As criaturas recebem tal denominação, ou tal outra, pelo que lhes convém pelas suas causas próprias, e não, pelas causas primeiras e universais. Assim, dizemos que uma doença é incurável, não por não poder ser curada por Deus, mas por não o poder pelos princípios próprios do sujeito. Assim, pois, dizemos que uma criatura não é apta para ser assumida, não para diminuir nada ao poder divino, mas para mostrar a condição da criatura, que não tem essa aptidão.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A semelhança de imagem, na natureza humana, depende da medida em que é capaz de Deus, isto é, de atingi-lo pela sua operação própria, do conhecimento e do amor. Ao passo que a semelhança de vestígio se funda só numa representação existente na criatura por impressão divina, e não por poder a criatura irracional, que só tem essa semelhança, atingir a Deus pela sua só operação. Ora, a quem falta o menos também não convêm o necessário para o mais; assim um corpo que não é apto a ser aperfeiçoado pela alma sensitiva, muito menos o é o sê-lo pela alma intelectual. Ora, muito maior e mais perfeita é a união com Deus, pelo ser pessoal, do que a que o é pela operação. Portanto, à criatura irracional, incapaz da união com Deus pela operação, não convém se lhe unir pessoalmente.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Certos dizem que o anjo não é apto para ser assumido porque tem a sua personalidade perfeita, desde o princípio da sua criação, pois, não está sujeito à geração nem à corrupção. Por isso, não podia ser assumido na unidade da pessoa divina, sem que a sua personalidade ficasse destruída; e isto nem lhe convém à incorruptibilidade da natureza, nem à bondade do assumente, a quem não é próprio destruir nenhuma perfeição na criatura assumida. Mas, esta opinião não parece excluir totalmente a congruidade da assunção da natureza angélica. Pois, Deus, pode, criando uma nova natureza angélica, uni-la a si na unidade da pessoa, e portanto, sem destruir nada que naquela preexistisse- Mas, como dissemos, falta-lhe a conveniência no tocante à necessidade; pois, embora, a certos aspectos, a natureza angélica esteja sujeita ao- pecado, contudo, o seu pecado é irremediável, como demonstramos na Primeira Parte.

RESPOSTA À QUARTA. — A perfeição do universo não é a perfeição de uma pessoa ou suposto, mas a de um ser uno por posição ou pela ordem. Do qual as múltiplas partes não são aptas a ser assumidas, como se disse. Donde se conclui que só a natureza humana é apta a ser assumida.

Art. 8 — Se era mais conveniente ter-se incarnado o Filho de Deus, que o Padre ou o Espírito Santo.

O oitavo discute-se assim. — Parece que não foi mais conveniente ter-se encarnado o Filho de Deus, que o Padre ou o Espírito Santo.

1. — Pois, pelo mistério da Encarnação os homens foram levados ao verdadeiro conhecimento de Deus, segundo aquilo do Evangelho. Eu para isso nasci e ao que vim ao mundo foi para dar testemunho da verdade. Ora, pelo fato da pessoa do Filho de Deus ter-se encarnado, muitos ficaram impedidos do verdadeiro conhecimento de Deus, porque referiam à pessoa mesma do Filho o que se predica da natureza humana dele. Tal Ario, que ensinou a desigualdade das Pessoas, fundado no dito do Evangelho: O Pai é maior do que eu. Ora, esse erro não teria surgido, se a Pessoa do Pai se tivesse encarnado ; pois, então, ninguém julgaria o Pai menor que o Filho. Por onde, parece teria sido mais conveniente ter-se a Pessoa do Pai encarnado, que a pessoa do Filho.

2. Demais. — Parece que o efeito da Encarnação foi uma certa e nova criação da natureza humana, segundo aquilo do Apóstolo : Em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incincuncisão valem nada, mas o ser uma nova criatura. Ora, o poder de criar é apropriado ao Pai. Logo, mais conveniente seria ter-se encarnado o Pai que o Filho.

3. Demais. — A Encarnação se ordena à remissão dos pecados, segundo aquilo do Evangelho: E lhe chamarás por nome Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles. Ora, a remissão dos pecados é atribuída ao Espírito Santo, segundo ainda o Evangelho: Recebei o Espírito Santo: aos que vós perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados. Logo, era mais conveniente ter-se encarnado a pessoa do Espírito Santo que a do Filho.

Mas, em contrário, diz Damasceno: O mistério da Encarnação manifestou a sabedoria e o poder de Deus; a sabedoria, porque descobria a melhor solução de um preço dificílimo; o poder, porque tornou de novo o vencido vencedor. Ora, a virtude e a sabedoria se apropriam ao Filho, segundo aquilo do Apóstolo: Cristo, virtude de Deus e sabedoria de Deus. Logo, foi conveniente ter-se encarnado a pessoa do Filho.

SOLUÇÃO. — Foi convenientíssinio que se tivesse encarnado a pessoa do Filho.

Primeiro, quanto à união. Pois, convenientemente se unem as causas semelhantes. —Ora, de um modo, a pessoa mesma do Filho, que é o Verbo de Deus, tem uma conveniência comum com toda criatura. Porque a palavra do artífice, isto é, o seu conceito, é uma semelhança exemplar das obras feitas pelo artífice. Por onde, o Verbo de Deus, que é o seu eterno conceito, é uma semelhança exemplar de todas as criaturas. E portanto, assim como pela participação dessa semelhança as criaturas foram instituídas nas suas espécies próprias, mas de um modo mutável, assim também, pela união do Verbo com a criatura, não de modo participativo, mas pessoal, foi ela convenientemente reparada, em ordem à perfeição eterna e imutável; pois, também o artífice, pela forma artística concebida, por meio da qual fez a sua obra, por essa mesma também a refaz se ela se estragar. De outro modo, tem uma conveniência especial com a natureza humana por ser o Verbo o conceito da eterna sabedoria, donde deriva toda a sabedoria humana. Por isso, o homem se aperfeiçoa na sabedoria, que é a sua perfeição própria, enquanto racional, porque participa do Verbo de Deus, assim como o discípulo se instrui recebendo as palavras do mestre. Donde o dizer a Escritura: A fonte da sabedoria é o Verbo de Deus nas alturas. Por onde, para consumar-se a perfeição do homem, foi conveniente que o Verbo mesmo de Deus se unisse pessoalmente à natureza humana.

Segundo, a razão dessa conveniência pode ser deduzida do fim da união, que é o implemento da predestinação, isto é, dos preordenados à herança celeste, que não é devida senão aos filhos, segundo aquilo do Apóstolo: Se somos filhos, também herdeiros. Por onde, era conveniente que, por meio daquele que é naturalmente Filho, os homens participassem, por adoção, da semelhança dessa filiação, como o Apóstolo o diz no mesmo lugar: Os que ele conheceu. na sua presciência também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho.

Em terceiro lugar, a razão dessa conveniência pode ser deduzida do pecado dos nossos primeiros pais, a que a Encarnação veio dar remédio. Pois, o primeiro homem pecou desejando a ciência do bem e do mal. Por isso foi conveniente que, pelo Verbo da Verdadeira sabedoria, o homem voltasse para Deus, ele que pelo desordenado desejo da ciência se afastara de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Não há nada de que a malícia humana não possa abusar, pois abusa da própria bondade de Deus, segundo aquilo do Apóstolo: Acaso desprezas tu as riquezas da sua bondade? Por onde, mesmo se a pessoa do Padre fosse a encarnada, o homem poderia daí tirar alguma ocasião de erro, como se o Filho não pudesse ser suficiente para reparar a natureza humana.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A primeira criação das coisas foi feita pelo poder de Deus Padre, pelo Verbo. Donde, a nova criação deveria ser feita pelo poder de Deus Padre, para que esta nova criação respondesse à criação conforme aquilo do Apóstolo: Deus estava em Cristo reconciliando o mundo consigo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — É próprio ao Espírito Santo ser o dom do Pai e do Filho. Ora, a remissão dos pecados se faz pelo Espírito Santo, como pelo dom de Deus. Por isso foi conveniente, para a justificação dos homens, que se encarnasse o Filho, do qual o Espírito Santo é o dom.

Art. 7 — Se uma mesma Pessoa divina pode assumir duas naturezas humanas.

O sétimo discute-se assim. — Parece que uma mesma Pessoa divina não pode assumir duas naturezas humanas.

1. — Pois, a natureza assumida do mistério da Encarnação não tem outro suposto além do suposto da pessoa divina, como do sobredito resulta. Se, pois. admitimos que uma mesma Pessoa divina assumiu duas naturezas humanas, haveria um só suposto para duas naturezas da mesma espécie. O que implica contradição, pois, a natureza de uma mesma espécie não se multiplica senão pela distinção do supostos.

2. Demais. — Na hipótese que examinamos não se poderia dizer que a Pessoa divina encarnada fosse um só homem, porque não teria uma só natureza humana. Semelhantemente, não Se poderia dizer, que a seriam muitos homens, porque muitos homens são distintos pelo suposto, e então haveria aí um só suposto. Logo, a referida posição é absolutamente impossível.

3. Demais. — No mistério da Encarnação toda a natureza divina se uniu a toda a natureza assumida, isto é, a cada uma das partes dela; pois, Cristo é Deus perfeito e homem perfeito, totalmente Deus e totalmente homem, como diz Damasceno. Ora, duas naturezas humanas não poderiam se unir totalmente uma à outra; pois, seria necessário a alma de uma estar unida ao corpo da outra; e ainda que os dois corpos existissem simultaneamente, o que também causaria a confusão das naturezas, Logo, não é possível que uma Pessoa divina assuma duas naturezas humanas.

Mas, em contrário, tudo o que o Pai pode o Filho pode. Ora, o Pai, depois da Encarnação do Filho pode assumir uma natureza humana numericamente diversa da que assumiu o Filho; pois, em nada, pela Encarnação do Filho, diminuiu o poder do Pai nem o do Filho. Logo, parece que o Filho, depois da Encarnação, pode assumir outra natureza humana, além daquela que assumiu.

SOLUÇÃO. — O agente que não pode ultrapassar —uma certa ação tem o seu poder limitado. Ora, o poder da Pessoa divina é infinito nem pode ser limitado a nada de criado. Por isso, não devemos dizer que a Pessoa divina assumiu uma natureza humana tal que não podia assumir outra. Pois, daí se seguiria que a personalidade da natureza divina seria de tal modo circunscrita por uma mesma natureza humana, que não poderia a sua personalidade assumir outra. O que é impossível, pois, o incriado não pode ser compreendido pelo criado. Por onde, é claro que quer consideremos a Pessoa divina na sua virtude, que é o princípio da união, quer na sua personalidade, que é o termo da união, é necessário admitir que a Pessoa divina podia, além da natureza humana que assumiu, assumir outra numericamente diferente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A natureza criada se aperfeiçoa na sua essência, pela forma, que se multiplica pela divisão da matéria. Por onde, se a composição da matéria e da forma constituir um novo suposto, consequentemente há de a natureza multiplicar-se conforme a multiplicação dos supostos. Mas, no mistério da Encarnação a união da forma e da matéria, isto é, da alma e do corpo, não constitui um novo suposto, como se disse. E portanto poderia haver multidão, numericamente, quanto à natureza, por causa da divisão da matéria, sem distinção dos supostos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Poder-se-ia deduzir, da hipótese que propusemos, a existência de dois homens, por causa das duas naturezas sem que aí houvesse dois supostos; assim como, universamente, as três Pessoas constituíram um só homem, por causa da mesma natureza humana assumida, como se disse. Mas essa dedução não seria verdadeira. Porque devemos empregar os nomes na significação em que são usados, o que resulta das coisas no meio das quais vivemos. Portanto, acerca do modo de significar e de consignificar devemos levar em conta tais coisas. Ora, em relação a elas, nunca se aplica um nome, em virtude de uma forma, com significação plural, senão por causa da pluralidade dos supostos. Assim, de um homem vestido com duas roupas não dizemos que constitui dois homens vestidos, mas, um só, vestido de dois fatos; e quem tem duas qualidades o consideramos tal, segundo essas duas qualidades. Ora, a natureza assumida, sob certo aspecto, se comporta a modo de uma veste, embora a semelhança não seja total, como dissemos. Por onde, se uma Pessoa divina assumisse duas naturezas humanas, por causa da unidade do suposto diríamos existir um homem com duas naturezas humanas.Pois, muitos homens podem constituir um povo, por convirem nalguma unidade, mas não por unidade de suposto. E semelhantemente, se duas Pessoas divinas assumissem uma natureza humana, numericamente a mesma, seriam consideradas um só homem, como dissemos; não pela unidade do suposto, mas por convirem numa certa unidade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A natureza divina e a humana não se referem na mesma ordem a uma mesma Pessoa divina, mas a que primeiro se lhe refere é a natureza divina, como o que abeterno constitui com ela uma unidade; ao passo que a natureza humana se lhe refere posteriormente, como assumida temporalmente pela Pessoa divina, não por certo, de modo que a natureza seja a Pessoa mesma, mas porque a Pessoa nela subsiste, pois, o Filho de Deus é a sua divindade mas não, a sua humanidade. Por onde, para a natureza humana ser assumida pela Pessoa divina, resta que a natureza divina se una por uma união pessoal a toda a natureza assumida, isto é, segundo todas as partes desta. Ora, duas naturezas assumidas manteriam uma relação uniforme com a Pessoa divina, nem uma assumiria a outra. Por onde, não seria necessário que uma delas se unisse totalmente à outra, isto é, todas as partes de uma a todas as partes de outra.

Art. 6 — Se duas Pessoas divinas poderiam assumir uma natureza numericamente a mesma.

O sexto discute-se assim. — Parece que duas Pessoas divinas não poderiam assumir uma natureza numericamente a mesma.

1 — Pois, isso suposto, ou seriam um só homem ou vários. Ora, vários não; pois, assim como uma mesma natureza divina em várias Pessoas não poderia constituir vários deuses, assim urna mesma natureza humana em várias pessoas não poderia constituir vários homens. Também e semelhantemente, não poderiam ser um só homem, pois, um homem o é determinadamente, que revela uma certa pessoa; e então desapareceria a distinção das três Pessoas, o que é inadmissível. Logo, nem duas nem três pessoas podem receber uma mesma natureza humana.

2. Demais. — Assunção se perfaz na unidade da Pessoa, como se disse. Ora, a Pessoa do Pai. do Filho e do Espírito Santo não é uma só. Logo, não podem três Pessoas assumir uma mesma natureza humana,

Demais — Damasceno e Agostinho dizem, que a Encarnação do Filho de Deus resulta que tudo o predicado do Filho de Deus o é também do Filho do Homem, e vice-versa. Se, pois, as três Pessoas assumissem uma mesma natureza humana, resultaria que tudo o predicado de qualquer das três Pessoas, sê-lo-ia também desse homem; e inversamente, tudo o predicado desse homem poderia sê-lo de qualquer das três Pessoas. Por onde, o gerar o Filho abeterno, que é próprio do Pai, seria predicado desse homem e, por consequência, do Filho de Deus, o que e inadmissível. Logo, não é possível, que três Pessoas divinas assumam uma mesma natureza humana.

Mas, em contrário, a pessoa encarnada subsiste em duas naturezas, a saber, a divina e a humana. Ora, três Pessoas podem subsistir em uma mesma natureza divina. Logo, também o podem numa mesma natureza humana de modo que seria uma mesma natureza humana a assumida pelas três Pessoas.

SOLUÇÃO. — Como dissemos da união da alma e do corpo, em Cristo, não resulta uma nova pessoa nem hipóstase; mas, uma mesma natureza assumida na Pessoa ou hipóstase divina. O que, certo, não se faz pelo poder da natureza humana, mas pelo da Pessoa divina. Ora, a condição das divinas Pessoas é tal que uma delas não exclui as outras da comunhão da mesma natureza, mas foi da comunhão da mesma Pessoa. Mas, como no mistério da Encarnação a razão total do feito é o poder de quem o faz, como diz Agostinho, devemos, nesta matéria, julgar, antes, segundo a condição da divina Pessoa assumente, que segundo a da natureza humana assumida. Assim, pois, não é impossível que duas ou três das divinas Pessoas assumam uma mesma natureza humana. Mas seria impossível assumirem uma hipótese ou uma pessoa humana; assim, como diz Anselmo, várias Pessoas não poderiam assumir um mesmo homem.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Admitido que .três Pessoas assumissem uma mesma natureza humana, seria verdadeiro dizer que três Pessoas constituiriam um mesmo homem, por causa da natureza humana una; assim como, na realidade, é verdadeiro dizer que são um só Deus, por causa da só uma natureza divina. Nem o vocábulo — um — implica unidade de pessoa, mas unidade em a natureza humana. Pois, não se poderia arguir, do fato de constituírem três Pessoas um só homem, que o seriam absolutamente falando; pois, nada impede dizer-se que homens, vários absolutamente falando, sejam um só, de certo modo, por exemplo, um só povo. Assim, diz Agostinho: É diverso por natureza o espírito de Deus, do espírito do homem, mas, unindo-se, formam um só espírito, segundo aquilo do Apóstolo. O que está unido a Deus é um mesmo espírito com ele.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Admitida essa posição, a natureza humana seria assumida na unidade, não de uma só Pessoa, mas na de cada uma delas, de modo que, assim como a natureza divina tem uma unidade natural com cada uma das Pessoas, assim, a natureza humana teria unidade com cada uma delas, pela assunção.

RESPOSTA À TERCEIRA. — No tocante ao mistério da Encarnação, há comunicação das propriedades pertinentes à natureza; pois, tudo o conveniente à natureza pode ser predicado da pessoa subsistente nessa natureza, seja qual for a natureza donde se tira o nome designativo da Pessoa. Por onde, aceita essa posição, da Pessoa do Pai pode ser predicado o que é próprio tanto à natureza humana como à divina; e semelhantemente, da Pessoa do Filho e da do Espírito Santo. Mas, o conveniente à Pessoa do Pai, em razão da própria Pessoa, não poderia atribuir-se à Pessoa do Filho ou à do Espírito Santo, por causa da distinção das Pessoas, que permaneceria. Poderia, pois, dizer-se que, assim como o Pai é ingênito, assim se-lo-ia o homem, tomando-se a palavra homem pela Pessoa do Pai. Mas quem continuasse dizendo: O homem é ingênito; ora, o Filho é homem; logo, é ingênito, cometeria o sofisma de figura de dicção ou de acidente. Assim como na realidade dizemos que Deus é ingênito, porque o é o Pai; mas daí não podemos concluir que o Filho seja ingênito, embora o seja o Pai.

Art. 5 — Se alguma outra Pessoa divina, que não a Pessoa do Filho, podia ter assumido a natureza humana.

O quinto discute-se assim. — Parece que nenhuma outra Pessoa divina, que não a Pessoa do Filho, podia ter assumido a natureza humana.

1. — Pois, essa assunção tornou Deus o Filho do homem. Ora, seria inconveniente que conviesse ao Pai ou ao Espírito Santo o ser filho, o que redundaria em confusão das divinas Pessoas. Logo, o Pai e o Espírito Santo não poderiam assumir a carne.

2. Demais. — Pela Encarnação divina os homens alcançaram a adoção de filhos, segundo as palavras do Apóstolo. Vós não recebestes o espírito de escravidão para estardes outra vez com temor mas recebestes o espírito de adoção de filhos. Ora, a filiação adotiva é uma semelhança participada da filiação natural, que não convém ao Padre nem ao Espírito Santo. Donde o dizer o Apóstolo: Os que ele conheceu na sua presciência também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho. Logo, parece que nenhuma outra Pessoa podia ter-se incarnado, que não a Pessoa do Filho.

3. Demais. — Diz-se que o Filho foi enviado, e gerado, na sua natividade temporal, como encarnado que foi. Ora, ao Pai não convém o ser enviado, pois é inascível, como se estabeleceu na Primeira Parte. Logo, ao menos a Pessoa do Pai não podia encarnar-se.

Mas, em contrário, tudo o que pode o Filho pode o Pai; do contrário os três não teriam o mesmo poder. Ora, o Filho pôde encarnar-se, Logo semelhantemente, o Pai e o Espírito Santo.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, a assunção implica duas coisas: o ato mesmo de quem assume e o termo da assunção. Ora, o princípio do ato é a virtude divina; e o termo é a pessoa. Mas, o poder divino todas as Pessoas o têm comum e igualmente. E a mesma é a razão comum da personalidade nas três Pessoas, embora as propriedades pessoais sejam diferentes. Ora, sempre que uma virtude existe igualmente em vários sujeitos, pode terminar a sua ação em qualquer deles; tal o (que se dá com as potências racionais, que podem se aplicar a coisas opostas, podendo realizar uma ou outra delas. Por onde, a divina virtude podia unir a natureza humana à pessoa do Pai ou à do Espírito Santo, como a uniu à pessoa do Filho. Por isso, concluímos que o Pai ou o Espírito Santo podiam, tão bem como o Filho, assumir a carne.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A filiação temporal em virtude da qual Cristo é chamado Filho do Homem, não lhe constitui a pessoa, como a filiação eterna, mas é uma certa consequência da natividade temporal. Por onde se deste modo o nome de filiação se transferisse ao Pai ou ao Espírito Santo, daí não resultaria nenhuma confusão das divinas Pessoas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A filiação adotiva é uma certa semelhança participada da filiação natural; mas se realiza em nós apropriadamente pelo Pai, que é o princípio da filiação natural e pelo dom do Espírito Santo, que é o amor do Pai e do Filho, segundo aquilo do Apóstolo: Mandou Deus o Espírito de seu Filho, que chama — Pai, Pai. Por onde, assim como pela encarnação do Filho, recebemos a filiação adotiva, à semelhança da sua filiação natural, assim, se o Pai se tivesse encarnado,  teriamos recebido dele a filiação adotiva como do princípio da filiação natural, e do Espírito Santo, como do nexo comum entre o Pai e o Filho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Ao Pai convém ser inascível, segundo a natividade eterna; o que não excluiria a natividade temporal. Mas, dizemos que o Filho é enviado, segundo a Encarnação como procedente de outro, sem o que a Encarnação não realizaria plenamente a ideia de missão.

Art. 4 — Se uma Pessoa pode assumir a natureza criada, sem a assumir outra.

O quarto discute-se assim. — Parece que não pode uma Pessoa assumir a natureza, sem a assumir outra.

1. — Pois, as obras da Trindade são indivisas, como diz Agostinho. Ora, como das três Pessoas é só uma a essência, assim também uma só operação. Ora, assumir é uma determinada operação. Logo, não pode convir a uma Pessoa divina sem que o convenha a outra.

2. Demais. — Assim como falamos da pessoa incarnada do Filho, assim, da natureza: pois, toda a natureza divina se incarnou numa das suas hipóstases, como diz Damasceno. Ora, a natureza é comum às três Pessoas. Logo, também a assunção.

3. Demais. — Assim como a natureza humana em Cristo foi assumida por Deus, assim também pela graça, os homens são assumidos por ele, segundo aquilo do Apóstolo: Deus o recebeu por seu. Ora, esta assunção comumente pertence a todas as Pessoas. Logo, também a primeira.

Mas, em contrário, Dionísio diz que o mistério da Encarnação pertence à teologia discretiva, pela qual se introduz a distinção das divinas Pessoas.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, a as unção implica duas coisas: o ato de quem assume e o termo da assunção. Ora, o ato de quem assume procede da divina virtude, comum às três Pessoas; mas o termo da assunção é a pessoa, como se disse. Logo, o que implica uma ação, na assunção, é comum às três Pessoas; mas o que implica a ideia de termo convém de modo a uma Pessoa, que não convém às outras. Pois, as três Pessoas fizeram com que a natureza humana se unisse à Pessoa do Filho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe quanto à operação. E a conclusão seria consequente se importasse só essa operação sem o termo, que é a Pessoa.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Dizemos que a natureza se encarnou e que assumiu, em razão da Pessoa na qual se terminou a união, como se disse; não porém enquanto comum às três Pessoas, Pois dizemos que toda a natureza divina se encarnou, não por ter se encarnado em todas as Pessoas, mas por não faltar nenhuma das perfeições divinas à natureza da Pessoa encarnada.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A assunção feita pela graça da adoção se termina numa determinada participação da natureza divina, por assimilação com a bondade dela, conforme àquilo da Escritura. Para que sejais feitos participantes, etc. E essa assunção é comum às três Pessoas, tanto quanto ao princípio, como ao termo. Mas; a assunção feita pela graça da união é comum quanto ao princípio, mas não quanto ao termo, como se disse.

Art. 3 — Se, abstraída a personalidade pelo intelecto, a natureza pode assumir.

O terceiro discute-se assim. — Parece que, abstraída a personalidade pelo intelecto, a natureza não pode assumir.

1. — Pois, como se disse, à natureza convém assumir em razão da pessoa. Ora, o que convém a um ser em razão de outro, separado deste último já não lhe pode convir. Assim, o corpo, visível em razão da cor, não pode ser visto sem esta. Logo, abstraída a personalidade pelo intelecto, a natureza não pode assumir.

2. Demais. — A assunção importa o termo da união, como se disse. Ora, não pode a união fazer-se em a natureza, mas só na pessoa. Logo, abstraída da personalidade, a natureza divina não pode assumir.

3. Demais. — Na primeira parte se disse que, abstraída a personalidade, nada resta. Ora, o que assume é uma realidade. Logo, abstraída a personalidade, a natureza divina não pode assumir.

Mas, em contrário, em Deus, a personalidade é considerada uma propriedade natural, e é tríplice, a saber: a paternidade, a filiação e a processão, como se disse na Primeira Parte. Ora, afastadas essas propriedades naturais pelo intelecto, ainda resta a onipotência de Deus, pela qual se fêz a Encarnação, como o disse o Anjo: Porque a Deus nada é impossível. Logo, parece que, mesmo removida a personalidade, a natureza divina pode assumir.

SOLUÇÃO. — O intelecto mantém com Deus uma dupla relação. — Primeiro, conhecendo a Deus como ele é. E assim, é impossível ele circunscrever algo em Deus, de modo que reste além disso outra coisa; pois, tudo o que há em Deus é uma unidade, salva a distinção das Pessoas. Das quais, uma desapareceria com a eliminação de outra, pois, elas se distinguem só pelas relações, que são necessariamente simultâneas. —De outro modo o intelecto se relaciona com Deus, não pelo conhecer como ele é, mas conhecendo-o ao seu modo, isto é, multiplicada e divididamente o que em Deus é uno. E deste modo, o nosso intelecto pode inteligir a bondade e a sabedoria divina e outros atributos semelhantes, chamados atributos essenciais, sem aí se compreender a paternidade ou a filiação, que se chamam personalidades. E sendo assim, abstraída a personalidade pelo intelecto, podemos ainda inteligir a natureza que assume.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como o ser de Deus se identifica com o princípio mesmo dele, todo o atribuído a Deus, considerado abstractamente e em si mesmo e separado do mais, será algo de subsistente; e por consequência o será a pessoa, que existe em a natureza intelectual. Assim como, pois, postas as propriedades pessoais em Deus, dissemos serem três as Pessoas, assim, excluídas pelo intelecto as propriedades pessoais, restará em nossa consideração a natureza divina como subsistente e como pessoa. E deste modo, podemos inteligir que assuma a natureza humana, em razão da sua subsistência ou personalidade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Mesmo circunscritas pelo intelecto as personalidades das três Pessoas, restará no intelecto a personalidade una de Deus, como o entendem os Judeus; e essa pode ser o termo da assunção, assim como dizemos ter ela o seu termo na Pessoa do Verbo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Abstraída a personalidade pelo intelecto, diz-se que nada resta a modo de resolução. Quase sendo uma coisa o que está sujeito à relação e outra, a relação mesma; pois, tudo o considerado em Deus o é como suposto subsistente. Contudo, pode uma predicação feita, de Deus, ser entendida sem outra, não a modo de resolução, mas do modo já dito.

Art. 2 — Se à natureza divina convém assumir.

O segundo discute-se assim. — Parece que à natureza divina não convém o assumir.

1 — Pois, como se disse, assumir é como tomar para si (ad se sumere). Ora, a natureza divina não tomou para si a natureza humana, pois, não se fez a união em a natureza, mas na pessoa, como se disse. Logo, à natureza divina não cabe assumir a natureza humana.

2. Demais. — A natureza divina é comum às três Pessoas. Se, pois, à natureza convém o assumir, segue-se que convém às três Pessoas. E assim, o Pai assumiu a natureza humana, como o Filho - O que é errôneo.

3. Demais. — Assumir é agir. Ora, agir convém à pessoa; não à natureza, que antes exprime o princípio pelo qual o agente age. Logo, assumir não convém à natureza.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Aquela natureza que é sempre. gerada do Pai, isto é, que foi pela geração eterna recebida do Pai, recebeu a nossa natureza, sem pecado.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, a palavra assunção abrange duas coisas - o princípio e o termo da ação. Ora, ser princípio da assunção convém à natureza divina em si mesma, pois, pelo seu poder se lhe realizou a assunção. Mas, ser termo da assunção não convém a essa natureza em si mesma, mas, em razão da Pessoa na qual a consideramos. Por onde, primária e proprissimamente, dizemos que a Pessoa assume; mas, secundariamente podemos dizer que também a natureza assumiu a natureza à sua Pessoa. E também deste modo dizemos que a natureza se incarnou, não por ter-se convertido em carne, mas por ter assumido a natureza da carne. Donde o dizer Damasceno. Afirmamos que a natureza de Deus se incarnou, segundo os santos Atanásio e. Cirilo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O pronome se é recíproco e se refere ao mesmo suposto. Ora, a natureza divina não difere, pelo suposto, da Pessoa do Verbo. Por onde, por ter a natureza do Verbo assumido a natureza humana à sua Pessoa, dizemos que a assumiu a si. Mas, embora o Padre assuma a natureza humana à Pessoa do Verbo, nem por isso a assume a si; pois, não é o mesmo o suposto do Pai e do Verbo. Por onde, não se pode propriamente dizer que o Pai assume a natureza humana.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O conveniente à natureza humana em si mesma convém às três Pessoas; assim a bondade, a sabedoria e atributos semelhantes. Mas assumir lhe convém em razão da Pessoa do Verbo, como se disse. Por isso .só a essa Pessoa o convém.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Assim corno em Deus se identificam o seu ser e o princípio deste, assim também; o que faz e o princípio da sua ação; pois, todo ser age enquanto ser. Por onde, a natureza divina é o princípio do agir de Deus e é o próprio Deus agente.

Art. 1 — Se à Pessoa divina convém assumir a natureza criada.

O primeiro discute-se assim. — Parece que não convém a Pessoa divina assumir a natureza criada.

1. — Pois, uma Pessoa divina significa um ser perfeito em sumo grau. Ora, perfeito é aquilo a que não se pode fazer nenhum acréscimo. Mas, sendo assumir o tomar para si. (ad se sumerey); de modo a ficar o assumido acrescentado ao que assume, parece que à Pessoa divina não convém assumir a natureza criada.

2. Demais. — O ser para o qual um outro é assumido se comunica de certo modo ao primeiro; assim, uma dignidade se comunica a quem foi a ela elevada. Ora, a pessoa é por natureza incomunicável, como se disse na' Primeira Parte. Logo, não convém à Pessoa divina assumir, isto é, tomar para si. (ad se sumere).

3. Demais. — A pessoa é constituída pela natureza. Ora, é inconveniente que o constituído assuma o constituinte, porque o efeito não age sobre a sua causa. Logo, não convém à Pessoa assumir a natureza.

Mas, em contrário, Agostinho diz: Esse Deus, isto é, o Unigênito, recebeu a forma, isto é, a natureza do servo, na sua Pessoa. Ora, o Deus Unigênito é uma Pessoa. Logo, à Pessoa convém receber a natureza, o que é assumi-la.

SOLUÇÃO. — A palavra assunção implica duas coisas, isto é, o princípio e o termo do ato, pois, assumir é como tomar para si (ad se sumeres). Ora, dessa assunção a Pessoa é o princípio e o termo. O princípio, porque à pessoa propriamente cabe o agir; ora, essa assunção da carne foi feita pela pessoa divina. Semelhantemente, também a Pessoa é o termo dessa assunção; pois, como se disse, a união se fez na Pessoa, não em a natureza. Por onde é claro que proprissimarnente cabe à Pessoa assumir a natureza.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Sendo a Pessoa divina infinita, não se lhe pode fazer nenhuma adição. Por isso Cirilo diz: Nós não entendemos esse modo de união como uma ???, Assim como na união do homem com Deus, pela graça de adoção, nada se acrescenta a Deus, mas, o divino se opõe ao homem. Por onde não é Deus, mas o homem, quem se aperfeiçoa.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Dizemos que a pessoa é incomunicável, por não poder ser predicada de muitos supostos. Mas, nada impede que da pessoa se façam muitas predicações. Por onde, não é contra a essência da pessoa comunicar-se de modo que subsista em várias naturezas. Pois, também na pessoa criada podem concorrer várias naturezas acidentalmente, assim como a pessoa de um determinado homem tem quantidade e qualidade. Mas, por causa da sua. infinidade, é próprio da divina Pessoa, que nela exista o concurso das naturezas, não acidentalmente, mas segundo a subsistência.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como se disse, a natureza humana não constitui a Pessoa divina, absolutamente falando; mas a constitui enquanto denominada por uma tal natureza. Assim, não é da natureza humana que o Filho de Deus tira a sua existência absoluta, pois já existia abeterno, mas só a sua existência humana. Mas, segundo a natureza divina a Pessoa divina é constituída de modo absoluto. Por onde, da Pessoa divina não dizemos que assumiu a natureza divina, mas a humana.

AdaptiveThemes