Skip to content

Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Questão 15: Das fraquezas atinentes à alma que Cristo assumiu com a natureza humana

Em seguida devemos tratar das misérias atinentes à alma.

E nesta questão discutem-se dez artigos:

Questão 14: Das fraquezas do corpo, que Cristo assumiu na natureza humana.

Em seguida devemos tratar das fraquezas que Cristo assumiu em a natureza humana. E, primeiro, das fraquezas do corpo. Segundo, das fraquezas da alma.

Na primeira questão discutem-se quatro artigos:

Questão 13: Da potência da alma de Cristo

Em seguida devemos tratar da potência da alma de Cristo.

E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Questão 12: Da ciência adquirida da alma de Cristo

Em seguida devemos tratar da ciência adquirida ou experimental da alma de Cristo.

E nesta questão discutem-se quatro artigos:

Questão 11: Da ciência inata ou infusa da alma de Cristo

Em seguida devemos tratar da ciência. inata ou infusa da alma de Cristo.

E nesta questão discutem-se seis artigos:

Questão 10: Da ciência da beatitude da alma de Cristo

Em seguida devemos tratar de cada uma das referidas ciências. Mas, como já tratamos da ciência divina na Primeira Parte, resta agora tratar das outras três. Primeiro, da ciência da beatitude. Segundo, da ciência infusa. Terceiro, da ciência adquirida.

Mas como, da ciência da beatitude, consistente na união de Deus, já dissemos muito na Primeira Parte, por isso agora só devemos tratar do que propriamente pertence à alma de Cristo.

Por onde, nesta questão discutem-se quatro artigos:

Art. 1 — Se a união do Verbo encarnado se operou numa só natureza.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a união do Verbo se operou numa só natureza. 

1 — Pois, diz Cirilo e está nas atas do Concílio Calcedonense: Não devemos entender serem duas as naturezas, mas uma só a natureza encarnada do Deus Verbo; o que não se daria se a união não se realizasse em a natureza. Logo, a união do Verbo encamado foi feita em a natureza. 

2. Demais. — Atanásio diz: Assim como a alma racional e a carne convêm na constituição de uma natureza humana, assim Deus e o homem convêm na constituição de qualquer uma natureza. Logo, a união foi feita em a natureza. 

3. Demais. — Duas naturezas não são denominadas uma pela outra, salvo se de algum modo se transmuda uma na outra, Ora, a natureza, divina e a humana em Cristo se denominam uma pela outra; assim, diz Cirilo, que a natureza divina se encarnou; e Gregório Nazianzeno diz, que a natureza humana se deificou, como está claro em Damasceno. Logo, parece que de duas naturezas fez-se uma só natureza, 

Mas, em contrário, diz uma determinação do concílio Calcedonense: Confessamos, que agora devemos reconhecer que o filho unigênito de Deus existe em duas naturezas, sem confusão, imutavelmente, indivisivelmente, inseparavelmente, sem que jamais a diferença da naturezas tenha sido destruída por causa da união — Logo, não se fez a união em a natureza. 

SOLUÇÃO. — Para resolver com clareza a questão presente, devemos considerar o que é a natureza. Ora, é mister saber-se que o nome de natureza é assim dito ou derivado de nascer. Por isso, esse nome foi primariamente usado para significar a geração dos viventes, chamada atividade ou reprodução de modo que natureza quer dizer quase nascitura. Em seguida o nome de natureza foi aplicado translatamente para significar o princípio dessa geração. E como o princípio da geração, nos seres vivos, é intrínseco, o nome de natureza, foi ulteriormente aplicado para significar qualquer princípio intrínseco de movimento; e assim o Filósofo diz, que a natureza é o princípio do movimento, pelo que ele tem de essencial, e não de acidental. Ora, este princípio ou é forma ou matéria. Por isso, às vezes a natureza é chamada forma; outras vezes, porém, matéria. E como o fim da geração natural é o ser gerado, isto é, a essência da espécie expressa pela definição, daí vem que essa essência específica também se chama natureza. E neste sentido, Boécio define a natureza, dizendo: A natureza é a diferença específica que informa cada coisa, isto é, que realiza a definição da espécie. Ora, é neste sentido que agora empregamos a palavra natureza, enquanto significativa da essência, ou àquilo que a coisa é (quod quid est) ou a quididade específica. 

Ora, tomando a palavra natureza nesta acepção, é impossível que a união do Verbo encarnado se tivesse realizado em a natureza. Pois, de três modos uma coisa pode ser constituída de duas ou várias. 

De um modo, permanecendo os dois componentes íntegros e perfeitos. O que não pode dar-se senão nos seres cuja forma é uma composição, ordem ou figura. Assim, muitas pedras acumuladas sem nenhuma ordem, e só pela composição, formam um monte, mas, pedras e madeiras, dispostas numa certa ordem e mesmo reduzidas a uma certa figura, formam uma casa. E neste sentido, ensinaram certos que a união se realizou a modo de confusão, na qual não existe ordem; ou a modo de comensuração, que supõe a ordem. — Mas isto não pode ser. Primeiro, porque a composição, a ordem ou a figura não são formas substanciais,  mas, acidentais, e então daí resultaria que a união da Encarnação não seria substancial, mas acidental, o que mais adiante será refutado. Segundo, porque uma tal união não o é, absolutamente falando, mas, de certo modo, pois, permanece a pluralidade atual. Terceiro, porque a forma de tais elementos não é natural, mas antes artificial, como a forma de uma casa; e então não existiria uma só natureza em Cristo, como eles querem. 

De outro modo, um ser é formado de elementos perfeitos, mas transformados; assim, dos elementos se forma o misto. E neste sentido ensinaram outros que a união da Encarnação se  realiza por. modo de complexão. — O que não pode ser. Primeiro, porque a natureza divina é absolutamente imutável, como na Primeira Parte se demonstrou (q. 9, a. 1, 2). Portanto, nem ela pode se converter em outro ser, como incorruptível; nem outro, nela, pois é ingerável. Segundo, porque o resultante de uma mixão a nenhum outro misto é idêntico especificamente; assim, a carne difere de qualquer das espécies dos elementos; e então, Cristo não seria da mesma natureza que o Pai nem que a mãe. Terceiro, de seres muito desproporcionados pode resultar nenhuma mixão, porque um faz desaparecer a espécie do outro, como se puséssemos uma gota de água numa ânfora de vinho. E então, como a natureza divina excede infinitamente a humana, não poderia haver misto, mas permaneceria só a natureza divina. 

De terceiro modo, um ser é formado de elementos não transformados, mas imperfeitos; assim da alma e do corpo se faz o homem e, semelhantemente, dos diversos membros. — Mas, isto não pode dizer-se, do mistério da Encarnação. Primeiro, porque ambas as naturezas, a divina e a humana, são por essência perfeita. Segundo, porque a natureza divina e a humana não podem constituir um todo a modo de partes quantitativas, como os membros constituem o corpo, porque a natureza divina é incorpórea. Nem a modo de forma e de matéria, porque não pode a natureza divina ser forma de nenhum ente, sobretudo corpóreo; pois, do contrário, se seguiria que a espécie resultante seria comunicável a muitos, havendo então vários Cristos, Terceiro, porque Cristo não seria nem de natureza humana, nem de divina; pois, a diferença acrescentada varia a espécie, como se dá com a unidade, nos números, segundo diz Aristóteles.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A citação aduzida, de Cirilo, é assim exposta no Quinto Sínodo: Quem disser ser uma só a natureza encarnada do Verbo de Deus, e não o entender no sentido em que o ensinaram os Padres, que, um só Cristo foi feito pela união, por subsistência, das naturezas divina e humana; mas pretender introduzir a doutrina de uma só natureza ou substância da divindade e da carne de Cristo, esse tal seja anátema. Logo, o sentido não é que, na Encarnação de duas naturezas constituiu-se uma só, mas que uma só natureza do Verbo de Deus se uniu a si a carne, pessoalmente. 

RESPOSTA À SEGUNDA. — Em cada um de nós, a união da alma e do corpo constitui dupla unidade, da natureza e da pessoa. Da natureza, como a de uma alma que, unida ao corpo, normalmente o aperfeiçoa, de modo a fazer de duas uma só natureza, como do ato e da potência ou da matéria e da forma. E, por aí, não há semelhança, porque não pode a natureza divina ser forma de nenhum corpo, como provamos na Primeira Parte (q. 3, a. 8). Mas, a unidade da pessoa é constituída da alma e do corpo, por haver um só ser subsistente em carne e alma. E, então, há semelhança, pois, um só Cristo subsiste em as naturezas, divina e humana. 

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Damasceno, dizemos encarnada a natureza divina, por estar unida pessoalmente à carne; não por ter-se convertido em a natureza da carne. Semelhantemente, também a carne consideramos deificada, como o mesmo Damasceno o diz, não por conversão, mas por união com o Verbo, salvas as suas propriedades, de modo que se entenda ser a carne deificada, por ter-se tornado a carne do Verbo de Deus e não por ter-se tornado Deus. 

Art. 6 — Se a obra da Encarnação devia ser diferida até o fim do mundo.

O sexto discute-se assim. — Parece que a obra da Encarnação devia ser diferida até o fim mundo.
 
1. — Pois diz a Escritura: A minha velhice com abundância de misericórdia  o que se entende como os últimos tempos, como diz a Glosa. Ora, o tempo da Encarnação é sobretudo o tempo da misericórdia, segundo a Escritura: É tempo de teres piedade dela. Logo, a Encarnação devia ser diferida até o fim do mundo. 
 
2. Demais. — Como se disse, o perfeito, relativamente a um mesmo ser, é temporalmente posterior ao imperfeito. Logo, o perfeito por excelência deve ser o último no tempo. Ora, a perfeição suma da natureza humana é a união com o Verbo; pois, como diz o Apóstolo, foi do agrado do Pai que residisse em Cristo a plenitude da divindade. Logo, a Encarnação devia ser diferida até o fim mundo. 
 
3. Demais. — Não se deve fazer por meio de dois agentes o que por um só pode ser feito. Ora, um só advento de Cristo pode bastar à salvação da natureza humana, e esse se dará no fim do mundo. Logo, não era necessário que viesse antes, pela Encarnação.  E assim, a Encarnação devia ser diferida até o fim do mundo. 
 
Mas, em contrário a Escritura: No meio dos anos tu a farás notória. Logo, o mistério da Encarnação, pelo qual Deus se fez conhecer, não devia ser diferido, até o fim do mundo. 
 
SOLUÇÃO. — Assim como não era conveniente que Deus se tivesse encarnado desde o princípio do mundo, assim não o era que a Encarnação fosse diferida até o fim do mundo. 
 
O que se evidencia, primeiro, da união da natureza divina com a humana. Pois, como se disse (a. 5, ad 3), o perfeito, de um modo, precede temporalmente o imperfeito. Pois, no que de imperfeito passa a perfeito, o imperfeito precede temporalmente o perfeito; mas na causa eficiente da perfeição, o perfeito precede temporalmente o imperfeito. Ora, ambos concorreram na obra da Encarnação. Porque, pela própria Encarnação, a natureza humana foi elevada à suma perfeição; por isso não convinha que a Encarnação se tivesse realizado desde o princípio do gênero humano. Mas, o Verbo Encarnado é ele mesmo a causa eficiente da perfeição humana, segundo o Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude; e por isso não devia a obra da Encarnação ser diferida até o fim do mundo. Ao passo que a perfeição da glória, a qual ultimamente será elevada a natureza humana, pelo Verbo encarnado, se realizará no fim do mundo. 
 
Segundo, pelo efeito da salvação humana. Pois, como diz Agostinho, está no poder de quem dá compadecer-se quando e quanto quiser. Por isso veio quando sabia que devia socorrer e que o benefício havia de ser grato. Assim, quando, por um certo languor do gênero humano, o conhecimento de Deus começou a apagar-se entre os homens e os costumes a se mudarem, dignou-se escolher a Abraão, que realizasse a forma da renovação do conhecimento de Deus, e dos costumes. E como ainda a reverência que lhe deviam fosse diminuindo, deu a lei escrita, por meio de Moisés. E como as gentes a desprezaram, sem quererem se lhe submeter, e nem a observaram os que a receberam, o Senhor, movido pela misericórdia, mandou o seu Filho, que, feita a todos a remissão dos pecados, ofereceu-os justificados a Deus Padre. Ora, se o remédio fosse diferido até o fim do mundo, o conhecimento de Deus, a reverência a ele devida e a honestidade dos costumes teriam totalmente desaparecido da terra. 
 
Terceiro, a conveniência da Encarnação resulta da manifestação do poder divino, que salvou os homens de muitos modos, não só pela fé do futuro, mas pela do presente e do pretérito. 
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A Glosa aduzida se refere à misericórdia conducente à glória. Mas, referida à misericórdia feita ao gênero humano pela Encarnação de Cristo, devemos então saber, como diz Agostinho, que o tempo da Encarnação pode ser comparado à juventude do gênero humano, por causa do vigor e do fervor da fé, que obra pelo amor; à velhice porém, que é a sexta idade, por causa do número dos tempos, por que Cristo veio na sexta idade. E embora no corpo não possam coexistir a juventude. com a velhice podem contudo existir simultaneamente na alma, aquela, pela alegria, esta, pela gravidade. E por isso como diz ainda noutro lugar Agostinho, não devia o mestre divino, por cuja imitação os costumes do gênero humano viriam a ser ótimos, ter vindo senão no tempo da juventude. E noutro passo diz que Cristo veio na sexta idade do gênero humano, como no tempo da velhice. 
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A obra da Encarnação não devemos considerá-la só como termo e movimento do imperfeito para o perfeito, mas também como princípio da perfeição da natureza humana, como se disse. 
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Crisóstomo àquilo do Evangelho  Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo: Dois são o adventos de Cristo: o primeiro, para remir os pecados; o segundo, para julgar. Pois, se tal não tivesse feito, todos ter-se-iam simultaneamente perdido, porque todos pecaram e precisam da graça de Deus. Por onde é claro, que o advento da misericórdia não devia ser diferido até o fim do mundo. 

Art. 8 — Se Cristo nasceu no tempo conveniente.

 O oitavo discute-se assim. — Parece que Cristo não nasceu no tempo conveniente.

 
1. — Pois, Cristo veio ao mundo a fim de dar liberdade aos seus filhos. Ora, nasceu num tempo de escravidão, em que todo o mundo é descrito como sujeito ao império de Augusto, quase feito dele tributário, como refere o Evangelho. Logo, parece que Cristo não nasceu no tempo conveniente.
 
2. Demais. — As promessas sobre o nascimento de Cristo não foram feitas aos gentios, segundo àquilo do Apóstolo: Dos quais é a promessa. Ora, Cristo nasceu num tempo em que governava um rei alienígena, como se lê no Evangelho: Tendo nascido Jesus no tempo do rei Herodes. Logo, parece que não nasceu no tempo conveniente.
 
3. Demais. — O tempo da presença de Cristo no mundo é comparado ao dia, por ser a luz do mundo, como ele próprio disse: Importa que eu faça as obras daquele que me enviou enquanto é dia. Ora, no verão os dias são mais longos que no inverno. Logo, tendo nascido no rigor do inverno, no oitavo dia das Kalendas de Janeiro, parece que não nasceu no tempo conveniente.
 
Mas, em contrário, O Apóstolo: Quando veio o cumprimento do tempo, enviou Deus a seu filho, feito de mulher, feito sujeito à lei.
 
SOLUÇÃO. — A diferença entre Cristo e os outros homens está em que estes nascem sujeitos às exigências do tempo, ao passo que Cristo, como Senhor e Criador de todos os tempos, escolheu para si o tempo em que nascesse, como escolheu sua mãe e a sua pátria. E como as coisas que há foram por Deus ordenadas e convenientemente dispostas, resulta que Cristo nasceu no tempo mais conveniente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo veio tirar-nos do estado de escravidão para nos dar a liberdade. Por isso, assim como assumiu a nossa mortalidade, para nos dar a vida, assim, no dizer de Beda. dignou-se incarnar no tempo em que logo depois de nascido, foi inscrito no censo o e César, conquistando assim a nossa liberdade com a sua escravidão. - E além disso, nesse tempo, quando todo o mundo estava sujeito ao mesmo poder, reinava a máxima paz. Por isso, convinha que em tal tempo nascesse Cristo, que é a nossa paz, ele que de dous fez um, como diz o Apóstolo. Donde o dizer Jerônimo: Se perscrutarmos as histórias antigas, veremos que até o vigésimo oitavo ano de César Augusto, houve discórdias e m todo o universo: mas, com o nascimento do Senhor, cessaram todas as guerras, como o diz a Escritura: Não levantará a espada uma nação contra outra nação. - Era também conveniente que num tempo em que um só príncipe governava todo o mundo. Cristo nascesse, ele que vinha congregar os seus numa mesma unidade, a fim de existir um só rebanho e um só pastor, no dizer do Evangelho.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo quis nascer no tempo em que governava um rei alienígena para cumprir-se a profecia de Jacó, que reza: Não se tirará o cetro de Judá, nem general que proceda da sua coxa, a menos que não venha aquele que deve ser enviado. Pois, como diz Crisóstomo, enquanto a gente judaica era governada pelos judeus, embora pecadores, os profetas eram enviados para salvá-la. Mas então nasceu Cristo, quando a lei de Deus dependia do poder de um rei iníquo; porque, uma doença grave e desesperadora exigia um médico mais perito.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como se disse, Cristo quis nascer quando começou a tomar incremento a luz do dia, para mostrar que vinha para fazer crescerem os homens na luz divina, como diz o Evangelho: Para alumiar os que vivem de assento nas trevas e na sombra da morte. - Semelhantemente, escolheu para tempo da sua natividade o rigor do inverno, a fim de sofrer por nós os padecimentos da carne. 

Art. 7 — Se Cristo devia ter nascido em Belém.

 O sétimo discute-se assim. — Parece que Cristo não devia ter nascido em Belém.

 
1. — Pois, diz a Escritura: De Sião saíra a lei e de Jerusalém a palavra do Senhor. Ora, Cristo é verdadeiramente o Verbo de Deus. Logo, em Jerusalém é que devia ter vindo ao mundo.
 
2. Demais. — O Evangelho refere ter sido escrito, de Cristo, que será chamado Nazareno; lugar referente aquilo de Isaías: Uma flor brotará da sua raiz, pois, Nazaré significa flor. Ora, uma pessoa tira a sua denominação sobretudo do lugar onde nasceu. Logo, parece que devia ter nascido em Nazaré, onde foi concebido e criado.
 
3. Demais. — O Senhor veio ao mundo a fim de anunciar a verdade da fé, conforme àquilo do Evangelho: Eu para isso nasci e ao que vim ao mundo foi para dar testemunho da verdade. Ora, Isso mais facilmente podia dar-se na cidade de Roma, que então era a dominadora de todo o mundo. Donde Paulo, escrevendo aos Romanos, diz: Em todo o mundo é divulgada a vossa fé. Logo, parece que não devia ter nascido em Belém.
 
Mas, em contrário, a Escritura: E tu, Belém Efrata, de ti é que me há de sair aquele que há de reinar em Israel.
 
SOLUÇÃO. — Cristo quis nascer em Belém por duas razões. - Primeiro, porque foi feito da linhagem de Davi, segundo a carne, como diz o Apóstolo. Ora, a Davi foi feita uma promessa especial, sobre Cristo, como diz a Escritura: Disse o varão a favor do qual se decretou sobre o Cristo do Deus de Jacó. Por isso, em Belém, onde nasceu Davi, também quis nascer, para que se manifestasse, no lugar mesmo da sua natividade, o cumprimento da promessa feita. E é o que significa o Evangelista quando diz: Porque era da casa e da família de Davi. - Segundo, porque, como diz Gregório, Belém significa a casa do pão: E foi o próprio Cristo quem disse: Eu sou o pão vivo descido do céu.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como Davi nasceu em Belém, assim também escolheu Jerusalém para nela constituir a sede do seu reino e edificar o templo de Deus, de modo que Jerusalém fosse ao mesmo tempo cidade real e sacerdotal. Ora, o sacerdócio de Cristo e o seu reino se consumaram sobretudo pela sua paixão. Por isso, escolheu acertadamente, para lugar da sua natividade, Belém e Jerusalém, para o da sua paixão. - E além disso, por esse modo, desprezava a glória humana, pois, os homens se gloriam quando trazem a sua origem de cidades nobres e fazem disso cabedal de sua honra. Cristo, ao contrário, quis nascer numa cidade obscura e sofrer o opróbrio numa cidade nobre.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo quis fazer-se conhecido pela sua vida virtuosa e não pelo nascimento segundo a carne. Por isso quis ser educado e criado na cidade de Nazaré. E nascer em Belém quase como peregrino; pois, no dizer de Gregório, pela humanidade que assumiu nasceu em terra, por assim dizer, estranha; não, certo, pelo poder, mas pela sua origem carnal. E Beda também diz que, veio ao mundo numa hospedaria a fim de nos preparar muitas mansões na casa de seu Pai.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Lê-se no Concílio Efesino, que se Cristo tivesse escolhido como sua pátria Roma, a grande; haveriam talvez de atribuir a transformação, que operou no mundo, ao poder dos seus cidadãos. Se tivesse nascido de um imperador, diriam que triunfou pelo poder imperial. Mas, para que todos compreendessem que transformou o mundo pelo seu poder divino, quis escolher uma mãe humilde e uma pátria pobre. - E. como diz o Apóstolo, escolheu Deus as coisas fracas do mundo, para confundir os fortes. Por isso, a fim de melhor manifestar o seu poder. fez da própria Roma, cabeça do mundo, também a cabeça da sua Igreja, como sinal da sua perfeita vitória, para que dela derivasse a fé ao mundo universo, segundo àquilo da Escritura: Humilhará a cidade altiva e pisa-la-á o pé do pobre, isto é, de Cristo, e os passos dos necessitados, isto é, dos Apóstolos Pedro e Paulo. 
AdaptiveThemes