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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 1 — Se a alma de Cristo contemplava e contempla o Verbo, ou a essência divina.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo contemplava e contempla o Verbo, ou a essência divina.

1 — Pois, diz Isidoro que a Trindade é conhecida só de si e do homem assumido, Logo, o homem assumido participa, com a santa Trindade, daquele conhecimento que ela tem de si e só a ela é próprio : Ora, tal é o conhecimento da visão beatífica. Logo, a alma de Cristo contempla a divina essência.

2. Demais. — Maior união é a com Deus pelo seu ser pessoal que pela visão. Ora, como Damasceno diz, toda a divindade, na unidade de Pessoas, está unida à natureza humana em Cristo. Logo, com maior razão toda a natureza divina é contemplada pela alma de Cristo. E, assim, parece que a alma de Cristo contemplava a divina essência.

3. Demais. — O que convém ao Filho de Deus por natureza, ao Filho do Homem lhe convém pela graça, com diz Agostinho. Ora, contemplar a divina essência convém ao Filho de Deus por natureza. Logo, convém ao Filho do Homem pela graça. E assim, parece que a alma de Cristo contemplava, pela graça, o Verbo.

Mas, em contrário, diz Agostinho; O que se contempla é para si finito. Ora, a essência divina não é finita relativamente à alma de Cristo, pois, a esta excede em infinito. Logo, a alma de Cristo não contempla o Verbo.

SOLUÇÃO. — Como do sobredito resulta, a união das naturezas na pessoa de Cristo se fez de modo tal que a propriedade de uma e outra natureza permaneceu inconfusa; de maneira que o incriado permaneceu incriado e o criado ficou dentro dos limites da criatura, como diz Damasceno, Ora, é impossível uma criatura compreender a divina essência, como dissemos na Primeira Parte, porque o infinito não pode ser compreendido pelo finito. Logo devemos concluir que a alma de Cristo de nenhum modo compreende a divina essência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O homem assumido se acha associado com a divina Trindade, no seu conhecimento, não em razão da compreensão, mas, de um certo excelentíssimo conhecimento superior ao das outras criaturas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Nem mesmo pela união segundo o ser pessoal a natureza humana compreende o Verbo de Deus ou a natureza divina, a qual, embora estivesse toda unida à natureza humana na pessoa una do Filho, não era contudo a virtude total da divindade, quase circunscrita pela natureza humana. Donde o dizer Agostinho; Quero que saibas que a doutrina cristã não ensina que Deus se revestiu da carne humana de maneira a renunciar aos cuidados do governo universal, ou a tê-lo perdido, ou a tê-la referido ao seu frágil corpo, concentrando-o nele por assim dizer. Semelhantemente, a alma de Cristo vê toda a essência de Deus; não a compreende, porém, pela não ver totalmente, isto é, de tão perfeita maneira como ela se oferece à visão, conforme expusemos na Primeira Parte.

RESPOSTA À TERCEIRA. — As palavras referidas de Agostinho devem entender-se da graça de união, pela qual, tudo o atribuído à natureza divina do Filho de Deus o é ao Filho do Homem, por causa da identidade do suposto. E, assim sendo, podemos, verdadeiramente dizer que o Filho do Homem compreende a essência divina, não com a sua alma, mas, pela sua natureza divina. Por cujo modo também podemos dizer que o Filho do Homem é criador.

Art. 4 — Se Cristo tinha alguma ciência experimental adquirida.

O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não tinha nenhuma ciência experimental adquirida.

1 — Pois, tudo o conveniente a Cristo ele o tinha excelentissimamente. Ora, Cristo não tinha uma ciência adquirida excelentíssima, pois, não se aplicou ao estudo das letras pelo qual se adquire perfeitissimamente a ciência. Assim, refere o Evangelho: E admiravam-se os Judeus dizendo Como sabe este letras, não as tendo estudado? Logo, parece que Cristo não tinha nenhuma ciência adquirida.

2 Demais. — Ao completo nada se lhe pode acrescentar. Ora, a potência da alma de Cristo ficou completada pelas espécies inteligíveis infundidas por Deus, como se disse. Logo, não se lhe podiam acrescentar à alma quaisquer espécies adquiridas.

Demais. — Quem já possui o hábito da ciência não adquire novos hábitos pelo que conhece por meio dos sentidos; porque então nele coexistiriam duas formas da mesma espécie; mas, o hábito que havia antes é confirmado e aumentado. logo, como Cristo tinha o hábito da ciência infusa, parece que, pelo que percebia pelos sentidos, não adquiriu nenhuma outra ciência.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Sendo Filho de Deus, aprendeu a obediência pelas coisas que padeceu; isto é, que experimentou, comenta a Glosa. Logo, Cristo teve uma ciência experimental, que é a ciência adquirida.

SOLUÇÃO. — Como do sobredito resulta, nada do que Deus infundiu em nossa natureza faltou à natureza humana assumida pelo Verbo de Deus. Ora, é manifesto que em a natureza humana Deus não somente infundiu o intelecto possível, mas também o intelecto agente. Donde necessariamente se conclui, que a alma de Cristo não somente tinha o intelecto possível, mas também o agente. Se pois, nos outros seres, Deus e a natureza nada fizeram em vão, como diz o Filósofo, com muito maior razão nada fez de vão na alma de Cristo. Ora, é vão o que não tem uma operação própria, no dizer de Aristóteles; pois, todo ser é feito para as suas operações, como também ele o diz. Ora, a operação própria do intelecto agente é tornar as espécies inteligíveis em ato, abstraindo-as dos fantasmas, donde o dizer-se que o intelecto agente é o que tem o poder de fazer todas as coisas. Donde é necessário concluir-se que em Cristo havia certas espécies inteligíveis, pela ação do intelecto agente recebidos no seu intelecto possível. O que é ter tido ele uma ciência adquirida, a que certos chamam experimental.

Portanto, embora noutro lugar tivesse escrito diferentemente, devemos dizer que Cristo teve uma ciência adquirida. A qual é propriamente uma ciência ao modo humano, não só por parte do sujeito recipiente, mas ainda pelo lado da causa agente. Pois, atribuímos a Cristo essa ciência segundo o lume do intelecto agente, conatural à alma humana. Ao passo que a ciência infusa lhe é atribuída segundo o lume infuso do alto, e esse modo de conhecer é proporcionado à natureza angélica. Mas a ciência da beatitude, pela qual é vista a essência mesma de Deus, é própria e conatural só a Deus, como dissemos na Primeira Parte.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Há dois modos de se adquirir a ciência: a invenção e a disciplina. A invenção é o modo principal; o pela disciplina é secundário. Donde o dizer Aristóteles: Ultimo é o que sabe tudo por si mesmo; bom, porém, quem aproveita tudo que lhe ensinam. Por isso, a Cristo antes cabia ter a ciência adquirida pela invenção do que pela disciplina, sobretudo porque Deus o ia dar a todos como Doutor, segundo a Escritura: Alegrai-vos no Senhor vosso Deus, porque ele vos deu um doutor que ensinará a justiça.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A inteligência é capaz de uma dupla contemplação. Uma, do que lhe é superior. E por esta a alma de Cristo tinha a plenitude que lhe dava a ciência infusa. A outra é do que lhe é inferior, isto é, dos fantasmas, cuja natureza é mover a inteligência humana por virtude do intelecto agente. Ora, era necessário, que também por essa contemplação a alma de Cristo tivesse a plenitude da ciência. Não que a primeira plenitude não bastasse por si mesma, à inteligência humana; mas porque lhe era necessária a perfeição também relativamente aos fantasmas.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Uma é a natureza do hábito adquirido e outra, a do hábito infuso. Assim, o hábito da ciência se adquire pela relação da alma humana com os fantasmas; por isso, ao mesmo ponto de vista não pode um hábito ser repetidamente adquirido. Mas, o hábito da ciência infusa tem outra natureza, como descendo de um superior, para a alma e não segundo uma proporção com os fantasmas. Logo, não há paridade entre um e outro hábito.

Art. 3 — Se em Cristo há uma outra ciência infusa além da ciência beatífica.

O terceiro discute-se assim. — Parece que em Cristo não há outra ciência infusa, além da beatífica.

1. — Pois, qualquer ciência criada está para a ciência da visão beatífica como o imperfeito, para o perfeito. Ora, a presença do conhecimento perfeito exclui a do imperfeito, assim como a visão manifesta face a face exclui a enigmática, da fé, segundo se lê no Apóstolo. Ora, como Cristo tinha a ciência da visão beatífica, conforme dissemos, parece que não podia ter outra ciência, infusa.

2. Demais. — O modo imperfeito do conhecimento dispõe para o perfeito; assim a opinião, fundada no silogismo dialético, dispõe para a ciência, fundada no silogismo demonstrativo. Ora, quem já tem a perfeição não precisa de nenhuma disposição ulterior, assim como não há necessidade de movimento quando o termo foi atingido. Mas, qualquer conhecimento criado, estando para o da visão beatífica como o imperfeito, para o perfeito e como a disposição, para o termo, parece que a Cristo não lhe era necessário nenhum outro conhecimento, desde que tinha o da visão beatífica.

3. Demais. — Assim como a matéria corpórea está em potência para a forma sensível assim o intelecto possível para a forma inteligível. Ora, a matéria corpórea não pode receber simultaneamente duas formas sensíveis - mais perfeita uma e outra menos perfeita. Logo, nem a alma pode simultaneamente ter duas ciências, mais perfeita uma e outra menos perfeita. Donde se conclui o mesmo que antes.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Em Cristo estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, convinha que a natureza humana assumida pelo Verbo não fosse imperfeita. Ora, todo o potencial é imperfeito, que não for reduzido ao ato. Mas, o intelecto humano é potencial em relação a todos os inteligíveis; reduz-se ao ato porém pelas espécies inteligíveis que lhe são umas formas completivas conforme resulta do que já dissemos. Logo, devemos atribuir a Cristo uma ciência infusa enquanto que, pelo Verbo de Deus, na alma de Cristo, pessoalmente unida ao Verbo, se lhe imprimiram as espécies inteligíveis relativas a tudo o para o que o intelecto possível é potencial. Assim como também, pelo Verbo de Deus foram impressas as espécies inteligíveis na mente angelica, no princípio da criação das coisas, conforme diz Agostinho. Por onde, como os anjos, segundo o mesmo Agostinho, tem duplo conhecimento — Um matutino, pelo qual conhecem as coisas no Verbo; e outro, vespertino pelo qual as conhecem nas suas naturezas próprias, por meio das espécies neles infusas, assim também, além da ciência incriada, tem a alma de Cristo a ciência da visão beatífica, pela qual conhece o Verbo e as coisas, nele; e a ciência infusa ou inata, pela qual as conhece em a natureza própria delas, por meio das espécies inteligíveis proporcionadas à mente humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A visão imperfeita da fé inclui por essência o oposto à visão manifesta, por ser da natureza da fé ter por objeto o invisível, como se disse na Segunda Parte. Ao passo que o conhecimento por meio das espécies infusas nada inclui de oposto ao conhecimento beatífico. Por onde, não há paridade em ambos os casos.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A disposição se relaciona com a perfeição, de dois modos; como a via conducente a ela e como um efeito dela procedente. Assim, pelo calor a matéria se dispõe a receber a forma do fogo, cuja presença não faz cessar o calor, que permanece, quase como um efeito de tal forma. Semelhantemente, a opinião causada pelo silogismo dialético é via à ciência adquirida por demonstração, com cuja aquisição pode coexistir o conhecimento pelo silogismo dilético, como uma consequência da ciência demonstrativa, que é um conhecimento pela causa, pois, quem conhece a causa pode também, por ela, com maior razão, conhecer os sinais prováveis, dos quais procede o silogismo dialético. Do mesmo modo, em Cristo, com a ciência da beatitude coexiste a ciência infusa, não como via para a beatitude, mas como confirmada por ela.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O conhecimento da beatitude não se opera por uma espécie que seja semelhança da essência divina ou das coisas que na espécie divina se conhecem, como resulta do que foi dito na Primeira Parte. Mas tal conhecimento atinge a própria essência imediatamente, por estar a essência divina unida à alma beata como o inteligível ao inteligente. Ora, a essência divina é uma forma que excede à proporção de qualquer criatura. Por onde, nada impede coexistirem, na alma racional, com essa forma sobreexcedente, espécies inteligíveis proporcionadas à sua natureza.

Art. 2 — Se Cristo teve a ciência dos santos ou dos que gozam da visão beatífica.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não teve a ciência dos santos ou dos que gozam da visão beatífica.

1 - Pois, a ciência dos santos é uma participação do lume divino, segundo a Escritura: No leu lume veremos o lume. Ora, Cristo não tinha o lume divino corno participado, mas tinha a própria divindade emanente em si substancialmente, conforme o diz o Apóstolo: Nele habita toda a plenitude da divindade corporalmente. Logo, Cristo não tinha a ciência dos santos.

2. — Demais. - A ciência dos santos os torna santos, segundo o Evangelho: A vida eterna consiste em que eles conheçam por um só verdadeiro Deus a ti e a Jesus Cristo, que tu enviaste. Ora, o homem Cristo foi santo desde que foi unido pessoalmente a Deus, segundo a Escritura: Bem-aventurado o que elegeste e tomaste para o teu serviço. Logo, não devemos atribuir a Cristo a ciência dos santos.

3. Demais. — Ao homem compete uma dupla ciência, a que lhe é conforme e a que lhe é superior à natureza. Ora, a ciência dos santos, consistente na visão divina, não é conforme à natureza do homem, mas lhe é superior. Mas, Cristo teve outra ciência sobrenatural muito mais elevada, que era a ciência divina. Logo, não era necessário tivesse Cristo a ciência dos santos.

Mas, em contrário. — A ciência dos santos consiste na visão ou no conhecimento de Deus. Ora, Cristo conheceu a Deus plenamente, mesmo enquanto homem, segundo o Evangelho. Mas eu o conheço e guardo a sua palavra. Logo, Cristo teve a ciência dos santos.

SOLUÇÃO. — O potencial se reduz ao atual pelo que já é atual. Assim, há-de ser quente o que aquece. Ora, o homem tem em potência a ciência dos santos, consistente na visão de Deus, a qual se ordena como ao fim; pois, é uma criatura racional capaz desse conhecimento dos bem-aventurados, como feito que é à imagem de Deus. Ora, a esse fim da beatitude os homens são levados pela humanidade de Cristo, segundo o Apóstolo: Convinha que aquele para quem são todas as coisas e por quem todas existem, havendo de levar muitos filhos à glória, consumasse pela paixão ao autor da salvação deles. Logo, era necessário que o conhecimento consistente na visão beatífica de Deus, excelentissimamente o tivesse o homem Cristo, pois, sempre e necessariamente a causa é superior ao causado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A divindade se uniu à humanidade de Cristo, pessoalmente; não pela essência ou pela natureza, mas com a unidade da pessoa permanece a distinção das naturezas. Por onde, a alma de Cristo, que faz parte da natureza humana, teve, por um lume participado da natureza divina, a ciência perfeita dos santos, pela qual veem a essência de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Em virtude mesmo da união, o homem Cristo é santo por santidade incriada, assim como é Deus pela união. Mas, além da beatitude incriada, era necessário que a natureza humana de Cristo tivesse uma certa beatitude criada, pela qual a sua alma fosse constituída no fim último da natureza humana.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A visão ou a ciência dos santos é de certo modo superior à natureza da alma racional; isto é, enquanto não pode esta chegar, pelas suas próprias forças, a ela. Mas, num outro sentido, essa ciência lhe é natural, isto é, enquanto que por Sua natureza, é capaz dela, por ser a alma racional feita à imagem de Deus, como se disse. Mas, a ciência incriada é, de todos os modos, superior à natureza da alma humana.

Art. 1 — Se Cristo tinha alguma ciência além da divina.

O primeiro discute-se assim. — Parece que Cristo não tinha uma ciência, além da divina.

1 — Pois, a ciência é necessária para, por meio dela, adquirirmos certos conhecimentos. Ora, Cristo, pela ciência divina, conhecia todas as coisas. Portanto, era-lhe supérflua outra ciência.

2. Demais. — A luz maior ofusca a menor. Ora, toda ciência criada está para a ciência de Deus incriada como a luz menor, para a maior. Logo, em Cristo não refulgiu outra ciência além da divina.

3. Demais. — A união da natureza humana com a divina fez-se na pessoa, como do sobredito resulta. Ora, segundo alguns, Cristo teve uma certa ciência de união, pela qual sabia o atinente ao mistério da Encarnação, mais plenamente que qualquer outro. Ora, como a união pessoal contém duas naturezas, parece que não havia em Cristo duas ciências, mas uma só, pertinente a uma e outra natureza.

Mas, em contrário, diz Ambrósio: Deus assumiu, na carne, a perfeição da natureza humana; assumiu a alma sensitiva do homem, mas não a entumescida pela soberba da carne. Logo, Cristo teve uma ciência criada.

SOLUÇÃO. — Como do sobredito resulta, o Filho de Deus assumiu a natureza humana criada; isto é, não só o corpo, mas também a alma, não só a sensitiva, mas também a racional. Logo, tinha necessariamente a ciência criada, por três razões. — Primeiro, por causa da perfeição da alma. Pois, em si mesma considerada, a alma é potencial em relação ao conhecimento dos inteligíveis; pois, é como uma tábua em que nada está escrito; e contudo. é possível escrever nela, por meio do intelecto possível, pelo qual pode tornar-se todas as causas, como diz Aristóteles. Pois, o potencial é imperfeito, se não for reduzido ao ato. Ora, não era conveniente que o Filho de Deus assumisse a natureza humana imperfeita, mas, a perfeita, como a mediante a qual todo o gênero humano devesse ser reduzido à perfeição. E por isso era necessário fosse a alma de Cristo perfeita, por meio de uma ciência, que fosse a perfeição própria dele. Logo, também devia necessariamente ter uma outra ciência além da divina. Do contrário, a alma de Cristo seria mais imperfeita que a dos outros homens. — Segundo, como todas as causas existem em vista das suas operações, conforme diz Aristóteles, teria em vão Cristo a alma intelectiva, se não inteligisse por ela. O que constitui a ciência criada. — Terceiro, porque, há uma ciência criada própria da natureza da alma humana, e é a pela qual naturalmente conhecemos os primeiros princípios; pois, aqui tomamos a palavra ciência em sentido lato, por qualquer conhecimento do intelecto humano. Ora, nada de natural faltou a Cristo, porque assumiu toda a natureza humana, como dissemos. Por isso, no Sexto Sínodo foi condenada a opinião dos que negavam tivesse Cristo duas ciências ou duas sabedorias.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo conhecia todas as coisas pela sua ciência divina por operação incriada, que é a essência mesma de Deus; pois, inteligir é a própria substância de Deus, como o prova Aristóteles. Por onde, esse ato, sendo de outra natureza, não podia pertencer à alma humana de Cristo. Se, pois, a alma de Cristo não tivesse outra ciência, além da divina, nada conheceria. E então teria sido assumida em vão, pois, as coisas existem em vista das suas operações.

RESPOSTA À SEGUNDA. — De duas luzes consideradas da mesma ordem, a menor é ofuscada pela maior; assim, a luz do sol ofusca a da candeia, pertencendo uma e a outra à ordem do corpo que iluminam. Mas, se considerarmos a maior como a que ilumina e a menor com a iluminada, o menor lume não é ofuscado pelo maior, mas ao contrário, é aumentado; assim a luz do ar não é ofuscada pela do sol. E, deste modo, a luz da ciência não é ofuscada, mas antes, mais se esclarece na alma de Cristo, pelo lume da ciência divina, que é a luz verdadeira, que alumia a todo o homem que vem a este, mundo no dizer do Evangelho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Quanto às coisas unidas, tem ciência, em Cristo, tanto a natureza divina como a humana; assim que, por causa da união, pela qual o Deus e o homem tem a mesma hipóstase, o que é de Deus se atribui ao homem e o que é do homem se atribui a Deus, como se disse. Mas, quanto à união mesma, não podemos admitir em Cristo nenhuma ciência. Pois aquela união refere-se ao ser pessoal; a ciência, porém, não convém à pessoa senão em razão de alguma natureza.

Art. 8 — Se o Anti-Cristo é a cabeça dos maus.

O oitavo discute-se assim. — Parece que o Anti-Cristo não é a cabeça dos maus.

1. — Pois, um mesmo corpo não pode ter cabeças diversas. Ora, o diabo é a cabeça da multidão dos maus. Logo, - o Anti-Cristo não é a cabeça deles.

2. Demais — O Anti-Cristo é membro do diabo. Ora, a cabeça se distingue dos membros. Logo, o Anti-Cristo não é a cabeça dos maus.

3. Demais. — A cabeça influi nos membros Ora, o Anti-Cristo não teve nenhuma influência sobre os maus homens que o precederam. Logo, o Anti-Cristo não é a cabeça dos maus.

Mas, em contrário, àquilo da Escritura — Perguntai a qualquer dos viandantes — diz a Glosa: Estando se referindo ao corpo de todos os maus, de súbito converte as suas palavras ao Anti-Cristo, chefe de todos os maus.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, três coisas se encontram na cabeça natural - a ordem, a perfeição e a virtude de influir. Ora, quanto à ordem do tempo, não é o Anti-Cristo considerado chefe dos maus, como se o pecado dele tivesse tido a precedência, como a teve o do diabo. Nem semelhantemente, se chama cabeça dos maus por causa do poder de influir. Pois, embora, no seu tempo, haja de converter certos ao mal, induzindo-os exteriormente, contudo os que existiram antes dele não foram por ele levados ao mal, nem lhe imitavam a malícia. E assim, neste sentido, não poderia ser chamado cabeça de todos os maus, senão só de certos. Donde se conclui que é chamado cabeça de todos os maus por causa da perfeição da malícia. Donde, àquilo do Apóstolo — ostentando-se como se fosse Deus — diz a Glosa: Assim como em Cristo habitou toda a plenitude da divindade, assim no Anti-Cristo, a plenitude de toda malicia. Não certo, que a sua humanidade seja assumida pelo diabo na unidade da pessoa, como a humanidade de Cristo pelo Filho de Deus; mas porque o diabo lhe influirá de maneira mais eminente a sua malícia, por sugestão, que aos outros todos. E, assim sendo, todos os outros maus que o precederam, são uma como figuras do Anti-Cristo, segundo o Apóstolo: O mistério da iniquidade já de presente se obra.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O diabo e o Anti-cristo não são duas cabeças, mas uma só; porque o Anti-cristo é chamado cabeça por ter plenissimamente impressa em si a malícia do diabo. Donde, aquilo do Apóstolo — ostentando-se como se fosse Deus — diz a Glosa: Ele será a cabeça de todos os males, isto é, o diabo, que é o rei de todos o filho da soberba. Mas não se diz que está nele por uma união pessoal, nem por habitação intrínseca, pois, só a Trindade penetra na alma; senão, pelo efeito da malícia.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Assim como a cabeça de Cristo é Deus e contudo ele é a cabeça da Igreja, segundo dissemos, assim o Anti-Cristo é membro do diabo e contudo é o chefe dos maus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Não se diz que o Anti-Cristo é a cabeça de todos os maus por semelhança de influência, mas por semelhança de perfeição. Pois, nele o diabo levará a sua malícia ao cabo, por assim dizer, no sentido em que dizemos de alguém que leva ao cabo o seu propósito, quando o realizou.

Art. 7 — Se o diabo é a cabeça dos maus.

O sétimo discute-se assim. — Parece que o diabo não é a Cabeça dos maus.

1. — Pois, a ideia de cabeça implica a sua influência da sensibilidade e do movimento nos membros, como diz uma Glosa àquilo do Apóstolo: Deu-o como cabeça, etc. Ora, o diabo não tem o poder de influir a malícia do pecado, que procede da vontade do pecador. Logo, o diabo não pode ser chamado cabeça dos maus.

2. Demais — Qualquer pecado torna o homem mau. Ora, nem todos os pecados vêm do diabo. O que é manifesto pelos pecados dos demônios, que não pecaram por persuasão de outrem. Nem, semelhantemente, todo pecado dos homens procede do diabo, como diz um autor: Nem todos os nossos maus pensamentos são provocados por excitação do diabo; pois, às vezes, nascem do movimento do nosso arbítrio. Logo, o diabo não é a cabeça de todos os maus.

3. Demais. — Uma cabeça dirige um corpo. Ora, parece que toda a multidão dos maus não se unem por nenhum laço, pois, o mal é contrário ao mal, como diz Aristóteles; e também procede de defeitos diversos na expressão de Dionísio. Logo, o diabo não pode ser chamado cabeça de todos os males.

Mas, em contrário, aquilo de Jó — A sua memória perecerá da terra. diz a Glosa: De todo homem- iníquo se diz que volte para seu chefe, isto é, o diabo.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, a cabeça não só influi interiormente nos membros, mas também governa exteriormente, dirigindo-lhe os atos para um determinado fim. Por onde, quem é considerado chefe de uma multidão o é da maneira seguinte: ou de ambos os modos, isto é, pelo influxo interior e pelo governo exterior e nesse sentido Cristo é a cabeça da Igreja, como dissemos; ou pelo governo exterior, e então qualquer príncipe ou prelado é cabeça da multidão que lhe está subordinada. E, neste sentido se diz que o diabo é o chefe de todos os maus. Pois, como refere a Escritura, ele é o rei de todos os filhos da soberba. Mas, o papel do governador é conduzir aos seus fins aqueles que governa. Ora, o fim do diabo é afastar a criatura racional, de Deus; por isso tentou, desde o princípio, afastar o homem da obediência ao preceito divino. Ora, o afastamento mesmo de Deus exerce a função de fim enquanto desejado sob a forma de liberdade, segundo o Apóstolo: Tu desde o princípio quebraste o meu jugo, rompeste os meus laços e disseste não servirei. E na medida em que, pelo pecado, certos são levados a esse fim, caem sob o regime e o governo do diabo, que, por isso, se lhes chama o chefe.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora o diabo não tenha nenhuma influência interior na alma racional, contudo a induz ao mal pelo lhe sugerir,

RESPOSTA À SEGUNDA. — O governador nem sempre sugere a cada um dos seus súditos que lhe obedeçam à vontade; mas propõe a todos um sinal dela, a cuja obediência certos são levados a se conformarem e outros o fazem espontaneamente. Tal o procedimento do chefe de um exército, a cuja bandeira seguem os soldados embora sem ninguém lhes persuadir. Assim, pois, o primeiro pecado do diabo, que peca desde o principio, como diz a Escritura, foi proposta a todos para que o seguissem. O que certos imitam por sugestão dele, e outros o fazem espontaneamente, sem nenhuma sugestão. E assim, de todos os maus o chefe é o diabo, pelo imitarem, segundo a Escritura: Por inveja do diabo entrou no mundo a morte, e a ela imitam os que são do seu partido.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Todos os pecados tem de comum o fazerem nos afastarmos de Deus, embora difiram uns dos outros por levarem a nos convertermos a diversos bens efémeros.

Art. 6 — Se ser cabeça da Igreja é próprio de Cristo.

O sexto assim se discute. — Parece que ser cabeça da Igreja não é próprio de Cristo.

1. — Pois, diz a Escritura: Quando tu eras pequeno aos seus olhos não foste feito chefe de todas as tribos de Israel? Ora, a mesma é a Igreja do Novo e do Antigo Testamento. Logo, parece que pela mesma razão algum outro homem, que não Cristo, poderia ser cabeça da Igreja.

2. Demais. — Cristo é chamado cabeça da Igreja por influir a graça nos membros dela. Ora, também outros podem dar a graça aos homens, conforme o Apóstolo: Nenhuma palavra má saia da vossa boca, senão só a que seja boa para a edificação da fé, de maneira que dê graças aos que a ouvem. Logo, parece que também a outros, além de Cristo, compete ser cabeça da Igreja.

3. Demais. — Cristo, por ter a chefia da Igreja, não só é chamado cabeça, mas também pastor e fundamento dela. Ora, não só para si Cristo se reservou o nome de pastor, segundo a Escritura: Quando aparecer o príncipe dos pastores, recebereis a coroa da glória, que nunca se poderá murchar. Nem o nome de fundamento, segundo aquele outro lugar: O muro da cidade, que tinha doze fundamentos. Logo, parece que também não se reservou só para si o nome de cabeça.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo: É da cabeça da Igreja que todo o corpo é fornido e organizado pelas suas ligaduras e juntas e cresce em aumento de Deus. Ora, isto só a Cristo convém. Logo, só Cristo é cabeça da Igreja.

SOLUÇÃO. — A cabeça influi nos outros membros de dois modos. Primeiro, por um certo influxo intrínseco; isto é, enquanto que a virtude motiva e a sensitiva deriva da cabeça para os outros membros. De outro modo, por um certo governo exterior, isto é, enquanto que a vista e os outros sentidos, com sede na cabeça, dirigem o homem nos seus atos externos. Ora, o influxo interior da graça não deriva para os demais senão só de Cristo, cuja humanidade, por ser conjunta com a divindade, tem a virtude de justificar. Mas, o influxo para os membros da Igreja, quanto ao governo exterior, pode convir aos outros. E neste sentido, certos podem ser considerados cabeças da Igreja, segundo a Escritura: Grandes, que sois os chefes dos povos. Mas, diferentemente de Cristo. Primeiro, porque Cristo é a cabeça de todos os que pertencem à Igreja em todos os lugares, tempos e estados; ao passo que os outros homens se chamam cabeças relativamente a certos lugares especiais — assim, os Bispos, das suas Igrejas; ou ainda, num tempo determinado - assim o Papa é a cabeça de toda a Igreja, isto é, durante o tempo do seu pontificado; ou enfim, num estado determinado, isto é, enquanto ainda peregrinam nesta vida. Noutro sentido Cristo é a cabeça da Igreja por virtude e autoridade próprias; ao passo que os outros se chamam cabeças por fazerem as vezes de Cristo, segundo o Apóstolo: Pois eu tam­bém, a indulgência de que usei, se de alguma causa tenho usado, foi por amor de vós em pessoa de Cristo. E noutro lugar: Fazemos o ofício de embaixadores em nome de Cristo, como se Deus vos admoestasse por nós outros.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As palavras citadas se entendem no sentido em que o nome de chefe designa o governo exterior, como quando se diz que o rei é o chefe do seu reino.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O homem não dá a graça influindo interiormente, mas persuadindo exteriormente às causas da graça.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Conforme diz Agostinho, se os prepostos à Igreja são pastores, como há um só Pastor, senão por serem todos os outros os membros de um só? E semelhantemente, os outros podem ser chamados fundamento e cabeça, por serem os membros de uma mesma cabeça e de um mesmo fundamento. E contudo, como diz Agostinho no mesmo lugar, ele outorgou aos seus membros o serem pastores, mas nenhum de nós se intitula porta; isso ele só a si próprio se reservou. E isto porque a porta representa a autoridade principal; pois, por ela é que todos entram na casa. Ora, só Cristo é o pelo qual temos acesso a esta graça na qual estamos firmes, como diz o Apóstolo. Quanto aos outros nomes referidos, eles podem implicar não só a autoridade principal, mas também, as secundárias.

Art. 5 — Se a graça pela qual Cristo é a cabeça da Igreja é idêntica à que tinha como um homem particular.

O quinto discute-se assim. — Parece que a graça pela qual Cristo é a cabeça da Igreja não é idêntica à que tinha como um homem particular.

1. — Pois, diz o Apóstolo: Se pelo pecado dum morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça dum só homem, que é Jesus Cristo, abundou sobre muitos. Ora, um é o pecado atual de Adão e outro, o pecado original, que transmitiu aos pósteros. Logo, uma é a graça pessoal, própria de Cristo e outra, a sua graça enquanto cabeça da Igreja, que dele deriva para nós outros,

2. Demais.  Os hábitos distinguem-se pelos atos. Ora, a um ato se ordena a graça pessoal de Cristo, a saber, à santificação da sua alma; e a outro, a sua graça como cabeça, isto é, à santificação dos outros. Logo, uma é a graça pessoal de Cristo, é outra a sua graça como cabeça da Igreja.

3. Demais. — Como se disse, em Cristo distingue-se uma tríplice graça: a da união, a de cabeça e a que tem como um homem particular. Ora, a graça de Cristo é diferente da graça de união. Logo, também o é da graça de cabeça.

Mas, em contrário, o Evangelho: Todos nós participamos da sua plenitude. Ora, ele é nosso chefe pelo que dele participamos. Logo, é nosso chefe ou cabeça porque tinha a plenitude da graça. Mas, a plenitude da graça ele a teve porque perfeitamente teve a graça pessoal, como se disse. Logo, por essa graça pessoal é que é a nossa cabeça. E portanto, a graça de cabeça não é diferente da graça pessoal.

SOLUÇÃO. — Todo ser age enquanto atual. Por onde e necessariamente, é em virtude do mesmo ato que o agente existe atualmente e age; assim, pelo mesmo calor o fogo é quente e aquece. Mas, nem todo ato pelo qual um agente é atual basta para que seja princípio de seção sobre outros seres. Pois, sendo o agente superior ao paciente, como diz Agostinho e o Filósofo, é necessário que o ser agente sobre outros tenha o seu ato segundo uma certa eminência. Ora, como dissemos, a alma de Cristo recebeu a graça segundo uma eminência máxima. Por isso, pela eminência da graça que recebeu, compete-lhe distribuir essa graça aos outros, o que se inclui na ideia de chefia. E portanto, a graça pessoal que justifica a alma de Cristo é essencialmente a mesma pela qual é a cabeça da Igreja, que justifica os outros, embora desta difira racionalmente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O pecado original em Adão, que é um pecado de natureza, derivou do pecado atual do mesmo, que foi um pecado pessoal. Porque nele a pessoa corrompeu a natureza; mediante a qual corrupção, o pecado do primeiro homem derivou para os pósteros, porque a natureza corrupta corrompe a pessoa. Mas, a graça não deriva de Cristo para nós mediante a natureza humana, mas pela só ação pessoal de Cristo mesmo. Por onde, não devemos distinguir em Cristo dupla graça, das quais uma responda à natureza e outra, à pessoa, como em Adão se distingue o pecado ela natureza e o da pessoa.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Atos diversos, dos quais um é a razão e a causa do outro; não diversificam o hábito. Ora, o ato pessoal da graça, que torna santo quem formalmente a tem, é a razão da justificação dos outros, a qual pertence à graça de chefe. Donde vem que tal diferença não diversifica a essência do hábito.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça pessoal e a graça de chefe se ordena a algum ato; ao passo que a graça de união não se ordena ao ato mas, ao ser pessoal. Por onde, a graça pessoal e a graça de cabeça convêm na essência do hábito, mas não a graça de união. Embora a graça pessoal possa de certo modo chamar-se graça de união, enquanto produtora de uma certa aptidão para a união. E, assim sendo, a graça de união, a de chefe e a da pessoa particular são uma mesma graça, só diferentes pela razão.

Art. 4 — Se Cristo, enquanto homem, é a cabeça dos anjos.

O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo, enquanto homem, não é a cabeça dos anjos.

1. — Pois, a cabeça e os membros são da mesma natureza. Ora, Cristo, enquanto homem, não tem a mesma natureza dos anjos, mas a dos homens; porque, como diz o Apóstolo, ele em nenhum lugar tomou aos anjos, mas tomou a descendência de Abraão, Logo, Cristo, enquanto homem, não é a cabeça dos anjos.

2. Demais. — Cristo é a cabeça dos que pertencem à Igreja, que é o seu corpo, como diz o Apóstolo. Ora, os anjos não pertencem à Igreja; pois, esta é a congregação dos fiéis; ora, não há fé nos anjos, que não andam por fé, mas, por visão; do contrário, andariam ausentes do Senhor, como argumenta o Apóstolo. Logo, Cristo, enquanto homem, não é a cabeça dos anjos.

3. Demais. — Agostinho diz, que assim como o Verbo que estava no princípio junto de Deus, vivifica as almas, assim o Verbo feito carne vivifica os corpos, que os anjos não têm. Ora, o Verbo feito carne é Cristo enquanto homem. Logo, Cristo, enquanto homem, não influi a vida nos anjos. E portanto, enquanto homem, não é a cabeça dos anjos.

Mas, em contrário, o Apóstolo diz: Ele que é a cabeça de todos os Principados e Potestades. E o mesmo se dá com os anjos das outras ordens. Logo, Cristo é a cabeça dos anjos.

SOLUÇÃO. — Como se disse, onde há um corpo há-de haver necessariamente uma cabeça. Ora, por semelhança se chama um corpo a uma multidão ordenada em unidade, segundo atos  ou ofícios distintos, Ora, é manifesto que os homens e os anjos se ordenam ao mesmo fim da fruição da glória divina. Por onde, o corpo místico da Igreja não consta só dos homens mas também, dos anjos. Ora, de toda essa multidão a cabeça é Cristo, porque está mais próximo de Deus e mais perfeitamente lhe participa dos dons, não somente que os homens, mas também que os anjos; e da sua influência participam não só os homens mas também os anjos. Assim, diz o Apóstolo, que  Deus Padre o pôs a  ele, isto é, a Cristo, à sua mão direita no céu, sobre todo Principado e Potestade e Virtude e Dominação e sobre todo nome que se nomeia, não só neste século, mas ainda no futuro; e lhe meteu debaixo dos pés todas as coisas. Logo, Cristo é cabeça, não só dos homens, mas também dos anjos. Por isso lemos no Evangelho, que chegaram os anjos e o serviram.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. A influência de Cristo sobre os homens se exerce principalmente quanto às almas, pelas quais os homens convém com os anjos em a natureza genérica, embora não em a natureza específica. E em razão dessa conformidade, Cristo pode ser considerado cabeça dos anjos, embora falte a conformidade quanto ao corpo.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A Igreja, neste mundo, é a congregação dos fiéis; mas, na pátria, é a dos que gozam da visão beatífica. Ora, Cristo, ao mesmo tempo que vivia esta vida mortal gozava da visão beatífica. Por onde, é a cabeça não somente dos fiéis mas também dos que gozam da glória, por ter plenissimamente a graça e a glória.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Agostinho, no lugar aduzido, fala fundado numa certa assimilação de causa a efeito, isto é, enquanto que os corpos agem sobre os corpos e os espíritos, sobre os espíritos.

Contudo, a humanidade de Cristo, em virtude da natureza espiritual, isto é, divina, pode causar efeitos, não só nos espíritos dos homens, mas também nos dos anjos, pela conjunção máxima dele com Deus, isto é, por causa da união pessoal.

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