Category: Santo Tomás de Aquino
O nono discute-se assim. Parece verdadeira a proposição, referente a Cristo: o homem começou a existir.
1 — Pois, diz Agostinho: Antes de existir o mundo, nem nós existíamos, nem o mediador entre Deus e os homens – o homem Jesus Cristo. Ora, o que não existiu sempre, começou a existir. Logo, o homem, com referência a Cristo, começou a existir.
2. Demais. — Cristo começou a ser homem. Ora, ser homem é existir em sentido absoluto. Logo, o homem Cristo começou a existir absolutamente falando.
3. Demais. — Homem implica o suposto da natureza humana. Ora, Cristo nem sempre foi suposto da natureza humana. Logo, o homem Cristo começou a existir.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Jesus Cristo era ontem e é hoje; o mesmo também será por todos os séculos.
SOLUÇÃO. — Não se pode dizer, sem acrescentar nenhuma restrição, que o homem Cristo começou a existir. E isto por duas razões. — Primeiro, porque essa afirmação é falsa, absolutamente falando, segundo a doutrina da fé católica, que nos ensina haver em Cristo um suposto e uma hipóstase, assim como uma só pessoa. Neste sentido, pois, quando aplicamos a palavra homem a Cristo, designamos um suposto eterno, a cuja eternidade repugna tenha começado a existir. Por isso, é falsa a proposição: O homem Cristo começou a existir. Nem obsta que o começar a existir convenha à natureza humana, expressa pela palavra homem; pois, o termo atribuído ao sujeito não é tomado formalmente pela natureza mas antes, formalmente, pelo suposto, como dissemos. — Segundo, porque mesmo se essa proposição fosse verdadeira, nem por isso deveríamos usar dela, sem restrição, para evitar heresia de Ario que, assim como atribui à pessoa do Filho de Deus o ser criatura, e menor que o Pai, assim também lhe atribui o começar a existir, dizendo que existia quando não existia.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O lugar citado se entende em sentido restrito, significando que o homem Jesus Cristo não existia, na sua humanidade, antes de existir o mundo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O Verbo começar não nos autoriza a argumentar do inferior para o superior. Pois, não há sequência se dissermos: Isto começou a ser branco, logo começou a ser colorido. Porque começar implica em existir num determinado tempo e não, antes. Assim, não há sequência neste raciocínio: Isto antes não era branco, logo não era antes colorido. Ora, existir, em sentido absoluto, é superior ao homem. Logo, não há sequência no raciocínio: Cristo começou a ser homem, logo, começou a existir.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O nome de homem, quando tomado por Cristo, embora signifique a natureza humana, que começou a existir, contudo implica um suposto eterno, que não o começou. Por onde, quando atribuído ao sujeito, é tomado pelo suposto; e quando atribuído ao predicado, refere-se à natureza. E por isso: é falsa a proposição — O homem Cristo começou a existir; mas é verdadeira esta outra: Cristo começou a ser homem.
O oitavo discute-se assim. — Parece verdadeira a proposição – Cristo é uma criatura.
1. — Pois, diz Leão Papa: Nova e inaudita união — Deus, que é e era, torna-se criatura. Ora, podemos predicar, de Cristo, que foi feito Filho de Deus pela Encarnação. Logo, é verdadeira a proposição: Cristo é uma criatura.
2. Demais. — As propriedades de uma e outra natureza podem ser predicadas da hipóstase comum delas, seja qual for o nome que a cada uma delas signifique, como se disse. Ora, é propriedade da natureza humana ser criatura; assim como é propriedade da natureza divina ser Criador. Logo, ambas estas coisas podemos dizer de Cristo: que é criatura e que é incriado e Criador.
3. Demais. — A alma é mais principal parte do homem do que o corpo. Ora, em razão do corpo, que Cristo recebeu da Virgem, dizemos, absolutamente falando, que nasceu da Virgem. Logo, em razão da alma, criada por Deus, devemos dizer, absolutamente falando, que Cristo é criatura.
Mas, em contrário, Ambrósio diz: Porventura foi o Cristo feito, com uma palavra? foi porventura criado por um ato da vontade suprema? quase se respondesse – não. Por isso acrescenta: Como, pois, pode Deus ser uma criatura? Pois, que a natureza de Deus é simples e não, composta. Logo, não devemos conceder a proposição: Cristo é uma criatura.
SOLUÇÃO. — Como diz Jerônimo, palavras proferidas inconsideradamente podem-nos fazer incorrer em heresia. Ora, não devemos ter nenhuma comunidade de expressão com os heréticos, para não parecermos participar-lhes do erros. Ora, os heréticos Arianos diziam ser Cristo uma criatura e menor que o Pai; não só em razão da natureza humana, mas ainda em razão da Pessoa divina. Por onde, não devemos dizer, em sentido absoluto, que Cristo é uma criatura, ou menor que o Pai, senão em sentido determinado, isto é, pela natureza humana. Mas, quando se trata de uma atribuição da qual nem ainda podemos suspeitar que convenha à Pessoa divina em si mesma, podemos então em sentido absoluto atribuí-la à natureza humana de Cristo; assim, absolutamente falando, dizemos que Cristo sofreu, morreu e foi sepultado. Assim também, na ordem das coisas materiais e humanas, quando podemos duvidar se uma atribuição convém ao todo ou à parte, se convém a uma parte não a aplicamos ao todo em sentido absoluto, isto é, sem determinação; por isso não dizemos que um Etíope é branco, mas, de dentes brancos. Dizemos porém, sem determinação, que é crespo, porque isto só lhe pode convir aos cabelos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Às vezes os santos doutores, por brevidade, aplicam a palavra criatura a Cristo sem nenhuma determinação. Mas devemo-la subentender nas expressões deles.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Todas as propriedades da natureza humana, como da divina, podem de certo modo ser atribuídas a Cristo. Por isso diz Damasceno: Cristo que é Deus e homem, é chamado criável e incriável, passível e impassível. Contudo, expressões duvidosas em relação a qualquer das suas naturezas, não se lhe devem aplicar sem restrição. Por isso, a seguir, o mesmo doutor acrescenta: A sua hipóstase única é, em si mesma, incriada, pela divindade, e criada, pela humanidade. Assim como e ao inverso, não devemos dizer sem restrição — Cristo é incorpóreo — ou — impassível — para evitar o erro de Maniqueu, que ensinava não ter Cristo um verdadeiro corpo nem ter verdadeiramente sofrido. Mas devemos dizer, em sentido restrito, que Cristo, pela sua divindade, é incorpóreo e impassível.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Não podemos de modo nenhum duvidar que a natividade, da Virgem, convenha à pessoa do Filho de Deus; como podemos, que lhe convenha a criação. Logo, não há paridade em ambos esses casos.
O sétimo discute-se assim. — Parece verdadeira a proposição: o homem foi feito Deus.
1. — Pois, diz a Escritura: O que tinha ele antes prometido pelos seus profetas nas Santas Escrituras sobre seu Filho, .que lhe foi feito da linhagem de Davi segundo a carne. Ora, Cristo enquanto homem, é da raça de Davi segundo a carne. Logo, o homem se fez filho de Deus.
2. Demais. — Agostinho diz: Foi tal aquela assunção, que fez Deus homem e o homem, Deus. Ora, em virtude dessa assunção, é verdadeira a proposição: Deus se fez homem. Logo e semelhante, é verdadeira a proposição; o homem foi feito Deus.
3. Demais. — Gregório Nazianzeno diz: Deus se humanou e o homem ficou glorificado, ou seja como for que o digamos. Ora, dizemos que Deus se humanou porque se fez homem. Logo, dizemos que o homem foi deificado porque se fez Deus. Portanto, é verdadeira a proposição: o homem foi feito Deus.
4. Demais. — Quando dizemos — Deus foi feito homem — o sujeito da feitura ou da mutação não é Deus, mas, a natureza humana, significada pelo nome de homem. Ora, é sujeito de uma feitura aquilo a que ela é atribuída. Logo, a proposição — O homem foi feito Deus — é mais verdadeira que a outra — Deus foi feito homem,
Mas, em contrário, Damasceno diz: Não dizemos que o homem foi deificado, mas que Deus foi humanado. Ora, o mesmo é fazer-se Deus, que deificar-se. Logo, é falsa a proposição: O homem foi feito Deus.
SOLUÇÃO. — A proposição — O homem foi feito Deus — pode ser entendida em três sentidos. Primeiro, determinando o particípio feito, absolutamente, ou ao sujeito ou ao predicado. E então, a proposição é falsa, porque nem o homem Cristo, de quem esse particípio se predica, foi feito, nem Deus foi feito, como depois diremos, E, no mesmo sentido, é falsa a proposição — Deus foi feito homem. Mas, neste sentido não se trata agora, dessas proposições.
Noutro sentido podemos entender — feito — como determinando toda a proposição, que significará então — o homem foi feito Deus, isto é, foi feito que o homem seja Deus — como a outra — Deus foi feito homem. Mas esse não é o sentido próprio dessas expressões, salvo se se entender que a palavra homem não tem uma suposição pessoal, mas, simples. Pois, embora o homem Cristo não fosse feito Deus, porque o suposto, isto é, a pessoa do Filho de Deus, era Deus abeterno, contudo o homem comumente falando, não foi sempre Deus.
Num terceiro sentido, entende-se propriamente que o particípio supõe uma mudança sofrida pelo homem, como o termo da ação de Deus. E neste sentido, admitido que, em Cristo, a pessoa, a hipóstase e o suposto de Deus e do homem sejam os mesmos, como demonstramos, a referida proposição é falsa. Pois, quando dizemos — O homem foi feito Deus — a palavra homem tem uma suposição pessoal. Porque o ser Deus não se verifica do homem em razão da natureza humana, mas em razão do seu suposto. Ora, esse suposto da natureza humana, a que se atribui com verdade o nome de Deus, é idêntico à hipóstase ou à pessoa do Filho de Deus, que foi sempre Deus. Por isso, não podemos dizer que o homem Cristo começou a ser Deus, ou que se faça Deus, ou que foi feito Deus.
Se, porém, fosse uma a pessoa ou a hipóstase de Deus e do homem, de modo que ser Deus fosse predicado do homem e inversamente, por uma certa união dos supostos, ou da dignidade pessoal, ou do afeto, eu da habitação, como diziam os Nestorianos, então pela mesma razão, poderíamos dizer que o homem foi feito Deus, isto é, foi unido a Deus, como também que Deus foi feito homem, isto é, foi unido ao homem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Nas palavras do Apóstolo citadas, o relativo que, referente à pessoa do Filho de Deus, não deve ser entendido como aplicado ao predicado, como se Cristo descendente de Davi, segundo a carne, fosse feito Deus — sentido em que a objeção procederia. Mas deve ser entendido em relação ao sujeito, sendo o sentido: O Filho de Deus foi feito para ele (isto é, para a honra do Pai, como expõe a Glosa), descendente da raça de Davi segundo a carne; como se dissesse — O Filho de Deus- foi feito revestido de carne, da raça de Davi, para a honra de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As palavras citadas de Agostinho, devem entender-se como significando que, da assunção da Encarnação, resultou que o homem se tornou Deus e Deus, homem. E nesse sentido ambas as locuções são verdadeiras, como se disse.
E o mesmo devemos RESPONDER À TERCEIRA OBJEÇÃO. — Pois, ser deificado é o mesmo que ser feito Deus.
RESPOSTA À QUARTA. — Quando o termo reside no sujeito, é tomado materialmente, isto é, pelo suposto; mas quando reside no predicado, é tomá-lo formalmente, isto é, pela natureza significada. Por onde, quando dizemos — o homem foi feito Deus — o ser feito não se atribui à natureza humana, mas ao suposto da natureza humana, o qual é Deus abeterno e, portanto, não lhe convém o ser feito Deus. Mas quando dizemos Deus foi feito homem – entende-se que o ser feito tem o seu termo na natureza humana. E por isso, propriamente falando, é verdadeira a proposição — Deus se fez homem; mas é falsa esta outra: o homem foi feito Deus. Assim se Sócrates, tendo sido, primeiro, homem, se tornou branco, é verdadeira esta proposição de quem, mostrando Sócrates, dissesse: Este homem hoje foi feito branco; mas seria falso dizer: Este branco hoje foi feito homem. Se, porém, se aplicasse ao sujeito um nome significativo da natureza humana em abstrato, poderia ser designado com sujeito da facção; como se se dissesse que a natureza humana foi feita Filho de Deus.
O sexto discute-se assim. — Parece falsa a proposição: Deus se fez homem.
1. — Pois, homem, significando uma substância, fazer-se homem é fazer-se em sentido absoluto. Ora, é falsa a proposição: Deus se fez, em sentido absoluto. Logo também é falsa esta outra: Deus se fez homem.
2. Demais. — Fazer-se homem é mudar-se. Ora, Deus não pode ser sujeito de mudança, conforme a Escritura: Eu sou o Senhor e não me mudo. Logo, parece falsa a proposição: Deus se fez homem.
3. Demais. — A palavra homem, predicada de Deus, supõe a pessoa do Filho de Deus. Ora, é falsa a proposição: Deus se fez a pessoa do Filho de Deus. Logo, é falsa também esta outra: Deus se fez homem.
Mas, em contrário, o Evangelho: O Verbo se fez carne. Ora, como diz Atanásio, o dito — O Verbo se fez carne — é semelhante ao outro — Deus se fez homem.
SOLUÇÃO. — Dizemos que um ser é feito quando podemos lhe atribuir uma qualificação nova. Ora, ser homem verdadeiramente se predica de Deus, como dissemos. Mas, no sentido em que não convém a Deus ser homem abeterno, senão só temporalmente, pela assunção da natureza humana. Logo, é verdadeira a proposição — Deus se fez homem. Mas essa proposição – bem como a outra: Deus é homem — diversos a entendem diversamente, como se disse.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Fazer-se homem é fazer-se em sentido absoluto, para todos aqueles nos quais a natureza humana começa a existir num suposto criado no tempo. Mas, dizemos que Deus se fez homem, por ter a natureza humana começado a existir, no suposto da natureza divina preexistente abeterno. Logo, o fazer-se Deus, homem, não é fazer-se absolutamente falando.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos ser feito implica uma predicação nova atribuída a um ser. Por onde, sempre que uma predicação nova é atribuída a um ser, implicando neste uma mudança, fazer-se é mudar-se. E isto se aplica a tudo o que se diz em sentido absoluto; assim, não pode a brancura ou a negrura ser uma atribuição nova de um sujeito, senão porque este sofreu uma mudança no sentido da brancura ou da cor negra. As predicações relativas, porém, podem começar a ser atribuídas a um sujeito, sem nenhuma mudança deste; assim um homem poderá passar à direita sem sofrer nenhuma mudança pelo movimento do que passou à esquerda. E tais casos, não implicam nenhuma mudança naquilo de que se diz que foi feito; pois, isto pode resultar da mudança de outro ser. E é nesse sentido que dizemos a Deus: Senhor, tu tens sido o nosso refúgio. — Ora, ser homem convém a Deus em virtude da união, que é uma relação. Por onde, ser homem começa a ser predicado de Deus, sem nenhuma mudança nele, por mudança da natureza humana, assumida na Pessoa divina. E assim, quando dizemos — Deus se fez homem — não implica isso nenhuma mudança por parte de Deus; mas só da parte da natureza humana.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Homem supõe a pessoa do Filho de Deus, não pura e simples, mas enquanto subsistente em a natureza humana. Por onde, embora seja falsa a proposição — Deus se fez a pessoa do Filho de Deus — contudo é verdadeira esta outra — Deus se fez homem — por se ter unido à natureza humana.
O quinto discute-se assim — Parece que as propriedades da natureza humana podem ser atribuídas à natureza divina.
1. — Pois, as propriedades da natureza humana se predicam do Filho de Deus e de Deus. Ora, Deus é a sua natureza. Logo, as propriedades da natureza humana podem predicar-se da natureza divina.
2. Demais. — A carne faz parte da natureza humana. Ora, como diz Damasceno, afirmamos, segundo os santos Atanásio e Cirilo, a natureza encarnada do Verbo. Logo, parece que, pela mesma razão, as propriedades, da natureza humana podem predicar-se da natureza divina.
3. Demais. — As propriedades da natureza divina convêm à natureza humana de Cristo, assim, conhecer o futuro e ter o poder de salvar. Logo, parece que, pela mesma razão, as propriedades da natureza humana podem predicar-se da natureza divina.
Mas, em contrário, Damasceno diz: Quando falamos da divindade não lhe atribuímos as particularidades da humanidade, isto é, as propriedades; assim não dizemos ser a divindade passível ou um ser criável. Ora, a divindade é a natureza divina. Logo, as propriedades da natureza humana não podem predicar-se da natureza divina.
SOLUÇÃO. — As propriedades de um ser não podem verdadeiramente se predicar de outro, a menos que seja idêntico com ele; assim, a faculdade de rir-se só convém ao homem. Ora, no mistério da Encarnação, não se identifica a natureza divina com a humana; é a mesma porém a hipóstase de ambas. Por onde, as propriedades de uma natureza não podem predicar-se da outra, enquanto significadas em abstrato. Mas os nomes concretos supõem a hipóstase da natureza. Por isso, as propriedades de uma e de outra natureza podem, sem diferenças, ser predicadas dos nomes concretos. Quer o nome de que se predicam exprima uma e outra natureza, como o nome Cristo, pelo qual se entende a divindade que unge a humanidade, que é ungida; quer exprima só a natureza divina, como o nome de Deus, ou de Filho de Deus; quer, só a natureza humana, como o nome de homem ou de Jesus. Donde o dizer Leão Papa: Não importa a substância pela qual designemos Cristo; desde que, subsistindo a unidade de pessoa, o mesmo ser é totalmente o filho do homem, por causa da carne, e totalmente o filho de Deus, por causa da divindade, que lhe é comum com o Pai.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Em Deus realmente se identifica a pessoa com a natureza; e em razão dessa identidade a natureza divina se predica do Filho de Deus. Mas, o modo de significar não é o mesmo. Por isso, certas atribuições convêm ao Filho de Deus, que não convêm à natureza divina; assim, dizemos ser o Filho de Deus gerado, mas não dizemos que o seja a natureza divina, como se estabeleceu na Primeira Parte. E semelhantemente, no mistério da Encarnação dizemos que o Filho de Deus sofreu; mas não dizemos que sofreu a natureza divina .
RESPOSTA À SEGUNDA. — A Encarnação supõe antes a união com a carne do que as propriedades da carne. Ora, cada natureza, em Cristo, se uniu à outra, na pessoa; em razão de cuja união dizemos, de um lado, que a natureza humana encarnou-se e que a natureza humana deificou-se, como mostramos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As propriedades da natureza divina predicam-se da natureza humana, não segundo convêm essencialmente à natureza divina, mas enquanto deriva participativamente para a natureza humana. Por onde, o que não pode ser participado pela natureza humana, como ser incriada ou onipotente, de nenhum modo é dela predicado. Ora, a natureza divina nada recebe, por participação, da natureza humana. Logo, as propriedades da natureza humana de nenhum modo podem predicar-se da natureza divina.
O quarto discute-se assim. — Parece que o próprio à natureza humana não se pode atribuir a Deus.
1. — Pois, é impossível os contrários serem predicados do mesmo sujeito. Ora, as propriedades da natureza humana são contrárias às de Deus: porquanto, sendo Deus incriado, imutável e eterno é próprio da natureza humana ser criada, temporal e mutável. Logo, o próprio à natureza humana não pode ser atribuído a Deus.
2. Demais. — Atribuir a Deus o que constitui uma deficiência, contraria à honra divina e é uma blasfêmia. Ora, o próprio à natureza humana, como sofrer, morrer e causas semelhantes, são deficiências. Logo, parece que de nenhum modo podemos atribuir a Deus o próprio à criatura.
3. Demais. — Ser assumida convém à natureza divina. Ora, não convém a Deus ser assumido. Logo, não podemos atribuir a Deus o próprio à natureza humana.
Mas, em contrário, Damasceno diz que Deus assumiu as particularidades da carne, isto é, as propriedades, por lhe convir a denominação de passível e ter sido o Deus da glória, crucificado.
SOLUÇÃO. — Nesta questão divergem os Nestorianos e os Católicos.
Assim, os Nestorianos queriam dividir as denominações atribuídas a Cristo, de modo que não se atribuíssem a Deus as que o são à natureza humana; nem ao homem, as próprias da natureza divina. Donde o dizer Nestório: Quem tentar atribuir paixões ao Verbo de Deus seja anátema. Mas os nomes atribuíveis a ambas as naturezas, desses se pode predicar o que delas é próprio; assim, o nome de Cristo ou de Senhor. Por isso concediam que Cristo nasceu da Virgem Maria e existiu abeterno; mas não admitiam que Deus tivesse nascido da Virgem ou que o homem fosse abeterno.
Mas os Católicos ensinavam que o atribuído a Cristo, quer segundo a natureza divina, quer segundo a humana, tanto se pode dizer de Deus como do homem. Por isso Cirilo ensina: Quem atribuir separadamente às duas pessoas ou substâncias, isto é, hipóstases, as denominações dos livros evangélico é apostólicos, quer essas denominações os santos as atribuíssem a Cristo, quer as tivesse Cristo dito de si mesmo; de modo a crer serem umas delas aplicáveis, ao homem e destinar as outras só para o Verbo, esse tal seja anátema. E a razão disto está em que, sendo uma mesma a hipóstase das duas naturezas, a mesma hipóstase é suposta no nome de ambas. Por onde, quer digamos homem, quer digamos Deus, supomos a hipóstase das naturezas divina e humana. Portanto, podemos atribuir ao homem o próprio à natureza divina; e a Deus, o próprio à natureza humana.
Devemos, porém, saber que numa proposição onde se predica uma coisa, de outra, não somente se atende à coisa a que se atribui o predicado, mas também ao modo da predicação. E assim, embora não se distinguam entre si as predicações feitas de Cristo, distinguem-se contudo pelo modo pelo qual cada uma é feita. Pois, as propriedades da natureza divina são predicadas da natureza divina de Cristo; e as da natureza humana, da sua natureza humana. Por isso diz Agostinho: Distingamos as expressões que a Escritura atribui a Cristo, enquanto Deus, por onde é igual ao Pai, daquelas que lhe aplica segundo a forma de servo,que assumiu, pela qual é menor que o Pai. E a seguir: O leitor prudente, diligente e pio compreenderá o que é atribuído essencialmente, do que o é de certo modo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os contrários serem predicados de um mesmo sujeito, num mesmo ponto de vista, é impossível; mas nada impede o sejam, a luzes diversas. Ora, é neste último sentido que os contrários se predicam de Cristo: não no mesmo ponto de vista, mas, segundo as naturezas diversas.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Atribuir uma deficiência a Deus, segundo a sua natureza divina, seria blasfêmia, por lhe diminuir a honra; mas não seria uma injúria a Deus atribuir-lhe essa deficiência segundo a natureza assumida. Por isso, um sermão pronunciado no Concílio Efesino diz: Deus não considera de nenhum modo como injúria o que é uma ocasião para os homens se salvarem. Assim, nenhuma das abjeções que escolheu, por nosso amor, pode causar injúria àquela natureza que não pode estar sujeita a injúrias; pois, tomou as coisas inferiores como próprias para salvar a nossa natureza. Quando, pois; as abjeções e as vilezas longe de injuriar a natureza divina, obram a salvação do homem, como dizer que aquilo que é carne da nossa salvação foi ocasião de injúria a Deus?
RESPOSTA À TERCEIRA. — Ser assumida convém à natureza humana, não em razão do suposto, mas em razão dela mesma. E por isso não convém a Deus.
O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo pode ser chamado. o homem do Senhor.
1. — Pois, diz Agostinho: Devemos advertir que são de se esperar os bens que existiam naquele homem do Senhor. Ora, refere-se a Cristo, Logo, parece que Cristo é homem do Senhor.
2. Demais. — Assim como o domínio convém a Cristo em razão da natureza divina, assim também a humanidade pertence à natureza humana. Ora, Deus é dito humanado, como o faz Damasceno quando, se refere à humanação, que demonstra a união com o homem. Logo, pela mesma razão, pode-se dar ao homem Cristo a denominação de homem do Senhor.
3. Demais. — Assim como a denominação latina dominicus (do Senhor) deriva de dominas, assim divino deriva de Deus. Ora, Dionísio diz que Cristo denomina o diviníssimo Jesus. Logo, pela mesma razão, podemos dizer que Cristo é o homem do Senhor.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Não vejo se se chama com acerto a Jesus Cristo homem do Senhor, pois é propriamente Senhor.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, quando dizemos o homem. Jesus Cristo, designamos o suposto eterno, que é a pessoa do Filho de Deus, porque ambas as suas naturezas tem o mesmo suposto. Ora, da pessoa do Filho de Deus se predica Deus e Senhor, essencialmente. Logo, não devem ser predicados denominativamente, porque iria contra a verdade da união. Por onde, como dominicus (do Senhor) tira a sua denominação de dominus (Senhor), não podemos dizer verdadeira e propriamente que Cristo seja o homem do Senhor, mas antes, que é Senhor, Mas, se pela expressão Jesus Cristo homem designamos um suposto criado, como o ensinam os que introduzem em Cristo dois supostos, podemos então dizer que Cristo é homem do Senhor, por ter sido assumido para participar da honra divina, como o ensinavam os Nestorianos. E também deste modo não dizemos que a natureza é essencialmente deusa, mas, deificada; não, certo, por se converter em a natureza divina, mas pela união com a natureza divina, na unidade da hipóstase, como está claro em Damasceno.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essas expressões e outras semelhantes Agostinho as retratou. Por isso, depois das palavras dessa retração acrescenta: Onde disse, que Cristo Jesus fosse homem do Senhor, não queria tê-lo dito, Pois, vi depois que não devia ser assim, porque nenhuma razão o pode sustentar. Isto é, porque poderia alguém dizer que é chamado homem do Senhor em razão da natureza humana, significada pela palavra homem, mas não em razão do suposto.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Esse suposto único, da natureza divina e da humana foi, primeiro, da natureza divina isto é, abeterno; mas depois temporalmente, pela Encarnação foi feito o suposto da natureza humana. E por isso se chama humanado, não por ter assumido o homem, mas porque assumiu a natureza humana. Mas não se dá o inverso, a saber, que o suposto da natureza humana tivesse assumido a natureza humana. Por isso, Cristo não pode ser chamado homem deificado ou do Senhor.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O nome divino costuma predicar-se também daquilo de que se predica essencialmente o nome de Deus. Assim, dizemos que a essência divina é Deus, em razão da identidade; e que a essência é de Deus ou divina, pelo modo diverso de significar; e Verbo divino, embora o Verbo seja Deus. E semelhantemente, dizemos pessoa divina como dizemos também a pessoa de Platão, por causa do modo diverso de significar. Ora, a expressão — do Senhor — não se predica daquilo de que se predica o nome de Senhor; assim, não se costuma dizer que um homem, que é senhor, seja do senhor; mas, o que de algum modo é do senhor se chama do senhor, como quando dizemos: a vontade do Senhor ou a mão do Senhor ou a paixão do Senhor. Por onde, o homem Cristo, que é Senhor, não pode ser chamado do Senhor; mas a sua carne pode ser denominada carne do Senhor e a sua paixão do Senhor.
O segundo discute-se assim. — Parece falsa a proposição – o homem é Deus.
1. — Pois, o nome de Deus é incomunicável; donde o repreender a Escritura os idólatras, porque deram o nome incomunicável de Deus às pedras e ao pau. Logo, pela mesma razão, parece inconveniente predicar o nome de Deus, do homem.
2. Demais. — Tudo o predicado do predicado também o é do sujeito. Ora, é verdadeira a proposição — Deus é o Pai, ou Deus é a Trindade. Se, pois, é verdadeira a proposição — O homem é Deus — verdadeira também há de ser esta outra — O homem é o Pai ou, O homem é a Trindade. As quais são evidentemente falsas. Logo, também o é a primeira.
3. Demais. — A Escritura diz: Não haverá em ti Deus novo. Ora, o homem é de certo modo novo, pois, Cristo nem sempre foi homem. Logo, é falsa a proposição: O homem é Deus.
Mas, em contrário, o Apóstolo: De quem descende Cristo segundo a carne, que é Deus sobre todas as coisas bendito por todos os séculos. Ora, Cristo, segundo a carne, é homem. Logo, é verdadeira a proposição – O homem é Deus.
SOLUÇÃO. — Suposta a verdade de uma e outra natureza — a divina e a humana — e a união na pessoa e na hipóstase, é verdadeira e própria a proposição — O homem é Deus, como o é esta outra — Deus é homem. Pois, o nome de homem pode ser suposto por qualquer hipóstase da natureza humana; e portanto pode ser suposto pela pessoa do Filho de Deus, que dissemos ser a hipóstase da natureza humana. Ora, é manifesto que da pessoa do Filho de Deus pode verdadeira e propriamente ser predicado o nome de Deus, como demonstramos na Primeira Parte. Donde se conclui que é verdadeira e própria a proposição — O homem é Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os idólatras davam o nome da divindade à pedra e ao pau, considerados na sua natureza mesma, por pensarem que havia neles algo da divindade. Nós porém não atribuímos o nome de Deus a Cristo homem, segundo a natureza humana, mas segundo o suposto eterno, que também é pela união, o suposto da natureza humana, como se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O nome Pai predica-se do nome Deus quando o nome de Deus é suposto pela pessoa do Pai. E nesse sentido não se predica da pessoa do Filho, porque a pessoa do Filho não é a pessoa do Pai. E por consequência não é necessário o nome de Pai ser predicado do nome homem, do qual é predicado o nome de Deus, quando o nome de homem é suposto pela pessoa do Filho.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora a natureza humana em Cristo fosse assumida no tempo, contudo o suposto dela não é temporal, mas eterno. E o nome Deus, não se predicando do homem em razão da natureza humana, mas em razão do suposto, não resulta daí que concebamos Deus como temporal. O que resultaria se disséssemos que o homem supõe um suposto criado; o que devem ensinar necessariamente os que introduzem em Cristo dois supostos.
O primeiro discute-se assim. — Parece que é falsa o proposição: Deus é homem.
1 — Pois, toda proposição afirmativa, em matéria remota, é falsa. Ora, a proposição – Deus é homem, é em matéria remota, porque as formas significadas pelo sujeito e pelo predicado distam em máximo grau. Ora, sendo essa proposição afirmativa, é falsa.
2. Demais. — Mais convêm as três Pessoas divinas entre si, que a natureza humana com a divina. Ora, no mistério da Trindade, uma pessoa não é predicada de outra; assim, não dizemos que o Pai é o Filho, ou inversamente. Logo, parece que também a natureza humana não pode predicar-se de Deus, de modo a dizer-se que Deus é homem.
3. Demais. — Atanásio diz, que assim como a alma e a carne são um só homem, assim, Deus e homem constituem um só Cristo. Ora, é falsa a proposição – A alma é o corpo. Logo, também falsa é a outra: Deus é homem.
4. Demais. — Como se demonstrou na Primeira Parte, o predicado de Deus, não relativa mas absolutamente, convém a toda a Trindade e a cada uma das Pessoas. Ora, o nome homem não é relativo, mas absoluto. Se, pois, é verdadeiramente predicado de Deus, segue-se que toda a Trindade e qualquer das suas pessoas é homem. O que é evidentemente falso.
Mas, em contrário, o Apóstolo: O qual, tendo a natureza de Deus, se aniquilou a si mesmo, tomando a natureza de servo fazendo-se semelhante aos homens e sendo reconhecido na condição como homem. E assim, aquele que tem a natureza de Deus é homem. Ora, aquele que tem a natureza de Deus é Deus. Logo, Deus é homem.
SOLUÇÃO. — A proposição – Deus é homem todos os cristãos a concedem; mas não todos pela mesma razão. Pois, certos a concedem, mas não na acepção própria dos seus termos. — Assim, os Maniqueus consideram o Verbo de Deus como homem, mas não verdadeiro, senão só por semelhança, dizendo que o Filho de Deus assumiu um corpo imaginário; e então, dizemos que Deus é homem no mesmo sentido em que dizemos que é homem uma figura de cobre, por ter a semelhança humana. — Semelhantemente, também os que ensinavam não terem sido unidos, em Cristo, a alma e o corpo, não admitiam fosse Deus verdadeiro homem; mas que o era só figuradamente, em razão das partes. — Ora, ambas estas opiniões já foram refutadas.
Outros, porém, ao inverso, ensinam a verdade em relação ao homem, mas a negam. em relação a Deus. Pois, dizem que Cristo, sendo Deus e homem, é Deus, não por natureza, mas por participação, isto é, pela graça; assim como todos os varões santos se chamam deuses, mas, mais excelentemente, Cristo, que todos, por ter uma graça. mais abundante. E assim, quando dizemos — Deus é homem — a palavra Deus não supõe um Deus verdadeiro e de natureza divina. E tal foi a heresia de Fotino, supra refutada.
Outros, porém, concedem a referida proposição admitindo como verdadeiros ambos os seus termos e, portanto, que Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem; mas nem por isso salvam a verdade da predicação. Pois, dizem que homem é predicado, de Deus, por uma certa união de dignidade ou de autoridade ou ainda de afeto ou de habilitação. E assim Nestório ensinava que Deus é homem, não querendo com isso significar senão que Deus está unido ao homem por uma tal união, que Deus nele habita e lhe está unido pelo afeto e pela participação da autoridade e da honra divina. — E em semelhante erro caem todos os que introduzem duas hipóstases ou dois supostos em Cristo. Pois, não é possível entender-se que, de dois seres distintos pelo suposto ou pela hipóstase, um seja propriamente predicado do outro, senão só por um modo figurado de falar, enquanto tem algum ponto de união. Assim, se dissermos que Pedro é João, por terem alguma coisa que os une entre si. Ora, estas opiniões também já foram refutadas.
Por onde, supondo, segundo a verdade da fé, Católica, a união da verdadeira natureza divina com a verdadeira natureza humana, não só na pessoa, mas também no suposto ou na hipóstase, dizemos ser verdadeira e própria a proposição — Deus é homem. Não só pela verdade dos termos, isto é, por ser Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, mas ainda pela verdade da predicação. Pois o nome que significa a natureza comum em concreto, pode ser suposto seja pelo que for que estiver contido nessa natureza comum; assim o nome de homem pode ser suposto por qualquer homem particular. Por onde, o nome de Deus, pelo modo mesmo da sua significação, pode ser suposto pela pessoa do Filho de Deus, como também já demonstramos na Primeira Parte. De qualquer suposto, porém, de uma natureza, pode ser verdadeira e propriamente predicado o nome significativo dessa natureza em concreto; assim, de Sócrates e de Platão é própria e verdadeiramente predicado a palavra homem. Ora, sendo a pessoa do Filho de Deus, pela qual é suposto o nome de Deus, o suposto da natureza humana, verdadeira e propriamente o nome de homem pode ser predicado do nome Deus, enquanto suposto pela pessoa do Filho de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Quando formas diversas não podem convir num mesmo suposto, então a proposição versa necessariamente sobre matéria remota, da qual o sujeito significa uma dessas formas e o predicado, a outra. Mas, quando duas formas podem convir num mesmo suposto, a matéria não é remota, mas, natural ou contingente, como quando digo – um homem branco é músico. Ora, a natureza divina e a humana, embora distantes uma da outra em máximo grau, contudo convêm, pelo mistério da Encarnação, num mesmo suposto, no qual nenhuma delas existe por acidente, mas por essência, Por onde, a proposição — Deus é homem — nem é em matéria remota nem em matéria contingente, mas em matéria natural. E o nome de homem é predicado de Deus, não acidentalmente, mas por essência, como da sua hipóstase; não por certo em razão da forma significada pelo nome de Deus, mas em razão do suposto, que é a hipóstase da natureza humana.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As três Pessoas divinas convêm na mesma natureza, mas distinguem-se pelo suposto; e portanto não podem predicar-se uma de outra. Mas no mistério da Encarnação, as naturezas, por serem distintas, certamente não se predicam uma da outra, enquanto de significação abstrata, pois, não é a natureza divina a humana; mas, por terem o mesmo suposto, predicam-se uma da outra em concreto.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Alma e carne tem significação abstrata, como a tem divindade e humanidade; mas, em significação concreta, dizemos animado e carnal ou corpóreo, assim como dizemos, de outro lado, Deus e homem. Por onde, de ambos os lados, não é predicado o abstrato, do abstrato, mas só, o concreto, do concreto,
RESPOSTA À QUARTA. — O nome de homem é predicado de Deus em razão da união pessoal; e essa união implica relação. E por isso, não segue a regra daqueles nomes que absolutamente e abeterno são predicados de Deus.
O décimo discute-se assim. Parece que Cristo, enquanto viandante neste mundo, não gozava simultaneamente da visão beatífica.
1. — Pois, o viandante precisa ser conduzido ao fim da beatitude; ao passo que quem contempla a Deus repousa no fim. Ora, não é possível a um mesmo ser mover-se para o fim e repousar nele. Logo, Cristo não podia simultaneamente ser viandante e gozar da visão beatifica.
2. Demais. — Ser levado à beatitude ou obtê-la não é possível ao corpo do homem. mas só à sua alma. Por isso diz Agostinho: Da alma redunda, para a natureza inferior, que é o corpo, não a beatitude própria de quem frui e contempla, mas a plenitude da saúde que é o vigor da incorrupção, Ora, Cristo, embora tivesse um corpo passível, contudo pela alma. fruía plenamente de Deus, Logo, Cristo não era viandante. mas gozava da pura visão de Deus.
3. Demais. — Os santos, dos quais as almas estão no céu e os corpos, no sepulcro, gozam por certo da beatitude, pela alma, embora os corpos lhes estejam sob o jugo da morte. E contudo deles não se diz que são viandantes, mas somente que contemplam a Deus. Logo, pela mesma razão, embora o corpo de Cristo fosse mortal, como a sua alma gozava de Deus, parece que vivia na pura contemplação e de nenhum modo era viandante.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Porque hás de ser nesta terra como um estranho e como um viandante que toma o seu caminho para albergar na estalagem por pouco tempo?
SOLUÇÃO. — Diz-se que é viandante quem tende para a beatitude; e vidente quem já alcançou a beatitude, conforme àquilo do Apóstolo: Correi de tal maneira que alcanceis, E noutro lugar: Mas eu prossigo para ver se de algum modo poderei alcançar. Ora, a beatitude completa do homem é a da alma e a do corpo, como demonstramos na Segunda Parte. A alma é próprio contemplar e gozar Deus; o corpo, como tal, ressuscitará espiritual e em vigor e em glória e em incorrupção, na linguagem do Apóstolo. Ora, antes da paixão, a alma de Cristo contemplava plenamente a Deus; e assim tinha a beatitude pelo que ela compete à alma. Mas, quanto ao mais, faltava-lhe a beatitude, tanto por lhe ser passível a alma, como passível e mortal o corpo, segundo do sobredito se colhe. Por onde, era simultaneamente vidente, por ter a beatitude na medida em que não a tinha.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — É impossível simultaneamente ser movido para o fim e descansar nele. Mas nada o impede, se o for a luzes diversas; assim, simultaneamente sabemos o que já aprendemos e aprendemos o que ainda não sabemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A beatitude, principal e propriamente, consiste na contemplação da alma; mas, secundaria e quase instrumentalmente, ela supõe os bens do corpo; assim, como diz o Filósofo, os bens exteriores servem de instrumento à beatitude.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Não se dá o mesmo com as almas dos santos já mortos e com Cristo, por duas razões. Primeiro, porque as almas dos santos não são passíveis, como o foi a alma de Cristo. Segundo, porque os corpos deles nenhuma ação tinham para chegarem à beatitude; ao passo que Cristo, pelas paixões do seu corpo, tendia à beatitude, quanto à glória deste.