Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo contraiu certas fraquezas corporais.
1 — Pois, diz-se que contraímos o que temos desde a origem da nossa natureza. Ora, Cristo, juntamente com a natureza humana, trouxe originariamente, de sua mãe, as misérias e as fraquezas do corpo. Logo, parece que contraiu essas fraquezas.
2. Demais. — O causado pelos princípios da natureza nós o recebemos juntamente com ela e isso se chama contrair. Ora, as referidas penalidades são causadas pelos princípios da natureza humana. Logo, Cristo as contraiu.
3. Demais. — Pelas referidas misérias Cristo é semelhante aos outros homens, como diz o Apóstolo. Ora, os outros homens contraem essas misérias. Logo, parece que também Cristo as costraiu.
Mas, em contrário, essas misérias foram contraídas pelo pecado, segundo o Apóstolo: Por um homem entrou o pecado neste mundo e pelo pecado a morte. Ora, em Cristo não existia nenhum pecado. Logo, Cristo não contraiu essas misérias de que tratamos.
SOLUÇÃO. — A palavra, contrair implica uma relação entre causa e efeito: isto é, diz-se contraído o efeito simultânea e necessariamente resultante da sua causa. Ora, a causa da morte e outras misérias da natureza humana é o pecado, pois, pelo pecado entrou a morte neste mundo, na frase do Apóstolo. Por onde, diz-se propriamente que contraem os referidos defeitos os que neles incorrem como uma consequência do pecado. Ora, Cristo não tinha essas misérias como consequência do pecado; pois, conforme Agostinho, comentando aquilo do Evangelho. - O que vem lá de riba é sobre todos, Cristo veio lá de riba, isto é, das alturas da natureza humana, que tinha antes do pecado do primeiro homem. Pois, assumiu a natureza humana sem pecado, na pureza que ela tinha no estado de inocência. E, do mesmo modo, podia ter assumido a natureza humana sem as suas misérias. Por onde é claro que Cristo não contraiu as referidas fraquezas, como se as tivesse em consequência do pecado; mas, por vontade própria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A carne da Virgem foi concebida no pecado original e por isso contraiu as referidas fraquezas. Mas a carne de Cristo assumiu, da Virgem, a natureza sem a culpa. E semelhantemente, podia ter assumido a natureza sem a pena. Quis porém assumir a pena para realizar a obra da nossa redenção, como se disse. E por isso teve as referidas fraquezas, não pelas contrair, mas pelas voluntariamente assumir.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A causa da morte e das outras misérias da natureza humana é dupla. Uma remota, resultante dos princípios materiais do corpo humano; enquanto composto de elementos contrários. Mas, essa causa ficava impedida pela justiça original. Por onde, a causa próxima da morte e das outras misérias é o pecado, que privou da justiça original. E por isso, por Cristo não ter tido pecado, dissemos que não contraiu tais misérias, senão que as assumiu voluntariamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo, por essas misérias, se equiparou aos outros homens, quanto à qualidade delas, mas não quanto à causa, Por isso não as contraiu como os outros.
O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não estava necessariamente sujeito às misérias humanas.
1. — Pois, diz a Escritura : Foi oferecido porque ele mesmo quis, referindo-se à oblação à paixão. Ora, a vontade se opõe à necessidade. Logo, Cristo não estava necessariamente sujeito às misérias do corpo.
2. Demais. — Damasceno diz: Cristo nada fez coagido, mas tudo o fez voluntariamente. Ora, o voluntário não é necessário. Logo, às referidas misérias não estava Cristo necessariamente sujeito.
3. Demais. — A necessidade imposta por quem é mais poderoso. Ora, nenhuma criatura é mais poderosa que a alma de Cristo, a quem pertencia conservar o corpo próprio. Logo, essas misérias ou fraquezas não as sofreu Cristo necessariamente.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Enviou Deus a seu Filho em semelhança de carne de pecado. Ora, é condição da carne de pecado estar sujeita à necessidade de morrer e de padecer outros sofrimentos semelhantes. Logo, estava a carne de Cristo sujeita a sofrer necessariamente essas misérias.
SOLUÇÃO. — Há duas espécies de necessidade. — Uma de coação, proveniente de um agente extrínseco. E essa necessidade contraria a natureza e a vontade, pois, tanto esta como aquela implicam um princípio intrínseco. — Outra é necessidade natural, resultante dos princípios naturais; por exemplo, a forma e, assim, o fogo aquece necessariamente; ou a matéria e, assim, necessariamente se dissolve o corpo composto de elementos contrários.
Ora, pela necessidade resultante da matéria, o corpo de Cristo havia necessariamente de morrer e sofrer misérias semelhantes; pois, como dissemos, por beneplácito da divina vontade era permitido à carne de Cristo agir e sofrer como lhe era apropriado. E essa necessidade é causada pelos princípios da natureza humana, segundo dissemos. — Se nos referimos, porém, à vontade de coação, na medida em que repugna à natureza corpórea, então, de novo, o corpo de Cristo, pela condição da sua natureza própria, estava necessariamente sujeito à perfuração do cravo e às dores da flagelação. Mas, na medida em que essa necessidade repugna à vontade, é manifesto que Cristo não padeceu necessariamente as referidas misérias; nem relativamente à vontade divina, nem relativamente à sua vontade, em sentido absoluto, enquanto dependente da deliberação da razão; mas só quanto ao movimento natural da vontade, pelo qual ela naturalmente procura evitar a morte e os sofrimentos do corpo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Quando a Escritura diz que Cristo foi oferecido porque ele mesmo quis, isso e refere à sua vontade divina, e à sua vontade humana enquanto dependente da deliberação; embora a morte lhe fosse contra o movimento natural da sua vontade humana, como diz Damasceno.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A resposta resulta do que foi dito.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Nada era mais poderoso que a alma de Cristo, absolutamente falando. Mas nada impede que houvesse um poder maior para produzir tal efeito particular; assim, o cravo, para perfurar. E isto digo, considerando unicamente a alma de Cristo na sua natureza e vontade próprias.
O primeiro discute-se assim. — Parece que o Filho de Deus não devia ter assumido a natureza humana com as suas fraquezas corpóreas.
1. — Pois, assim como a alma está unida pessoalmente ao Verbo de Deus, assim também o corpo. Ora, a alma de Cristo tinha uma omnimoda perfeição, quanto à graça e quanto à ciência, como se disse. Logo, também o seu corpo devia ser a todas as luzes perfeito, sem nenhuma fraqueza.
2. Demais. — A alma de Cristo contemplava o Verbo de Deus pela contemplação com que o vêem os bem aventurados, como se disse; e assim, era bem-aventurada. Ora, a beatitude da alma glorifica o corpo. Assim, diz Agostinho: Deus fez a alma de tão potente natureza, que da sua plenissima beatitude redunda também em a natureza inferior, que é o corpo, não beatitude, própria de quem frui e contempla; mas, a plenitude da saúde, isto é, o vigor da incorrupção. Logo, o corpo de Cristo foi incorruptível e sem nenhuma fraqueza.
3. Demais. — A pena resulta da culpa. Ora, Cristo são tinha nenhuma culpa, segundo a Escritura: O qual não cometeu pecado. Logo, também não deviam existir nele as fraquezas corpóreas, que são penais.
4. Demais. — Ninguém, que tenha sabedoria, assume o que o priva do seu fim próprio. Ora, as referidas fraquezas do corpo impedem de muitos modos o fim da Encarnação. Primeiro, porque, por elas os homens ficavam impedidos de conhecê-la, segundo aquilo da Escritura: Vimo-lo e não tinha parecença do que era; feito um objeto de desprezo e o último dos homens, um varão de dores e experimentado nos trabalhos; e o seu rosto se achava como encoberto e parecia desprezível; por onde, nenhum caso fizemos dele. Segundo, porque assim não se cumpria o desejo dos Santos Patriarcas, de cuja pessoa diz a Escritura: Levanta-te, levanta-te, arma-te de fortaleza, o braço do Senhor. Terceiro, porque mais convenientemente pela fortaleza do que pela fraqueza podia ser superado o poder do diabo e sanada a fraqueza humana. Logo, parece que era conveniente que o Filho de Deus assumisse a natureza humana com as suas fraquezas ou deficiências corpóreas.
Mas, em contrário, o Apostolo: À vista de tudo quanto ele padeceu e em que foi tentado é poderoso para ajudar também aqueles que são tentados. Ora, ele veio pará nos auxiliar, donde o dizer a Escritura: Levantei os meus olhos aos montes, de donde me virá socorro. Logo, era conveniente que o Filho de Deus assumisse a carne sujeita às fraquezas humanas de modo que pudesse por ela sofrer e ser tentado e assim trazer-nos auxílio.
SOLUÇÃO. — Era conveniente que o Filho de Deus assumisse um corpo sujeito às fraquezas e às deficiências humanas, sobretudo por três razões. — Primeiro porque o Filho de Deus, tendo assumido a carne, veio ao mundo para satisfazer pelo pecado do gênero humano. Ora, satisfaz pelo pecado de outrem quem assume a pena devida ao pecado deste. Ora, essas misérias do corpo, a saber, a morte, a fome, a sede e outras semelhantes, são a pena do pecado, introduzido no mundo por Adão, segundo aquilo do Apóstolo: Por um homem entrou o pecado neste mundo e pelo pecado a morte. Por onde, era conveniente, quanto ao fim da Encarnação, que tais penalidades ele as sofresse em nossa carne, por nós, conforme a Escritura: Verdadeiramente ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas. — Segundo, para fundar a fé na Encarnação. Pois, como não seria a natureza humana conhecida dos homens senão enquanto sujeita a essas misérias do corpo, se o Filho de Deus a tivesse assumido sem elas, não seria considerado verdadeiro homem, nem teria uma carne verdadeira, mas fantástica, como o ensinavam os Maniques. E por isso, no dizer do Apóstolo, ele se aniquilou a si mesmo, tomando a natureza de servo, fazendo-se semelhante aos homens e sendo reconhecido na condição como homem. Donde o ter Tomás refeito a sua fé em Cristo, depois de lhe haver contemplado as chagas, segundo refere o Evangelho. Terceiro, para nos dar um exemplo de paciência, suportando virilmente os sofrimentos e as misérias humanas. Donde o dizer o Apóstolo: Sofreu tal contradição dos pecadores contra a sua pessoa, para que não vos fatigueis, desfalecendo em vossos ânimos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A satisfação pelo pecado de outrem tem, como sua matéria; as penas sofridas por esse pecado; mas tem como princípio o hábito da alma que inclina a vontade a satisfazer por outro, donde tira a satisfação a sua eficácia; pois, não seria eficaz a satisfação se não procedesse da caridade, como depois se dirá. E por isso era necessário fosse a alma de Cristo perfeita quanto ao hábito das ciências e das virtudes, para que tivesse a faculdade de satisfazer; e necessário também era que o seu corpo estivesse sujeito às misérias para que lhe não faltasse a matéria da satisfação.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Da relação natural que há entre a alma e o corpo resulta o redundar no corpo a glória da alma. Mas, essa relação natural, em Cristo, depende da vontade da sua divindade, em virtude da qual a beatitude permanecia na alma, sem derivar para o corpo, ao passo que a carne sofria os sofrimentos da natureza passível, segundo aquelas palavras de Damasceno: Por beneplácito da divina vontade era permitido à carne sofrer e realizar as suas operações próprias.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A pena sempre resulta da culpa atual ou original daquele que é punido, umas vezes; e outras, daquele que satisfaz as penas por ele. Tal o que se deu com Cristo, conforme à Escritura: Ele foi ferido pelas nossas iniquidades, foi quebrantado pelos nossos crimes.
RESPOSTA À QUARTA. — As fraquezas assumidas por Cristo não impediam a fé na Encarnação; ao contrário, a promovia, como dissemos. Embora essas fraquezas lhe ocultassem a divindade, manifestavam-lhe contudo a humanidade, que é via conducente à divindade, segundo o Apóstolo: Temos acesso a Deus por Jesus Cristo. Quanto aos antigos Patriarcas, eles desejavam em Cristo não certamente a força do corpo, mas a espiritual, pela qual venceu o diabo e sanou a fraqueza humana.
O quarto discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo não tinha a onipotência quanto à execução da própria vontade.
1. — Pois, diz o Evangelho que Jesus, tendo entrado numa casa, quis que ninguém o soubesse mas não pôde ocultar-se. Logo, não podia em tudo executar o propósito da sua vontade.
2. Demais. — Uma ordem é manifestação da vontade, como na Primeira Parte se disse. Ora, o Senhor mandou fazer certas coisas, cujo contrário veio a acontecer. Assim refere o Evangelho, que aos cegos depois de terem recuperado a vista, Jesus os ameaçou dizendo: Vede lá que o não saiba alguém. Mas eles, saindo dali, divulgaram por toda aquela terra o seu nome. Logo, não podia em tudo executar o propósito da sua vontade.
3. Demais. — O que podemos fazer por nós mesmos não o pedimos a outrem. Ora, o Senhor pediu ao Pai, na sua oração, o que queria fosse feito como se lê no Evangelho: Saiu ao monte a orar e passou toda a noite em oração a Deus. Logo, não podia executar em tudo o propósito da sua vontade.
Mas, em contrário, diz Agostinho: É impossível não se cumprir a vontade do Salvador; nem pode querer o que sabe não se dever fazer.
SOLUÇÃO. — De dois modos pode a alma de Cristo querer alguma coisa. — Primeiro, como devendo realizá-la ela própria. E então, devemos dizer que pôde tudo quanto quis. Pois, não lhe conviria à sapiência quisesse fazer por si o que não estava ao alcance do seu poder. — De outro modo, podia querer uma coisa como devendo ser feita pela virtude divina como a ressurreição do seu próprio corpo e outras obras milagrosas semelhantes. As quais não podia por virtude própria, mas sim enquanto instrumento da divindade, como se disse.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Diz Agostinho; devemos afirmar que Cristo quis o que foi feito. Pois, é mister advertirmos que tais coisas se realizavam nos confins da gentilidade, aos quais ainda não era tempo de pregar. Embora fosse inveja não aceitar os que espontaneamente se apresentavam a receber a fé. Por isso não quis ser anunciado pelos seus discípulos; mas, sim ser procurado pelos gentios. E assim se fez. — Ou podemos dizer que essa vontade de Cristo não se referia ao que por ela se devia fazer, mas ao que devia ser feito por outros e que não dependia da sua vontade humana. Por isso na Epístola do Papa Ágato, recebida pelo Sexto Sínodo, se lê: Pois então ele, criador e Redentor de tudo, não podia viver escondido na terra? Não, se o entendemos em relação à sua vontade humana, que se dignou assumir temporalmente.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Gregório, mandando calarem-se as suas virtudes o Senhor deu-se como exemplo aos servos que o seguiam, para também eles terem o desejo de ocultar as suas, embora manifestassem contra a vontade deles os outros, para aproveitarem do seu exemplo. Assim, pois, a sua ordem manifestava-lhe a vontade de fugir à glória humana, segundo aquilo do Evangelho: Eu não busco a minha glória. Mas, absolutamente falando, queria, sobretudo pela vontade divina, se publicasse o milagre feito, para utilidade dos outros.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo orava tanto para a realização do que devia ser feito por vontade divina, como para a do que havia de fazer pela sua vontade humana. Pois, a virtude e a operação da alma de Cristo dependiam de Deus, que é quem obra em nós o querer e o fazer, como diz o Apóstolo.
O terceiro discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo tinha a onipotência em relação ao próprio corpo.
1 — Pois, diz Dasmaceno, todos os sofrimentos naturais Cristo os padeceu voluntariamente; assim, teve fome, sêde, temor e morreu porque assim o quis, etc. Ora, é considerado onipotente por ter feito tudo quanto quis. Logo, parece que a alma de Cristo tinha a onipotência em relação às operações naturais do seu próprio corpo.
2. Demais. — Em Cristo a natureza humana era mais perfeita que em Adão. Ora, este, pela justiça original que tinha no estado de inocência, trazia o corpo absolutamente sujeito à alma a ponto de nada se operar no corpo contra a vontade da alma. Logo, com maior razão, a alma de Cristo era onipotente em relação ao seu corpo.
3. Demais. — O corpo naturalmente sofre alterações por efeito da imaginação da alma; e tanto mais quanto mais a alma tiver a imaginação viva, como se estabeleceu na Primeira Parte. Ora, a alma de Cristo tinha uma virtude perfeitíssima, tanto em relação à imaginação como às outras potências, Logo, a alma de Cristo era onipotente em relação ao próprio corpo.
Mas, em contrario, o Apóstolo diz que foi conveniente se fizesse ele em tudo semelhante a seus irmãos; e sobretudo no atinente à condição da natureza humana. Ora, é da condição da natureza humana não estarem sujeitos ao império da razão ou da vontade a saúde do corpo, a sua nutrição e o seu crescimento; porque o natural está sujeito só a Deus; autor da natureza. Logo, nem em Cristo essas unções naturais estavam sujeitas à razão e à vontade. E, portanto, a alma de Cristo não era onipotente em relação ao próprio corpo.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, a alma de Cristo pode ser considerada a dupla luz. — Primeiro, na sua virtude e natureza próprias. E então, assim como não podia mudar o curso e a ordem natural dos corpos externos, não podia também subtrair o próprio corpo à sua disposição natural; pois, a alma de Cristo, na sua natureza própria, é determinadamente proporcionada ao seu corpo. — A outra luz podemos considerar a alma de Cristo enquanto instrumento unido pessoalmente ao Verbo de Deus. E então estava totalmente sujeito ao seu poder a disposição do próprio corpo. Mas, como a virtude da ação propriamente não é atribuída ao instrumento, mas ao agente principal, tal onipotência é atribuída antes ao Verbo mesmo de Deus que à alma de Cristo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As palavras de Damasceno se devem entender quanto à vontade divina de Cristo. Pois, como ele próprio o disse no capítulo 'antecedente, por beneplácito da vontade divina fora permitido à carne sofrer e realizar as suas operações próprias.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O ter a alma do homem o poder de mudar o próprio corpo para qualquer forma não pertencia à justiça original de Adão, no estado de inocência; mas só, conservá-lo sem nenhum sofrimento. Ora, também essa virtude Cristo podia ter assumido, se tivesse querido. Mas sendo três os estados do homem — o da inocência, o da culpa e o da glória — assim como do estado da glória assumiu a compreensão e do de inocência, a imunidade do pecado, assim também do estado da culpa assumiu a necessidade de sujeitar-se às penalidades desta vida como depois diremos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A imaginação, sendo viva, naturalmente o corpo lhe obedece, de certo modo. Por exemplo, no caso da queda de uma trave pendurada no alto; pois, é natural à imaginação ser o princípio do movimento local, como diz Aristóteles. Semelhantemente, também quanto à alteração proveniente do calor e do frio e às suas consequências. Pois, a imaginação naturalmente provoca as paixões da alma, que movem o coração; e assim, pela comoção dos espíritos, todo o corpo fica alterado. Mas as outras disposições corporais, não dependentes naturalmente da imaginação, por ela não são alteradas, por mais viva que seja; por exemplo, a figura das mãos, dos pés ou coisas semelhantes.
O segundo discute-se assim, - Parece que a alma de Cristo tem a onipotência para causar mudanças nas criaturas.
1. — Pois, diz o próprio Cristo: Tem-se-me dado todo o poder no céu e na terra, Ora, os nomes de céu e de terra abrangem todas as criaturas, como se lê na Escritura: No princípio criou Deus o céu e a terra, Logo, parece que a alma de Cristo tem a onipotência para causar mudanças nas criaturas.
2. Demais. — A alma de Cristo é mais perfeita que qualquer outra .criatura. Ora, qualquer criatura pode ser movida por outra. Assim, diz Agostinho: Como os corpos mais rudes e inferiores são governados pelos mais subtis e poderosos,numa certa ordem, também todos os corpos o são pelo espírito vital; e o espírito vital racional trânsfuga e pecador, pelo espírito vital racional pio e justo. Ora, a alma de Cristo move mesmo os próprios espíritos supremos, iluminando-os, como diz Dionísio. Logo, parece que a alma de Cristo tem a onipotência para causar mudanças nas criaturas.
3. Demais. — A alma de Cristo tinha, na sua plenitude, a graça dos milagres ou das virtudes, como tinha as demais graças. Ora, toda mudança, causada na criatura pode implicar a graça dos milagres. Assim, como o prova Dionísio, os corpos celestes foram mudados na sua ordem, milagrosamente. Logo, a alma de Cristo tinha a onipotência para causar mudanças nas criaturas.
Mas, em contrário, a quem pertence causar mudanças nas criaturas também pertence conservá-las. Ora, isto só Deus o pode fazer, segundo aquilo do Apóstolo: Sustentando tudo com a palavra da sua virtude. Logo, só Deus tem a onipotência para causar mudanças nas criaturas. E portanto tal não convém à alma de Cristo.
SOLUÇÃO. — Temos necessidade de fazer, nesta matéria, uma dupla distinção. — A primeira relativa às transmutações das criaturas, e essa é tríplice. Uma é natural, resultante do próprio agente, na ordem da natureza. Outra, miraculosa, resultante de um agente sobrenatural, acima da ordem habitual e do censo da natureza, tal a ressurreição dos mortos. A terceira resulta de poder toda criatura ser convertida em nada. — Ora, a segunda distinção devemos aplicá-la à alma de Cristo, a qual pode ser considerada a dupla luz. Primeiro, quanto à sua natureza própria e à sua virtude, quer natural, quer gratuita. Segundo, enquanto instrumento do Verbo de Deus a ela pessoalmente unido.
Se, pois, consideramos a alma de Cristo na sua natureza própria e na sua virtude, quer natural, quer gratuita, tinha ela o poder de produzir aqueles efeitos próprios da alma; por exemplo, governar o corpo e dispor os atos humanos; e ainda o de iluminar pela plenitude da graça e da ciência todas as criaturas racionais, menos perfeitas que ela, ao modo conveniente à criatura racional. Se, porém, consideramos a alma de Cristo, enquanto instrumento do Verbo a ela pessoalmente unido, então, tinha uma virtude instrumental para fazer todas as transformações miraculosas, ordenáveis ao fim da Encarnação, que é, como diz o Apóstolo, restaurar em Cristo todas as coisas, assim as que há no céu como as que há na terra. Quanto às transformações das criaturas, enquanto redutíveis ao nada, elas correspondem à criação das coisas, isto é, enquanto produzidas do nada. Por onde, assim como só Deus pode criar, assim, só ele pode reduzir as criaturas ao nada; e é também só ele quem as conserva no ser para não caírem em o nada.
Por onde devemos concluir que a alma de Cristo não tem a onipotência relativamente às transformações das criaturas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Jerônimo, o referido poder foi dado a quem pouco antes tinha sido crucificado, que foi sepultado no túmulo, que depois ressurgiu, isto é, a Cristo enquanto homem. E se diz que todo o poder lhe foi dado, é em razão da união, que fez com que o homem fosse onipotente, como dissemos. E embora disso os anjos tivessem tido conhecimento, antes da ressurreição, depois desta, contudo, é que todos os homens o souberam, como diz Remígio. Pois dissemos que as coisas são feitas quando o sabemos. Por isso, depois da ressurreição, o Senhor disse que todo poder lhe foi dado no céu e na terra.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora toda criatura possa ser mudada por outra, menos o anjo supremo, que contudo pode ser iluminado pela graça de Cristo, contudo, nem toda mudança que uma criatura pode sofrer pode ser causada por outra; mas, há certas transmutações que só Deus pode fazer. Porém, quaisquer mudanças das criaturas, que podem ser causadas por outras, podem também ser feitas pela alma de Cristo, enquanto instrumento do Verbo. Não, contudo, pela sua natureza e virtude próprias; pois, certas dessas mudanças não estão ao alcance da alma, nem na ordem natural nem na da graça.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos na Segunda Parte, a graça das virtudes ou dos milagres é dada à alma de um determinado santo, não como virtude própria dele, mas, por virtude, divina é que poderá operar tais milagres. Ora, essa graça excelentíssima foi dada à alma de Cristo: de modo que não somente ele fizesse milagres, mas ainda que a transfundisse nos outros. Donde o dizer a Escritura: Convocados os seus doze discípulos. deu-lhes Jesus poder sobre os espíritos imundos, para os expelirem e para curarem todas as doenças e todas as enfermidades.
O primeiro discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo tinha a onipotência.
1 — Pois, diz Ambrósio: O poder que o Filho de Deus tem naturalmente, o homem o teria num certo tempo. Ora, parece que isso se aplica sobretudo à alma, a parte mais importante do homem. Ora, como o Filho de Deus tinha a onipotência abeterno, parece que a alma de Cristo recebeu a onipotência no tempo.
2. Demais. — Como o poder de Deus é onipotente, assim também a sua ciência. Ora, a alma de Cristo tem de certo modo a ciência de tudo o que Deus sabe, como se disse. Logo, também tem o poder sobre tudo. E assim, é onipotente.
3. Demais. — A alma de Cristo tem a ciência total. Ora, das ciências, umas são práticas, outras especulativas. Logo, tem, daquilo que sabe, uma ciência prática, de modo que saiba que faz o que sabe. E assim, parece que pode fazer tudo.
Mas, em contrário. — O que é próprio a Deus não pode sê-lo a nenhuma criatura. Ora, é próprio de Deus ser onipotente, segundo aquilo da Escritura: Este é o meu Deus e eu o glorificarei; e depois acrescenta: Seu nome é onipotente. Logo, a alma de Cristo sendo uma criatura, não tem a onipotência.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, no mistério, da Encarnação a união com a pessoa se fez sem destruir a distinção das naturezas, conservando cada natureza o que lhe é próprio. Ora, a potência ativa de um ser resulta-lhe da forma, que é o princípio de ação. Ora, a forma ou é a natureza mesma do ser, como nos simples; ou a constitui, como nos compostos de matéria e forma. Por onde, é manifesto que a potência ativa de todo ser resulta da natureza dele. E, deste modo, a onipotência resulta, como uma consequência, da natureza divina. Mas, sendo a natureza divina o ser mesmo incircunscrito de Deus, segundo o diz Dionísio, daí vem o ter ele a potência ativa em relação a tudo o que por essência é um ser - o que é ter a onipotência; assim, qualquer outro ser tem a potência ativa em relação ao que se estende a perfeição da sua natureza, como o corpo quente, ao aquecer. Ora, sendo a alma de Cristo parte da natureza humana, é lhe impossível ter a onipotência.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O homem recebeu no tempo a onipotência, que o Filho de Deus tinha abeterno em virtude da união pessoal; donde resultava que, assim como o homem era Deus, também era onipotente. Não que a onipotência do homem seja diferente da do Filho de Deus, como não o é a divindade; mas, por ser uma só a pessoa de Deus e a do homem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Certos dizem que não se pode atribuir à ciência o mesmo que se atribui à potência ativa; pois, a potência ativa resulta da natureza mesma do ser, porque a ação se considera como originária do agente. Ao passo que a ciência nem sempre resulta da essência mesma do ciente; mas pode ser adquirida pela assimilação do ciente com as causas sabidas, pelas semelhanças por ele recebidas. — Mas esta razão não é suficiente. Pois, se podemos conhecer mediante a semelhança recebida de outro, também podemos agir pela forma de outro recebida; assim, a água ou o ferro aquece pelo calor recebido do fogo. Mas isto não impede que, assim como a alma de Cristo, mediante as semelhanças de todas as coisas nela infundidas por Deus, pode conhecer tudo, assim também possa fazê-las, mediante essas mesmas semelhanças. — Por isso, devemos ainda considerar, ulteriormente, que o recebido, de uma natureza superior, por outra, inferior, o é ao modo da inferior; assim, a água não recebe o calor com â mesma perfeição que ele tem no fogo. Ora, a alma de Cristo, sendo de natureza inferior à natureza divina, as semelhanças das coisas não as recebe ela com a mesma perfeição e a mesma virtude com que existem em a natureza divina. Donde vem que a ciência da alma de Cristo é inferior à ciência divina, quanto ao modo de conhecer porque Deus conhece as coisas mais perfeitamente que a alma de Cristo; e também quanto ao número das coisas conhecidas, porque a alma de Cristo não conhece todas as causas que Deus pode fazer, as quais contudo Deus conhece pela ciência da simples inteligência; embora, a alma de Cristo conheça todas as coisas presentes, passadas e futuras, que Deus conhece pela ciência de visão. Semelhantemente, as semelhanças das coisas, infundidas na alma de Cristo, não igualam a ação do poder divino, de modo que possa fazer tudo o que Deus o pode; ou ainda, agir, do mesmo modo com que Deus age; o qual age pelo seu poder infinito, de que a criatura não é capaz. Ora, nenhum ser existe que, para ser conhecido, exija uma virtude de algum modo infinita, embora haja um modo de conhecer cujo poder é infinito, Mas, há certas coisas que só podem ser feitas por um poder infinito, como a criação e outras tais, segundo se colige do que dissemos na Primeira Parte, Por onde, a alma de Cristo que, sendo criatura, tem um poder finito, pode certo, conhecer tudo, mas não, omnimodamente, Assim não pode fazer tudo que essencialmente supõe a onipotência; e, quanto ao mais, é claro que não podia criar-se a si mesma.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A alma de Cristo tinha tanto a ciência prática como a especulativa; mas isso não implica que tivesse a ciência prática de tudo o de que tinha a especulativa. Pois, para se adquirir a ciência especulativa basta só a conformidade ou a assimulação do ciente com a coisa sabida. Ao passo que a aquisição da ciência prática exige que sejam factivas as coisas cujas formas estão no intelecto, Ora, mais é ter uma forma e imprimir essa forma em outro, que somente tê-la; assim como luzir e iluminar é mais que somente luzir. Donde vem que a alma de Cristo tem, por certo, a ciência especulativa de criar, pois, sabe como Deus cria; mas disso não tem a ciência prática, por não ter a ciência factiva da criação.
O quarto, discute-se assim. - Parece que Cristo recebeu alguma ciência, dos anjos.
1. — Pois, diz o Evangelho, que apareceu a Cristo um anjo do céu, que o confortava. Ora, confortar supõe palavras de ensino, segundo aquilo da Escritura: Eis aqui ensinaste a muitos e deste vigor a mãos cansadas; as tuas palavras firmaram aos que vacilavam. Logo, Cristo foi ensinado pelos anjos.
2. Demais. — Dionísio diz: Pois, eu vejo que o próprio Jesus, substância supersubstancial das substâncias super-celestes, assumindo a nossa natureza sem alterar a sua, obedece com humilde submissão à instruções que Deus, seu Pai, lhe transmite por meio dos anjos. Donde se conclui que o próprio Cristo quis submeter-se à ordem da lei divina, que manda os homens serem ensinados pelos anjos.
3. Demais. — Assim como o corpo humano, por uma ordem natural, está sujeito aos corpos celestes, assim também a inteligência humana às angelicas. Ora, o corpo de Cristo estava sujeito às impressões dos corpos celestes; assim, sofria o calor do verão, o frio do inverno como tudo o mais que o homem padece. Logo, também a sua inteligência recebia as iluminações dos espíritos super-celestes.
Mas, em contrário, diz Dionísio, que os anjos supremos fazem, eles, interrogações a Jesus conhecendo dele a sua obra divina e a assunção da nossa carne, por amor de nós; e Jesus os ensina sem, medianeiro. Ora, não pode um mesmo sujeito ensinar e ser ensinado. Logo, Cristo nada aprendeu dos anjos.
SOLUÇÃO. — Assim como a alma humana é um meio termo entre as substâncias espirituais e os seres corpóreos, assim de dois modos lhe é natural o aperfeiçoar-se: pela ciência haurida nas coisas sensíveis e pela ciência infusa ou impressa pela iluminação das substâncias espirituais. Ora, de ambos esses modos a alma de Cristo era perfeita. Quanto aos sensíveis, pela ciência experimental, para adquirir a qual não é necessário a iluminação angélica, pois, basta o lume do intelecto agente; quanto à impressão superior, pela ciência infusa, que imediatamente recebia de Deus. Pois, assim como a alma de Cristo estava unida, de um modo superior ao que é comum à criatura, ao Verbo na unidade da pessoa, assim também, de um modo superior ao que é comum aos homens, a sua alma abundava na ciência e na graça recebidas imediatamente do próprio Verbo de Deus; não, pois mediante os anjos, que também, pela influência do Verbo, receberam, quando começaram a existir, a ciência das coisas como diz Agostinho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O confortar do anjo, que refere a Escritura, não foi a modo de instrução, mas, para mostrar a propriedade da natureza humana. Donde o dizer Beda: Foi para nos mostrar a propriedade das duas naturezas, da humana e da divina, que os anjos vieram confortá-lo e servi-lo, Pois, o Criador não precisava do socorro da sua criatura; mas, Cristo feito homem assim como quis se entristecer por nós, assim, por causa nossa, quis ser consolado. De modo que em nós se confirmasse a fé na sua Encarnação.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Dionísio diz, que Cristo foi submetido à iluminação dos anjos, não que por natureza delas precisasse, mas por ocasião das diversas circunstâncias da sua Encarnação, e da fraqueza de que se revestiu, fazendo-se criança, por amor de nós. Por isso, no mesmo lugar acrescenta que, por meio dos anjos o Pai anunciou a José que foi determinado a partida de Jesus para o Egito, e de novo, que devia reconduzir o menino do Egito para a Judéia.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O Filho de Deus assumiu um corpo passível, como diremos depois; mas uma alma com ciência e graça perfeitas. Por isso e convenientemente, o seu corpo foi sujeito a impressão dos corpos ce1estes; mas a sua alma não o foi à dos espíritos celestes.
O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo aprendia dos homens.
1 — Pois, diz o Evangelho que o encontravam no templo, no meio dos Doutores, respondendo-lhes e fazendo-lhes perguntas. Ora, perguntar e responder é próprio de quem aprende. Logo, Cristo aprendia dos homens.
2. Demais. — Adquirir a ciência de um mestre é mais nobre que adquiri-la pelos sentidos; porque a alma do docente tem as espécies inteligíveis em ato, ao passo que nas coisas sensíveis elas só estão em potência. Ora, Cristo hauria a ciência experimental nas coisas sensíveis; como se disse. Logo, com muito maior razão, podia adquirir a ciência, aprendendo-a dos homens.
3. Demais. — Cristo não sabia tudo, desde o princípio, por uma ciência experimental, mas progredia nela, como se disse. Ora, quem quer que ouça uma palavra significativa, de outrem, pode aprender o que não sabe. Logo, Cristo podia aprender certas causas, dos homens, que por essa ciência não sabia.
Mas, em contrário, a Escritura: Eis aí o dei por testemunha aos povos, por capitão e por mestre às gentes. Ora, não é próprio do mestre ser ensinado, mas, ensinar. Logo, Cristo não recebeu, pela doutrina, nenhuma ciência, de ninguém.
SOLUÇÃO. — Em qualquer gênero, o primeiro motor não é movido por aquela forma de movimento; assim, o princípio primeiro de uma alteração não é alterado. Ora, Cristo foi constituído cabeça da Igreja, ou melhor, de todos os homens, como se disse, de modo que não somente todos recebessem dele a graça, mas ainda, que todos haurissem nele a dourina da verdade. Por isso, ele próprio diz: Eu para isso nasci e ao que vim ao mundo foi para dar testemunho da verdade. Por onde, não lhe era conveniente à dignidade que fosse ensinado por qualquer homem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Orígenes, o Senhor interrogava, não para aprender mas para ensinar o interrogando. Pois, é de uma mesma fonte de doutrina que emana o interrogar e o responder com sabedoria. Por isso, no mesmo lugar o Evangelho acrescenta, que todos os que o ouviram estavam pasmados da sua inteligência e das suas respostas.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Quem aprende de outrem, não recebe imediatamente a ciência, das espécies inteligíveis, que estão na mente do que ensina, mas, mediante as palavras sensíveis, como sinais das concepções inteligíveis: Ora, como as palavras pronunciadas são os sinais da ciência intelectual de quem as pronuncia, assim as criaturas feitas por Deus são sinais da sua sabedoria. Donde o dizer a Escritura: Ele difundiu a sabedoria por todas as suas obras. Ora, como é mais digno ser ensinado por Deus que pelos homens, assim é mais digno receber a ciência mediante as criaturas sensíveis que mediante o ensino humano.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Jesus progredia na ciência experimental, como também em idade, segundo se disse. Ora, assim como é necessária uma idade oportuna para o homem adquirir a ciência por invenção, assim também o é para a adquirir pela aprendizagem. Ora, o Senhor nada fazia que não lhe conviesse à idade. Logo, não se pôs a ouvir as palavras do ensino senão no tempo em que podia, também por via da experiência, atingir ao grau dessa ciência. Donde o dizer Gregório: No duodécimo ano da sua idade dignou-se interrogar os homens na terra, pois, conforme o desenvolvimento da razão, o ensino não é próprio senão à idade perfeita.
O segundo discute-se assim. Parece que Cristo não progredia nessa ciência.
1 — Pois, assim como pela ciência habitual ou pela ciência infusa, Deus conhecia todas as coisas, assim também por essa ciência adquirida, como do sobredito resulta. Ora, naquelas ciências não progredia. Logo, nem nesta.
2. Demais. — Progredir implica imperfeição, porque o perfeito não é susceptível de adição. Ora, não podemos atribuir a Cristo uma ciência imperfeita. Logo, Cristo não progredia na referida ciência.
3. Demais. — Damasceno diz: Os que dizem ter Cristo progredido em sabedoria e em graça como acréscimos que assim recebia; não veneram a união. Ora, é ímpio não venerar a união. Logo, ímpio também o é dizer que a sua ciência era susceptível de acréscimo.
Mas, em contrário, o Evangelho diz, que Jesus crescia em sabedoria e em idade e em graça diante de Deus e dos homens. E, Ambrósio acrescenta, que progredia na sabedoria humana. Ora, a sabedoria humana é a adquirida de modo humano, isto é, pelo lume do intelecto agente. Logo, Cristo progredia na referida ciência.
SOLUÇÃO. — Duplo é o progresso na ciência. Um, segundo a essência: enquanto o mesmo hábito da ciência aumenta. O outro, quanto ao efeito, por exemplo, quando alguém, pelo mesmo igual hábito da ciência, demonstra aos outros, primeiro, verdades menores, e depois, maiores e mais subtis. Ora, deste segundo modo, é manifesto que Cristo progredia em ciência e em graça, como em idade; pois, conforme crescia em idade, fazia maiores obras, reveladoras de maior ciência e graça.
Mas, quanto ao hábito mesmo da ciência, é manifesto que o hábito da ciência infusa nele não aumentou; pois, toda a sua ciência infusa ele a teve plenariamente desde o principio. E muito menos podia aumentar-lhe a ciência da visão beatífica. Quanto à ciência divina, que não pode aumentar, já tratamos na Primeira Parte. Se, pois, além do hábito da ciência infusa, não há na alma de Cristo outro hábito — o da ciência adquirida, como certos pensam e como a mim também me parecia, nenhuma ciência, na sua essência, aumentou, em Cristo, mas só por experiência, isto é, pela aplicação das espécies inteligíveis infusas aos fantasmas. E, assim sendo, dizem que a ciência de Cristo aumentou quanto à experiência; isto é, aplicando as espécies inteligíveis infusas aos novos conhecimentos que pelos sentidos adquiria. Mas, sendo inadmissível que qualquer ato natural inteligível faltasse a Cristo pois que tirar as espécies inteligíveis, dos fantasmas é um ato natural do intelecto agente do homem - devemos atribuir também tal ato a Cristo. Donde resulta, que a alma de Cristo tinha um certo hábito da ciência, susceptível de aumento, mediante essa abstração, das espécies; isto é, por poder o intelecto agente, depois de ter abstraído, dos fantasmas, as primeiras espécies inteligíveis, abstrair ainda outras.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Tanto a ciência infusa da alma de Cristo, como a da visão beatifica, era efeito de uma virtude agente infinita, que pode obrar simultânea e totalmente; e assim, em nenhuma dessas ciências Cristo progrediu; mas as tinha perfeitas desde o princípio. Ora, a ciência adquirida é causada pelo intelecto agente, cuja ação não é simultânea e total, mas sucessiva. Por onde, mediante essa ciência, Cristo não sabia tudo, desde o princípio, mas paulatinamente e depois de um certo tempo, isto é, na sua idade perfeita; o que se conclui de dizer o Evangelista, que ele simultaneamente progredia em ciência e em idade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A referida ciência em Cristo também sempre foi perfeita no tempo, embora não a tivesse sempre sido, absolutamente falando e por natureza. Logo, era susceptível de aumento.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As palavras de Damasceno se entendem daqueles que dizem que a ciência de Cristo recebeu acréscimos absolutamente falando, isto é, relativamente a qualquer ciência sua; e sobretudo, à infusa, causada na alma de Cristo pela união com o Verbo. Mas, não se estende do aumento da ciência causada por um agente natural.