Category: Santo Tomás de Aquino
O quinto discute-se assim. — Parece que à Mãe de Deus deve ser prestada a adoração de latria.
1. — Pois, a mesma é a honra prestada à mãe do rei, que o é ao rei. Donde o dizer a Escritura: Pôs-se um trono para a mãe do rei, a qual se assentou à sua mão direita. E Agostinho: No trono de Deus, no tálamo do Senhor do céu e no tabernáculo de Cristo é também digna de estar a mãe de Deus. Ora, a Cristo é devida a adoração de latria. Logo, também à sua mãe.
2. Demais. — Damasceno diz que a honra da mãe é referida ao Filho. Ora, ao Filho é devida a adoração de latria. Logo, também à Mãe.
3. Demais. — A Mãe de Cristo lhe é mais chegada, que a cruz. Ora, à cruz é tributada adoração de latria. Logo, à Mãe de Cristo deve ser tributada a mesma adoração.
Mas, em contrário, a Mãe de Deus é uma pura criatura. Logo, não lhe é devida a adoração de latria.
SOLUÇÃO. — Sendo a latria devida só a Deus, não o é à criatura; não o é, no sentido em que a venerássemos em si mesma. Mas, embora as criaturas insensíveis não sejam em si mesmas dignas de veneração, a criatura racional o é. Por isso, não devemos o culto de latria a nenhuma criatura racional como tal. Sendo, porém, a bem-aventurada Virgem uma criatura racional, em si mesma, não lhe devemos a adoração de latria, mas só a veneração de dulia. De maneira mais eminente, contudo, que às outras criaturas, por ser Mãe de Deus. E por isso dizemos que lhe é devida, não qualquer dulia, mas a hiperdulia.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A mãe do rei não é devida honra igual à que o é ao rei; mas, é lhe devida uma honra semelhante, em razão de certa excelência. E é o que querem dizer as autoridades citadas.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A honra de Maria é referida ao Filho, porque a mãe deve ser adorada por causa do Filho. Mas não do modo pelo qual a honra da imagem é referida ao exemplar, pois, a imagem, considerada me si mesma como uma determinada coisa, de nenhum modo deve ser venerada.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A cruz não é digna de veneração considerada em si mesma, como dissemos. Mas a Santa Virgem é em si mesma digna de veneração. Logo, a comparação não colhe.
O quarto discute-se assim. — Parece que a cruz de Cristo não devemos prestar a adoração de latria.
1. — Pois, nenhum filho piedoso venera a contumélia feita contra o seu próprio pai, por exemplo, o flagelo com que é flagelado, o madeiro em que foi suspenso; do contrário, aborrece tudo isso. Ora, Cristo, no lenho da cruz, sofreu aprobiosíssima morte, segundo aquilo da Escritura: Condenemo-lo a uma morte mais infame. Logo, em vez de venerá-la, devemos aborrecer a cruz.
2. Demais. — A humanidade de Cristo, é adorada pela adoração de latria, enquanto unida à pessoa do Filho de Deus; o que não se pode dizer da cruz. Logo, à cruz de Cristo não deve ser prestada adoração de latria.
3. Demais. — Assim como a cruz de Cristo foi o instrumento da sua paixão e morte, assim também o foram muitas outras coisas, como os cravos, a coroa e a lança; as quais contudo não prestamos o culto de latria. Logo, parece que não devemos tributar à cruz de Cristo a adoração de latria.
Mas, em contrário, prestamos o culto de latria aquele em quem pomos a esperança da nossa salvação. Ora, pomos na cruz de Cristo a esperança da nossa salvação. Assim, a Igreja canta no hino da Paixão.
O cruz, ave, esperança única!
Neste tempo da paixão,
Aumenta dos pios a justiça,
E aos réus dá vênia.
Logo, devemos prestar à cruz de Cristo a adoração de latria.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, honra ou reverência não é devida senão à natureza racional; e à criatura insensível não devemos honra nem reverência senão por causa da natureza racional. E isto de dois modos: ou enquanto representa uma natureza racional, ou por estar a esta de algum modo unida Do primeiro modo, costumaram os homens venerar a imagem do rei; do segundo, as suas vestes. Mas, uma e outra coisa, com a mesma veneração com que veneram o rei. — Se, pois, nos referimos à cruz mesma onde foi Cristo crucificado, de um e outro modo deve ela ser venerada. Primeiro, porque nos representa a figura de Cristo estendido nela; segundo por causa do contato dos seus membros e por ter sido embebida do seu sangue. Por onde, de um e outro modo, é adorada pela mesma adoração por que o é Cristo, isto é, pela adoração de latria. E também por isso dirigimos palavras e oração à Cruz como o faríamos ao próprio crucificado. — Se porém se trata da efígie da cruz de Cristo, em qualquer outra matéria por exemplo, pedra ou madeira, prata ou ouro, então veneramos a cruz somente como imagem de Cristo, que veneramos com adoração de latria, segundo dissemos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A intenção ou a opinião dos infiéis considera a cruz como o opróbrio de Cristo, mas, pelo efeito que produziu, da nossa salvação, consideramo-la como a virtude divina dele, com a qual triunfou dos inimigos, segundo o Apóstolo: Despojando os principados e potestades, os trouxe confiadamente, triunfando em público deles em si mesmo. E por isso, noutro lugar: A palavra da cruz é na verdade uma estultícia para os que se perdem, mas para os que se salvam, que somos nós, é ela a virtude de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A cruz de Cristo, embora não fosse unida ao Verbo de Deus, em pessoa, foi-lhe contudo unida de certo modo, isto é, pela representação e pelo contato. E só por essa razão nós lhe prestamos reverência.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Pela razão do contato dos membros de Cristo, adoramos não só a cruz, mas também tudo o que é de Cristo. Donde o dizer Damasceno: É' racional adorarmos o lenho precioso como santificado pelo contato do seu santo corpo e sangue; e também os cravos, as vestes e a lança; e os seus santos tabernáculos. Mas, tudo isso não representa a imagem de Cristo, como a cruz, chamada sinal do Filho do Homem, que aparecerá no céu, como diz o Evangelho. E por isso às mulheres disse o anjo Vós buscais a Jesus Nazareno, que foi crucificado; não disse — lanceado, mas, crucificado. Donde vem que veneramos a imagem da cruz de Cristo, em qualquer matéria; mas não, a imagem dos cravos ou de qualquer outra coisa semelhante.
O terceiro discute-se assim. — Parece que à imagem de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.
1. — Pois, diz a Escritura: Não farás para ti imagem de escultura, nem figura alguma. Ora, nenhuma adoração deve ser prestada contra o preceito de Deus. Logo, a imagem de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.
2. Demais. — Não devemos imitar as práticas dos gentios, como diz o Apóstolo. Ora, os gentios são precipuamente acusados porque mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança de figura de homem corruptível. Logo, a imagem de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.
3. Demais. — A Cristo é devida a adoração de latria em razão da divindade, e não, da humanidade. Ora, à imagem da sua divindade, impressa na alma racional, não é devida a adoração de Iatria. Logo, muito menos o é à imagem corpórea, que lhe representa a humanidade.
4. Demais. — No culto divino não se deve praticar senão o instituído por Deus. Por isso o Apóstolo, ao transmitir a doutrina do sacrifício da Igreja, diz; Eu recebi do Senhor o que também vos ensinei a vós. Ora, a Escritura nada nos diz sobre a adoração das imagens. Logo, a imagem de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.
Mas, em contrário, Damasceno cita Basílio, que diz: A honra prestada à imagem é prestada ao ser a que ela pertence, isto é, ao modelo. Ora, o modelo mesmo isto é, Cristo, deve ser adorado com adoração de latria. Logo, também a sua imagem.
SOLUÇÃO. — Como diz o Filósofo, a nossa alma se aplica com duplo movimento, a uma imagem, à em si mesma, como uma determinada coisa e enquanto imagem de alguém. E entre esses dois movimentos há a diferença seguinte: o primeiro movimento, pelo qual nos aplicamos a uma imagem, enquanto uma determinada coisa, difere daquele pelo qual nos aplicamos ao ser a que ela pertence; ao passo que o segundo movimento, cujo objeto é a imagem como tal, é idêntico ao que tem por objeto o ser ao qual ela pertence. Donde, pois, devemos concluir, que à imagem de Cristo, enquanto uma determinada coisa, por exemplo, madeira esculpida ou pintada, nenhuma reverência é prestada, por que reverência só é devida à natureza racional. E daí resulta que lhe prestamos reverência só enquanto imagem. Donde se segue que a mesma reverência é prestada à imagem de Cristo e ao próprio Cristo. Sendo, portanto, Cristo adorado com adoração de latria, consequentemente a sua imagem deve ser adorada também com adoração de latria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O referido preceito não proíbe fazer qualquer escultura ou imagem, mas, fazê-la para adorar, e por isso acrescenta: Não as adorarás nem lhes darás culto. Mas, como se disse, o movimento para a imagem é o mesmo que o para a realidade; por isso, é proibida a adoração da imagem do mesmo modo pelo qual o é a adoração do ser a que ela pertence. E por isso se entende a proibição, do lugar aduzido, de adorar as imagens, que os gentios faziam para venerar os seus deuses, isto é, os demônios. Donde o acrescentar a Escritura: Não terás deuses estrangeiros diante de mim. Pois, do verdadeiro Deus, que é incorpóreo, não se pode fazer nenhuma imagem corpórea; porque, como diz Damasceno, é suma insipiência e impiedade dar figura ao divino. Mas, como no Novo Testamento Deus se fez homem, pode ser adorado na sua imagem corpórea.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O Apóstolo proíbe tomarmos parte nas obras infrutuosas dos Gentios; mas não o proíbe que lhes participemos das obras úteis, Ora, a adoração das imagens deve ser contada entre as obras infrutuosas, por duas razões. Primeiro, porque certos gentios adoravam essas imagens como se fossem as realidades, crendo habitar nelas a divindade, por causa das respostas que os demônios por meio delas davam, e outros efeitos insólitos semelhantes. Segundo, por causa das realidades que elas manifestavam; pois, faziam essas imagens, de certas criaturas, veneradas nelas pela veneração de latria Ao passo que nós adoramos por adoração de latria a imagem por causa da realidade que ela representa, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — À criatura racional é devida reverência, em si mesma. Por onde, se à criatura racional, que é a imagem de Deus, fosse tributada a adoração de latria, poderia haver ocasião de erro; isto é, poderia o afeto dos adoradores limitar-se ao homem, como um determinado ser, sem levar-se até Deus, de que ele é a imagem. O que não pode dar-se com a imagem esculpida ou pintada na matéria sensível.
RESPOSTA À QUARTA. — Os Apóstolos, por uma inspiração familiar do Espírito Santo, ensinaram certas práticas a serem observadas pelas Igrejas, que não deixaram por escrito, mas na observância da Igreja, através das gerações do fiéis, Por isso o Apóstolo mesmo diz: Estai firmes e conservai as tradições que aprendestes, ou de palavra, isto é, proferida oralmente, ou de carta nossa, isto é, por um escrito transmitido. E entre essas tradições está a da adoração das imagens de Cristo. Por isso São Lucas pintou a imagem de Cristo, que, segundo se conta, está em Roma.
O segundo discute-se assim. — Parece que a humanidade de Cristo não deve ser adorada por adoração de latria.
1. — Pois aquilo da Escritura: Adorai o escabelo de seus pés porque éle é santo – diz a Glosa: A carne assumida pelo Verbo de Deus nós a adoramos sem nenhuma impiedade; pois, ninguém lhe come espiritualmente a carne, antes de adorá-la; mas não me refiro à adoração de latria, devida só ao Criador. Ora, a carne de Cristo é parte da sua humanidade. Logo, a humanidade de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.
2. Demais. — O culto de latria a nenhuma criatura é devido; pois, os Gentios foram reprovados porque adoraram e serviram à criatura, no dizer do Apóstolo. Ora, a humanidade de Cristo é uma criatura. Logo, não deve ser adorada com adoração de latria
3. Demais. — A adoração de latria é devida a Deus como reconhecimento do seu domínio máximo, segundo a Escritura: Adorarás ao Senhor teu Deus e só a ele servirás. Ora, Cristo enquanto homem é menor que o Pai. Logo, a sua humanidade não deve ser adorada com adoração de latria.
Mas, em contrário, Damasceno diz: É adorada a carne de Cristo, depois de encarnado o Verbo de Deus, não em si mesma, mas pelo Verbo de Deus a ela hipostaticamente unido. E aquilo da Escritura — Adorai o escabelo de seus pés — diz a Glosa: Quem adora o corpo de Cristo não olha para a terra, mas antes aquele de quem é o escabelo, em honra do qual adora o escabelo. Ora, o Verbo encarnado é adorado por adoração de latria. Logo, também o seu corpo ou a sua humanidade.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, a honra da adoração propriamente é devida à hipóstase subsistente; contudo a razão da honra pode ser o que não é subsistente, por causa do que é honrado o seu sujeito. E assim de dois modos podemos entender a adoração da humanidade de Cristo. Primeiro, que lhe pertença, como ao ser adorado. E portanto, adorar a carne de Cristo não é senão adorar o Verbo de Deus encarnado; assim como adorar a veste do rei não é senão adorar o rei vestido. E, desse modo, a adoração da humanidade de Cristo é uma adoração de Iatria. - Em segundo lugar, podemos entender a adoração da humanidade de Cristo, que lhe é tributada em razão de ser ela perfeita, por todos os dons da graça. E então a adoração da humanidade de Cristo não é uma adoração de latria; mas de dulia; de modo que a mesma pessoa una de Cristo seja adorada por adoração de latria, por causa da sua divindade; e por adoração de dulia por causa da perfeição da sua humanidade. Nem há nisso incongruência, porque a Deus Padre é devida a honra de latria por causa da divindade, e a honra de dulia por causa do domínio com que governa a criatura. Por isso, àquilo da Escritura — Senhor Deus meu, em ti esperei — diz a Glosa — Deus de todos, pelo poder, a quem é por isso devida a dulia; Deus de todos pela criação, a quem é devida então a latria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A Glosa citada não devemos entendê-la como significando, que deva a carne de Cristo ser adorada separadamente da sua divindade; pois, isso seria possível somente se não fosse uma mesma a hipóstase de Deus e do homem. Mas como diz Damasceno, se separamos, com penetração de inteligência, o que é visto, do que é compreendido, não deve ser adorado como criatura, isto é, com adoração de latria. E então, assim entendida, como separada do Verbo de Deus, é lhe devida a adoração de dulia; não qualquer, por exemplo, a prestada às outras criaturas; mas uma de mais excelência, chamada hiperdulia.
DONDE também se deduz a RESPOSTA À SEGUNDA E À TERCEIRA OBJEÇÕES. — Porque a adoração de latria não é prestada à humanidade de Cristo em razão dela mesma, mas em razão da divindade, a que está unidade, pela qual Cristo não é menor que o Pai.
O primeiro discute-se assim. — Parece que por uma mesma adoração não deve ser adorada a divindade e a humanidade de Cristo.
1. — Pois, a divindade de Cristo deve ser adorada pela adoração comum ao Pai e ao Filho; donde o dizer o Evangelho: Todos honrem ao Filho assim como honram ao Pai. Ora, a humanidade de Cristo não é comum com o Pai. Logo, não deve pela mesma adoração ser adorada a humanidade de Cristo e a sua divindade.
2. Demais. — A honra é propriamente o prêmio da virtude, como diz o Filósofo. Ora, a virtude merece o seu prêmio pelo seu ato. Mas, como, em Cristo, uma é a operação da sua natureza divina e outra, da humana, como demonstramos, resulta que deve ser uma a honra tributada à sua humanidade, e outra à sua divindade.
3. Demais. — A alma de Cristo, se não estivesse unida ao Verbo, devia ser venerada pela excelência da sabedoria e da graça que tem. Ora, nada perdeu da sua dignidade por se ter unido ao Verbo. Logo, à natureza humana em Cristo deve ser tributada uma adoração própria, além da que lhe é prestada à divindade.
Mas, em contrário, diz o Quinto Sínodo: Quem afirmar que adora a Cristo nas suas naturezas, o que constitui duas adorações; e que não adora, por uma só adoração, o Verbo de Deus encarnado, simultaneamente com a sua carne, como foi estabelecido desde o início da Igreja de Deus, esse seja anátema.
SOLUÇÃO. — Em quem é honrado duas coisas podemos considerar, a saber: A pessoa a quem a honra é tributada e a causa da honra. Ora, propriamente, a honra é prestada a todo ser por si subsistente. Assim, não dizemos que a mão de um homem é honrada, mas que esse homem o é. E se às vezes dissermos, que é honrada a mão ou o pé de alguém, isso não significa sejam essas partes por si mesmas honradas, mas que, nelas, honramos o todo. De cujo modo também um homem pode ser honrado por alguma exterioridade sua, como na sua roupa, na sua imagem ou no seu embaixador. Mas, a causa da honra é princípio em virtude do qual o honrado tem alguma excelência; pois, a honra é a reverência prestada a alguém por causa da sua excelência, como se disse na Segunda Parte. Se, pois, num só homem existirem várias causas de ser honrado, Por exemplo, a Superioridade, a ciência e a virtude, esse homem receberá por certo uma só honra por parte de quem o honra, mas serão várias as honras, pelas suas causas; pois, o mesmo homem é o honrado tanto pela ciência como pela virtude. Ora, havendo em Cristo uma só pessoa, de natureza divina e humana, e também uma só hipóstase e um suposto, só uma é a adoração e só uma a honra por parte dos que o adoram; mas, quanto à causa por que é honrado, podemos considerar várias as adorações, de modo que será uma a honra tributada à sabedoria incriada e outra, à salvação criada. - Mas, se tivesse Cristo várias pessoas ou hipóstases seriam também várias as adorações, em sentido absoluto. E tal é o que o Sínodo condena. Pois, determina o seguinte: Quem ousar dizer que devemos coadorar o homem assumido, com o Verbo de Deus, como se fossem duas adorações diferentes, e que, ao contrário, não é a mesma adoração que honra o Emanuel, enquanto Verbo feito carne, esse seja anátema.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Na Trindade três são os honrados, mas uma só a causa da honra. O contrário se dá no mistério da Encarnação. Por isso, é uma a honra tributada à Trindade e outra a tributada a Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não é a operação a honrada, que é só a razão da honra. Por isso, o haver em Cristo duas operações não prova serem duas as adorações, mas sim, duas causas de adoração.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Se a alma de Cristo não estivesse unida ao Verbo de Deus, seria a parte mais principal da humanidade dele. Por isso sobretudo devia ser honrada, por a ser nele o homem a parte principal. Mas, por estar a alma de Cristo unida a uma pessoa mais digna, a essa pessoa sobretudo, a qual a alma de Cristo está unida, é devida a honra. Mas isso não diminui a dignidade da alma de Cristo, ao contrário, a aumenta, como também dissemos.
O quarto discute-se assim. — Parece que a predestinação de Cristo não é a causa da nossa predestinação.
1 — Pois, o eterno não tem causa. Ora, a nossa predestinação é eterna. Logo, a predestina ão de Cristo não é a causa da nossa predestinação.
2. Demais. — O que depende da simples vontade de Deus não tem outra causa senão essa vontade. Ora, a predestinação depende da simples vontade de Deus, ao dizer do Apóstolo: Sendo predestinados pelo decreto daquele que obra todas as coisas seguido o conselho da sua vontade. Logo, a predestinação de Cristo não é causa da nossa.
3. Demais. — Removida a causa, removido fica o efeito. Ora, removida a predestinação de Cristo, removida não fica a nossa predestinação; porque, mesmo se o Filho de Deus não se tivesse incarnado, haveria algum modo possível de operar a nossa salvação, como diz Agostinho. Logo, a predestinação de Cristo não é a causa da nossa predestinação.
Mas, em contrário, o Apóstolo: O qual nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo.
SOLUÇÃO. — Considerada a predestinação no seu ato mesmo, a predestinação de Cristo não é a causa da nossa, pois, por um mesmo ato Deus predestinou a Cristo e a nós. Se, porém, considerarmos a predestinação, quanto ao seu termo, então a predestinação de Cristo é a causa da nossa; porque Deus preordenou a nossa salvação, predestinando abterno, que seria ela operada por Cristo. Pois, a predestinação eterna não só inclui o que se fará no tempo, mas ainda o modo e a ordem pelos quais nele e se cumprirá.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA E À SEGUNDA OBJEÇÕES. — Essas objeções procedem, quanto ao ato da predestinação.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Se Cristo não devesse incarnar-se, Deus teria preordenado, que os homens se salvassem por outra causa. Mas, como preordenou a Encarnação de Cristo, simultaneamente preordenou que ele fosse a causa da nossa salvação.
O terceiro discute-se assim. — Parece que a predestinação de Cristo não foi o exemplar da nossa predestinação.
1 — Pois, o exemplar preexiste ao exemplado. Ora, nada preexiste ao eterno. Sendo, pois, a nossa predestinação eterna, parece que a predestinação de Cristo não é o exemplar da nossa.
2. Demais. — O exemplar conduz ao conhecimento da nossa predestinação, do exemplado. Ora, mão precisava Deus de lhe ser trazido o conhecimento por um terceiro, segundo o Apóstolo: Os que ele conheceu na sua presciência também os predestinou, Logo, a predestinação de Cristo não é o exemplar da nossa predestinação.
3. Demais. — O exemplar é conforme ao exemplado, Ora, uma é a razão da predestinação de Cristo e outra, a da nossa. Porque, nós somos predestinados para filhos da adoção, e Cristo foi predestinado como Filho de Deus com poder, na expressão do Apóstolo. Logo, a sua predestinação não é o exemplar da nossa.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Ele, o Salvador, o mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus, é a preclaríssima luz da predestinação e da graça. Ora, é chamado luz da predestinação e da graça, porque pela sua predestinação e a sua graça se manifesta a nossa predestinação; o que é próprio do exemplar. Logo, a predestinação de Cristo é o exemplar da nossa.
SOLUÇÃO. — A predestinação pode ser considerada a dupla luz. — Primeiro, quanto ao ato mesmo do predestinante. E então a predestinação de Cristo não pode ser chamada exemplar da nossa predestinação; pois, de um modo pelo mesmo ato eterno, Deus nos predestinou a nós e a Cristo. — De outro modo, a predestinação pode ser considerada relativamente àquilo para que alguém é predestinado; o que é o termo e o efeito da predestinação. — E assim, a predestinação de Cristo é o exemplar da nossa predestinação. E isto de dois modos. Primeiro, quanto ao bem ao qual somos predestinados. Pois, Cristo foi predestinado a ser por natureza o Filho de Deus; ao passo que nós somos predestinados à filiação de adoção, que é uma semelhança participada pela filiação natural.
Donde o dizer o Apóstolo: Os que ele conheceu na sua presciência também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho. De outro modo, quanto à maneira de conseguir o referido bem, que é mediante a graça. O que em Cristo é manifestíssimo; porque a natureza humana em Cristo está unida ao Filho de Deus, sem precedência de nenhum mérito seu. E, como diz o Evangelho, todos nós participamos da plenitude da sua graça.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção colhe relativamente ao ato mesmo do predestinante.
E o mesmo devemos RESPONDER À SEGUNDA.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Não é necessário o exemplado conformar-se em tudo ao exemplar; mas basta que o exemplado de algum modo imite o seu exemplar.
O segundo discute-se assim — Parece falsa a proposição: Cristo, enquanto homem, foi predestinado para Filho de Deus.
1. — Pois, cada qual é num determinado tempo, o para que foi predestinado, porque a predestinação de Deus não falha. Se, portanto, Cristo, enquanto homem, foi predestinado para Filho de Deus, resulta que é Filho de Deus, enquanto homem. Ora, isto é falso. Logo, também a primeira proposição.
2. Demais. — O que convém a Cristo, enquanto homem, convém a qualquer homem, pois, ele é da mesma espécie que os outros homens. Se, pois, Cristo, enquanto homem, foi predestinado Filho de Deus, resulta que isso também cabe a qualquer homem. Ora, tal é falso. Logo, também a primeira proposição.
3. Demais. — O que se fará no tempo foi predestinado abeterno. Ora, a proposição — O Filho de Deus foi feito homem — é mais verdadeira que a outra — O homem foi feito filho de Deus. Logo, a proposição — Cristo, enquanto Filho de Deus foi predestinado para ser homem — é mais verdadeira que a sua inversa — Cristo, enquanto homem, foi predestinado para Filho de Deus.
Mas, em contrário, Agostinho: Dizemos que foi predestinado o próprio Senhor da glória, por ter sido feito homem o Filho de Deus.
SOLUÇÃO. — Duas coisas podemos considerar na predestinação. Uma, relativa à própria predestinação eterna; que, então, implica uma certa anterioridade relativa ao suposto da predestinação. Noutro sentido, pode ser considerada quanto ao seu efeito temporal, dom gratuito de Deus. Por onde, devemos concluir que, de ambos estes modos a predestinação é atribuída a Cristo em razão da só natureza humana. Pois, a natureza humana nem sempre esteve unida ao Verbo; e também lhe foi conferido pela graça, que se unisse à pessoa do Filho de Deus. E portanto, só em razão da natureza humana é que a predestinação convém a Cristo. Donde o dizer Agostinho: Uma elevação tão grande, tão alta e tão sublime foi predestinada à natureza humana, que não podia, assim, ser mais exaltada. Ora, dizemos que convém a alguém, enquanto homem, o que lhe convém em razão da natureza humana. Donde, pois, devemos concluir, que Cristo, enquanto homem, foi predestinado para Filho de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Na proposição — Cristo, enquanto homem, foi predestinado para Filho de Deus — a restritiva — enquanto homem, pode referir-se ao ato significado pelo particípio, de dois modos. — Primeiro, quanto ao que está materialmente incluído na predestinação. E então é falsa. Pois, o sentido é: ter sido predestinado que Cristo, enquanto homem fosse Filho de Deus. E neste sentido a objeção colhe. De outro modo, pode referir-se à razão mesma do ato; isto é, enquanto que a predestinação implica, por natureza, anterioridade e efeito gratuito. E, neste sentido, a predestinação convém a Cristo em razão da natureza humana, como se disse; é considerado então predestinado, enquanto homem.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Uma causa pode convir a um homem, em razão da natureza humana, de dois modos. — Primeiro, por ser dela a causa a natureza humana; assim a faculdade de rir convém a Sócrates em razão da natureza humana, de cujos princípios procede essa faculdade. E, neste sentido, ser predestinado não convém a Cristo nem a nenhum homem, em razão da natureza humana. Neste sentido, pois, procede a objeção. — De outro modo, dizemos que uma causa convém a alguém, em razão da natureza humana, quando a natureza humana é susceptível de tal causa. E então dizemos que Cristo foi predestinado em razão da natureza humana porque a predestinação se refere à exaltação da natureza humana em Cristo, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O Verbo de Deus assumiu a natureza humana de um modo tão inefavelmente singular, que simultaneamente se chamassem Deus — o filho do homem por causa da natureza humana assumida; e o Filho de Deus, por causa do Unigênito, assumente — como diz Agostinho. E portanto, como essa assunção se inclui na predestinação, como gratuita, podemos dizer tanto que o Filho de Deus foi predestinado para ser homem, como que o foi o Filho do Homem, para ser Filho de Deus. Mas, como não foi ao Filho de Deus a graça de ser homem, mas antes, à natureza humana, para que se unisse ao Filho de Deus, podemos mais propriamente dizer, que Cristo, enquanto homem, foi predestinado para ser Filho de Deus, do que: Cristo, enquanto Filho de Deus, foi predestinado para ser homem.
O primeiro discute-se assim. — Parece que a Cristo não cabia ser predestinado.
1 — Pois, o termo da predestinação é a adoção como filho, segundo o Apóstolo: O qual nos predestinou para sermos seus filhos adotivos. Ora, a Cristo não cabia ser filho adotivo. Logo, não lhe cabia ser predestinado.
2. Demais. — Em Cristo duas coisas devemos considerar — a natureza humana e a pessoa. Ora, não podemos dizer que Cristo fosse predestinado em razão da natureza humana; pois, é falsa a proposição — A natureza humana é filho de Deus. Semelhantemente, nem em razão da pessoa; porque a sua pessoa é a do Filho de Deus, não por graça, mas por natureza; ora, a predestinação implica a graça, como se disse na Primeira Parte. Logo, Cristo não foi Filho de Deus por predestinação.
3. Demais. — Assim, como o feito nem sempre existiu, assim, o predestinado, porque a predestinação importa uma certa anterioridade. Ora, como Cristo sempre foi Deus e Filho de Deus, não se diz propriamente que o homem Cristo fosse feito Filho de Deus. Logo, pela mesma razão, não devemos dizer que Cristo foi Filho de Deus por predestinação.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo, falando de Cristo: Que foi predestinado Filho de Deus com poder.
SOLUÇÃO. — Como resulta do que dissemos na na Primeira Parte, a predestinação em sentido próprio é uma certa divina e abeterna preordenação do que a graça de Deus realizará no tempo. Ora, Deus, com a graça da união, tornou o homem temporalmente, Deus e Deus, homem. Nem pode dizer-se que Deus não preordenasse abeterno que isso se realizasse no tempo; pois, daí resultaria que Deus seria susceptível de uma ideia nova. Donde portanto devemos concluir que a união mesma das naturezas, na pessoa de Cristo inclui-se na predestinação eterna de Deus. É, em razão disso, dissemos que Cristo foi predestinado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Apóstolo se refere, no lugar aduzido, à predestinação pela qual nós somos predestinados para filhos adotivos. Pois, assim como Cristo é de um modo singular e excelente Filho de Deus por natureza, assim também foi predestinado, de modo singular.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz a Glosa, certos ensinaram que a predestinação deve ser entendida da natureza e não, da pessoa; e isso por ter sido feita à natureza humana à graça de ser unida ao Filho de Deus, na unidade de pessoa. — Mas, neste sentido, a locução do Apóstolo é imprópria, por duas razões. Primeiro, por uma razão geral. Pois, não dizemos que é a natureza de alguém a predestinada, mas o suposto; pois, predestinar é dirigir para a salvação, a qual é própria do suposto, que age em vista do fim da beatitude. Segundo, por uma razão especial, porque ser Filho de Deus não convém à natureza humana; pois, é falsa a proposição. — A natureza humana é Filho de Deus. Salvo se alguém quisesse compreender o pensamento do Apóstolo, forçando-lhe o sentido, assim: Que foi predestinado Filho de Deus com poder, isto é, foi predestinado que a natureza humana se unisse ao Filho de Deus em pessoa. - Donde se conclui que a predestinação é atribuída à pessoa de Cristo, não em si mesma, ou enquanto subsistente em a natureza divina, mas enquanto subsistente em a natureza humana. Por isso, o Apóstolo, depois de ter dito – Que foi jeito da linhagem de Davi segundo a carne, acrescenta: Que foi predestinado Filho de Deus com poder. Para nos fazer compreender que, por ter sido feito da linhagem de Davi segundo a carne, foi predestinado Filho de Deus com poder. Embora seja natural à pessoa de Cristo, em si mesma considerada, ser Filho de Deus com poder; o que porém não lho é pela natureza humana, pela qual essa filiação lhe convém pela graça da união.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Origines ensina ser o seguinte o que o Apóstolo literalmente diz: Que foi destinado Filho de Deus com poder, que não supõe nenhuma anterioridade, não havendo, pois aí qualquer dificuldade. — Mas outros, a anterioridade implicada no particípio predestinado a referem, não ao fato de ser Filho de Filho de Deus, mas à sua manifestação, segundo o modo habitual de a Escritura se exprimir, pelo qual considera feito o que é conhecido. E então será o sentido: Cristo foi predestinado para manifestar-se como Filho de Deus. — Mas nesse caso, predestinação não é tomada em sentido próprio. Pois, consideramos propriamente predestinado quem é dirigido ao fim da beatitude; ora, a beatitude de Cristo não depende do nosso conhecimento.
E por isso é melhor dizermos, que a anterioridade implicada no particípio predestinado não se refere à pessoa, em si mesma, mas em razão da natureza. Pois, essa pessoa, embora fosse abeterno Filho de Deus, contudo não foi sempre Filho de Deus o subsistente em a natureza humana. E por isso diz Agostinho: Jesus, que havia de ser pela carne filho de Davi, foi contudo predestinado para ser Filho de Deus pelo poder.
E devemos considerar que, embora o particípio — predestinado implique anterioridade, como o particípio — feito não o significa contudo do mesmo modo. Pois, ser efeito exprime uma realidade como ela em si mesma é; ao passo que ser predestinado se refere ao que está na apreensão de quem preordena. Ora, o que subsiste como tal, em virtude de uma forma e de uma natureza, pode ser apreendido enquanto ligado a essa forma, ou ainda absolutamente. E como, em sentido absoluto, não convém à pessoa de Cristo o ter começado a ser Filho de Deus, convém-lhe contudo enquanto inteligida ou apreendida como existente em a natureza humana; pois, teve um começo temporal a existência do Filho de Deus revestido da natureza humana. Por onde, é mais verdadeira a proposição — Cristo foi predestinado Filho de Deus que a outra: Cristo foi feito Filho de Deus.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo, enquanto homem, é filho adotivo de Deus.
1. — Pois, diz Hilário, referindo-se a Cristo: Não perde a dignidade do poder quando adapta a humildade da carne. Logo, Cristo, enquanto homem, é filho adotivo.
2. Demais. — Agostinho diz, que Cristo é homem pela mesma graça pela qual alguém se torna Cristão em virtude da fé inicial. Ora, os outros homens são Cristãos pela graça da adoção. Logo, também Cristo é homem por adoção E portanto, é filho adotivo.
3. Demais. — Cristo, enquanto homem, é servo. Ora, é mais digno ser filho adotivo, que servo. Logo, com maior razão, Cristo, enquanto homem é filho adotivo.
Mas, em contrário, diz Ambrósio: Não consideramos o filho adotivo como filho por natureza; mas dizemos filho por natureza o que verdadeiramente o é. Ora, Cristo é verdadeiro e natural Filho de Deus, segundo o Evangelho: Para que estejamos em seu verdadeiro Filho, Jesus Cristo. Logo, Cristo, enquanto homem, não é filho adotivo.
SOLUÇÃO. — A filiação propriamente convém à hipóstase ou à pessoa, mas não à natureza; por isso na Primeira Parte dissemos, que a filiação é uma propriedade pessoal. Ora, em Cristo não há outra pessoa ou hipóstase além da incriada, o que convém ser Filho por natureza. Pois, como dissemos, a filiação da adoção é uma semelhança participada da filiação natural. Ora, não dizemos que existe participativamente o que por si mesmo existe. E por isso, Cristo. que é por natureza Filho de Deus, de nenhum modo pode ser chamado filho adotivo. — Quanto aos que atribuem a Deus duas pessoas ou duas hipóstases ou dois supostos, nada racionalmente os impediria dizer que Cristo, enquanto homem, é filho adotivo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como a filiação propriamente não convém à natureza, assim também não, a adoção. E por isso, é expressão imprópria dizer que foi adotada a humildade da carne; entendendo-se aí por adoção a união da natureza humana com a pessoa do Filho.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa semelhança de Agostinho devemos entendê-la quanto ao princípio; isto é, porque, assim como não é por méritos de sua parte que qualquer homem é Cristão, assim não foi por nenhum mérito que o homem Cristo foi Cristo. Mas esses dois casos diferem pelo termo, porque Cristo, pela graça da união, é Filho por natureza; ao passo que qualquer homem é filho adotivo pela graça habitual. Mas, a graça habitual, em Cristo, não o fez passar, de não filho, a filho adotivo; é apenas uma consequência da filiação natural, na alma de Cristo, segundo aquilo do Evangelho: Nós vimos a sua glória, como de Filho unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O ser criatura e também a servidão ou a sujeição a Deus não respeitam só à pessoa mas ainda à natureza; o que não pode dizer-se da filiação. Por isso não colhe a comparação.