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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 3 — Se ser adotado é próprio da criatura racional.

O terceiro discute-se assim. — Parece que ser adaptado não é próprio da criatura racional.

1.  Pois, Deus não é chamado Pai da criatura racional senão por adoção. Pois, é também chamado Pai da criatura irracional, como quando a Escritura diz: Quem é o Pai da chuva? ou quem produziu as gotas de orvalho? Logo, ser adaptado não é próprio da criatura racional.

2. Demais.  Certos se chamam filhos de Deus por adoção Ora, o serem filhos de Deus a Escritura propriamente o atribui aos anjos, como naquele passo: Mas um certo dia como os filhos de Deus se tivessem apresentado na frente do Senhor. Logo, não é próprio da criatura racional o ser adaptado.

3. Demais.  O próprio a uma natureza convém a todos os seres que a tem; assim, a faculdade de rir convém a todos os homens. Ora, ser adaptado não convém a toda natureza racional. Logo, ser adaptado não é próprio à natureza racional.

Mas, em contrário, os filhos adaptados são herdeiros de Deus, como diz o Apóstolo. Ora, tal herança convém à criatura racional. Logo, é próprio da criatura racional ser adaptada.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, a filiação da adoção é uma certa semelhança da filiação natural. Pois, o Filho de Deus naturalmente procede do Pai, como Verbo mental, tendo unidade de existência com ele. Ora, a esse Verbo pode um ser se assemelhar, de três modos. De um modo, em razão da forma, mas não pela mente; assim, a forma exterior de uma casa construída se assemelha ao Verbo mental do artífice, pela espécie formal; mas não pela mente, porque a forma da casa, na matéria; não é inteligível, quando o era na mente do artífice. E deste modo, qualquer criatura se assimila ao Verbo eterno, por ter sido feita pelo Verbo. - De um segundo modo, uma criatura se assimila ao Verbo, não só em razão da forma, mas ainda quanto a sua mente, assim, a ciência, que nasce na mente do discípulo, se assimila ao Verbo existente na mente do Mestre. E deste modo, a criatura racional, mesmo pela sua natureza, se assemelha ao Verbo de Deus, pela unidade que tem com o Pai; resultante da graça e da caridade. Por isso o Senhor orava: Para que eles sejam um, como também nós somos um. E tal assimilação completa a ideia de adoção, pois, a seres assim assimilados é lhes devida a herança eterna.  Por onde é manifesto, que ser adotado convém só à criatura racional, mas não a todas, senão só as que tem a caridade, que está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, no dizer do Apóstolo. E por isso, ainda na frase do Apóstolo, o Espírito Santo se chama espírito de adoção de filhos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Deus é chamado Pai da criatura irracional, não propriamente pela adoção, mas pela criação, participando da semelhança, no primeiro sentido.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os anjos se chamam filhos de Deus pela filiação adotiva; não que ela lhes convenha primariamente, mas por terem sido eles os primeiros que receberam a adoção de filhos.

RESPOSTA À TERCEIRA.  A adoção não é uma propriedade resultante da natureza, mas, da graça da qual a natureza racional é capaz. Por isso, não é necessário convenha a toda criatura racional. Mas sim, que toda criatura racional seja capaz da filiação adotiva.

Art. 2 — Se adotar convém a toda a Trindade.

O segundo discute-se assim. — Parece que adotar não convém a toda a Trindade.

1. Pois, a adoção divina é assim chamada por semelhança com as coisas humanas Ora, na ordem humana, só podem adotar os que podem gerar filhos; o que, em Deus, só cabe ao Pai. Logo, na ordem divina só o Pai pode adotar.

2. Demais.  Os homens, pela adoção, tornam-se irmãos de Cristo, segundo aquilo do Apóstolo: Para que ele seja o primogênito de muitos irmãos. Ora, irmãos se chamam os filhos do mesmo pai, donde o dizer o Senhor: Vou para meu Pai e vosso Pai. Logo, só o Pai de Cristo tem filhos adotivos.

3. Demais.  O Apóstolo diz: Enviou Deus a seu Filho, para que recebêssemos a adoção de filhos. E porque vós sois filhos, mandou Deus aos vossos corações o Espírito de seu Filho que clama nos vossos corações Pai, Pai. Logo, é próprio adotar àquele a que o é ter o Filho e o Espírito Santo. Ora, isto só é próprio à pessoa do Pai. Logo, adotar ó convém à pessoa do Pai.

Mas, em contrário. — É próprio adotar-nos como filhos àquele a quem podemos denominar pai. Donde o dizer, o Apóstolo: Recebeste a adoção de filhos, no qual clamamos  Pai, Pai. Ora, quando dizemos a Deus  Padre nosso, referimo-nos a toda a Trindade, como a ele lhe pertencem os outros nomes que lhe aplicamos relativamente à criatura, como demonstramos na Primeira Parte. Logo, adotar convém a toda a Trindade.

SOLUÇÃO. — A diferença entre o Filho adotivo e o Filho natural de Deus está em que o Filho natural de Deus é gerado e não, feito; ao passo que o. filho adotivo é feito, segundo aquilo do Evangelho: Deu-lhes ele o poder de se fazerem filhos de Deus. Mas às vezes dizemos que o filho adotivo é gerado, por ter recebido uma nova geração espiritual. que é gratuita e não, natural; donde o dizer a Escritura: De pura vontade sua é que ele nos gerou. Embora, pois, gerar. em Deus, seja próprio da pessoa do Pai, contudo produzir qualquer efeito. nas criatura é comum a toda a Trindade. por causa da unidade de natureza: porque onde há uma natureza é necessário haver uma virtude e uma operação. Donde o dizer o Senhor: Tudo o que fizer o Pai o faz também semelhantemente o Filho. Por onde, adotar os homens como filhos de Deus convém a toda a Trindade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Todas as pessoas humanas não são numericamente da mesma natureza, para que tenham todas a mesma operação e um mesmo efeito, como acontece com Deus. E por isso, aí não há fundamento para semelhança, em ambos os casos.

RESPOSTA À SEGUNDA.  Nós por adoção nos tornamos irmãos de Cristo, quase tendo o mesmo Pai que ele. O qual, contudo, de um modo, é Pai de Cristo e, de outro. nosso Pai. Por isso sinaladamente diz o Evangelho, em separado – Meu Pai, e em separado, Vosso Pai. Pois, é Pai de Cristo, naturalmente, pela geração, o que lhe é próprio a ele; mas é nosso Pai, por agir voluntariamente, o que lhe é comum a ele, ao Filho e ao Espírito Santo. Por isso não é filho de toda a Trindade, como nós.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, a filiação adotiva é uma certa semelhança da filiação eterna; assim como tudo o que foi feito no tempo é de certo modo semelhança das coisas abeterno existentes. Ora, o homem é assimilado ao esplendor do Filho eterno pela claridade da graça, atribuída ao Espírito Santo. Por onde, a adoção, embora comum a toda a Trindade, é contudo apropriada ao Pai como autor, ao Filho como exemplar, ao Espírito Santo como o que imprime em nós a semelhança desse exemplar.

Art. 1 – Se a Deus convém adotar filhos.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a Deus não convém adotar filhos.

1.  Pois, ninguém adota como filho senão uma pessoa estranha, conforme o ensinam os juristas. Ora, Deus, sendo criador de todas as coisas, nenhuma pessoa lhe é estranha. Logo, parece que a Deus não convém adotar.

2. Demais.  A adoção foi introduzida para suprir a falta de filiação natural. Ora, em Deus há filiação natural, como se estabeleceu. Logo, não convém a Deus adotar filhos

3. Demais.  A adoção tem por fim fazer o adotado suceder na herança do adotante. Ora, ninguém pode suceder na herança de Deus, porque este nunca morrerá. Logo, a Deus não convém adotar.

Mas, em contrário, o Apóstolo: O qual nos predestinou para sermos seus filhos adotivos. Ora, a predestinação de Deus não é vã. Logo, Deus adota para si certos como filhos.

SOLUÇÃO. — Adotamos alguém como filho para, por nossa bondade, fazê-lo participar da nossa herança. Ora, a bondade de Deus é infinita, e por isso admite as suas criaturas a lhe participarem dos bens; e sobretudo as criaturas racionais, que enquanto feitas à imagem de Deus são capazes da beatitude divina. E esta consiste na fruição de Deus; pela qual também o próprio Deus é feliz e rico por si mesmo, por fruir de si mesmo. Ora, chama-se herança de alguém o que o torna rico. Por onde, por Deus na sua bondade admitir certos homens à herança da beatitude, dizemos que os adota. Mas a adoção divina tem sobre a humana a vantagem de Deus tornar o homem que adota idôneo, pelo dom da graça, a receber a herança celeste; ao contrário, o homem não torna idôneo aquele que adota, mas o escolhe para a adoção já idôneo

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O homem, considerado na sua natureza, não é estranho para que Deus, quanto aos bens naturais que recebe, mas é estranho quanto aos bens da graça e da glória; e é por causa disto que é adaptado.

RESPOSTA À SEGUNDA. — É próprio do homem agir para suprir a sua indigência; mas não, de Deus, a quem convém o obrar para comunicar a abundância da sua perfeição. Por onde, assim como, pelo ato de criação, a bondade divina é comunicada a todas as criaturas segundo uma certa semelhança, assim, pelo ato de adoção é comunicada uma semelhança de filiação natural aos homens, segundo aquilo dos Apóstolo: Os que ele conheceu na sua presciência também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Os bens espirituais podem ser possuídos simultaneamente por muitos, mas não os materiais. Por isso, ninguém pode receber uma herança material senão sucedendo ao morto; mas a herança espiritual todos a recebem simultânea e integralmente, sem detrimento do Pai sempre vivo. Embora possamos dizer que o Deus, existente em nós pela fé, morre, para começar a existir em nós, pela visão, segundo a Glosa àquilo do Apóstolo: Se filhos, também herdeiros.

Art. 6 — Se o sacerdócio de Cristo era segundo a ordem de Melquisedeque.

O sexto discute-se assim. — Parece que o sacerdócio de Cristo não era segundo a ordem de Melquisedeque.

1.  Pois, Cristo é a fonte de todo sacerdócio, como sacerdote principal. Ora, o principal não depende da ordem alheia, antes, esta é que depende daquele. Logo, Cristo não deve ser chamado sacerdote segundo a ordem Melquisedeque.

2. Demais.  O sacerdócio da lei antiga estava mais próximo do sacerdócio de Cristo do que o sacerdócio anterior ao da lei. Ora, os sacramentos tanto mais expressamente significavam a Cristo, quanto mais próximos dele estavam, como resulta do que foi dito na Segunda Parte. Logo, o sacerdócio de Cristo deve ser antes denominado segundo o Sacerdócio da lei, que segundo o sacerdócio de Melquisedeque, anterior à lei.

3. Demais.  O Apóstolo diz, que o rei da paz, sem pai nem mãe, sem genealogia, não tem princípio de dias nem fim de vida, coisas que convêm só ao Filho de Deus. Logo, Cristo não deve chamar-se sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, como se fosse de outrem; mas, segundo a sua própria ordem.

Mas, em contrário, diz a Escritura: Tu és sacerdote eternamente segundo a ordem de Melquisedeque.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, o sacerdócio legal foi a figura do sacerdócio de Cristo; não que o exprimisse verdadeira e adequadamente, pois dele muito distava. Quer porque o sacerdócio legal não purificava dos pecados, quer também porque não era eterno, como o sacerdócio de Cristo. Mas a excelência do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio levítico foi figurado no sacerdócio de Melquisedeque, que recebeu dízimos de Abraão, de cujos lombos recebia dízimos, de certo modo, o sacerdócio da lei. Por onde, o sacerdócio de Cristo é chamado segundo à ordem de Melquisedeque, por causa da excelência do verdadeiro sacerdócio sobre o sacerdócio figurado da lei.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo não é considerado como da ordem de Melquisedeque, quase de um sacerdote mais principal; mas como do que prefigura a excelência do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio levítico.

RESPOSTA À SEGUNDA·  Duas coisas podemos considerar no sacerdócio de Cristo: a oblação mesma de Cristo e a sua participação. Quanto à oblação, o sacerdócio da lei mais expressamente figurava, pela efusão do sangue, o sacerdócio de Cristo, que o sacerdócio de Melquisedeque, onde não havia essa efusão. Mas, quanto à participação do sacrifício de Cristo e do seu efeito, pela qual principalmente se lhe manifesta a excelência do sacerdócio sobre o sacerdócio da lei, ele era mais expressamente prefigurado pelo sacerdócio de Melquisedeque, que oferecia pão e vinho, significativos, como diz Agostinho, da união eclesiástica, constituída pela participação do sacrifício de Cristo. Por isso também na lei nova o verdadeiro sacrifício de Cristo é comunicado aos fiéis sob a espécie de pão e de vinho.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que Melquisedeque é sem pai nem mãe e sem genealogia, e que não tem princípio de dias nem fim de vida, não pelos não ter, mas por não lermos na Escritura que os tivesse. E por isso mesmo, como diz o Apóstolo no mesmo lugar, foi feito semelhante ao Filho de Deus, que não tem na terra pai e, no céu, não tem mãe nem genealogia, conforme àquilo da Escritura: Quem contara a sua geração? E, segundo a divindade, não tem princípio nem fim de dias.

Art. 5 — Se o sacerdócio de Cristo permanece eternamente.

O quinto discute-se assim. — Parece que o sacerdócio de Cristo não permanece eternamente.

1. Pois, como se disse, só precisam do efeito do sacerdócio os contaminados pela enfermidade do pecado, que pode ser expiada pelo sacrifício do sacerdote. Ora, isso não se dará nunca, porque os santos não tem nenhum pecado, segundo aquilo da Escritura: O teu povo serão todos os justos; e quanto ao pecado dos pecadores será inexpiável, porque não há para o inferno nenhuma redenção. Logo, o sacerdócio de Cristo não é eterno.

2. Demais. — O sacerdócio de Cristo sobretudo se manifestou pela sua paixão e morte, quando pelo seu próprio sangue entrou no santuário, como diz o Apóstolo. Ora, Cristo não sofrerá paixão nem morrerá eternamente, segundo o Apóstolo: Tendo Cristo ressurgido dos mortos, já não morre. Logo, o sacerdócio de Cristo não é eterno.

3. Demais. — Cristo é sacerdote, não enquanto Deus, mas enquanto homem. Ora, Cristo algum tempo não foi homem, isto é, no tríduo da sua morte. Logo, o sacerdócio de Cristo não é eterno.

Mas, em contrário, a Escritura: Tu és sacerdote eternamente.

SOLUÇÃO. — No ofício do sacerdote duas coisas, podemos considerar: primeiro, a oblação mesma; do sacrifício; segundo, a consumação do sacrifício, consistente em lhe alcançarem o fim aqueles por quem é oferecido. Ora, o fim do sacrifício que Cristo ofereceu não foram os bens temporais, mas os eternos, que pela sua morte alcançamos. Por isso diz o Apóstolo, que Cristo é o Pontífice presente dos bens vindouros; em razão do que se diz ser eterno o sacerdócio de Cristo. E essa consumação do sacrifício de Cristo foi prefigurada no fato mesmo de que o pontífice da lei entrava uma vez no ano no santo dos santos com o sangue de um bode e de um novilho, como lemos na Escritura; embora o bode e o novilho não os imolasse no santo dos santos, mas fora. Semelhantemente, Cristo entrou no santo dos santos, isto é, no céu, e nos preparou o caminho para nele entrarmos por virtude do seu sangue, que por nós derramou em terra.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os santos que estiverem na pátria, não precisam mais de expiar, pelo sacerdócio de Cristo; mas, tendo já expiado, precisarão de consumar, mediante o mesmo Cristo, de quem lhes depende a glória. Donde o dizer a Escritura: A claridade de Deus a alumia, isto é, a cidade dos santos, e a lâmpada dela é o Cordeiro.

RESPOSTA À SEGUNDA·  Embora a paixão e a morte de Cristo não devam renovar-se para o futuro, contudo a virtude de uma tal vítima, já oferecida, permanece eternamente; pois, como diz o Apóstolo, com uma só oferenda fez perfeitos para sempre os que tem santificado.

Donde se deduz clara A RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO.  Mas a unidade dessa oblação era figurada na lei pelo fato de uma vez no ano o pontífice da lei entrar no santo dos santos com a solene oblação, como se lê na Escritura. Mas a verdade da figuração não era completa por não ter essa vítima uma virtude sempiterna, e por isso haver necessidade de ser renovada anualmente.

Art. 4 — Se o efeito do sacerdócio de Cristo não só pertencia aos outros, mas também a ele próprio.

O quarto discute-se assim. — Parece que o efeito do sacerdócio de Cristo não pertencia só aos outros, mas também a ele próprio.

1.  Pois, é ofício do sacerdote orar pelo povo, segundo aquilo da Escritura: Os sacerdotes estavam fazendo oração enquanto o sacrifício se consumava. Ora, não somente orou pelos outros, mas também por si mesmo, como se disse e como expressamente o afirma o Apóstolo, quando escreve que nos dias da sua mortalidade ofereceu com um grande brado e com lágrimas preces e rogos a Deus que o podia salvar da morte. Logo, o sacerdócio de Cristo teve o efeito não só para os outros mas também para si.

2. Demais. Cristo ofereceu-se a si mesmo em sacrifício, na sua paixão. Ora, pela sua paixão mereceu não somente pelos outros, mas também para si, como se estabeleceu. Logo, o sacerdócio de Cristo produziu efeito não só para os outros mas também para si.

3. Demais.  O sacerdócio da lei antiga foi figura do sacerdócio de Cristo. Ora, o sacerdote da lei antiga oferecia sacrifício não só pelos outros, mas também por si mesmo, no dizer da Escritura: O pontífice entra no santuário para orar por si e pela sua casa e por todo o ajuntamento de Israel. Logo, também o sacerdócio de Cristo produziu efeito não só para ele próprio, mas ainda para os outros.

Mas, em contrário, lê-se no Sínodo Efesino: Quem disser que Cristo ofereceu sacrifício por si e não, antes, só por nós  pois não precisava de sacrifício quem era isento de pecado  esse seja anátema. Ora, o ofício do sacerdote consistia sobretudo em oferecer sacrifícios. Logo, o sacerdócio de Cristo nenhum efeito produziu para Cristo.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, o sacerdote é constituído medianeiro entre Deus e o povo. Ora, precisa de um medianeiro quem por si só não pode chegar a Deus; e por isso depende do sacerdócio e participa do efeito dele. Ora, de tal não precisava Cristo e assim diz o Apóstolo: Chegando-se por si mesmo a Deus, vivendo sempre para interceder por nós. Por isso não cabia a Cristo beneficiar do efeito do sacerdócio; ao contrário, comunicava-o ele aos outros. Pois, o agente primeiro, em qualquer gênero, é, nesse gênero, influente e não recipiente; assim, o sol ilumina e não é iluminado e o fogo não é aquecido, que aquece. Ora, Cristo é a fonte de todo sacerdócio; pois, se figura dele era o sacerdócio da lei, o sacerdote da lei nova obra, na pessoa dele, segundo aquilo do Apóstolo: Pois eu a indulgência de que usei, se de alguma tenho usado, foi por amor de vós em pessoa de Cristo. Por isso não cabia a Cristo beneficiar do efeito do sacerdócio.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A oração, embora própria dos sacerdotes, contudo não é o ofício peculiar deles; pois, qualquer pode orar por si e por outrem, segundo a Escritura: Orai uns pelos outros para serdes salvos. E assim, poderíamos dizer que a oração, na qual Cristo rogou por si, não era ato de sacerdócio seu. Mas essa resposta fica excluída pelas Palavras que o Apóstolo, depois de ter dito  Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedeque acrescenta: O qual nos dias da sua mortalidade, preces etc., como acima; e assim, a oração feita por Cristo pertencia-lhe ao sacerdócio. E por isso devemos dizer, que os outros sacerdotes participam-lhe o efeito do sacerdócio, não enquanto sacerdotes, mas enquanto pecadores, como mais abaixo diremos. Ora Cristo, absolutamente falando, não teve nenhum pecado. Mas teve na sua carne a semelhança do pecado. Por isso não devemos, em sentido absoluto, afirmar que participou do efeito do sacerdócio; mas só, de certo modo, isto é, pela passibilidade da carne. Donde o dizer sinaladamente: Que o podia salvar da morte.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Na oblação do sacrifício de qualquer sacerdote duas coisas podemos considerar: o sacrifício mesmo oferecido e a devotação do oferente. Ora, o efeito próprio do sacerdócio é o resultado mesmo do sacrifício. Ora, Cristo alcançou, pela sua paixão, a glória do ressurgir; não quase em virtude do sacrifício, oferecido a modo de satisfação, mas pela devotação mesma, pelo qual sofreu a paixão humildemente e segundo a caridade.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A figura não pode adequar-se à verdade. Por isso o sacerdócio figurado da lei antiga não podia chegar à perfeição de não precisar do sacrifício satisfatório, do qual Cristo não precisava. Por onde, não há semelhanças de razão em ambos os casos. E tal é o que diz o Apóstolo: A lei constituiu sacerdotes a homens que tem enfermidade; mas a palavra do juramento, que é depois da lei, constitui ao Filho perfeito eternamente.

Art. 3 — Se o efeito do sacerdócio de Cristo é a expiação dos pecados.

O terceiro discute-se assim. — Parece que o efeito do sacerdócio de Cristo não é a expiação dos pecados.

1.  Pois, só Cristo pode apagar os pecados, conforme àquilo da Escritura: Eu sou o que apaga as tuas iniquidades. Ora, Cristo não é sacerdote enquanto Deus, mas enquanto homem. Logo, o sacerdócio de Cristo não é expiativo dos pecados.

2. Demais. O Apóstolo diz que as vítimas do Antigo Testamento não podiam fazer perfeitos; doutra sorte teriam elas cessado de se oferecer, pelo motivo de que não teriam de ali em diante consciência de pecado algum os ministros que uma vez fossem purificados; mas nos mesmos sacrifícios se faz memória dos pecados todos os anos. Ora, semelhantemente, no sacrifício de Cristo há uma comemoração de pecados, quando se diz  Perdoai-nos as nossas dívidas. E também é oferecido continuamente o sacrifício na Igreja, donde o dizer-se ainda  o Pão nosso de cada da nos dai hoje. Logo, pelo sacerdócio de Cristo não se expiam os pecados.

3. Demais. — A lei antiga sobretudo era imolado um bode pelo pecado do príncipe; ou uma cabra pelo pecado de alguém do povo; ou um vitela, pelo pecado do sacerdote, como se lê na Escritura. Ora, Cristo a nenhum desses animais é comparado, mas ao cordeiro, como se lê na Escritura: Eu era como um manso cordeiro, que é levado a ser vítima. Logo, parece que o seu sacerdócio não é expiativo dos pecados.

Mas, em contrário, o Apóstolo: O sangue de Cristo, que pelo Espírito Santo se ofereceu a si mesmo sem mácula a Deus, alimpará a nossa consciência das obras da morte, para servir ao Deus vivo. Ora, obras da morte chamam-se os pecados. Logo, o sacerdócio de Cristo tem a virtude de purificar os pecados.

SOLUÇÃO. — Duas condições são necessárias para a perfeita purificação dos pecados, pois que duas coisas há no pecado, o saber, a mácula da culpa e o reato da pena. Quanto à mácula da culpa, ela se apaga pela graça, que converte para Deus o coração do pecador; e quanto ao reato da pena, fica totalmente eliminado pelo satisfazer do homem a Deus Ora, ambos esses efeitos os realizou o sacerdócio de Cristo. Assim, pela sua virtude, foi-nos dada a graça, pela qual os nossos corações se convertem a Deus, segundo aquilo do Apóstolo: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça, pela redenção que tem em Jesus Cristo, ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue. E também ele plenariamente satisfez por nós, enquanto tornou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores. Por onde é claro que o sacerdócio de Cristo tem plena virtude de expiar os pecados.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora Cristo não fosse sacerdote, enquanto Deus, mas enquanto homem, contudo ele mesmo foi sacerdote e simultaneamente Deus. E por isso se lê no Sínodo Efesino: Quem disser, que aquele que se fez nosso Pontífice e Apóstolo não foi o Verbo de Deus, mas um como homem especialmente nascido da mulher e diferente dele, seja anátema. Por onde, na medida em que a sua humanidade obrava em virtude da divindade, o seu sacrifício foi eficacíssimo para apagar os pecados. Donde o dizer Agostinho: Em todo sacrifício quatro coisas se consideram  a quem é oferecido, por quem é oferecido, o que é oferecido e por quem é oferecido. Por onde, Cristo, sendo o único e verdadeiro mediador, que nos reconciliou com Deus pelo sacrifício da paz, permanecia um com aquele a quem oferecia, reduziu em si à unidade todos aqueles por quem oferecia, e era uma mesma unidade, ele que oferecia, com o que oferecia.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Os pecados não lembram, na lei nova, por causa da ineficácia do sacerdócio de Cristo, como se por ele os pecados não estivessem suficientemente expiados. Mas, são lembrados, relativamente àqueles que ou não lhe querem participar do sacrifício, como os infiéis, por cujos pecados oramos, para que se convertam; ou também relativamente àqueles, que depois de terem participado, desse sacrifício, desviam-se de qualquer modo dele, pelo pecado. Quanto ao sacrifício que quotidianamente na Igreja se oferece, não é diverso do sacrifício que Cristo mesmo ofereceu, mas comemoração dele. E por isso diz Agostinho: O próprio Cristo, que ofereceu o sacrifício, foi a oblação dele; cujo sinal sagrado e quotidiano, quer que fosse o sacrifício da Igreja.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Orígenes, embora na lei antiga se oferecessem diversos animais, contudo o sacrifício quotidiano, que era oferecido de manhã e de tarde, era o cordeiro, como se lê na Escritura. E por isso significava, que a oblação do verdadeiro cordeiro, isto é, de Cristo, seria o sacrifício consumativo de todos os outros. Donde o dizer a Escritura: Eis aqui o cordeiro de Deus, eis aqui o que tira o pecado do mundo.

Art. 2 — Se Cristo foi ao mesmo tempo sacerdote e vítima.

O segundo discute-se assim. — Parece que Cristo não foi ao mesmo tempo sacerdote e vítima.

1 Pois, é função do sacerdote imolar a vitima. Ora, Cristo não se imolou a si mesmo. Logo, não foi simultaneamente sacerdote e vítima.

2. Demais. O sacerdócio de Cristo era mais semelhante ao sacerdócio dos Judeus, instituído por Deus, que ao sacerdócio dos gentios, adoradores do demônio. Ora, na lei antiga, nunca o homem era oferecido em sacrifício, o que a Escritura sobretudo incrimina nos sacrifícios gentílicos, quando diz: Derramaram o sangue inocente, o sangue de seus filhos e de suas filhas, que haviam sacrificado aos ídolos de Canaã, Logo, o sacerdócio de Cristo não devia ter o próprio homem Cristo como vítima.

3. Demais.  Toda hóstia, por ser oferecida a Deus, é santificada por Deus. Ora a humanidade mesma de Cristo foi desde o princípio santificada por Deus, com quem estava unida. Logo, não podemos convenientemente dizer que Cristo, enquanto homem, fosse vítima.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós outros, como oferenda e hóstia a Deus em odor de suavidade.

SOLUÇÃO. — Como diz Agostinho, todo sacrifício visível é sacramento, isto é, sinal sagrado, do sacrifício invisível. Ora, pelo sacrifício invisível, o homem oferece a Deus o seu espírito, segundo aquilo da Escritura: Sacrifício para Deus é o espírito tributado. Por onde, tudo o oferecido a Deus, para elevarmos a ele o nosso espírito, pode chamar-se sacrifício.

Ora, o homem precisa de sacrifícios por três razões.  Primeiro, para remissão dos pecados, que o afastam de Deus. E por isso diz o Apóstolo, que ao sacerdote pertence oferecer dons e sacrifícios pelo pecado.  Segundo, para conservar-se em estado de graça, sempre unido a Deus, que lhe constitui a paz e a salvação. Por isso, na lei antiga imolavam-se hóstias pacíficas pela saúde dos oferentes, como se lê na Escrituras.  Terceiro, para o seu espírito se unir perfeitamente com Deus, o que sobretudo se dará na glória. Por isso, na lei antiga oferecia-se o holocausto, que quer dizer como totalmente queimado.

Ora, tudo isso nos resultou da humanidade de Cristo.  Assim, primeiro, os nossos pecados foram delidos, conforme àquilo do Apóstolo: Foi entregue por nossos pecados.  Segundo, por ele recebemos a graça salvífica, como se lê no Apóstolo: Veio a fazer-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecerem. Terceiro, por alcançarmos a perfeição da glória, ainda no dizer do Apóstolo: Temos confiança de entrar no santuário, pelo seu sangue, isto é, na glória celeste. Por onde, o próprio Cristo, enquanto homem, não só foi sacerdote, mas também hóstia perfeita, ao mesmo tempo hóstia pelo pecado, hóstia pacífica e holocausto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Cristo não se imolou a si mesmo, mas se expôs voluntariamente à morte, conforme o diz a Escritura: Foi oferecido porque ele mesmo quis. Por isso dizemos que ele se ofereceu.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A imolação do homem Cristo é relativa a uma dupla vontade. - Primeiro, à vontade dos que o imolaram. E então, não tem natureza de vítima; pois, não dizemos que os imoladores de Cristo ofereceram uma hóstia a Deus, mas que delinquiram gravemente. E semelhança desse pecado eram os ímpios sacrifícios dos Gentios, nos quais imolavam homens aos ídolos. - Noutro sentido, podemos considerar a imolação de Cristo relativamente à sua vontade de paciente, que voluntariamente se ofereceu à paixão. E por aí tem natureza de vítima. No que não convém com os sacrifícios dos Gentios.

Art. 1 — Se a Cristo convém ser sacerdote.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a Cristo não convém ser sacerdote.

1 Pois, o sacerdote é menor que o anjo, e por isso diz a Escritura: O Senhor me mostrou o sumo sacerdote Jesus, que estava diante do anjo do Senhor. Ora, Cristo é maior que os anjos, segundo o Apóstolo: Feito tanto mais excelente que os anjos, quanto herdou mais excelente nome que eles. Logo, a Cristo não convém ser sacerdote.

2. Demais.  No Antigo Testamento estavam as figuras de Cristo, segundo o Apóstolo: Que são sombra das causas vindouras, mas o corpo é em Cristo. Ora. Cristo não era carnalmente descendente dos sacerdotes da lei antiga; assim, diz o Apóstolo: Manifesta coisa é que da linhagem de Judá nasceu Nosso Senhor; na qual tribo nada falou Moisés tocante aos sacerdotes. Logo, a Cristo não convém ser sacerdote.

3. Demais.  Na lei antiga, que é figura de Cristo, não era o mesmo o legislador e o sacerdote, donde o dizer o Senhor a Moisés, legislador: Faze chegar a ti Arão, teu irmão, para que exercite diante de mim as funções do sacerdócio. Ora, Cristo é o legislador da lei nova, segundo a Escritura: Imprimirei a minha lei nas suas entranhas. Logo, a Cristo não convém ser sacerdote.

Mas, em contrário, o Apóstolo: Temos aquele pontífice que penetrou os céus, Jesus, Filho de Deus.

SOLUÇÃO. — O ofício próprio do sacerdote é ser mediador entre Deus e o povo, porque transmite ao povo os dons divinos, chamando-se sacerdote por ser o como dados das coisas sacras, segundo aquilo da Escritura: Da sua boca, isto é, do sacerdote, os mais buscarão a inteligência da lei. E  também por ser quem oferece a Deus as preces do povo, e de certo medo satisfaz a Deus pelos pecados dele. Donde o dizer o Apóstolo: Todo pontífice assunto dentre os homens é constituído o favor dos homens naquelas causas que tocam a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados. Ora, isto sobremaneira convém a Cristo. Pois por ele, os bens divinos foram conferidos aos homens, segundo aquilo da Escritura: Pelo qual, isto é, por Cristo, nos comunicou as mui grandes e preciosas graças, que tinha prometido, para que por elas sejais feitos participantes da natureza divina. E também ele reconciliou o gênero humano com Deus, segundo o Apostolo: Foi do agrado do Pai que nele, isto é, em Cristo. residisse toda a plenitude e o reconciliar por ele a si mesmo todas as coisas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O poder hierárquico convém aos anjos, enquanto medianeiros entre Deus e os homens, como está claro em Dionísio; por isso o sacerdote, enquanto medianeiro entre Deus e o povo, tem o nome de anjo, segundo a Escritura: É o anjo do Senhor dos exércitos. Ora, Cristo foi maior que os anjos, não só pela divindade, mas também pela humanidade, por ter a plenitude da graça e da glória. Por onde e de modo mais excelente, teve, acima dos anjos, o poder hierárquico ou sacerdotal, de modo tal que os próprios anjos lhe foram ministros do sacerdócio, como se lê no Evangelho: Chegaram os anjos e o serviam. Mas, pela passibilidade da carne, por um pouco foi feito menor que os anjos, no dizer do Apóstolo. E, assim, foi comparável aos mortais constituídos sacerdotes.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Damasceno, duas coisas em tudo iguais são idênticas e não, semelhantes. Ora, sendo o sacerdócio da lei antiga a figura do sacerdócio de Cristo, não quis Cristo nascer da estirpe dos sacerdotes, que o figuravam, para mostrar que o seu sacerdócio não era absolutamente idêntico ao deles, mas que diferia como o verdadeiro, do figurado.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, os outros homens tem certas graças particulares; mas Cristo, enquanto cabeça de todos, tem a perfeição de todas as graças. Por onde, no atinente aos mais, o legislador difere do sacerdote, que difere do rei; ao passo que Cristo era tudo isso ao mesmo tempo, como a fonte de todas as graças. Donde o dizer a Escritura: O Senhor é o nosso juiz, o Senhor o nosso legislador, o Senhor o nosso rei, ele mesmo nos salvará.

Art. 4 — Se a oração de Cristo sempre foi ouvida.

O quarto discute-se assim: Parece que a o oração de Cristo nem sempre foi ouvida.

1.  Pois, pediu que passasse de si o cálice da paixão, e contudo dele não passou. Logo, parece que nem toda oração sua foi ouvida.

2. Demais.  Cristo pediu fosse perdoado o pecado dos que o crucificaram, como se lê no Evangelho. Contudo esse pecado não foi perdoado a todos, pois os Judeus foram punidos por ele. Logo parece que nem todas as suas orações foram ouvidas.

3. Demais.  O Senhor orou por aqueles que haviam de crer nele, por meio da palavra dos Apóstolos, para que todos fossem. nele um e chegassem à união com ele. Ora, nem todos chegam a tal. Logo, nem todas as suas orações foram ouvidas.

4. Demais.  A Escritura diz, da Pessoa de Cristo: Clamarei durante o dia e tu não me ouvirás. Logo, nem todas as suas orações foram ouvidas.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Oferecendo com um grande brado e com lágrimas, foi atendido pela sua reverência.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, a oração é de certo modo interpretativa da vontade humana. Pois, quando oramos, a nossa oração é ouvida, se a nossa vontade é satisfeita. Ora, em sentido absoluto, a vontade do homem é a vontade racional; pois, queremos, absolutamente falando, o que queremos com razão deliberada. Mas, o que queremos por um movimento da sensualidade, ou ainda por um movimento de simples vontade, considerada como natureza, não o queremos absolutamente falando, mas só relativamente, isto é, se não se opuser nenhum obstáculo proveniente da deliberação da razão. Por isso essa vontade se chama antes veleidade que vontade absoluta; isto é, consiste em querermos uma determinada coisa, se nenhum obstáculo se nos opuser. Ora, pela vontade racional, Cristo não queria senão o que sabia estar de acordo com a vontade de Deus. Por isso, toda vontade absoluta de Cristo, mesmo humana, foi cumprida, porque era conforme a Deus; e por consequência todas as suas orações foram ouvidas. Pois, também as orações dos outros são exalçadas, quando as suas vontades estão conformes com Deus, segundo àquilo do Apóstolo: Aquele que esquadrinha os corações sabe, isto é, aprova, o que deseja o Espírito, isto é, que faz os santos desejarem, porque ele só pede pelos santos segundo Deus, isto é, de conformidade com a vontade divina.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O pedido de Cristo de se lhe passar o cálice os santos e expõem diversamente. - Assim, Hilário diz: Quando rogava que de si passasse aquele cálice, não pedia que fosse livre dele, mas que recaísse sobre outros o que de si passasse. E desse modo orava pelos que depois dele haveriam de sofrer, sendo o sentido: Assim como eu bebo este cálice da paixão, assim também o bebam com esperança confiante, sem sentir dor e sem medo da morte. - Ou, segundo Jerônimo: Diz sinaladamente – este cálice, isto é, do povo judeu, que não tem nenhuma escusa de ignorância, se me matar, porque tem as leis e os profetas que todos os dias vaticinam a meu respeito.  Ou segundo Dionísio Alexandrino: Quando disse  Passe de mim este cálice  não quis significar  Não me seja oferecido  pois, sem lho ter sido oferecido, dele não podia passar. Mas significava que assim como o pretérito nem é intacto nem permanente, assim o Salvador pede seja afastado a tentação que de leve ia penetrando. Ambrósio, porém, Orígenes e Crisóstomo, dizem que pediu como homem, que por vontade natural foge a morte.  Se, pois, entendermos que pedia, com essas palavras, que os outros mártires lhe viessem a ser os imitadores da paixão, segundo Hilário; ou se pediu que o temor de beber o cálice não o perturbasse; ou que a morte não o detivesse, de qualquer modo cumpriu-se o que ele pediu.  Se porém se entende que pediu para não beber o cálice da morte e da paixão; ou que não o bebesse, dado pelos Judeus, por certo não se cumpriu o que pediu, porque a razão, que propôs a petição, não queria que tal se cumprisse; mas, para nossa instrução, quis nos mostrar a sua vontade natural e o movimento da sensibilidade, que, como homem. tinha.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O Senhor não orou por todos os que o crucificaram, nem também por todos os que haviam de acreditar nele; mas só pelos predestinados para que, por ele, conseguissem a vida eterna.

Donde se deduz também a RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À QUARTA. — A expressão  Clamarei e tu não me ouvirás  devemos entendê-la quanto ao efeito da sensibilidade, a que repugnava a morte. Cristo foi porém ouvido quanto ao afeto da razão, como se disse.

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