Category: Santo Tomás de Aquino
O terceiro discute–se assim. – Parece que a alma separada conhece todas as coisas naturais.
1. – Pois, nas substâncias separadas estão as razões de todos os seres naturais. Ora, as almas separadas conhecem as substâncias separadas. Logo, conhecem todas as coisas naturais.
2. Demais. – Quem intelige o mais inteligível pode, com maior razão, inteligir o menos inteligível. Ora, a alma separada intelige as substâncias separadas, que são inteligíveis em máximo grau. Logo, com mais razão, pode inteligir todas as coisas naturais, que são menos inteligíveis.
Mas, em contrário. – Os demónios têm conhecimento natural mais vigoroso que a alma separada. Ora, eles não conhecem todas as coisas naturais, mas, antes, aprendem–nas pela experiência do longo tempo, como diz Isidoro. Logo, nem as almas separadas conhecem todas as coisas naturais.
DEMAIS. – Se a alma, logo que fica separada, conhecesse todas as coisas naturais, em vão os homens se esforçariam por adquirir o conhecimento das coisas. Ora, isto é inadmissível. Logo, a alma separada não conhece todas as coisas naturais.
SOLUÇÃO. – Como já se disse antes, a alma separada intelige pelas espécies que recebe por influência do divino lume, como os anjos. Contudo, como a natureza da alma é inferior à do anjo, ao qual esse modo de conhecer é conatural, a alma separada não alcança, por meio de tais espécies, um conhecimento perfeito das coisas, mas um conhecimento como em comum e confuso. Por onde, assim como os anjos, por meio de tais espécies, alcançam o conhecimento perfeito das coisas naturais, assim, as almas separadas alcançam um conhecimento imperfeito e confuso. Ora, os anjos, por meio das sobreditas espécies, conhecem todas as coisas naturais com conhecimento perfeito, porque todas as coisas que Deus fez com as suas naturezas próprias, Ele as fez na inteligência angélica, como diz Agostinho. Por onde, também as almas separadas tem conhecimento de todas as coisas naturais, não certo e próprio, mas comum e confuso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nem o próprio anjo conhece, pela sua substâncias todas as coisas naturais, mas por meio de certas espécies, como antes já ficou dito. E por isso, não se segue que a alma conheça todas as coisas naturais, porque conhece a substância separada.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como a alma separada não intelige perfeitamente as substâncias separadas, assim também não conhece perfeitamente todas as coisas naturais, senão sob certa confusão, como já se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Isidoro fala do conhecimento dos futuros, os quais nem os anjos, nem os demónios, nem as almas separadas alcançam, a não ser pelas causas deles ou pela revelação divina. Nós, porém, falamos do conhecimento natural.
RESPOSTA À QUARTA. – O conhecimento que nesta vida se adquire pelo estudo, é próprio e perfeito; o outro, porém, é confuso. Donde não se segue que esforço para aprender seja inútil.
O segundo discute–se assim. Parece que a alma separada não intelige as substâncias separadas.
1. − Pois, a alma é mais perfeita unida ao corpo do que dele separada, porque ela faz, naturalmente, parte da natureza humana e a parte é mais perfeita quando está no seu todo. Ora, a alma unida ao corpo não intelige as substâncias separadas, como antes já se viu. Logo, com maior razão, quando dele estiver separada.
2. Demais. − Tudo o que é conhecido o é pela sua presença ou pela sua espécie. Ora, as substâncias separadas não podem ser conhecidas da alma pela sua presença, pois só Deus penetra a alma. Nem também por certas espécies que a alma pudesse abstrair, do anjo, porque este é mais simples que aquela. Logo, de nenhum modo a alma separada pode conhecer as substâncias separadas.
3. Demais. – Certos filósofos ensinaram que no conhecimento das substâncias separadas consiste a última felicidade do homem. Se, pois, a alma separada pode inteligir as substâncias separadas, ela consegue, com a só separação sua, a felicidade; o que é inadmissível.
Mas, em contrário, as almas separadas conhecem as outras almas separadas; assim, o rico precipitado no inferno, viu Lázaro e Abraão. Logo, as almas separadas vêm também os demônios e os anjos.
SOLUÇÃO. – Como diz Agostinho, a nossa alma obtém, por si mesma, o conhecimento das coisas incorpôreas, isto é, conhecendo–se a si mesma, como antes já se disse. Ora, do modo pelo qual a alma separada se conhece a si mesma, podemos deduzir de que modo conhece as outras substâncias separadas. Ora, já ficou dito que, enquanto está unida ao corpo, ela intelige voltando–se para os fantasmas. Por onde, não pode inteligir–se a si mesma senão na medida em que se atualiza, inteligindo pela espécie, abstrata dos fantasmas; pois, é pelo seu ato que ela se intelige a si mesma, como já antes se disse. Quando, porém, estiver separada do corpo, inteligirá voltando–se, não para os fantasmas, mas para o que é por si mesmo inteligível e, assim, se inteligirá a si mesma por si mesma. Ora, é comum a toda substância separada 0 inteligir, ao modo da sua substância, tanto o que lhe é superior como o que lhe é inferior; pois, uma cousa é inteligida do modo pelo qual está em quem intelige, e está em outra ao modo desta última. Ora, o modo da substância da alma separada é inferior ao da substância angélica, mas é conforme ao modo das outras almas separadas. Por onde, das outras almas separadas ela tem conhecimento perfeito; porém, dos anjos, imperfeito e deficiente, tratando–se de conhecimento natural da alma separada. Porque o conhecimento da glória é de outra natureza.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. − A alma separada é, por certo, mais imperfeita, se se considerar a natureza pela qual ela comunica com a natureza do corpo; contudo é, de certo modo, mais livre para inteligir, porque o gravame e liame do corpo impede–lhe a pureza da inteligência,
RESPOSTA À SEGUNDA. – A alma separada intelige os anjos pelas semelhanças divinamente impressas; estas, porém, não têm a perfeita representação que eles tem, porque a natureza da alma é inferior à do anjo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Não é no conhecimento de substâncias separadas quaisquer que consiste a felicidade última do homem, senão só no de Deus, que não pode ser visto senão por graça. Há, contudo, grande felicidade, embora não última, no conhecimento das outras substâncias separadas, se forem perfeitamente inteIigidas. Ora, a alma separada não as intelige perfeitamente, com conhecimento natural, como já se disse.
O primeiro discute–se assim. Parece que a alma separada não pode inteligir absolutamente nada.
1. – Pois, como diz o Filósofo, corrompe–se o inteligir de ficar com uma certa corrupção interna. Mas, tudo o que é interno, no homem, corrompe–se pela morte. Logo, também há de corromper–se o próprio inteligir.
2. Demais. – A alma humana, como já se disse, pode ser impedida de inteligir pela obstrução dos sentidos e pela imaginação perturbada. Ora, pela morte, os sentidos e a imaginação se corrompem totalmente, como resulta do sobredito. Logo, a alma, depois da morte, nada intelige.
3. Demais. – Se a alma separada intelige, necessariamente há de inteligir por meio de certas espécies. Ora, não intelige por meio de espécies inatas, porque, a princípio, é como uma táboa na qual nada está escrito, Nem por meio de espécies que abstraia das coisas, porque não tem os órgãos do sentido e da imaginação, mediante os quais as espécies inteligíveis são abstraídas das coisas. Nem ainda por meio de espécie já anteriormente abstratas e conservadas na alma, porque, então, a alma da criança nada inteligiria, depois da morte. Nem, enfim, por meio de espécies inteligíveis divinamente influídas, pois, então, tal conhecimento não seria o natural, que é o de que agora se trata, mas o da graça. Logo, a alma separada do corpo nada intelige.
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que se a alma não tem nenhuma operação própria, não pode existir separada. Ora, ela pode existir separada. Logo, tem operação que lhe é própria e, sobretudo, a de inteligir, Logo, intelige quando separada do corpo.
SOLUÇÃO. – Esta questão encerra dificuldade porque a alma, enquanto esta unida ao corpo, não pode inteligir nada sem se voltar para os fantasmas, como a experiência o prova. Se, porém, como queriam os Platônicos, não é pela sua natureza que a alma assim intelige, mas só por acidente, enquanto unida ao corpo, então a questão pode se resolver facilmente. Pois, removido o impedimento do corpo, a alma tornaria à sua natureza, inteligindo simplesmente os inteligíveis, sem se voltar para os fantasmas, como acontece com as outras substâncias separadas. Mas, segundo tal opinião, não foi para a sua perfeição que a alma foi unida ao corpo, desde que intelige menos, unida a este, do que separada do mesmo; mas só para a perfeição do corpo. O que é irracional, porque a matéria existe para a forma e não inversamente. Se, porém, admitirmos que a alma intelige, por natureza, voltando–se para os fantasmas, como essa natureza não se muda pela morte do corpo, resulta que a alma, então, nada poderá inteligir, naturalmente, por não lhe estarem presentes os fantasmas para os quais se volte.
E portanto, para eliminar a dificuldade presente, deve–se considerar que, como nenhum ser opera senão enquanto atual, o modo de qualquer cousa operar segue–se–lhe ao modo de ser. Ora, um é o modo de ser da alma enquanto unida ao corpo, e outro, quando dele separada, permanecendo, porém sempre a mesma natureza dela. Não que lhe seja acidental o estar unida ao corpo, pois isso é em virtude da natureza da mesma; assim como também a natureza leve não se muda quando está no seu lugar próprio, como lhe é natural, e quando está fora desse lugar, o que lhe é contra a natureza. Por onde, segundo o modo, de ser pelo qual está unida ao corpo, à alma é próprio o modo de inteligir que consiste em voltar–se para os fantasmas dos corpos, que estão nos órgãos corpóreos. Quando, porém, estiver separada do corpo, ser–lhe–à próprio o modo de inteligir consistente em voltar–se para o que é absolutamente inteligível, como as demais substâncias separadas do corpo. E, portanto, o modo de inteligir, que consiste em voltar–se para os fantasmas, é natural à alma, como natural lhe é o estar unida ao corpo; mas, como está fora da essência da sua natureza o existir separada do corpo, semelhantemente, é–lhe contra a natureza inteligir sem se voltar para os fantasmas. E é para operar conforme a sua natureza que está unida ao corpo.
Mas aqui surge ainda uma dúvida. Pois, como as coisas sempre se ordenam para o que lhes está melhor, e como é melhor modo de inteligir o que consiste em voltar–se para os inteligíveis, absolutamente, do que o consistente em voltar–se para os fantasmas, Deus devia ter instituído a natureza da alma tal que lhe fosse natural o modo de inteligir mais nobre, sem que ela precisasse, para isto, de estar unida ao corpo.
Deve–se, pois, considerar que, embora inteligir, voltando–se para o que é superior, seja, absolutamente, mais nobre do que inteligir, voltando–se para os fantasmas, contudo, aquele modo de inteligir, conquanto possível à alma, seria mais imperfeito. O que assim se evidencia. Em todas as substâncias intelectuais a virtude intelectiva existe por influência do lume divino. Ora, este, no primeiro princípio, é um e simples; e quanto mais as criaturas intelectuais distam do primeiro princípio, tanto mais se divide e diversifica esse lume, como se dá com as linhas que partem do centro. E daí vem que Deus, pela sua essência una, intelige todas as coisas. Porém as substâncias intelectuais superiores, embora intelijarn por meio de várias formas, contudo estas são em menor número, mais universais e mais aptas para a compreensão das coisas, por causa da eficácia da virtude intelectiva dessas substâncias. Ao passo que, nas substâncias inferiores, as formas são em maior número, menos universais e menos eficazes para a compreensão das coisas, porque elas são deficientes em relação à virtude intelectiva das superiores. Se, portanto, as substâncias inferiores tivessem formas da mesma universidade que as das superiores, corno tais substâncias não têm a mesma eficácia no inteligir, não obteriam por meio dessas formas um conhecimento perfeito das coisas, mas um conhecimento comum e confuso. O que, de certo modo, se manifesta nos homens. Assim, os de intelecto mais fraco não obtêm, pelas concepções universais dos mais inteligentes, um conhecimento perfeito, se não lhes explicarem cada questão em especial.
Ora, é manifesto que, entre as substâncias intelectuais, conforme a ordem da natureza, as Ínfimas são as almas humanas. Pois, a perfeição do universo exigia que houvesse diversos graus nas coisas. Por onde, se as almas humanas fossem instituídas por Deus de maneira que inteligissem pelo modo próprio às substâncias separadas, elas não teriam um conhecimento perfeito, mas confuso e em comum. E, portanto, para que pudessem ter das coisas um conhecimento perfeito e próprio, foram naturalmente instituídas de maneira a estarem unidas aos corpos, de modo que tirem dos seres sensíveis, um conhecimento próprio deles; assim como aos homens rudes não pode ser comunicada a ciência senão por meio de exemplos sensíveis. Por onde é claro que é para a sua perfeição que a alma se acha unida ao corpo e intelige, voltando–se para os fantasmas; e contudo pode existir separada e ter outro modo de inteligir.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.
Discutidas diligentemente as palavras do Filósofo, ver–se–à que ele diz tal em virtude de uma suposição anteriormente feita, a saber, que inteligir, assim como sentir, é um certo movimento do composto. Pois, ainda não mostrara a diferença entre o intelecto e o sentido. – Ou se pode dizer que fala do modo de inteligir que consiste em voltar–se para os fantasmas.
Donde também se origina a SEGUNDA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A alma separada não intelige por espécies inatas, nem por espécies que, na ocasião, abstrai, nem só por espécies conservadas, como afirma a OBJEÇÃO; mas por espécies participadas pela influência do divino lume, das quais a alma se torna participante do mesmo modo que as outras substâncias separadas, embora em grau inferior. Donde, logo que ela cessa de se voltar para o corpo, volta–se para o que é superior. Mas nem por isso o seu conhecimento deixa de ser natural; porque Deus é o autor não só da influência do lume gratuito, mas também do natural.
O terceiro discute–se assim. Parece que a Escritura não usa de palavras convenientes para exprimir as obras dos seis dias.
1. – Pois, se a luz, o firmamento e obras semelhantes foram feitos pelo Verbo de, Deus; assim também, o céu e a terra, porque todas as coisas foram feitas por ele, como diz a Escritura. Logo, na criação do céu e da terra devia fazer–se menção– do Verbo de Deus, como nas outras obras.
2. Demais. – A água, apesar de criada por Deus, não é comemorada. Logo, se descreve insuficientemente a criação das coisas.
3. Demais. – Como diz a Escritura: E Deus viu todas as causas que tinha jeito, e eram muito bom , logo, de cada uma das obras se devia dizer: E Deus viu que isto era bom. Ora, isto se omite inconvenientemente na obra da criação e na do segundo dia.
4. Demais. – O Espírito de Deus é Deus. Ora, não é próprio de Deus ser transportado nem ter situação. Logo, inconvenientemente se diz que o Espírito de Deus movia–se sobre as águas.
5. Demais. – Ninguém faz o que já está feito. Logo, depois de se haver dito: Deus disse: Faça–se o firmamento e assim foi feito, é inconveniente acrescentar–se: E fez Deus o firmamento. E, semelhantemente, nas outras obras de Deus.
6. Demais. – A tarde e a manhã não dividem o dia suficientemente, pois este tem várias partes. Logo, inconvenientemente se diz que: E fez–se tarde e manhã, e foi o segundo dia ou o terceiro.
7. Demais. – Segundo e terceiro não correspondem propriamente a um, mas a primeiro. Logo, devia se ter dito: E fez–se tarde e manhã, e foi o primeiro dia, onde se diz: um dia.
SOLUÇÃO. – À primeira objeção respondo que, segundo Agostinho, a pessoa do Filho se comemora tanto na primeira criação das coisas, corno na distinção e ornato delas, porém de maneira diferente. Pois, a distinção e o ornato pertencem à formação das coisas. Ora, assim como a formação das coisas artificiadas é pela forma da arte, que está na mente do artífice e que pode ser chamada o verbo inteligível do mesmo; assim, a formação de toda criatura é pelo Verbo de Deus. Por onde, na obra da distinção e na do ornato, se faz menção do Verbo. Porém, na criação se comemora o Filho, corno princípio, quando se diz: No princípio criou Deus; porque por criação se entende a produção da matéria informe. – Mas, segundo os outros, que ensinam que, primeiramente, foram criados os elementos, sob formas próprias, é míster dizer–se de outro modo. Assim, Basílio ensina que a expressão, Disse Deus, importa o império divino, pois, era necessário ser produzida a criatura que obedecesse, antes de se fazer menção do divino império.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Segundo Agostinho, entende–se por céu a natureza espiritual informe; e por terra, a matéria informe de todos os corpos. Assim nenhuma criatura foi omitida. – Segundo Basílio, porém, o céu e a terra são postos como dois extremos, para deles se deduzirem os médios; sobretudo porque o movimento de todos os corpos médios ou é para o céu, como o dos corpos leves, ou para a terra, como o dos graves. – Os outros, porém, dizem que, sob o nome de terra a Escritura costuma incluir todos os quatro elementos; por onde, depois de dizer: Louvai ao Senhor os que sois da terra, acrescenta: O jogo, o granizo, a neve, a geada.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Na obra da criação se põe algo de correspondente ao dito na obra da distinção e do ornato – Viu Deus que isto ou aquilo era bom. Para a evidência do que, se deve considerar, que o Espírito Santo é amor. Ora, há duas coisas, diz Agostinho, por causa das quais Deus ama a sua criatura, convém saber, para que exista e para que perdure. E para que existisse o que devia perdurar, diz–se: O Espírito de Deus movia–se sobre as águas, entendendo–se por água a matéria informe; no mesmo sentido em que se diz que o amor do artífice é levado sobre alguma matéria, para formar dela a sua obra. Porém para que perdurasse o que fizera, se diz: Viu Deus que era bom. E com isto quer–se exprimir uma como complacência de Deus opífice, na cousa feita; e não que tivesse conhecimento da criatura já feita e comprazimento nela, diferentemente do que os tinha antes de havê–Ia feito. E assim, nas duas obras, da criação e da formação, insinua–se a Trindade das Pessoas. Na criação: a pessoa do Pai, como Deus criador; a do Filho, como o princípio pelo qual criou; e a do Espírito Santo, como o Espírito que é levado sobre as águas. E na formação: a pessoa do Pai, como Deus dicente; a do Filho, como o Verbo no qual é dito; a do Espírito Santo, como a complacência com a qual Deus viu ser bom o que estava feito. – Porém, na obra do segundo dia, não se põe – Viu Deus que era bom, porque, então, começa a obra da separação das águas, que se completa no terceiro dia. Por onde, o que se diz no terceiro dia refere–se também ao segundo. – Ou então, porque a separação feita no segundo dia é das obras não manifestas ao povo; por isso a Escritura não usa de tal aprovação. – Ou ainda, porque se entende por firmamento, absolutamente, o ar nebuloso, não pertencente às partes permanentes do universo, ou às partes principais do mundo. E estas três razões são alegadas pelo Rabbi Moisés. – Certos, porém, dão uma razão mística, tirada do número: porque o binário afasta–se da unidade, por isso não é aprovada a obra do segundo dia.
RESPOSTA À QUARTA. – Rabbi Moisés entende, com Platão, que o espírito do Senhor é o ar ou o vento; e diz, que com a expressão Espírito do Senhor a Escritura costuma sempre, em todos os passos, atribuir a Deus o Flato dos ventos. – Mas, segundo os outros Santos Padres, por Espírito do Senhor se entende o Espírito Santo, de quem se diz que é levado sobre a água, isto é, a matéria informe, segundo Agostinho; para não se pensar que Deus amasse as obras que ia fazer com amor de indigência, amor que depende das causas amadas, Por onde, procedeu–se acertadamente, insinuando primeiro algo de começado sobre o que se dissesse, do Espírito que o Espírito era levado, não localmente, mas com sobre excelente poder, como diz Agostinho. – Porém, segundo Basílio, era levado sobre o elemento da água, isto é, aquecia e vivificava a natureza da água, à semelhança da galinha incubadora, transmitindo a virtude vital aos ovos aquecidos, Pois, a água tem principalmente virtude vital, por se gerarem nela muitos animais e ser húmido o sémen de todos. – E também, como a vida espiritual é dada pela água do batismo, diz a Escritura: Quem não renascer da água e do Espírito Santo não pode entrar no reino de Deus.
RESPOSTA À QUINTA. – Segundo Agostinho, essas três expressões designam o ser tríplice das coisas. O primeiro, o ser no Verbo, designa–o o dito: faça–se. O segundo, na mente angélica, o dito: foi feito. O terceiro, em a natureza própria, o dito: fez, E como, no primeiro dia se descreve a formação dos anjos, não era necessário acrescentar então: fez, – Porém, segundo outros, pode–se admitir que o dito: Disse Deus, faça–se importa o império de Deus, quanto ao fazer. O dito: foi feito importa o complemento da obra. Mas também era necessário acrescentar de que modo foi feito, sobretudo por causa dos que disseram que todas as coisas visíveis foram feitas pelos anjos. E então, para afastar essa opinião, acrescenta–se que Deus mesmo fez. Por onde, em cada uma das obras, depois de se dizer: e foi feito, acrescenta–se algum ato de Deus, como fez ou separou, ou chamou, ou outro semelhante.
RESPOSTA À SEXTA. – Segundo Agostinho, por tarde e manhã se entende o conhecimento angélico vespertino e matutino, de que já se tratou antes. – Ou, segundo Basílio, costumavase denominar o tempo total pela sua parte principal, o dia, conforme o dito da Escritura: Os dias da minha peregrinação, nenhuma menção feita da noite. Porém, a tarde e a manhã estão postas como os termos do dia, do qual esta é o princípio e aquela o fim. – Ou porque a tarde, designando o princípio da noite; e a manhã, o do dia, era congruente, ao comemorar–se a distinção primeira das coisas, designarem–se só os princípios dos tempos. E põe–se em primeiro lugar a tarde porque, começando o dia com a luz, ocorre primeiro o termo da luz, que é a tarde, do que o das trevas e da noite, que é a manhã. – Ou, segundo Crisóstomo, para significar que o dia natural não termina com a tarde, mas com a manhã.
RESPOSTA À SÉTIMA. – Diz–se um dia na instituição primeira do dia, para exprimir que o espaço de vinte e quatro horas constitui um dia; por onde, dizendo–se um, prefixa–se a medida do dia natural. – Ou para exprimir, assim, que o dia se consuma pela volta do sol a um mesmo ponto. – Ou porque, completo o setenário dos dias, volta–se ao primeiro dia, que é um com o oitavo. E essas três razões são aduzidas por Basílio.
O segundo discute–se assim. – Parece que todos esses dias são um só dia.
1. – Pois, diz a Escritura: Tal foi a origem do céu e da terra, quando foram criados, no dia em que o Senhor Deus fez o céu e a terra e toda a planta do campo antes que nascesse na terra. Logo um é o dia em que fez o céu e a terra e toda a planta do campo. Mas, fez o céu e a terra no primeiro dia, ou melhor, antes de qualquer dia; e fez os arbustos do campo no terceiro dia. Logo, um só dia são o primeiro, o terceiro e, por igual razão, todos os outros.
2. Demais. – Diz a Escritura: Aquele que vive eternamente, criou todas as coisas juntas. Ora, isto não se daria se os dias dessas obras fossem vários, porque vários dias não são simultâneos. Logo, não há vários dias, mas um só.
3. Demais. – No sétimo dia Deus cessou de fazer novas obras. Se, pois, o sétimo dia é dia diferente dos outros, segue–se que ele não fez esse dia, o que é inconveniente.
4. Demais. – Deus fez num instante a obra de cada dia, pois, de cada obra se diz: Disse e se fez. Se, pois, a obra seguinte a reservasse para outro dia, resultaria que, na parte restante do dia anterior teria cessado as obras; o que seria supérfluo. Logo, não há nenhum dia seguinte ao da obra precedente.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Fez–se tarde e manhã e segundo dia e o terceiro dia, e assim por diante. Ora, não se pode falar de segundo e terceiro onde só há um. Logo, não houve só um dia.
SOLUÇÃO. – Neste assunto, Agostinho dissente dos outros expositores. Pois, ensina que todos os chamados sete dias não são mais do que um só dia, que se apresenta sete vezes. Porém, os outros expositores sentem que foram sete dias diversos e não um só.
Ora, estas duas opiniões, referidas à exposição da letra da Escritura, têm entre si grande diversidade. – Assim, segundo Agostinho, por dia se entende o conhecimento da mente angélica; de modo que o primeiro dia é o conhecimento da primeira obra divina; o segundo, o da segunda, e assim por diante. Daí o dizer–se que cada obra teve o seu dia, porque Deus não produziu nada, nas coisas da natureza, que não imprimisse na mente angélica, podendo esta conhecer simultaneamente muitas coisas, sobretudo no Verbo, em quem todo conhecimento angélico se termina e aperfeiçoa. De modo que os dias se distinguem pela ordem natural das coisas conhecidas e não pela sucessão do conhecimento ou pela da produção das coisas. Ora, o conhecimento angélico pode, própria e verdadeiramente, ser denominado dia, porque a luz, causa do dia, se encontra propriamente, segundo Agostinho, nos seres espirituais. Porém, segundo os outros, por esses dias se entende tanto a sucessão dos dias temporais como a da produção das coisas.
Se contudo, essas duas opiniões se referirem ao modo da produção das coisas, não há entre elas grande diferença. E isto por dois motivos, cujas exposições diversificam Agostinho dos outros, como resulta claro do que já se disse antes. – E o primeiro é que Agostinho pela terra e água, primeiramente criadas, entende a matéria totalmente informe; e pela produção do firmamento, congregação das águas e aparecimento da terra árida entende a impressão das formas na matéria corporal. Os outros Santos Padres, porém, pela terra e água primeiramente criadas, entendem os elementos mesmos do mundo existentes com formas próprias; e pelas obras seguintes entendem alguma distinção nos corpos, já antes existentes, como antes se disse. – Em segundo lugar, difere Agostinho dos outros quanto à produção das plantas e dos animais, por admitirem estes que, na obra dos seis dias, umas e outros foram produzidos atualmente; ao passo que, para Agostinho, o foram apenas potencialmente. Assim, o admitir este que as obras dos seis dias foram feitas simultaneamente, importa em terem as coisas o mesmo modo de produção.
De modo que, segundo todos, a matéria, na produção primeira das coisas, existia sob as formas substanciais dos elementos; e demais, nessa primeira instituição não havia animais nem plantas, em ato. Mas Agostinho difere dos outros em quatro pontos; pois, segundo os outros Santos Padres, depois da produção primeira da criatura, houve tempo em que não existia a luz; não havia Um firmamento formado; a terra não estava a descoberto das águas; e não estavam formados os astros do céu, que é o quarto ponto; coisas todas que não admite Agostinho. Por onde, para não ficar prejudicada nenhuma dessas opiniões, devem–se responder as objecções de uns e de outros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. No mesmo dia em que Deus criou o céu e a terra, criou também todos os arbustos do campo, não em ato, mas antes que nascessem na terra, isto é, em potência; o que Agostinho atribui ao terceiro dia e, os outros, à instituição primeira das coisas.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Deus criou todas as coisas simultaneamente, quanto à substância delas, de certo modo informe; mas não simultaneamente, quanto à formação feita pela distinção e pelo ornato; e por isso se usa, expressamente, da palavra criação.
RESPOSTA À TERCEIRA. – No sétimo dia, Deus cessou de fazer novas obras; não, porém, de propagar certas delas; e essa propagação é causa de sucederem outros dias, ao primeiro.
RESPOSTA À QUARTA. – Não é por impotência de Deus, como se precisasse de tempo para operar, que todas as coisas não foram simultaneamente distintas e ornadas; mas para que se conservasse a ordem, na instituição delas. Por onde, era necessário servissem diversos dias aos diversos estados do mundo. Assim sempre cada uma das obras seguintes acrescentava ao mundo um novo estado de perfeição.
RESPOSTA À QUINTA. – Segundo Agostinho, essa ordem dos dias deve referir–se à ordem natural das obras a eles atribuídas.
O primeiro discute–se assim. Parece que esses dias não são suficientemente enumerados.
1. – Pois, a obra da criação não se distingue menos das da distinção e do ornato, do que estas duas últimas entre si. Ora, uns dias foram destinados à distinção e outros, ao ornato. Logo, também se deviam destinar outros à criação.
2. Demais. – O ar e o fogo são elementos mais nobres que a terra e a água. Ora, há um dia destinado à separação da água e outro, à da terra. Logo, também outros dias devem ser destinados à separação do fogo e à do ar.
3. Demais. – Não diferem menos as aves, dos peixes, do que dos animais terrestres; e o homem, por sua vez, difere mais dos outros animais, do que, entre eles, um, de outro. Ora, há um dia deputado à produção dos peixes do mar, e outro à dos animais da terra. Logo, também deve ser deputado um à produção das aves do céu, e outro, à do homem.
Mas em contrário. – Parece que há alguns dias destinados, superfluamente. Pois, a luz estando para o luzeiro como o acidente para o sujeito, é produzido este simultaneamente com o seu acidente próprio. Logo, não se devia destinar um dia para a produção da luz, e outros, para a dos astros. Demais. – Esses dias foram deputados à instituição primeira do mundo. Ora, no sétimo dia nada foi instituído primariamente. Logo, esse dia não devia ser conumerado com os outros.
SOLUÇÃO. – Do que já foi dito pode–se tornar manifesta a razão da distinção desses seis dias. Pois, era necessário distinguir, primeiro, as partes do mundo; e em seguida, orná–las, pelo como povoamento, de seus habitantes. – Porém, segundo outros Santos Padres três partes são designadas, na criatura corporal: a primeira se inclui na denominação de céu; a média, na de água; a ínfima, na de terra. Por onde, segundo os Pitagóricos, em três coisas consiste a perfeição: no principio, no meio e no fim, como diz Aristóteles. Assim, a primeira parte é distinta no primeiro dia e ornada no quarto; a média é distinta no segundo e ornada no quinto; a Ínfima é distinta no terceiro e ornada no sexto. – Agostinho, porém, concordando com estes, quanto aos últimos três dias, deles difere nos três primeiros. Porque, na sua opinião é formada no primeiro dia a criatura espiritual e nos dois últimos a corporal; assim que, no segundo dia são formados os corpos superiores e no terceiro os inferiores. E então, a perfeição das obras divinas corresponde à do número senário, resultante das suas partes alíquotas – um, dois, três – simultaneamente juntas. Assim, um dia é destinado à formação da criatura espiritual; dois, à da corporal, e três ao ornato.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Segundo Agostinho, a obra da criação pertence à produção da matéria informe e da natureza espiritual informe; e estando ambas, fora do tempo, como ele diz, a criação delas se faz antes de qualquer dia. – Mas, segundo os outros Santos Padres, pode–se dizer que a obra da distinção e a do ornato se consideram em relação a certas mudanças da criatura, que é medida pelo tempo. Porém, a obra da criação consiste somente na ação divina, que produz num instante a substância das coisas; por onde se diz que qualquer das obras da distinção e do ornato, se fez nó tempo; da criação, porém, se diz que foi feita no princípio, por significar algo de indivisível.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O fogo e o ar, por não serem distinguidos pelo vulgo, não são expressamente nomeados por Moisés entre as partes do mundo. Mas são computados, sobretudo quanto à parte inferior do ar, com a parte média, isto é, a água; sendo, quanto à parte superior, computados com o céu, como diz Agostinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A produção dos animais é narrada, como servindo eles de ornato das partes do mundo. Por onde, os dias da produção dos animais distinguem–se ou unem–se segundo a conveniência ou diferença que têm, no ornar alguma parte do mundo.
RESPOSTA À QUARTA. – No primeiro dia, foi feita a natureza da luz, em algum sujeito; mas, no quarto dia se diz terem sido feitos os astros, não por ser a substância deles produzida de novo, mas por serem formados de modo como dantes não eram, como já se disse.
RESPOSTA À QUINTA. – Ao sétimo dia, segundo Agostinho, se destina alguma cousa, além de todas as atribuídas aos seis dias; e é que Deus repousou em si mesmo, das suas obras, por onde, era necessário que, após os seis dias, se fizesse menção do sétimo. – Segundo outros, porém, pode–se dizer que no sétimo dia o mundo teve um novo estado, tal que nada de novo se lhe acrescentasse. Por onde; depois dos seis dias, se coloca o sétimo, deputado ao cessar das obras.
O terceiro discute–se assim. – Parece que a bênção e a santificação não são próprias do sétimo dia.
1. – Pois, costuma–se considerar abençoado e santo qualquer tempo em que aconteça algum bem, ou em que se evite algum mal. Ora, para Deus nada acresce ou deperece; quer opere, quer cesse de operar. Logo, não é próprio ao sétimo dia especial bênção e santificação.
2. Demais. – Bênção vem de bondade. Ora, o bem é difusivo e comunicativo de si, segundo Dionísio. Logo, mais deviam ser abençoados os dias em que produziu as criaturas, do que quando cessou de produzi–las.
3. Demais. – Cada um dos dias em que foram criadas as novas criaturas é comemorado por uma bênção, pois, de cada um deles se diz : E Deus viu que era bom. Logo, não era necessário que, após a produção de todas as criaturas, fosse abençoado o sétimo dia.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Abençoou o dia sétimo, e o santificou, porque nele tinha cerrado de toda a sua obra.
SOLUÇÃO. – Como se disse antes, o repouso de Deus, no sétimo dia, se compreende em dupla acepção. Pela primeira, significa que cessou Deus de fazer novas obras, conservando e governando, apenas as criaturas já criadas. Pela segunda, repousou em si mesmo, depois das obras. Assim, pela primeira, a benção é própria do sétimo dia; pois, como antes se disse, ela supõe a multiplicação. Por onde, foi dito às criaturas abençoadas: Crescei e multiplicai–vos. Ora, a multiplicação das coisas se faz pela atividade das criaturas; em virtude da qual se geram os semelhantes dos semelhantes. – Pela segunda, é própria ao sétimo dia a santificação. E a santificação máxima de um ser, consistindo no repousar em Deus, chamam–se santas as coisas consagradas a Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A santificação do sétimo dia não está em poder alguma cousa crescer ou decrescer, para Deus; mas em que, para as criaturas, alguma cousa acresce, pela multiplicação e pelo repouso, em Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nos primeiros seis dias foram produzidas as coisas, nas suas primeiras causas; mas depois, por essas primeiras causas, as coisas se multiplicam e conservam; o que também pertence à bondade divina, cuja perfeição se ostenta, sobretudo, em que, só nela, Deus repousa; bem como nós, gozando–a.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O bem comemorado em cada um dos seis dias pertence à instituição primeira da natureza; porém, a bênção pertence ao sétimo dia, para a propagação da natureza.
O segundo discute–se assim. – Parece que Deus não descansou de todas as suas obras, no sétimo dia.
1. – Pois, diz a Escritura: Meu Pai até agora não cessa de obrar, e eu obro também incessantemente. Logo, não descansou de todas as suas obras, no sétimo dia.
2. Demais. – O repouso se opõe ao movimento ou ao trabalho, que às vezes é causado do movimento. Ora, Deus produziu as suas obras, imóvel e sem trabalho. Logo, não se pode dizer que tivesse descansado delas no sétimo dia.
3. Se se disser que Deus descansou no sétimo dia, porque mandou ao homem descansar, responde–se o seguinte: o descanso contrapõe–se à operação. Ora o dito: Deus criou, ou fez isto ou aquilo não se interpreta como significando que Deus mandou criar ou fazer. Logo, também não é interpretação satisfatória dizer, que Deus descansou porque mandou o homem descansar.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Descansou no sétimo dia de toda a obra que tinha jeito.
SOLUÇÃO. – O repouso se opõe propriamente, ao movimento e, por consequente, ao trabalho, resultante do movimento. Mas, embora este, em acepção própria, seja próprio aos corpos, todavia aplica–se também às coisas espirituais, de duplo modo. Primeiro, enquanto que toda operação é chamada movimento; assim, mesmo a bondade divina, de certo modo, se move e dirige para as coisas, porque a elas se comunica, como diz Dionísio. Segundo, o desejo tendente a um objeto se chama de certo modo movimento. Por onde, também o repouso pode ser tomado em dupla acepção; como cessação das obras ou como satisfação do desejo. – Ora, de ambos os modos se diz que Deus descansou no sétimo dia. Do primeiro, por ter cessado, nesse dia, de criar novas criaturas; pois, nada fez a seguir que não estivesse incluído, de algum modo, nas primeiras obras, como se disse. Do segundo, porque Deus tendo a sua beatitude no gozo de si mesmo não precisava das coisas que criou. Por isso não se diz que, feitas as obras, nelas repousou, como se delas precisasse, para a sua beatitude; mas, sim que repousou delas, isto é, em si mesmo, pois a si se basta e satisfaz o seu desejo. E embora repousasse em si mesmo abeterno, contudo, o tê–lo feito, depois das obras, é o próprio do sétimo dia; e é isso a que Agostinho chama repousar das obras.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Deus até agora não cessa de obrar, conservando e administrando as criaturas criadas, e não criando novas.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O repouso não se opõe ao trabalho ou ao movimento; mas à produção de novas coisas e ao desejo tendente a algum objeto, como se disse.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como Deus só em si mesmo repousa e tem no gozo de si a sua beatitude, assim também nós nos tomamos felizes unicamente pela fruição de Deus. E por isso, faz–nos repousar nele, das suas e das nossas obras. Por onde, embora seja exposição aceitável dizer que Deus repousou, porque nos manda repousar, todavia não é a única, sendo mesmo, a outra, principal e primeira.
O primeiro discute–se assim. – Parece que o sétimo dia não deve ser considerado como o do acabamento das obras divinas.
1. – Pois, tudo o que neste século se realizou se inclui nas obras divinas. Ora, além de ser a consumação dos séculos, no fim do mundo, como diz a Escritura, o tempo da incarnação de Cristo também é tempo de um certo acabamento; pois, diz a mesma: tempo da plenitude; e o próprio Cristo, moribundo, disse: Tudo está consumado. Logo, o acabamento das obras divinas não foi próprio do sétimo dia.
2. Demais. – Quem completa a sua obra faz alguma cousa. Ora, não se lê que Deus tivesse feito alguma cousa no sétimo dia; mas, antes, que descansou de todas as obras. Logo, o acabamento das obras não é próprio do sétimo dia.
3. Demais. – Sendo perfeito o que não carece de nada do que deve ter não se pode considerar completo aquilo a que muitas coisas, não supérfluas, se acrescentam. Ora, depois do sétimo dia, foram feitas muitas coisas e produzidos muitos indivíduos; e mesmo certas espécies novas, que frequentemente aparecem, sobretudo, de animais gerados da putrefacção. E também Deus cria quotidianamente novas almas e foi nova a obra da encarnação, da qual diz a Escritura: O Senhor criou uma causa nova sobre a terra. Novas são as obras milagrosas, das quais diz a mesma Escritura: Renova os teus prodígios e faze novas maravilhas. Muitas causas por fim são inovadas na glorificação dos santos, conforme o passo: E o que estaca sentado no trono disse: Eis que eu renovo todas as causas. Logo, o acabamento das obras divinas não deve ser atribuído ao sétimo dia.
Mas, em contrário, diz a Escritura: E Deus acabou no sétimo dia a obra que tinha feito.
SOLUÇÃO. – Dupla é a perfeição de uma cousa: a primeira e a segunda. A primeira torna perfeitas as coisas, na sua substância; e essa perfeição é a forma do todo, resultante da integridade das partes. Porém a perfeição segunda é fim. E este ou é operação; é assim que o fim do citarista é tocar cítara; ou é algo a que se chega pela operação; assim, o fim do edificador é a casa que edifica. Ora, como a forma é o princípio da operação, a perfeição primeira é a causa da segunda. A perfeição última, porém, fim de todo o universo, é a perfeita beatitude dos santos, que existirá na consumação última do século. Ora, a perfeição atribuída ao sétimo dia, e que foi a da primeira instituição das coisas, é a primeira, consistente na integridade do universo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como se disse, a perfeição primeira é a causa da segunda. Ora, a consecução da beatitude requer duas condições: a natureza e a graça; sendo que a perfeição mesma da beatitude será no fim do mundo, como se disse. Mas esta consumação preexistiu causalmente: quanto à natureza, na primeira instituição das coisas; quanto à graça, na encarnação de Cristo, pois, a graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo, como diz a Escritura. Assim que, no sétimo dia, foi a consumação da natureza; na encarnação de Cristo, a da graça; no fim do mundo, a da glória.
RESPOSTA À SEGUNDA. – No sétimo dia Deus fez alguma cousa. Não, criando novas criaturas, mas governando–as e movendo–as às suas operações próprias; o que, de algum modo, já pertence a uma certa incoação da perfeição segunda. Por onde, consumação das obras, segundo a nossa tradução, é atribuída ao sétimo dia. Mas, segundo outra tradução, é atribuída ao sexto. E ambas estas traduções se podem admitir, sendo, no sexto dia, a consumação quanto à integridade das partes do universo; e no sétimo, quanto à operação das partes. – Ou se pode dizer, que, no movimento contínuo, enquanto uma cousa ainda puder mover–se, não se pode considerar o movimento como perfeito, antes do repouso; pois, este é que indica a consumação do movimento. Ora Deus, podendo fazer mais criaturas, além das que fez, nos seis dias, o fato mesmo de ter cessado, no sétimo, de criar novas, se considera como a consumação das suas obras.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Nada do que, a seguir, foi feito por Deus é de maneira totalmente nova, que não tenha preexistido, de algum modo, nas obras dos seis dias. Assim, certas coisas preexistiram materialmente, como a formação da mulher da costela de Adão. Outras, porém, preexistiram, nas obras dos seis dias, não só material, mas também causalmente; assim, os indivíduos agora gerados preexistiram, nos primeiros indivíduos das suas espécies. Porém, se aparecerem algumas espécies novas, essas preexistiram em certas virtudes ativas; assim, os animais gerados da putrefação são produzidos pelas virtudes das estrelas e dos elementos, virtudes que desde o princípio eles receberam, mesmo se forem produzidas novas espécies de tais animais. Também certos animais de nova espécie nascem, por vezes, da união de animais especificamente diversos; assim, do asno e da égua é gerado o mulo. E esses animais também preexistiram, nas obras dos seis dias. Outros, porém, preexistiram pela semelhança; assim, as almas, que são criadas; e, semelhantemente, a obra da encarnação, pois, corno diz a Escritura, o Filho de Deus foi feito por semelhança com os homens. E também a glória espiritual preexistiu, por semelhança, nos anjos; e a corporal, no céu, sobretudo no empíreo. Por onde diz a Escritura: Não há nada novo debaixo do sol... porque ela já existiu nos séculos que passaram antes de nós.
Em seguida, trata–se da obra do sexto dia. E parece que é descrita inconvenientemente.
1. – Pois, como as aves e os peixes têm alma vivente, assim também os animais terrestres. Mas, esses animais não são a alma vivente mesma. Logo, inconvenientemente se diz: Produza a terra animais viventes; devendo–se dizer: Produza a terra quadrúpede com alma viva.
2. Demais. – O gênero não se divide por oposição com a espécie. Ora, os animais domésticos e os selvagens são computados entre os quadrúpedes, Logo, inconvenientemente estes são conumerados com aqueles.
3. Demais. – Assim como os outros animais pertencem a gênero e espécie determinados, assim também o homem. Ora, na produção do homem, não se faz menção do seu gênero nem da sua espécie. Logo, nem na produção dos outros animais se deveria fazê–lo, quando se diz no seu género ou na sua espécie.
4. Demais. – Mais semelhantes ao homem, do qual se diz que foi abençoado por Deus, são os animais terrestres do que as aves e os peixes. Ora, como se diz das aves e dos peixes, que foram abençoados, com muito maior razão dever–se–ia também dizer o mesmo dos outros animais.
5. Demais. – Certos animais são gerados da putrefacção, que é uma corrupção. Ora, a corrupção não convém à primeira instituição das coisas. Logo, tais animais não deveram ser produzidos, nessa primeira instituição.
6. Demais. – Certos animais são venenosos e nocivos ao homem. Ora, antes do pecado, nada devia lhe ser nocivo a este. Logo, tais animais ou não deveram, de nenhum modo, ser feitos por Deus, autor de todo bem; ou não deveram ser feitos antes do pecado.
Em contrário basta a autoridade da Escritura.
SOLUÇÃO. – Assim como no quinto dia foi ornado o corpo médio, que corresponde ao segundo dia; assim no sexto dia foi o último corpo, isto é, a terra, pela produção dos animais terrestres, e corresponde ao terceiro dia. Por onde, em ambos esses dias, se faz menção da terra. – E também aqui, segundo Agostinho, os animais terrestres foram produzidos potencialmente; segundo os outros Santos Padres, porém, em ato.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Basílio, pelo modo de falar da Escritura, podem–se coligir os diversos graus de vida que se encontram nos diversos viventes. – Assim as plantas, tendo vida imperfeitíssima e oculta, não se faz na produção delas nenhuma menção da vida, mas só da geração, porque só a vida geradora nelas se encontra; pois, a vida nutritiva e a aumentativa servem à geradora, como a seguir se dirá. – Entre os animais porém são mais perfeitos, comumente falando, os terrestres que as aves e os peixes; não que os peixes careçam de memória, como afirma Basílio e Agostinho nega, mas por causa da distinção dos membros e da perfeição da geração. E quanto a certas sagacidades, também alguns animais imperfeitos são melhores dotados, como as abelhas e as formigas. Por isso, os peixes são chamados, não animais viventes, mas répteis animados e viventes: ao passo, que os animais terrestres são chamados animais e viventes; por causa da perfeição da vida que têm. Pois se os peixes são corpos dotados, de algum modo, de alma, os animais terrestres são, pela perfeição da vida, umas quase almas que dominam os seus corpos. – Porém, o grau perfeitíssimo da vida sendo do homem, não se diz que a vida dele foi produzida pela terra ou pela água, como a dos outros animais, mas por Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Por animais domésticos ou animais se entendem os animais domésticos que, de algum modo, servem ao homem. Por animais selváticos, porém, se entendem os animais ferozes, como os ursos e os leões. Ao passo que répteis significa os animais, como as serpentes, sem pés com que se elevem da terra; ou, como os lagartos e as tartarugas, com pés pequenos, com os quais pouco se elevam. Mas, por haver certos animais, como os cervos e as cabras, não compreendidos em nenhuma dessas classes, acrescenta–se, para que o sejam, a palavra quadrúpedes, – Ou então, empregou–se quadrúpedes para significar o gênero, considerando os outros animais como espécies; pois, há certos répteis quadrúpedes, como os lagartos e as tartarugas.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Quanto aos outros animais e plantas, fez–se menção do gênero e da espécie, para designar a geração dos semelhantes pelos semelhantes. Porém não era necessário dizer tal em relação ao homem, porque o já dito dos outros animais também dele se pode entender. – Ou porque os animais e as plantas, como muito afastados da semelhança divina, foram produzidos no seu gênero e na sua espécie. Porém, do homem se diz que foi formado à imagem e semelhança de Deus.
RESPOSTA À QUARTA. – A bênção de Deus dá a virtude de multiplicar, pela geração. Por onde, já se subentende, sem ser necessário repetir, dos animais terrestres, o que foi dito das aves e dos peixes, primeiro nomeados. Para os homens, porém, se reitera a bênção, por haver neles uma certa e especial razão de multiplicação, a saber, completar–se o número dos eleitos; e para ninguém poder dizer que há algum pecado na junção de gerar filhos. Porém, as plantas de todo sem afeto na propagação da prole, e que geram sem nenhuma sensibilidade, foram julgadas indignas das palavras de bênção.
RESPOSTA À QUINTA. – Sendo a geração de um a corrupção de outro, não repugna à primeira instituição das coisas sejam gerados seres mais nobres, da corrupção dos menos nobres. Por onde puderam então ser gerados os animais oriundos da corrupção dos seres inanimados ou das plantas; não porem os oriundos da corrupção dos animais, senão só potencialmente.
RESPOSTA À SEXTA. – Agostinho diz, que, se o imperito entrar na oficina de algum artífice, nela verá muitos instrumentos, cujas causas ignora; e se for por demais insipiente, reputá–las–á por supérfluas. Se, porém, incauto, cair numa fornalha, ou ferir–se com alguma ferramenta aguda, julgará haver ai muitas causas nocivas, dando lugar a que o artífice, conhecedor do uso delas, zombe de tal insipiência. Assim, neste mundo, certos ousam criticar multas causas, cujas causas não vêm. Pois multas, embora não necessárias à nossa casa, completam a integridade do todo. Ora, o homem, antes do pecado, usando ordenadamente das coisas do mundo, os animais venenosos não lhe haviam de ser nocivos.