Category: Santo Tomás de Aquino
Em seguida devemos tratar da obra do quinto dia; e parece que esta obra é descrita inconvenientemente.
1. – Pois, as águas só produzem aquilo para o que lhes basta a virtude. Ora, essa virtude não basta para a produção dos peixes e das aves, pois, muitos deles são gerados seminalmente. Logo, não é com conveniência que se diz: Produzam as águas répteis animados e viventes e aves que voem sobre a terra.
2. Demais. – Os peixes e as aves não são produzidos somente pela água; antes, na composição deles parece dominar sobretudo a terra, para onde os seus corpos naturalmente se movem; e por isso na terra descansam. Logo, sem conveniência se diz que os peixes e as aves são produzidos pela água.
3. Demais. – Como os peixes movem–se na água, assim as aves, no ar. Logo, se aqueles são produzidos pela água, estas deveriam sê–lo, não por ela, mas pelo ar.
4. Demais. – Nem todos os peixes reptam nas águas; pois, alguns deles têm pés, com que andam em terra, como as focas. Logo, não se designa suficientemente a produção dos peixes dizendo: Produzam as águas répteis animados e viventes.
5. Demais. – Os animais terrestres são mais perfeitos que as aves e os peixes. O que bem se vê por terem membros mais distintos e geração mais perfeita, pois, geram animais; ao passo que os peixes e as aves põem ovos. Ora, os seres mais perfeitos existem primeiro, na ordem da natureza. Logo, os peixes e as aves não deviam ter sido feitos no quinto dia, antes dos animais terrestres. Em contrário, basta a autoridade da Escritura.
SOLUÇÃO. – Como se disse antes, a ordem da obra do ornato corresponde à ordem da distinção. Por onde, assim como dentre os três dias deputados à distinção, o dia médio, que é o segundo, o foi à distinção do corpo médio, isto é, as águas; assim, dentre os dias deputados à obra do ornato, o dia médio, isto é; o quinto, o foi ao ornato do corpo médio, pela produção das aves e dos peixes. Por onde, assim como Moisés, no quarto dia, menciona os astros e a luz, para designar que o quarto dia corresponde ao primeiro, em que disse ter sido feita a luz; assim, neste quinto dia, menciona as águas e o firmamento do céu, para designar que o quinto dia corresponde ao segundo. – Mas, devemos saber que, assim como relativamente à produção das plantas, Agostinho difere dos outros expositores, assim também, na das aves e dos peixes. Pois, ao passo que os outros dizem terem sido os peixes e as aves produzidos, em ato, no quinto dia; Agostinho opina que no quinto dia a natureza das águas produziu, em potência, os peixes e as aves.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA 0BJEÇÃO. – Avicena ensinava, que todos os animais podem ser gerados por uma certa mistão dos elementos, sem seminação, mesmo por via da natureza. Mas isto é inadmissível, porque a natureza, procedendo nos seus efeitos por modos determinados, os seres naturalmente gerados por sem inação não o podem ser sem ela. – Por onde, deve–se dizer, diferentemente, que na geração natural dos animais, o princípio ativo: é a virtude formativa, que reside no sémen, para os seres gerados por seminação: em lugar de cuja virtude está a do corpo celeste, nos seres gerados da putrefacção. E o princípio material, na geração de qualquer dessas duas espécies de animais, é algum elemento ou algum elementado, Porém, na instituição primeira das coisas, o princípio ativo foi o Verbo de Deus, que da matéria elementar produziu os animais; quer em ato, segundo os outros Santos Padres, quer virtualmente, segundo Agostinho (loc, cit.). Não que a água ou a terra tenham em si a virtude de produzir todos os animais, como ensinou A vicena; mas porque o fado mesmo de poderem os animais ser produzidos da matéria elementar, por virtude do sémen ou das estrelas, vem da virtude primitivamente dada aos elementos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os corpos das aves e dos peixes podem ser considerados de duplo modo. Ou em si, e então é necessário domine mais neles o elemento terrestre; porque para se fazer o equilíbrio da comistão no corpo do animal é necessário abunde nele quantitativamente o elemento menos ativo, isto é, a terra. Ou, considerados enquanto nascidos para se moverem com determinados movimentos; então, tendo certa afinidade com os corpos nos quais se movem a geração deles é como aqui ficou descrita.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O ar, sendo insensível, não é considerado isoladamente, em si mesmo, mas junto com os outros seres: parcialmente, com a água, quanto à parte inferior, porque se incrassa com as exalações dela; e, parcialmente, com o céu, quanto à parte superior. Ora, diz–se que as aves, movendo–se na parte inferior do ar, voam sob o firmamento do céu, mesmo se firmamento for tomado pelo ar nebuloso. Por onde, a produção das aves é atribuída à água.
RESPOSTA À QUARTA. – A natureza vai de um extremo a outro, passando pelo meio. Por isso, entre os celestes e aquáticos, há certos animais médios, com pontos comuns com aqueles e computados com os que mais comunicam, pelo que os faz comunicarem com estes, e não pelo que o faz com o outro extremo. Contudo, para incluir todos esses seres, que têm particularidades especiais, entre os peixes, depois de haver dito: – Produzam as águas répteis animados e viventes; – acrescentou: Deus criou os grandes peixes etc.
RESPOSTA À QUINTA. – A produção desses animais se ordena pela ordem dos corpos que os adornam, mais do que pela própria dignidade; e contudo, via da geração, chega–se aos mais perfeitos pelos mais imperfeitos.
Em seguida devemos tratar da produção do corpo do primeiro homem.
E, sobre esta questão, quatro artigos se discutem:
Em seguida deve–se considerar a produção primeira do homem. E, sobre este ponto, quatro pontos se devem examinar. Primeiro, a produção do homem em si mesmo. Segundo, do fim da produção. Terceiro, do estado e da condição do homem primeiramente produzido. Quarto, do lugar do mesmo.
Ora, sobre a produção, três pontos se devem examinar. Primeiro, da produção do homem quanto à alma. Segundo, quanto ao corpo do varão. Terceiro, quanto à produção da mulher.
Sobre o primeiro ponto quatro artigos se discutem:
Em seguida deve–se tratar do conhecimento da alma separada.
E, sobre este ponto, oito artigos se discutem:
Em seguida tratamos de todos os seis dias em comum. E três artigos se discutem:
Em seguida, devemos considerar as coisas pertencentes ao sétimo dia.
E, sobre este assunto, três artigos se discutem:
O duodécimo discute-se a graça da união não era natural ao homem Cristo.
1. — Pois, a união da Encarnação não se fez em a natureza, mas na pessoa, como se disse. Ora, um movimento se designa pelo seu termo. Logo, essa graça deve ser considerada, antes, pessoal que natural.
2. Demais. — A graça se divide da natureza por oposição, assim como o que é gratuito, procedente de Deus, se distingue do natural, procedente de um princípio intrínseco. Ora, de coisas que se dividem por oposição, uma não tira da outra a sua denominação. Logo, a graça de Cristo não lhe é natural.
3. Demais. — Chama-se natural ao que é segundo a natureza. Ora, a graça da união não é natural a Cristo pela sua natureza divina, porque então conviria também às outras pessoas. Nem lhe é natural pela sua natureza humana, porque então conviria a todos os homens, que são da mesma natureza que ele. Logo, parece que de nenhum modo a Graça da união é natural a Cristo.
Mas, em contrário, Agostinho diz: Por ter assumido a natureza humana a graça mesma de algum modo se tornou natural a esse homem, e nenhum pecado o poderia privar dela.
SOLUÇÃO. — Segundo o Filósofo, num sentido chama-se natureza a natividade mesma; noutro, a essência de um ser. Por onde, natural pode ter dupla significação. Numa, é o resultado dos princípios essenciais de um ser; assim, é natural ao fogo ser levado para o alto. Noutra, dizemos natural ao homem o que ele tem pela sua natividade, segundo aquilo do Apóstolo: Éramos por natureza filhos da ira. E noutro lugar da Escritura: A sua nação é malvada e a malícia lhes é natural. Logo, a graça de Cristo, quer a de união, quer a habitual, não pode chamar-se natural, quase causada nele pelos princípios da natureza humana; embora possa chamar-se natural, quase proveniente à natureza humana de Cristo, pela causalidade da sua natureza divina. Mas dissemos que ambas essas graças são naturais a Cristo, pelas ter desde a sua natividade; pois, desde o início da sua concepção a natureza humana esteve unida à pessoa divina; e a sua alma tinha a plenitude do dom da graça.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora a união não se tivesse feito em a natureza, foi contudo causada pelo poder da natureza divina, que é verdadeiramente a natureza de Cristo. E também convinha a Cristo desde o princípio da sua natividade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As expressões — graça e natural — não têm idêntico sentido. Mas, chama-se graça ao que não provém do mérito; e natural, ao que provém da virtude da natureza divina, para a humanidade de Cristo, desde o seu nascimento.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça da união não é natural a Cristo segundo a sua natureza humana, quase causada dos princípios dessa natureza. Por onde, não é necessário convenha a todos os homens. Mas natural lhe é segundo a natureza humana, por causa da propriedade da sua natividade; isto é, foi concebido do Espírito Santo de modo que fosse naturalmente Filho de Deus e do homem. Mas, segundo a natureza divina é lhe natural, enquanto a natureza divina é o princípio ativo dessa graça. E isto convém à toda a Trindade, isto é, ser o princípio ativo dessa graça.
O undécimo discute-se assim. — Parece que certos méritos precederam à união da Encarnação.
1. — Pois, àquilo da Escritura — Faça-se sobre nós a tua misericórdia da maneira que em ti temos esperado — diz a Glosa: Isto ensina o desejo que o profeta tinha da Encarnação e merecia que ela se realizasse. Logo, a Encarnação pode ser merecida.
2. Demais. — Quem merece alguma coisa merece aquilo sem o que essa coisa não pode ser obtida. Ora, os antigos Padres mereciam a vida eterna à qual não podiam chegar senão pela Encarnação. Assim, diz Gregório: Os que. vieram a este mundo antes do advento de Cristo, por maior que tivessem a virtude da justiça, de nenhum modo podiam, separados do corpo, ser logo introduzidos no seio da pátria celeste; porque. ainda não tinha vindo aquele que haveria de introduzir na sua perpétua morada as almas dos justos. Logo, parece que mereceram a Encarnação.
3. Demais. — Da B. V. Maria se canta que mereceu trazer o Senhor de todas as causas, o que se deu pela Encarnação. Logo, a Encarnação é susceptível de ser merecida.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Aquele que descobrir em o nosso chefe os méritos precedentes da sua singular geração, descubra também em nós, seus membros, os méritos precedentes da multiplicada regeneração. Ora, nenhuns méritos precederam a nossa regeneração, como o diz o Apóstolo : Não por obras de justiça que. tivéssemos feito nós outros mas segundo a sua misericórdia nos salvou pelo batismo de regeneração. Logo, nem a geração de Cristo foi precedida de quaisquer méritos.
SOLUÇÃO. — Em relação a Cristo mesmo, é manifesto, pelo que já dissemos, que nenhuns méritos seus lhe puderam preceder à união. Pois, não admitimos que antes tivesse sido um puro homem e depois, pelo mérito de uma boa vida, tivesse obtido ser Filho de Deus, como o ensinou Fotino. Mas, dizemos que desde o princípio da sua concepção esse homem foi verdadeiramente Filho de Deus, como não tendo nenhuma outra hipóstase senão a de Filho de Deus, segundo aquilo do Evangelho: O Santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Por onde, todas as obras desse homem se lhe seguiram à união. E portanto, nenhuma obra sua podia ter merecido a união.
Mas nem também as obras de qualquer outro homem podiam ter sido meritórias dessa união, por um mérito de condignidade (ex condigno). Primeiro, porque as obras meritórias do homem se ordenam propriamente à beatitude, que o é prêmio da virtude e consiste no pleno gozo de Deus. Ora, a união da Encarnação, realizada no ser pessoal, transcende a união da alma bem-aventurada, com Deus, que supõe da parte dela um ato de fruição. E por isso não é susceptível de mérito. — Segundo, porque a graça não é susceptível de mérito, pois é o princípio do merecer. Por onde, com maior razão, não pode a Encarnação ser merecida, ela que é o princípio da graça, segundo o Evangelho: A graça e a verdade foi traz ida por Jesus Cristo. — Terceiro, porque a Encarnação de Cristo é reformadora de toda a natureza humana. E portanto, não pode ser merecida pelo mérito de nenhum homem particular: porque o bem de qualquer puro homem não pode ser a causa do bem de toda a natureza.
Contudo, por congruência (ex congruo) mereceram os Santos Padres a Encarnação, desejando e pedindo. Pois, era congruente que Deus os ouvi-se a eles que lhe obedeciam. Donde se deduz clara ares posta à primeira objeção.
RESPOSTA À SEGUNDA. — É falso dizer que o mérito compreende tudo àquilo sem o que o prêmio não pode ser conseguido. Pois, certas coisas não somente são necessárias para o prêmio, mas as preexige o mérito; assim, a bondade divina, e a natureza mesma do homem. E semelhantemente, o mistério da Encarnação é o princípio do mérito, pois, todos nós participamos da plenitude de Cristo, como diz o Evangelho.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Dizemos que a Bem-aventurada Virgem mereceu trazer o Senhor de todas as coisas não por ter merecido que ele se encarnasse, mas por ter merecido, pela graça que lhe foi dada, um tal grau de pureza e de santidade. que pudesse congruamente ser a mãe de Deus.