O primeiro discute-se assim. – Parece que foi inconvenientemente definida a justiça pelos jurisperitos, como a vontade constante e perpétua de dar a cada um, o que lhe pertence.
1. – Pois, a justiça, segundo o Filósofo, é um hábito pelo qual praticamos atos justos e pelo qual fazemos e queremos coisas justas. Ora, a vontade designa uma potência ou também um ato. Logo, é inconveniente dizer que a justiça é a vontade.
2. Demais. – A retidão da vontade não é a vontade; do contrário, se a vontade fosse em si mesma reta, resultaria que nenhuma seria pervertida. Ora, segundo Anselmo a justiça é uma retidão. Logo, a justiça não é a vontade.
3. Demais. – Só a vontade de Deus é perpétua. Se, pois, a justiça fosse a vontade perpétua, só em Deus haveria justiça.
4. Demais. – Todo perpétuo é constante, porque é imutável. Logo, é supérfluo introduzir na definição da justiça os termos perpétuo e constante.
5. Demais. – Dar o seu direito a cada um é próprio do chefe. Ora, se a justiça é a que dá a cada um o seu direito, resulta que ela só existe no chefe. O que é inadmissível.
6. Demais. – Agostinho diz que a justiça é o amor que só serve a Deus Logo, não dá a cada um, o que é seu.
SOLUÇÃO. – A referida definição da justiça é conveniente se for entendida como deve. Pois, sendo toda virtude um hábito, que é o princípio dos atos bons, necessariamente a virtude há de ser definida por um ato bom, cujo objeto é a matéria própria dela. Ora, a matéria própria da justiça são os atos relativos a outrem, como a seguir se dirá. Por onde, o ato de justiça é determinado relativamente à sua matéria própria e ao seu objeto, quando se diz: dar a cada um, o que lhe pertence; porque, como Isidoro diz, chama-se justo aquele que observa a justiça. Mas, para um ato, relativo a uma determinada matéria, ser virtuoso; é necessário que seja voluntário, estável e firme. Pois, como diz o Filósofo, o ato de virtude exige, primeiro, que o sujeito o pratique cientemente; segundo, com eleição, e para um fim devido; terceiro, que seja imutável. Ora, a primeira dessas condições está inclusa na segunda, pois, o que fazemos por ignorância é involuntário, segundo Aristóteles. Por onde, na definição da justiça, enuncia-se primeiro à vontade, para mostrar que o ato de justiça deve ser voluntário. Acrescentase porém a constância e a perpetuidade para designar a estabilidade do ato. Portanto, a referida definição da justiça é completa, sendo tomado o ato pelo hábito, mas, que é especificado por aquele; pois, o hábito implica relação com o ato. E quem quisesse reduzir essa definição à sua forma devida, poderia dizer: a justiça é um hábito pelo qual, com vontade constante e perpétua. atribuímos a cada um o que lhe pertence. Definição quase idêntica à do Filósofo, quando diz: a justiça é um hábito que nos faz agir escolhendo o que é justo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÃO. – A vontade, no caso, designa um ato e não uma potência. Pois, os autores costumam definir o hábito pelo ato; assim diz Agostinho, que a fé consiste em crer o que não vês.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Nem mesmo a justiça é essencialmente a retidão, mas só, causalmente; pois, é um hábito pelo qual agimos e queremos com retidão.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A vontade pode ser chamada perpétua de dois modos. De um modo, relativamente ao ato, que dura perpetuamente. E, assim, só a vontade de Deus é perpétua. De outro modo, relativamente ao objeto, quando, por exemplo, alguém quer perpetuamente fazer alguma coisa. E isto o reclama a ideia de justiça, para a qual não basta querermos observá-la por algum tempo, num certo negócio; pois, é difícil encontrar quem queira agir sempre injustamente; mas, é preciso que tenhamos a vontade perpétua de observar sempre a justiça.
RESPOSTA À QUARTA. – Perpétuo, não querendo significar a duração perpétua do ato da vontade, não se acrescentou superfluamente constante. De modo que, assim como o dito vontade perpétua significa o nosso propósito perpétuo de observar a justiça, assim também a expressão constante significa o nosso firme perseverar em tal propósito.
RESPOSTA À QUINTA. –- O juiz dá a cada um o que lhe pertence, mandando e dirigindo; porque o juiz é a justiça animada, e o chefe é o guarda da justiça, como diz Aristóteles, o passo que os súbditos dão a cada qual o que lhe pertence, a modo de execução.
RESPOSTA À SEXTA. – Assim como o amor de Deus inclui o do próximo, conforme se disse, assim, o servirmos a Deus implica em darmos a cada um o que lhe devemos.