Category: Liturgia
TERCEIRO ARTIGO
A TERCEIRA CARACTERÍSTICA DA LITURGIA É A AUTORIDADE.
É impossível que a linguagem da Igreja indefectível contenha erro.
Respostas aos sectários das novas liturgias.
A antigüidade e a universalidade acarretam uma terceira característica, que denominamos autoridade. A Igreja a possui em si em grau eminente, porque suas crenças remontam do primeiro dia de sua existência, e porque, em todos os lugares e épocas, conservou-as fortes e imutáveis. Este caráter inimitável, que a faz ser o que ela é, está impressa em suas obras. Por isso nunca puderam compreender, e muito menos imitar, seus pensamentos, que à primeira vista são exteriores e indiferentes; por isso, tentaram estabelecer doutrinas imponentes. O protestantismo já o confessou mais de uma vez, quando por esforços infinitamente superiores aos da Igreja só produziram confusão e esterilidade. Dentre as características da Igreja, a autoridade é a única que não admite paródias, pois a autoridade é a presença real da Divindade.
A linguagem antiga e universal – a liturgia – é, entre as instituições da Igreja Católica, a que mais deve se mostrar imbuída de autoridade. Como é majestosa, sonora a voz que nos percute os ouvidos através das eras e, semelhante a voz do mesmo Deus, rompe as cadeias do orgulho e abala o fundamento dos desertos! Como é grandioso o livro que inscreve a palavra do séculos, e invencível o ensinamento egresso do interior do santuário, saído do pé do altar do Senhor! A verdade não vem apenas do púlpito, mas também se oferece e retém no silêncio do recolhimento e da oração, no instante em que a assembléia reúne-se em nome de Jesus. Quem ousará contestar sua infalível verdade? Quem ousara confrontá-la com as idéias de ontem?
Gozam as sagradas orações, nas quais os dogmas se desenvolvem em ricos corolários, do mais alto grau de autoridade. Não ignora o católico que a Igreja, palavra que não lhe sai da ponta da língua, é a coluna e apoio da verdade. Estão cientes da incompatibilidade entre trevas e luz, e de que a linguagem da Esposa não contradiz o pensamento do Esposo. É permitido pois dizer que é certo, na medida em que algo pode ser, que a liturgia romana não contém nem conteria erro no ensinamento e na confissão dos dogmas; bem ao contrário, todas as palavras deve ser acatadas com profundo respeito e docilidade, por quem é e deseja permanecer membro da verdadeira Igreja; o universo fulminaria de anátema quem ousasse julgar a palavra daquela que recebera o nobre encargo de transmitir a todo homem vindo a este mundo a luz da verdade.
Mas a alma se espanta quando fixa o olhar sobre estas liturgias efêmeras, nem universais no tempo, nem católicas no espaço, que de próprio alvitre não querem ser a linguagem da Igreja! Como é possível que se encontrem homens que tenham ousado substituir a palavra dos séculos com a palavra do dia, a palavra infalível com a palavra frágil e muitas vezes mentirosa do homem?
Mais impressionante ainda, como ousaram conferir à estranha substituição as honras de um acontecimento glorioso para a Igreja galicana? Como deram crédito a tais homens? É assim tão fácil encantar, com modos lisonjeiros, as almas pouco ciosas da santa delicadeza da fé?
Os autores e os defensores da nova liturgia opõem-nos uma objeção especiosa, vitoriosa em si mesma, caso não cedesse sob o próprio peso. Dizem o seguinte:
“Eles se lamentam das supressões que fizemos nas antigas orações, repetindo que nossas liturgias se apresentam desprovidas da autoridade que os séculos conferiram às velhas fórmulas romanas, mas em verdade se perdeu alguma coisa? No lugar das palavras dos santos que, antes de tudo, eram apenas homens, quiséramos as palavras do próprio Deus. A Escritura em si mesma já tem as rubricas dos novos ofícios. Vosso respeito pelos novos breviários dar-nos-á a medida de vossa veneração aos livros sagrados”.
Muitas almas boas se deixam fisgar por tal sofisma. Contudo, vamos à resposta. Vossas liturgias, dizeis vós, se comparam em autoridade com as nossas: a Santa Escritura vos serve de rubrica. Levando em consideração, por um instante, vosso testemunho, pergunto o que aconteceu às palavras sagradas que saíam de vossas bocas? Por que a Igreja, amedrontada, não mais as reconhece como suas? Por acaso, ela havia se enganado? Tornastes-vos desprezíveis considerando palavra de Deus as fantasias da alma humana? A palavra de Deus! Quem vos deu o direito de interpretá-las, submetendo-as à uma ordem completamente nova, e de calar as centenas de bocas da tradição, sem as quais as Escrituras seria um livro selado?
Ignorais que é a autoridade da Igreja que determina a crença do católico no Evangelho e nas Escrituras? Estais cientes que não raro acusam tais exegeses sem garantias de falsear o sentido delas, senhores sectários da interpretação engenhosa das Escrituras? Sabeis que olhos circunspetos por mais de uma vez já leram aí os segredos duma seita que profana o que toca? Vós acreditais que, sem a Igreja, tendes sempre o sentido verdadeiro das Escrituras, e exigis para vossas interpretações veneração semelhante a que damos às palavras que saem da Igreja – não vos enganeis, contudo. O uso das Escrituras é mui recomendável. Leiamo-las e meditemo-las incessantemente, mas não acreditemos que todas as exegeses que o espírito particular garanta estejam certas, nem que se pode confrontá-las à confissão de fé da Igreja. Prestai atenção, e vede onde vão parar. De qualquer forma, tem de se concordar: não se poderia encontrar um erro sequer na santa liturgia romana, sem que a Igreja se convencesse de erro em seu ensinamento e de, por isso, estar desprovida de santidade e infalibilidade; isso não impede, ao contrário, que a liturgia francesa, a mais difundida entre todas, encerre um algo de suspeito; e de fato, ela encerra mesmo algo de suspeito. Mais ainda, se por acaso se concedesse – mas isso jamais acontecerá – que vossa autoridade na exegese das Escrituras se equiparasse a das palavras da liturgia romana, ainda haveria uma barreira terrível na seleção das passagens dos Santos Padres, meio explorado com sucesso pelos jansenistas em seus breviários. E quem nos asseguraria da ortodoxia dos hinos e das legendas?
Continuando, se os bispos – pastores do povo e juizes da fé – tivessem composto as novas liturgias, tal circunstância talvez desse a elas alguma importância e, com um pouco mais de entusiasmo, poder-se-ia ver nesta fábrica a obra da Igreja de França. Mas eis como tudo aconteceu, há mais ou menos um século. Uns meros padres, meros doutores em teologia investigaram avidamente o novo campo aberto à criatividade eclesiástica. Sustentados e nutridos pelo espírito de partido, armados com a mútua concordância, viu-se neles o zelo infatigável na composição da nova liturgia – sequer tomavam fôlego - a começar do domingo do Advento até o último domingo depois de Pentecostes. Em meio a seus importantes trabalhos, por vezes uma rivalidade inaudita arrancava-os do descanso do gabinete. Embatiam-se os novos planos, cada qual causando furor a seu turno; um breviário travava formidável luta contra outro breviário; um missal derrotava outro missal. Brochuras que mal nos chegavam às mãos iniciavam o público nas diversas circunstâncias desta guerra litúrgica. Tratavam-se por heréticos de parte a parte, e algumas vezes uma e outra parte tinham razão. Feliz de quem conseguia que seu trabalho fosse apreciado, recebendo assim a palma diante dos doutos e infatigáveis concorrentes! Durante muito tempo, o vencido nutria em segredo a esperança de enfim ver um bispo fazer justiça às belezas do seu breviário, aguardando o dia em que uma preclara diocese viesse solicitar o favor de apelidá-la de Breviarium Ecclasiasticum, para o público gozá-lo sob esta condição. Não, esta não foi obra do episcopado, mas concebida e executada por homens que não pertenciam à hierarquia; as cartas pastorais que apareceram junto às composições, totalmente novas em doutrina, foram redigidas mais de uma vez, à guisa de prefácio, por aqueles que fabricaram a obra.
Realmente, considerando apenas a dignidade da liturgia católica, não se sabe o que pensar quando se testemunha tantas igrejas se apropriarem com elevadíssimo respeito da linguagem e das idéias de um homem, algumas vezes um sectário, escolhendo docilmente por expressão de sua fé e de seus juramentos as palavras que saíram daquela cabeça. É certo que não há muita liberdade, mas o destino desta nova liberdade seria o mesmo das outras. Sejamos menos livres, por dever de submissão à autoridade superior. Infelizmente, é estranho que não percebam sua inconseqüência. Todos os dias, escutais os padres a vos dizer, quando falam do breviário ou do missal de sua diocese: “A Igreja nos diz tal coisa; a Igreja se exprime de tal modo sobre o mistério; vejam como a Igreja celebra as louvações de tal santo: não é admirável? Como suas palavras tem o perfume da piedade! Como são repletas de dignidade e conveniência!”
- Ah, não, dir-lhes-ia eu, a Igreja não vos disse nada disso. Nunca vos afirmou isso, a menos que vós não sejais da Igreja, mas de outra. Não, a Igreja não dissera nada disso: é a história que nos diz que Mézenguy, Foinard, Vigier, Rondet, Valla e outras personagens, graça a Deus, não pertencem à Igreja, eu vos asseguro.
Assim, qual foi o resultado de tudo isso? Um desprezo universal em face das liturgias artificiais, uma futilidade de julgamentos inconcebível até nos galicanos mais empedernidos. Assim que se admitiu que um breviário ou missal são obras como outras quaisquer, a crítica, antes de tudo pasmada em vê-las incluídas em seu domínio, logo se valeu a mancheias de seus direitos. Este breviário está bem feito, aquele outro mal feito, dizem-nos todos os dias, e depois que levantaram dúvidas sobre a linguagem da Igreja, permitiram-lhes afirmar sem constrangimentos que a Igreja exprime ou não adequadamente seu pensamento, por causa de fulano ou sicrano, que tinha mais ou menos talento. Finalmente, tornou-se a liturgia um gênero entre outros, passível de se aperfeiçoar dia a dia. Eis aí a autoridade das novas liturgias: nem os partidários mais ferrenhos podem contestar a verdade do quanto foi dito.
Querem atribuir aos novos hinos, um triunfo da inovação galicana, apesar do total desligamento com as Escrituras, uma autoridade que não têm nem saberiam ter. Como não recebessem a sanção da Igreja, o que de fato exprimem? A verdade católica?
Creio neles, mas quem me certifica deles? Quem imprimiu neles o selo da infalibilidade? Isso não é tudo: vejo homens, contemporâneos que se elevam num instante às dignidades dos postos da Igreja, e que a Igreja de França aceita nesta qualidade. Talvez, para que sejam admitidos como voz do povo fiel, haja neles alguma autoridade, virtude, seriedade ou fé que os tornem dignos da honraria mais sublime a que se eleva a inteligência. Destinados a eclipsar, a lançar nas trevas as poesias bárbaras de Santo Ambrósio, de São Gregório, de Prudêncio, de Sedúlio, de Fortunato, de São Bernardo, eles edificaram e consolaram a Igreja, ombreando com aqueles homens afamados; enfim, para que eles pudessem tranqüilamente repudiar seus pais, os sucessores deviam pelo menos demonstrar o mesmo espírito que animou os antepassados. Seus lábios são puros como os de Isaías, e suas almas puras são as únicas agradáveis a Deus.
Abro estas ricas coletâneas, e me impressiono, como o povo em geral, com a nobreza, a elevação, a riqueza da poesia. Sob o poder do gênio cristão, a lira de Horácio e Píndaro soa como jamais soara. Tão-logo, afirmo: bem-aventuradas as basílicas que reboam os nobres cânticos! Quero conhecer o nome do poeta sublime, a quem foi dado sentir e celebrar os mistérios do céu; informo-me e descubro que mil vozes apaixonadas, que me dizem o nome de um homem profano, destruíram a razão de meu encantamento.
Desapareceu tudo! Entoarão ao pé do altar do Deus de majestade versos de um homem superficial, de gosto profano e espirituoso, que casam tão mal com a gravidade do hábito? Criança de cabelos grisalhos, conforme dizia La Bruyère, homem de companhia agradável, sobretudo bom conviva, a memória dos tempos lhe anotou os dias de noitada na hospedaria de Rambouillet, e de como ingressou de repente para dentro do santuário – e saber que seus hinos estarão de par com os cânticos do Profeta Real, a quem a santa dor e o pungente sentimento das grandezas e misericórdias divinas inspiraram. Ignoro a pureza da fé deste homem, mas deixo-me esquecer as nuvens que por vezes obscurecem o céu; mas a caridade, origem de toda oração, ardia no fundo de seu coração? Desconheço, mas parece que ele também. Por isso dizia com razão o conde de Maistre, um dos nossos maiores, que aqueles hinos não eram orações. Admiro-lhes a pompa, a elevação, mas não há a poesia da religião do amor. As sagradas odes, riquíssimas em imagens e grandes conceitos, não têm unção, e o talento por si só não pode conferi-la. Que há de assombroso nisso? São as palavras de um homem profano que se tornaram palavras sagradas! Os versos que hoje são objeto de seu triunfo, escolho de sua pueril vaidade, amanhã se vão passar por linguagem da Igreja, por falta de algo melhor a exprimir seu pensamento! É certo que a Igreja percebera tal inconveniência, pois que conhece a quem escolheu para seus quadros.
Agora, algo ainda mais estranho: não existe nada mais caro para a Igreja que a fé, a sua vida. A ela repugna a heresia, por isso ordena fugir-lhe e evitá-la; ela sabe que cada uma daquelas palavras são sacrilégios, e tamanha é a repulsa que ela sente do que sai da boca dos revoltados, que admoesta e mesmo proíbe a seus filhos discutirem o que haveria de ortodoxo naquela doutrina.
Todavia, que outro poeta é esse, cuja voz religiosa e sublime se eleva nos templos franceses faz um século? Donde parte as entoações tão emocionantes e puras que até há pouco retumbava em nossos ouvidos? Enfim, a igreja francesa teria encontrado o canto divino por que suspira há tanto tempo?
Antes de felicitá-lo pela realização de seus sonhos, perguntemos aos códices sagrados o nome do poeta imortal, tão altamente inspirado. Nos fastos da Igreja de França, rebrilha o nome do compositor nas páginas mais ilustres. Ela entoa seu hino, tão prazenteira, mostrando com orgulho sua vida e virtudes, associando sua voz com a do homem que reconheceu como fiel. Mas que? É em vão que busco entre seus escritos um só que tenha o selo dos céus. Ele não é homem da Igreja, habita fora de seu seio. O que é mais: uma seita reclama a paternidade e o triunfo das honras que lhe prestaram, admirada que uma voz sufocada sob os anátemas pudesse agradar àqueles que os lançaram... [...]
Dizei-me, pois: sois sempre assim tão otimistas acerca da autoridade de vossas liturgias? Vede sua origem, e enfim julgai-as. Recordai-vos das repetidas correções de que foram alvo até agora, e confessai a substituição das imponentes liturgias de vossos pais, por outras sem autoridade, e cuja origem se deve esconder, para não irritar demais os olhos da fé. Não tremeis diante da possibilidade de que vossas orações sagradas exsudam o erro; não é impossível que, durante uma oração de feição ortodoxa, suba até o Altíssimo pérfidos juramentos heréticos, ou que um sectário esconda o veneno sob palavras em aparência santas. Tais considerações são tanto mais penosas, sobretudo porque a Igreja está aí, apresentando uma liturgia de doutrina certa, com a chancela divina.
Se quisermos examinar de perto a gabada utilização das Escrituras nas novas liturgias, ainda haveria muitas verdades incômodas para se comentar. Ingênua e simploriamente, desejando que conferissem o justo valor a suas exegeses de pretensa engenhosidade, afirmava outrora Collet: “Vistas fora de contexto, muitas antífonas se parecem com os mais belos vasos do mundo, mas se remetidas a suas origens, são os mais deploráveis!” Poderia dar inúmeros exemplos para atestar esta afirmação, mas devo parar aqui. Não temos por fim torturar a piedade; recordar os princípios gerais é o bastante. Digamos tão-somente que, em todas as novas liturgias, sem exceção, este aleijão é mui perceptível, e que suas exegeses estão carentes daquela autoridade que a liturgia romana nos dá, a cada página; estão elas desprovidas do sentido que se esforçam em dar para elas. Caso nos acusem de severidade, a resposta já está na ponta da língua. Antes de tudo, é preciso de ser severo em matéria tão grave, e mais, visto que se quis substituir a antiga liturgia, a liturgia universal por outra mais perfeita, não estamos nós no direito de exigir tal perfeição?
1830
Fonte: www.domgueranger.net
Tradução: Permanência
PRIMEIRO ARTIGO
A LITURGIA, LINGUAGEM DA IGREJA, DEVE SE CARACTERIZAR PELA ANTIGÜIDADE, MARCA DISTINTIVA DA LITURGIA ROMANA.
Dentre os vários ramos da ciência eclesiástica abandonados hoje em dia, por infelicidade dos tempos, o estudo da liturgia é, sem dúvidas, um dos mais interessantes.
Entretanto, devido ao espírito do século, tal asserção parecerá a mais de um leitor eclesiástico gratuita e original. Mas não seria difícil fornecer as provas. O culto é o corpo da religião: por isso, a liturgia é sua expressão, sua linguagem; logo, não há conhecimento perfeito da Igreja sem o da liturgia. É vão conhecer os principais hábitos de um povo; seu gênio e pensamento só se desvendariam quando se penetrasse nos mistérios de sua linguagem.
Além das causas gerais de decadência universal, há uma causa em participar responsável pela cessação completa dos estudos litúrgicos entre nós, causa que deveria necessariamente levá-los à ruína, juntamente com a terrível comoção que ameaçara extinguir de vez o fogo sagrado em nossa infeliz pátria. Há mais de um século, a introdução de novas liturgias na Igreja de França preparava o humilhante resultado. Como estudar uma língua que se divide a cada dia numa multidão de dialetos desconhecidos entre si, e que tendem mais e mais a eliminar os derradeiros traços de semelhança com a língua mãe que já não mais os reconhece, e que poderiam ser conservados?
Sei que vou afrontar preconceitos, fazer oposição em uma matéria que parece não mais ser objeto de discussão: mas, quando se tem razão, somos sempre fortes; eu desafiaria qualquer homem sensato, qualquer teólogo a contestar meus princípios, assim como qualquer lógico a refutar minhas conseqüências. Recordarei verdades que escandalizarão as idéias preconcebidas; mas o que vai acontecer? Há-de se calar sempre, só porque se tem certeza de que não nos ouvem?
Em primeiro lugar, começarei por declarar minha total falta de hostilidade contra a instituição que, desde o elevado ponto de vista do qual vou considerá-la, por vezes me obriga a ser severo. O século passado sancionou uma obra em seu princípio temerária: apesar do risco e do inconveniente de tais inovações, pensou Roma que só poderia mostrar seu descontentamento de modo indireto e cheio de reverências. Estes pontífices, considerados ambiciosos, tinham no coração o desejo da paz e da salvação das almas, mais do que levavam a crer alguns canonistas franceses. Em vão no-los mostrariam sempre armados com suas fundas, semelhantes ao Deus que representariam: eles sabem esperar, porque desejam que ninguém pereça. Seus filhinhos compreendem esta linguagem muda que o orgulho e a revolta se esforçaram em não escutar. Não tenho por meta perturbar aqueles a quem o direito ou o costume obriga ou autoriza repudiar os livros da Igreja de Roma, para substitui-los por uma liturgia diocesana. Continuam a fazê-lo em paz, à sombra da indulgência da Sé Apostólica. Declaro também que não aspiro a perseguir aqui a liturgia de qualquer diocese em particular.
Sei que não desejo desferir ataques pessoais, mas ao se pôr em prática, sob belos nomes, princípios arriscados, é bom que os homens não se acostumem a considerá-los como artigos de fé.
Antes do mais, as considerações gerais que aqui se apresentam demonstram a importância da matéria. Partimos sempre do mesmo princípio. A liturgia é a língua da Igreja, a expressão de sua fé, dos seus anseios, de suas homenagens a Deus; logo, em primeiro lugar, um de seus traços distintivos deve ser a antigüidade. Qualquer liturgia que vimos aparecer, que não veio de nossos pais, não merece o nome de liturgia. Um povo não chega a mil de setecentos anos de existência sem possuir uma linguagem adequada a seu pensamento, sobretudo se este povo é essencialmente imutável.
Desde o começo da Igreja cristã, um dos primeiros cuidados de seus fundadores haveria de ser, e foi, a fixação dos ritos sagrados, das cerimônias exteriores, das orações do culto, enfim, da liturgia. Os mais antigos monumentos pressupõem a existência de um corpo litúrgico completo, e todavia nenhum deles assinala com clareza sua origem exata. Os fatos se perdem na noite dos tempos, em que os homens privavam amiúde com o Homem-Deus. Os primeiros discípulos cuidavam em realizar suas idéias divinas.
Quando a Igreja saiu das catacumbas, ela surgiu com liturgia que o segredo dos mistérios e a duração das perseguições lhe permitiram desenvolver. Mas logo, sob a proteção dos césares, elevaria o cristianismo, em todo lugar, imponentes basílicas; o conjunto definitivo dos ritos sagrados, até então tolhidos, vieram impressionar os olhos do paganismo vencido e se somar ao triunfo da verdade.
No Oriente, observamos bispos eminentes, luminares da Igreja, consagrar piedade, gênio e vigílias em relevantes trabalhos de liturgia. Seus grandes nomes ficaram ligados a tais obras. Recolhida a herança dos séculos por mãos discretas e fiéis, enriqueceram-na de vários acréscimos. Deste modo se formou, a partir do séc. V, esta magnífica compilação de orações, em que a unção disputa com a majestade. A Igreja grega ainda conserva cuidadosamente este espólio: os acentos emocionantes e nobres que, dia e noite, as bocas dos cismáticos elevam ao céu, reboaram, nos dias da unidade, nos templos de Constantinopla, de Antioquia e de Alexandria. Armênios, coptas, maronitas, etíopes conservam como tesouro inalienável as palavras secretas que os seus pais na fé consagraram ao culto do Eterno. Os longos ofícios são sempre os mesmos: eles permanecem como testemunho da passagem da verdadeira fé, que se evadiu daqueles territórios. Ao menos, tiremos alguma lição do respeito hereditário das Igrejas Orientais para com a antiga liturgia, e reconheçamos aí uma prova do sentimento de um cristianismo que nunca se extingue – o sentimento de repulsa por qualquer inovação, na medida em que o erro, que também é inovação, possa se insinuar.
Roma, sede inabalável da fé, também dera provas de seu zelo pelo culto divino. Desde o séc. IV, o papa São Dâmaso e seus predecessores recolheram os cantos, os ofícios sagrados que a antiga tradição romana conservou. Eram estas as palavras dos antigos pontífices, seladas em sangue, gravadas com piedade, consagradas pelo peso da autoridade suprema. Esta Igreja bem-aventurada, cujos fundamentos se espalharam à reboque do sangue de Pedro e Paulo, conforme aquilo de Tertuliano, esta Igreja primitiva limitava-se tão-somente a consultar suas gloriosas recordações para formar o corpo completo da liturgia; os recintos dos templos que Constantino construiu testemunharam, e ainda testemunham, as solenidades daquele ano cristão, cuja glória resplandecente deixa para trás as pompas, também poéticas, da Roma pagã. Às custas do próprio sangue, a Igreja emancipada adotou uma língua digna de si, língua divina, que só poderia se enriquecer, nunca perder, no correr dos séculos.
Assim, havia uma expressão para tudo, para as confissões de fé, os suspiros de esperança, as efusões do amor, as glórias dos triunfos, as necessidades das crianças, os gemidos dos pecadores. Fala a Igreja diante dos séculos: para ela, não existem vicissitudes, sua voz é sempre a mesma. Desde o primeiro dia, soube o que dizer ao Divino Esposo. Ó vós que amastes estudar a antigüidade cristã, que sois sensíveis às admiráveis recordações, que sentis que esta é a única e divina religião, que estais em posse do passado, lede, experimentai os resquícios da antigüidade que duram até nossos dias, nos tesouros veneráveis da liturgia romana. Os maiores papas deixaram nela sua marca. Depois de São Dâmaso, São Gelásio, e mais tarde, São Gregório Magno, dispuseram de diversas partes. No séc. XI, um pontífice gloriosíssimo, dos maiores homens da Igreja, São Gregório VII consagrou venturosos recreios em trabalhos litúrgicos, conservando sempre, em sua pureza primitiva, o depósito sagrado, que a ignorância e a barbárie alteraram por imprudência. Mais tarde, curvando-se aos anelos do Concílio de Trento, ordenara São Pio V a revisão do missal e do breviário romanos, retificados mais uma vez pelas fontes mais antigas, e fixados na forma que até hoje usamos.
E ainda que nos falte a garantia da história e dos monumentos, e que o sacramentário, o antifonário, o livro responsorial de São Gregório não tenha chegado a nossos dias conformes em tudo à resumida liturgia atual, quando se depara com os responsos, com as antífonas compostas das palavras da antiga Vulgata, cuja simplicidade religiosa e apostólica é mui anterior ao século de São Jerônimo, haveria como duvidar da recuada antigüidade dos ofícios romanos,? E a divisão dos salmos, que este santo doutor traçou segundo os antigos usos, sob encomenda do papa Dâmaso, recordando-nos as vigílias dos primeiros cristãos? E a simplicidade dos ofícios, mui distante da confusão dos próprios, de que pululam os novos breviários? E o estilo misterioso, inimitável e profundo das coletas e demais fórmulas deprecatórias? E os hinos do grande bispo, na basílica ambrosiana, compostos para ocupar com ofícios santos o povo fiel sitiado por uma princesa furibunda? E os hinos dos Prudêncios, dos Sedúlios, dos Gregórios, dos Hilários, que sob a aparente simplicidade escondem a unção eloqüente dos corações cristãos? E os ritos misteriosos da Semana Santa, os impropérios da Sexta-Feira, as solenidades da noite de Páscoa, que ainda se conservam incólumes às mutilações e reconstroem de modo emocionante o dia em que o afortunado catecúmeno apreciava a demolição das barreiras do santuário, que até então se impunham? E os livros da Escritura, ordenados na seqüência que os santos doutores observavam nas homilias, lembrando nesta ordenação a magnífica série de obras-primas da eloqüência cristã – não pararíamos de falar, se quiséssemos contar as vantagens da liturgia romana relativas apenas à antigüidade.
Devo falar dos cantos sublimes que nos legaram juntamente com as admiráveis orações? Posso aqui citar o testemunho de célebres músicos franceses e estrangeiros, que exaltaram à porfia a melodia antiga e religiosa que, sem a muleta da métrica, produzia emoções vivíssimas e profundas. Poderia citar autores protestantes de gosto, em cujos corações vibrava a corda católica quando reboava o canto da Igreja Romana. Ah! Quem nunca se arrepiou mil vezes nos acentos desta música grave, que apesar da severidade anima a chama das paixões e arremessa a alma edificada numa fantasia religiosa muito mais arrebatadora que a imponente voz das grandes águas, de que nos conta a Escritura? Quem não experimentou o encanto dos trechos sublimes e originais, prenhes do gênio dos séculos, que já são passados, que não deixaram rastros?
Quem nunca se arrepiou com o cantochão do ofício dos mortos, em que a ternura e o terror se mesclam de forma admirável? Qual cristão escutou o canto pascal Haec Dies sem experimentar o sentimento vago do infinito, como se Jeová vibrasse a voz majestosa? Quem nunca escutou, nas solenidades da Assunção e de Todos os Santos, a massa do povo percutindo as abóbadas sagradas com os acentos inspirados do Gaudeamus, e não ser transportado por eras, por épocas em que este canto ecoava na Roma subterrânea, quando o império agonizava, e a Igreja começava a trilhar seus destinos eternos.
A liturgia romana possui a principal qualidade de uma liturgia, a antigüidade. Nascida por assim dizer com a Igreja, está destinada a lhe servir de linguagem cá embaixo, até o dia em que todos os véus se rasgarem, e substituírem os cânticos da terra pelo Aleluia eterno, celebrando para sempre a união da Esposa e do Esposo.
Agora, se aplicássemos os mesmos princípios às novas liturgias que grassam na Igreja francesa, deparar-nos-íamos com um angustiante paralelo. Em meio a esta desordem singular, onde encontrar a palavra eterna da Igreja!
Vejo uma Igreja se orgulhar de um século de sujeição; outros, mais modestos, não contam mais de sessenta; alguns, ainda mais humildes, só justificam dez, quatro, e até mesmo um ano. Que posso dizer? [...] Há Igrejas - poderia citar duas, sem muito esforço - que para o ano, com o auxílio dos tipógrafos, estarão em condições de inaugurar as novas liturgias que suas hábeis mãos construíram, de cima a baixo, no silêncio do gabinete.
Ah!, lhe perguntaria eu, qual era vossa atividade antes das mudanças? Com quem rezáveis vós, há dois séculos? Com a Igreja Romana. À exceção dos santos cuja cerimônia é patrimônio particular de cada diocese, vossos ofícios não pertenciam a ela? Por que repudiastes a mãe das Igrejas? Por que recusaram a comunhão de orações? Temeis vós as suas bênçãos? Esperastes que vossos concertos a vozes separadas seriam mais agradáveis ao Eterno?
Entretanto, tal é o artifício das seitas, que se valem de seu prestígio para conseguir seus fins culpáveis e por vezes seduzir até os inimigos. Depois de um século, talvez nos permitam julgar essas mudanças. A história que nos ensina quem foram os autores, nos ensina também a apreciar as intenções. Força é lembrar dos nomes dos principais instigadores de novidades, do apoio sacrílego que os parlamentos emprestaram, das vozes que na época se levantaram contra a tendência que se imprimia àquela empresa, toda feita de vaidades. A seita jansenista tinha como principal alvo o rompimento com a antigüidade, ao mesmo tempo em que a apregoava.
Eis o segredo de seus imensos trabalhos. O passado os aborrece; por isso, deve-se romper com ele, criar tudo do nada, numa nova direção, com a finalidade de preparar os espíritos para mudanças mais radicais, quebrando os laços que uniam as Igrejas à Sé Apostólica.
Não agrada a Deus que eu difame aqui vários santos pontífices e padres virtuosos que se deixaram levar pelas aparências lisonjeiras com que coloriram intenções criminosas! Os santos padres só desejavam reflorescer o culto divino, cultivar nos novos breviários a flor da antigüidade. Gostaria de que fossem verdades mais brandas, mas não é por serem ignorados, esquecidos ou desconhecidos que os fatos se tornam menos factuais. É deveras espantoso que uma Igreja particular, depois de dezessete séculos, ouse perpetrar uma crítica tão feroz à liturgia da Igreja universal, e mais ainda, fazer para si outra totalmente nova. [...]
Que ninguém acredite todavia que a revolução pode acontecer sem grande escândalo para o povo fiel. Durante os séculos de fé, a Igreja era perseguida. Suplicaram os cristãos a seus pastores para que deixassem as orações, os cantos que herdaram, por assim dizer, junto com o cristianismo, e nos quais dormiram seus antecessores, em cujos templos reboavam aquelas entonações.
O mais poderoso dos sentimentos católicos fizera-os apreciar o justo valor destes planos de aperfeiçoamento, destes projetos de melhoria elogiados por um escritor atual e insuspeito. Depois de assinalar a época em que ousaram tocar no breviário romano pela primeira vez, acrescenta: “Sob o pretexto de aperfeiçoamento, o espírito de inovação cresce dia a dia; mais alguns melhoramentos e a majestosa simplicidade dos tempos antigos desaparecerá completamente”.
Mas ao menos, dirão eles, é uma boa idéia. Eles querem uma liturgia composta inteiramente com palavras da Escritura: que haveria de mais convincente e digno para a santidade do culto divino? A idéia é boa, mas por que a Igreja não a concebera antes de vós? por que, nos séculos mais insignes, ela sempre desejou consagrar com a própria voz a louvação ao Divino Esposo? Admiradores da antigüidade, sabeis quantos séculos depõem contra vós? A idéia é boa: mas a intenção é pura? Donde vêm este entusiasmo, este ardor que leva a substituir pela Santa Escritura todo o resto? Vosso zelo já parecia suspeito à mãe das Igrejas. Ela já havia obstado, de forma solene, as traduções, o ardor na pregação da leitura dos livros santos. Em todos os lugares, reprovaram vosso odioso parentesco. Não vos admireis se tememos vossos presentes.
Além disso, de onde tirastes que não podemos dirigir a Deus orações que não estejam nas Escrituras? É certo que tendes o segredo de fazê-las dizer o que quiserdes. Contudo, não é este o espírito da Igreja. Ela também sabe rezar e celebrar seus mistérios. Em muitas ocasiões, escolhe os livros santos para interpretar seus sentimentos. Ela tem o direito, que não é vosso, de consagrar e sacralizar os seus usos. Mas freqüentemente tira de seu próprio tesouro, e suas palavras ecoam no fundo do coração de seus filhos. Estamos sempre de Escritura em punho: não recusamos os preciosos desdobramentos que a Esposa do Espírito Santo oferece nos momentos de inspiração.
Encerremos estas reflexões com uma palavra sobre a melodia dos novos ofícios. Novas palavras exigiam novos cantos. Mas era uma tarefa imensa compô-los. O espírito sectário não recuou diante de tal empreendimento, e pôs mão à obra, dando nascimento à uma multidão de passagens, de obras-primas do enfado, da nulidade e do mau gosto. Entre as dioceses mais desditosas, Paris está sem dúvida em primeiro lugar. Encarregaram o padre Labeuf, sábio compilador, de anotar o antifonário e o gradual de Paris. Depois de gastar dez anos a meter notas sob linhas, e linhas sob notas, apresentou ao clero da capital uma composição monstruosa, com passagens fatigantes para se executar e escutar. Quis Deus com isso demonstrar que há coisas que se não imitam, porque nunca devem mudar.
1830
Tradução: Permanência
Fonte: http://www.domgueranger.net
Em la Nostra Valle, publicação mensal interparoquial da diocese de Fano-Fossombrone (julho de 1997, pp. 4-5) lemos o título: "Menos missas para uma missa mais verdadeira" [sic!]
O articulista se alegra por "ter ouvido dizer" que "nossos bispos italianos deram normas concretas" para a celebração das missas: "por exemplo: numa mesma igreja, entre uma celebração e outra, interponha-se um espaço de tempo razoável determinado em uma hora e meia, ao menos" (embora o articulista não o precise, temos que supor ques e trata das missas dos dias festivos, dado que uma hora e meia de intervalo para a minimissa de Paulo VI, que não ultrapassa o quarto de hora nem mesmo no melhor dos casos, seria absolutamente incompreensível nos dias de trabalho).
Eis os motivos dessa disposição: "não acumular as celebrações..., pois ninguém deve sentir-se forçado a celebrar apressadamente uma liturgia para não invadir o tempo assinalado para a seguinte". Suposto isto, ainda que não seja verdade, não estaria mais em consonância com a fé limitar o tempo da homilia (geralmente tão prolixa e tão vazia, ou algo pior ainda), do que diminuir o número das missas? Isto porque uma diminuição ulterior do número das missas é a conseqüência inevitável do dispositivo supracitado. Daqui o lema lançado pelo artigo: "menos missas e mais missa", ou seja, "um menor número de missas para uma missa mais verdadeira". Sim, porque -- explica o articulista -- esta é a "razão fundamental" das disposições ditadas pelo episcopado italiano: "é pastoralmente oportuno, ou melhor, necessário diminuir o número de missas" (como se o seu número não tivesse já sido diminuído consideravelmente pelas "concelebrações", nas quais há muitos concelebrantes, porém uma só missa), dado que a sua multiplicação (em tempos passados, entenda-se) "não favoreceu o incremento da estima em que os fiéis tinham um ato tão divinamente grande como a celebração da Eucaristia (...). A multiplicação das missas ofuscou o seu valor, rebaixando a sua celebração ao nível do rotineiro, do obrigatório (preceito!) [sic!], do mero sufrágio pelos defuntos, do devocionismo; a celebração por excelência converteu-se na celebração para todas as circunstâncias... [e então? não o é?]. Eis aí os "Ofícios de missa" pelos mortos [horror!]: uma missa celebrada atrás da outra; eis aí as "festas", cuja solenidade se mede pelo número de suas missas...".
Médico, cura-te a ti mesmo!
Antes de tudo, é evidente que quem assim escreve (e fazemos votos de que não seja um sacerdote, como tememos) não tem a menor estima nem pela santa missa nem pela sua "divina grandeza", embora afirme esta e se levante como seu paladino.
O concílio de Trento definiu solenemente que Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a santa Missa a fim de que a virtude salvífica de seu sacrifício cruento "se nos aplique para a remissão dos pecados que diariamente cometemos" (Denz. 938); e Pio XII escreve na Mediator Dei, ratificando este ensinamento solene: "o augusto sacrifício do altar é um insigne instrumento para a distribuição aos fiéis dos méritos derivados da Cruz do Divino Redentor": cada vez que se oferece este sacrifício, se realiza a obra da nossa Redenção" (1)
Em conclusão, diremos com o Pe. De Condren que "o sacrifício da cruz merece tudo, mas não aplica nada; o sacrifício da missa não merece nada, mas aplica tudo" (2).
Ora, posto que a Missa nos aplica todos os méritos do Calvário, é mister dizer com Santo Tomás: "o bem comum espiritual de toda a Igreja se encerra essencialmente no Sacramento da Eucaristia" (3), e "com mais Missas... se multiplica a oblação do sacrifício e, por isso, se multiplica o efeito do sacrifício" (4), multiplicar as Missas significa multiplicar a efusão sacramental do sangue de Cristo, e, por conseguinte, de toda a graça, sobre a Igreja e toda a humanidade.
Se o articulista de La nostra valle acreditasse, com a Igreja, que cada vez que se celebra uma Missa "se realiza a obra da nossa redenção", consideraria, com a Igreja, "pastoralmente oportuno, ou melhor, necessário" não diminuir, mas multiplicar o número das Missas.
O eco de Lutero
Digna de nota é a impressionante semelhança que prevalece entre os motivos pretextados pelo articulista de La nostra valle e as "razões" aduzidas por Lutero e seus colegas "reformadores".
Na Confissão Augustana que, embora redigida por Melanchton, exprime a "teologia" de Lutero e ainda hoje os protestantes a consideram "como a expressão oficial da fé da igreja luterana" (5), se lê: "é manifesto -- seja dito sem jactância -- que a Missa se celebra com mais recolhimento e seriedade entre nós [protestantes] que entre os inimigos da nossa causa [os católicos]" (6). Como se a disputa versasse sobre o fervor subjetivo, pessoal, e não sobre o valor intrínseco, objetivo, da Missa, sacrifício verdadeiro e próprio, e não comemoração pura e simples da Ceia e do Calvário!
Na Confissão Augustana - protestante - tudo se passa depois do ataque contra as "missas inúteis e supérfluas": do "erro abominável" da Missa como sacrifício "proveio a grande quantidade, a quantidade incalculável das Missas". Pretendia-se obter, assim, com tal ato, tudo o que era necessário. ao mesmo tempo, a fé em Cristo e o verdadeiro culto de Deus caíam no esquecimento" (7). Também os protestantes, portanto, pediam "menos Missas e mais Missa", ou seja "um menor número de Missas para uma Missa mais verdadeira".
Não obstante, os luteranos eram coerentes com a sua heresia: rechaçavam a práxis católica da multiplicação das Missas porque rejeitavam a doutrina católica da Missa como sacrifício; a troco de quê multiplicar um simples "memorial", uma "comemoração pura e simples" do sacrifício efetuado e concluído duma vez por todas?
Mas... e o articulista de "La nostra valle"? É um incoerente ou um outro herege?
Da Missa "protestantizada" a uma mentalidade protestantizante
Em Sì Sì No No (ed. italiana de 30 de novembro de 1996), na seção Semper infideles, escrevemos sobre outra "novidade" publicada por um boletim paroquial da diocese do Cardeal Carlo M. Martini, S. J.: a Missa sem comunidade "só da medo"; portanto, é "absolutamente" necessário reduzir o número das Missas nos dias de festa para ter "menos Missas" e "mais comunidade" (o pretexto é distinto, porém o alvo é o mesmo).
Este também é o eco dito "católico" da polêmica luterana contra as "Missas ditas num canto" (Winkelmess), isto é, "as Missas particulares, celebradas pelo sacerdote, sem a assistência dos fiéis" (8). Porém, também nisto os luteranos são coerentes com a sua heresia: com efeito, ao negar a Missa como sacrifício, negam o valor objetivo, intrínseco, da Santa Missa.
Mas os católicos, que sabem ter a Missa valor em si, independente do número dos presentes, ou melhor ainda: independente da própria presença dos fiéis, podem continuar, pergunta-se, a chamar-se católicos quando, como os protestantes, fazem depender o valor da Missa da assistência da comunidade, e duma comunidade numerosa?
Na Mediator Dei (1947), Pio XII, entre os desvios que então se propagavam subrepticiamente e "contaminam" a auspiciada "renovação litúrgica" com "erros concernentes à fé católica e à doutrina ascética", condena também o erro dos que "aproximando-se de erros já condenados ensinam (...) ser preferível que os sacerdotes "concelebrem" junto com o povo presente a oferecerem, na ausência deste, em particular, o "Sacrifício" e até "reprovam absolutamente as Missas celebradas em particular e sem a assistência do povo", ou afirmam também "que os sacerdotes não podem oferecer a Vítima divina em altares distintos ao mesmo tempo, porque, desta maneira, dissociam a comunidade e põem sua unidade em perigo".
Salta à vista que hoje triunfam os erros condenados por Pio XII, "erros relativos à fé católica", e, por detrás deles, triunfam "os já condenados", muito semelhantes aos de Martinho Lutero e demais heresiarcas do protestantismo. O Novus Ordo Missae nos deu um rito da Missa com o qual "se aproxima, substancialmente, da teologia protestante, que destruiu o Sacrifício da Missa" (9). Hoje colhemos os frutos da Missa "protestantizada": a presença de uma mentalidade cada vez mais protestantizante. E é inevitável: a lex orandi é inseparável da lex credendi; reza-se como se crê e crê-se como se reza: se se reza como os protestantes, acaba-se pensando como eles.
"Uma simples festa da unidade humana"
Até aqui o desprezo essencial que o articulista de La nostra valle mostra sentir pela Missa. Entretanto, relativamente aos fiéis, ele é assaltado por uma dúvida: a de que o seu menosprezo pela Missa não se deva à multiplicação das Missas, mas a fatores muito diversos, entre os quais se conta, embora não em último lugar, a subversão posta em marcha pelo Papa Montini sob a capa de "reforma litúrgica"
A estima dos fiéis pela Missa não se consegue diminuindo o número delas, e sim restabelecendo aquele rito que é uma "contínua profissão de fé católica" (Pio XII, Mystici Corporis) com a dignidade que sempre teve e hoje não mais possui, e que simultaneamente alimentava a piedade pessoal ou subjetiva, tão denegrida hoje (também pelo articulista) como "devocionismo".
Na Mediator Dei, Pio XII também condenou o erro, que então já se prenunciava, de quantos "queriam abandonar ou atenuar 'a piedade subjetiva' ou 'pessoal', porque 'consideravam que se deviam abandonar as outras práticas religiosas não estritamente litúrgicas e realizadas fora do culto privado".
"É verdade -- escreve ele -- que os sacramentos e o Sacrifício do altar têm uma virtude intrínseca, enquanto são ações do próprio Cristo que comunica e difunde a graça da Cabeça divina nos membros do corpo místico; porém, para ter a devida eficácia, exigem boas disposições da nossa alma". E estas se adquirem recorrendo precisamente a "todos os preâmbulos e exercícios de piedade não estritamente litúrgicos", como "a meditação das realidades sobrenaturais", o exame de consciência e todas as demais "práticas espirituais" (hoje em desuso): "desta maneira, a ação individual e o esforço ascético, dirigido à purificação da alma, estimulam as energias dos fiéis e os dispõem para participarem, com melhores disposições, do augusto Sacrifício do altar; e assim tirarem melhor fruto da recepção dos Sacramentos, bem como a celebrarem os sagrados ritos de modo a saírem deles mais animados e formados na oração e abnegação cristã; e a cooperarem ativamente com as inspirações e convites da graça imitando sempre mais as virtudes do Redentor, não só em proveito próprio, mas também no de todo o corpo da Igreja; dessa igreja onde todo o bem que se realiza provém da virtude da Cabeça e redunda em benefício dos membros". Assim, da piedade pessoal, nasce a participação frutuosa, e, desta, a estima da Santa Missa.
"Por grandes motivos -- assinala Pio XII -- prescreve a Igreja aos ministros do altar e aos religiosos que, em tempos determinados, se dediquem à piedosa meditação, ao diligente exame e emenda da consciência e aos outros exercícios espirituais (cf. CIC, can. 125, 126, 565, 571, 595, 1397), visto estarem eles, de modo particular, destinados a cumprir as funções litúrgicas do Sacrifício e do louvor divino". E conclui: "sem dúvida, a prece litúrgica, por ser uma súplica oficial da inclita esposa de Jesus Cristo, tem uma dignidade maior que as orações particulares; mas esta superioridade não significa uma oposição ou contraste entre estes dois tipos de oração. Ambas se fundem e se harmonizam por estarem animadas por um único espírito: "Cristo é tudo em todos" (Col. 3, 11) e tem o mesmo objetivo: "ver Cristo formado em vós" (Gal 4, 19)".
Ora, o que aconteceu com a "piedade subjetiva" e com as "orações particulares" depois do Concílio? Deixemos que no-lo diga o Cardeal Siri, ao escrever em 1978: "experimenta-se um tipo de oração considerado válido somente se é feito em comunidade e em virtude dela. A oração particular, sobre ser negligenciada, é escarnecida, e daí não se reza, se falta um membro duma comunidade. Parece um simples erro de fato, mas, pelo contrário, não é assim. Debaixo dele se difundem erros veladamente, não percebidos diretamente, mas adquiridos inconscientemente mediante a práxis: quando cometidos conscientemente, constituirão as melhores mostras da raiva contra tudo o que é, que foi e que será. Eis os erros: negação da pessoa em proveito da comunidade (não é difícil ver nisto uma provável nota marxista); a supervalorização da comunidade, não tanto por amor dela (ou do gueto, talvez) quanto por causa da prioridade dada à base sobre o vértice, ou seja: invertem a instituição da Igreja e, portanto, a tornam agradável aos supostos protestantes (...)
"Não é difícil ver nisto o dedo dos que desejam retornar a Lutero. Mas, para cúmulo, há de permeio um Concílio Ecumênico Tridentino que creu fazer muitas dezenas de definições infalíveis no sentido estrito. A práxis inconsciente é o caminho do erro subversivo. A doutrina católica, magnificamente exposta e resumida na "Mediator Dei", concede à piedade e à oração particular o que lhes corresponde, como a princípios de verdade e diligência, (como preparação) para a oração pública e oficial. Aqueles que, nas igrejas, martelam continuamente nos ouvidos, não deixando instante algum para a concentração pessoal, estão, sem sabê-lo (assim o esperemos!) na parte não bem informada [eufemismo caridoso]" (10).
Ao mesmo tempo, quando se denegria e desanimava a piedade pessoal, se introduziam na Missa, reduzida a um rito pressuroso e ambíguo: "costumes estrambóticos e dignos de um circo -- continua o Cardeal Siri -- e com isto não é de admirar que a Eucaristia se torne para alguns uma simples festa da unidade humana" (12). Com a estima que merece "uma simples festa da unidade humana" -- acrescentamos nós.
Dois jubileus e o triunfo da "seita antilitúrgica"
E aqui está a exortação final do articulista de La nostra valle: "neste primeiro ano do triênio de preparação imediata para o jubileu do segundo milênio (...), a reflexão encaminhada para operar a nossa "conversão" deveria levar-nos a pôr a Eucaristia no centro do nosso trabalho de revisão e compromisso". Trabalho de "revisão", cuja primeira etapa se funda na diminuição ulterior do número de Missas, já notavelmente reduzido pelas concelebrações. Exatamente nos antípodas do "ano de Jesus Cristo" celebrado por Pio XI para comemorar o XIX Centenário da Redenção (1935). Naquela ocasião, se celebraram na gruta de Lourdes, ininterruptamente, por três dias e três noites, cento e quarenta Missas, em conclusão do "Jubileu da redenção humana", com sumo agrado de Pio XI, que aplaude "sem reservas" a iniciativa (imitada noutras dioceses) numa carta a D. Gerlier, bispo de Lourdes, na qual declara que o jubileu não se poderia concluir "mais digna e convenientemente". Hoje, a um jubileu concluído com a multiplicação das Missas se quer opor, ao que parece, um jubileu coroado pela... diminuição do número de Missas.
O que D. Guéranger escrevia sobre o que chamava "a seita antilitúrgica" tem todas as características de uma profecia. A propósito do sínodo de Pistóia, cujos erros derivam do protestantismo através do jansenismo, escreve D. Guéranger: "porém, voltando ao divino Sacrifício, vede quão insistentemente se repete esta verdade (em si mesma incontestável, mas da qual é tão fácil abusar nesta época de calvinismo mascarado): que o povo oferece (o Sacrifício) junto com o sacerdote (...). E não basta à seita poder insultar o Sacrifício católico, mas não aboli-lo. Por isso, todos o seu esforço tenderá a tornar menos freqüente a sua celebração (...). Vê-la-emos proibir a celebração simultânea das Missas numa mesma igreja; chegará até a reduzir o número dos altares a um só (...); achará um novo meio para limitar ulteriormente a oblação deste sacrifício a ela tão odioso: seria (é um pretexto!) o restabelecimento do uso da igreja primitiva segundo o qual todos os sacerdotes duma igreja concelebravam uma única Missa..." (13)
A partir da "reforma litúrgica" de Paulo VI, assistimos uma realização minuciosa deste programa de "autodemolição" litúrgica e, se as coisas andam como pressagia o articulista de La nostra valle, o jubileu do ano 2000 coroará, entre outras coisas, também o triundo da "seita antilitúrgica".
Notas:
(1) Missale Romanum, secreta do IX domingo depois de Pentecostes, citada também pelo Vaticano II no Decreto Presbyterorum Ordinis
(2) Cit. em Per meglio servire Dio, Ed. Paulinas, 1957
(3) S. T., II q. 65, a. 3 ad 1: "bonum commune spirituale totius Ecclesiae continetur substantialiter in ipso Eucharistiae sacramento". Cf. Concílio de Trento, seção de 17 de setembro de 1562: decreto sobre a Santa Missa.
(4) S. T., q. 79, a. 7 ad 3: "In pluribus vero missis multiplicatur sacrificii oblatio. Et ideo multiplicaur effectus Sacrificii" [certamente num número maior de Missas se multiplica a oblação do sacrifício, e por esta razão se multiplica o efeito do Sacrifício]
(5) Segundo Pierre Jundt na introdução à Confissão de Augsbourg (tradução da Aliança Nacional das Igrejas Luteranas da França, 1979)
(6) Ibidem
(7) Ibidem
(8) Ibidem
(9) Breve exame crítico do "Novus Ordo Missae", apresentado a Paulo VI pelos cardeais Ottaviani e Bacci
(10) Renovatio XIII (1978), fasc. 2, pp. 147-150.
(11) Rivista Diocesana Genovese, outubro de 1977, pp. 278-280.
(12) Renovatio VI (1970), fasc. 4, pp. 477-490.
(13) Dom Guéranger, Institutions liturgiques, Le Mans-Paris, 1841, t. II, pp. 607 e ss
Pe. Calmel O. P.
Na Igreja Católica, a justificativa da liturgia se encontra na fé depositada nos sacramentos, em particular no sacramento da Eucaristia. Se fosse a Eucaristia desprovida da consistência sobrenatural que lhe consigna a fé imutável da Igreja, seria igualmente desprovida de realidade e de valor a liturgia. Daí, se quisermos chegar a alguma conclusão séria acerca da atual subversão do culto, devemos recordar os ensinamentos da Tradição e do Magistério sobre o sacramento do altar. Enunciam-se tais ensinamentos em quatro proposições: LEIA A CONTINUAÇÃO
Um livro dedicado a todos os padres que descobriram encantados as belezas litúrgicas da Missa de sempre.
Um livro dedicado a todos os fiéis que se maravilharam com a profundidade das orações milenares canonizadas por São Pio V.
Para eles, dedicamos esse livrinho do grande restaurador da liturgia romana, D. Prosper Guéranger, fundador da célebre abadia beneditina de Saint Pierre de Solesmes.
Porque não basta as rubricas bem celebradas - não basta o direito reconhecer sua legitimidade imortal - é preciso ainda conhecê-la por dentro, nos detalhes de vida espiritual que brilham em cada oração, em cada gesto.
Depois dessa leitura, sua missa não será mais a mesma.
Tantas razões e tão decisivas em favor da manutenção do latim como língua litúrgica na Igreja Ocidental, tão pobres e tão desastrosos os pretextos invocados em favor das línguas vulgares, que temos dificuldade de nos incumbirmos de examinar uma mera questão, sobre a qual não deveria existir senão uma opinião, não apenas entre os católicos, mas entre os civilizados. Certamente, não teríamos pensado em colocar esta questão do latim na liturgia, nem imaginado que alguém pudesse fazê-lo. Todavia, vemos que a colocam, recolocam, debatem e disputam. Sem provas propriamente ditas — mas com muitos indícios convergentes que equivalem a uma prova — temos o sentimento de estar em presença de homens muito determinados em seu empreendimento, decididos a aproveitar todas as ocasiões para suprimir o latim, para forçar a Santa Sé, para colocá-la, se puderem, perante um fato consumado, até o dia — para eles, desejável, para nós, nefasto (mas esse dia nunca virá) — em que a autoridade soberana, julgando a causa perdida, resolver-se a canonizar o emprego litúrgico das línguas vulgares.
Deduziremos por ordem nossos argumentos nesta “defesa e ilustração”, não do “latim litúrgico”, pois que não fazemos aqui absolutamente um estudo de gramática ou de estilo, mas do emprego da língua latina na liturgia.
A Missa
Faltam luzes acerca da missa, a não raro a educação sobre esse mistério de amor é incompleta. Compreender o mistério de fé do altar é mercê altíssima. Que regozijo, ainda que em penumbra!
Deve-se basear a piedade na doutrina; caso contrário, é piedade sentimental, piedade de poeta. Não são as flores o essencial, mas o altar. Quando não há altar, onde pondes as flores? Se não há um fundo de doutrina, sobre que apoiareis a piedade?...
Veni, Sancte Spiritus. Venha o Paráclito com suas luzes! Glória ao Pai, pelos incomparáveis dons que nos dera! Glória ao Filho, pelo mistério da Sexta-Feira Santa! Glória ao Paráclito, que nos ensinara a erigir o altar para imolar o Cordeiro sem mancha à glória da Trindade. Per Christum Dominum nostrum, pontífice, mediador e hóstia.
As graças que alcança a pessoa que ouve a Missa devotamente são estas:
Primeira: Quem celebra a Missa reza especialmente por quem a ouve.
Segunda: Ao ouvir a Missa, gozamos de maravilhosa companhia, porque na Missa está Jesus Cristo, tão precioso como no madeiro da cruz e, por concomitância, está também a divindade, a santíssima Trindade. Ademais, estamos na companhia dos santos anjos. E, segundo escreve um doutor, no lugar onde se celebra o santo sacrifício da Missa, estão muitos santos e santas, conforme aquilo da Escritura: «São virgens que seguem o Cordeiro para onde quer que ele vá» (Ap 14, 4).