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Category: Família e moralConteúdo sindicalizado

Não dirás falso testemunho contra o teu próximo

Irmãs da Fraternidade São Pio X

 

"Mamãe, o Lucas me empurrou!" "Professor, o Vianney está me copiando!" "Mamãe, Joana pegou meu livro!" Como devemos responder a tais acusações? Devemos encorajá-las endossando-as, ou tirar partido dessas informações recém-descobertas? Será que o acusador é movido por um senso de justiça, pelo desejo de ver o triunfo de tudo o que é bom e verdadeiro? Ou será egoísmo e amor-próprio o que inspira tais comentários?

Infelizmente, a última hipótese é mais frequente. Se completássemos as acusações mencionadas, ouviríamos: "Lucas não me empurrou de propósito, mas, não estou pronto para perdoar essa leve falta de respeito involuntária." "Vianney me copiou, e como ele não é legal, resolvi puni-lo." "Joana pegou meu livro porque fui egoísta e não queria emprestar."

Portanto, podemos interromper o acusador dizendo "Eu não escuto dedo-duro." A criança entenderá que não é correto dizer tais coisas e, em seguida, não dará continuidade à acusação. No entanto, quando essas acusações seguem ocorrendo diariamente, é preciso parar e se dedicar a fazer com que a criança reflita sobre a moralidade dos seus atos.

Por exemplo, ao ouvir uma acusação, podemos responder: "Você acabou de me dizer que Cecilia trapaceou no jogo. Trapaceou mesmo? O que ela fez?” Ao fazer mais perguntas e se aprofundar um pouco mais, a mãe descobre que Cecília não tinha realmente trapaceado: "Só um pouco, mãe, porque ela soprou os dados para que desse um seis e seu cavalo pudesse avançar..."

"Mas isso não é trapaça, você sabe disso! Você está acusando a Cecilia de ter trapaceado quando ela não o fez. Disse coisas que não são verdadeiras, você sabe qual é o nome disso?”

"Mentira..."

"Você precisa perceber que mentiu. Será que fez isso porque a Cecilia estava ganhando o jogo?"

"Sim, mamãe..."

"Será que você estava com um pouco de ciúmes e procurou se vingar dela?"

"Um pouco..."

"Ora, esse é o tipo de mentira que chamamos de calúnia. Calúnia é dizer uma mentira sobre alguém a fim de causar-lhe algum dano; para puni-lo, por exemplo. Isso é pecado." E com ar de gravidade, a mãe conclui: "Nunca mais quero ouvir você dizer essas coisas novamente." Finalmente, em tom mais suave, acrescenta: "Que tal você correr e retomar o jogo com Cecilia, não se esqueça de estar de bom humor e de ser caridosa com sua irmã."

Aqui vai outra história:

Alice volta para casa toda agitada. "Mamãe, Maria não tem mais sua caneta rosa porque a Ana roubou dela. Todas as meninas têm certeza de que foi a Ana, porque ela ama canetas cor-de-rosa!” "Lá vamos nós de novo", suspira a mãe.  Agora uma história de roubo na escola... e se for verdade? Por prudência, ela se limita a dizer: "Eu não escuto dedo-duro." No entanto, procurará conversar com a professora. A freira conhece bem os alunos de sua turma e esclarecerá rapidamente a situação. "Maria certamente perdeu sua caneta em algum lugar, não será a primeira vez que perde os seus pertences. Quanto à Ana, é uma mocinha passando por um surto de crescimento, bastante desajeitada, e, portanto, não é muito querida pelas suas colegas de classe. Mas não é nenhuma ladra. Talvez a Alice precise de uma lição sobre o respeito devido à reputação dos outros”.

Naquela mesma noite, a mãe chama Alice: "Filha, ontem, você disse que Ana tinha roubado a caneta da Maria. Você a viu fazer isso?”

"Não mamãe, mas Ana gosta muito de canetas cor-de-rosa."

"Isso não é razão para acusá-la! Você também gosta de canetas cor-de-rosa, mas isso não significa que está pronta para roubá-las. Você acusou a Ana de ser uma ladra sem motivo. Você sabe como isso é chamado?”

"Não, mamãe".

"Julgamento temerário, que é algo que não se deve fazer. Todas as meninas da escola estão dizendo que a Ana é ladra. Você gostaria que todos estivessem te chamando de ladra, mesmo que não seja verdade?

"Eu não sou ladra!"

"Você não percebe? A Ana também não é. Você se comportou mal com ela. Amanhã, irá se entender com a Ana, dirá que ela não é ladra e, em seguida, vai brincar com ela no recreio”.

O oitavo mandamento nos proíbe revelar qualquer mal cometido por outro sem justa causa. No entanto, há quatro casos em que uma criança não só pode, mas deve dizer que testemunhou um pecado. Esses casos não são "inúteis" quando conhecidos, porque permitem que os adultos acabem rapidamente com o grave escândalo em questão. São eles: blasfêmia, crueldade, sabotagem e impureza.

Por exemplo, quando o Alan voltou para casa do internato, disse: "Mãe, estou um pouco enojado com o que o Luís fez. Ele descobriu uma maneira de levar seu celular para a escola e, em seguida, passou a visitar certos sites à noite com outros meninos do dormitório. Para dizer o mínimo, os sites eram muito vulgares..."

Algumas perguntas garantem à mãe a gravidade do que aconteceu. "Alan, você fez a coisa certa falando comigo porque isso é muito sério e é considerado um escândalo. Ou seja, algo que incita os outros a pecar também. Agora que falou comigo sobre isso e cumpriu seu dever, gostaria que esquecesse e não falasse mais da situação com os outros. E lembre-se, evite as más amizades como quem evita a peste." De agora em diante, a mãe de Alan tem o desagradável dever de ir à escola, sem que o filho esteja presente. Ela deve apresentar as informações recebidas ao diretor da escola, e deixá-lo lidar com o problema.

A língua é uma pequena parte do nosso corpo, mas pode acender um grande fogo! Na epístola de São João, lemos "Se um homem não peca na palavra, ele é perfeito." É essa perfeição que queremos e buscamos para nossos filhos.

 

(The Angelus, março de 2021)

Considerações morais sobre a vacina contra a COVID-19

Pe. Arnaud Sélégny, FSSPX

 

Depois de várias vacinas contra a Covid-19 terem sido desenvolvidas, vários rumores passaram a circular sugerindo a impossibilidade moral de usá-las.

A situação farmacêutica é extremamente complexa e cambiante. Até o momento, existem cerca de cinquenta vacinas diferentes já produzidas ou em desenvolvimento, de acordo com quatro métodos distintos de elaboração.

O presente artigo trata exclusivamente de responder a seguinte questão moral: considerando a base concreta do funcionamento de uma vacina e a maneira como é preparada, é possível utilizar alguma delas sem cometer pecado?

Todos são livres para opinar sobre a origem da Covid-19, sobre a forma como a epidemia tem sido gerida aqui e ali, sobre a política de vacinação de um determinado país ou sobre a vacinação em geral. No entanto, tudo isso não muda a conclusão moral dada aqui.

Artigo atualizado em 6 de março de 2021.

 

Este artigo é dividido em três partes, necessárias para a compreensão do julgamento moral apresentado.

 

I. Visão geral da vacinação

A ideia da vacina

A ideia de preparar o corpo para os efeitos nocivos de venenos ou agentes infecciosos não é nova. Pode remontar ao rei Mitrídates (132-63  A.C). Diz-se que ele toma pequenas quantidades de veneno para se acostumar com ela. Essa ideia pode ser encontrada hoje na dessensibilização, que visa reduzir reações inadequadas em indivíduos alérgicos. O sujeito é colocado em contato com quantidades crescentes de elementos aos quais é sensível para, em última análise, suprimir a reação alérgica a esses elementos.

Na vacinação, o mecanismo é diferente. Envolve a administração total ou parcial de um agente infeccioso, às vezes apenas o seu produto, para fazer o corpo reagir e permitir que adquira imunidade contra esse agente.

Uma primeira conclusão importante deve ser tirada. A vacinação não faz mais do que usar uma propriedade do corpo humano ou animal: sua chamada capacidade imunológica de se opor ativamente a agentes estranhos que o atacam. Assim, se um sujeito for infectado pelo bacilo de Koch, o agente da tuberculose, e se recuperar, ficará imune a uma nova infecção: essa é a imunidade natural. Se outro sujeito for vacinado com a vacina BCG (Bacilo de Calmette e Guérin), que vem de um bacilo de Koch atenuado, também desenvolverá imunidade, produzida pela vacinação: é uma imunidade induzida, eficaz contra o bacilo de Koch.

Mas é óbvio que essa imunidade também é natural: é apenas a forma como foi produzida que difere. Essa imunidade induzida costuma ser menos durável, porque a reação desencadeada é menos vigorosa do que durante uma doença.

 

Os diversos tipos de vacina

Até o presente, as vacinas podiam ser classificadas em duas categorias: as vacinas de vírus vivo atenuado e de vírus inativado.

No primeiro caso, antes de serem administradas, o agente infeccioso era modificado a fim de tornar-se inofensivo, mantendo, porém, seu poder antigênico, ou seja, sua capacidade de provocar uma reação imunológica. O caso do BCG é característico deste método. O sistema imunológico ataca o agente da vacina e se lembrará de sua intervenção: então, torna-se capaz de se defender contra um ataque do agente infeccioso.

Este tipo de vacinação, no entanto, é contraindicado para indivíduos imunodeprimidos -- cujo sistema imunológico é deficiente – porque, nesse caso, há o risco de uma infecção verdadeira. Foi o que ocorreu com a vacinação contra a varíola, produzindo muitos dramas.

No caso das vacinas de vírus inativado, o agente infeccioso está morto; pode ser administrado inteiro ou em parte. Entre as vacinas desse tipo, a antitetânica é um caso singular: não utiliza o agente infeccioso, mas a toxina que ele produz, que é perigosa e até mesmo fatal. Essa toxina é desintoxicada antes de ser administrada, de forma que não representa mais um perigo, mantendo seu poder antigênico.

A esta última categoria podemos associar as vacinas ditas “proteicas”: o agente vacinal é composto apenas de proteínas do envelope do vírus, ou de todo o seu envelope esvaziado de seu conteúdo.

Outra variante consiste em utilizar um vírus inofensivo para o homem, para introduzir o agente vacinal na célula-alvo (vetor viral).

 

Vacinas sintéticas

Um novo tipo de vacina vem sendo estudado há dez anos. Foi pensado inicialmente para doenças como Ebola ou Zika. A ideia foi retomada para a vacina contra a Covid-19.

Como todas as coisas vivas, o vírus da Covid-19 contém material genético formado a partir do ácido ribonucléico (RNA). Nos seres vivos, o RNA pode existir de várias formas: RNAm (mensageiro), que transmite informações do DNA do núcleo da célula para os sistemas do usuário; RNAt (transportador), que fornece os elementos a serem montados de acordo com o código do RNAm; RNAr (ribossômico) que constitui os ribossomos, as fábricas de fabricação de proteínas.

A ideia da vacina sintética é copiar uma pequena parte do vírus afetado sob a forma de um RNAm. A parte escolhida no caso do Covid-19 é a parte que codifica a espícula, elemento que permite ao vírus entrar nas células.

Este RNAm da vacina é administrado ao sujeito e penetra em uma célula, resultando em sua multiplicação. Ao sair da célula, é apreendido como um elemento estranho e destruído pelo sistema imunológico. Como resultado, o indivíduo adquire uma imunidade induzida que lhe permitirá lutar contra uma infecção real de Covid-19.

 

A vantagem desse método é a velocidade do processo de elaboração da vacina. Com efeito, dois laboratórios que já anunciaram resultados muito satisfatórios utilizam este método. O laboratório russo Gamaleya produz uma vacina de forma semelhante, mas utiliza um “vetor”, ou seja, um vírus inofensivo para o homem, para introduzir o fragmento de RNA. Isso pode representar um problema moral que será examinado mais tarde.

Os especialistas em RNAm possuem algumas objeções à tais vacinas que merecem ser consideradas. Primeiramente, vários parâmetros necessários à eficácia da vacina parecem aleatórios demais. Por exemplo, pacientes com câncer ou doenças autoimunes podem sofrer complicações. Além disso, a possibilidade do RNAm ser convertido em DNA, embora muito baixa, não é nula. Isso poderia levar à incorporação deste RNA no genoma. Essa é a razão pela qual essa vacina tem sido contraindicada para pacientes infectados com o vírus HIV.

Finalmente, quando se trata de vacinação, a história da medicina tem mostrado que não se pode dispensar certos passos e do tempo que eles requerem. A pressa com que essas vacinas de RNAm foram permitidas, pode, portanto, ser considerada uma grave imprudência.  

 

A preparação das vacinas

A preparação de uma vacina envolve três etapas: desenvolvimento, produção e testes laboratoriais. No curso dessas três etapas pode surgir uma dificuldade moral em função do ambiente na qual a vacina é preparada.

Deve-se notar desde já que vacinas contra doenças transmitidas por bactérias não estão em questão. Neste caso, o meio de cultura é apenas um conjunto de nutrientes que a bactéria usa para se alimentar: glicose, água, cálcio etc.

No caso das vacinas virais, a dificuldade é a seguinte: cada uma das três etapas da sua preparação pode requerer uma cultura do vírus, necessitando de um ambiente celular vivo. No caso específico de vacinas sintéticas, isso ocorre apenas na fase de teste.

Os virologistas usam três tipos de células: células de órgãos humanos ou animais; linhagens contínuas 1, que muitas vezes são de origem cancerosa e se multiplicam quase indefinidamente; e células embrionárias humanas, que também se multiplicam por muito tempo.

 

Linhagens embrionárias humanas

Entre essas últimas, há atualmente pelo menos três linhagens derivadas de um aborto: a linhagem HEK-293, originária de um feto abortado em 1972 nos Países Baixos, a linhagem MRC-5, originária de um feto abortado em 1966 na Inglaterra, e a linhagem Per.C6, que veio de um feto abortado nos Países Baixos em 1985.

A utilização de células de fetos abortados para produzir vacinas está em curso desde a década de 1960, e já levou ao desenvolvimento de diversas vacinas, como as que previnem rubéola, varicela, hepatite A e zona.

No quadro do desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19, essas células são utilizadas tanto para produzir os vetores virais (adenovírus), que transportarão o agente vacinal, como para produzir a proteína da espícula do coronavírus, que provocará a resposta imune.

Infelizmente, as empresas farmacêuticas preferem usar células de fetos em vez de células adultas, que envelhecem mais rápido e param de se dividir. As células fetais também são menos propensas a serem infectadas com vírus ou bactérias, ou ter sofrido mutações genéticas.

 

II. Problemas morais acarretados pela utilização de linhagem proveniente de fetos abortados

A questão é saber se alguém pode utilizar ou, em alguns casos, ser obrigado a usar uma vacina que teria sido cultivada em células derivadas do aborto.

O crime de aborto é tão abominável e tão difundido hoje em dia que, à primeira vista, a questão parece supérflua; espontaneamente, o católico responde: não.

Na realidade, o problema pode ser extremamente delicado, porque acontece que, em certas circunstâncias muito específicas, podemos ser confrontados com deveres tão graves, que conduzem a verdadeiros casos de consciência. Nesses dilemas assustadores, o apoio da teologia moral é essencial para examinar a situação em profundidade e discernir o bem a ser realizado.

 

Observações preliminares

É necessário observar que as células fetais não são injetadas com a vacina, como acreditam alguns: elas servem apenas para a cultura dos vírus e, além do mais, são destruídas pelos vírus, como o são as células infectadas de um paciente. Isso não muda em nada o problema moral.

Deve-se notar também que o problema não é o uso das células fetais em si, porque poderiam ter sido obtidas legalmente, no caso de aborto espontâneo. O problema é que foram obtidas por uma má ação, um aborto.

 

Distinções em jogo

O princípio que guia a reflexão aqui é o da cooperação no mal. A questão geral é a seguinte: é lícito cooperar com o mal ou o pecado dos outros? A teologia moral deu as explicações necessárias.

Ajudar um pecador a cometer seu pecado é chamado de "cooperação para o mal", independentemente da ajuda dada. Para que se constitua, a ação do cooperador deve ter uma influência real sobre o ato maléfico, através da ajuda prestada para produzi-lo.

Para avaliá-lo, é preciso situá-lo com exatidão. Isso é muito importante. Aqueles que negligenciam esses detalhes podem não julgar apropriadamente a moralidade da cooperação.

A cooperação é dita imediata quando o cooperador realiza com o pecador o ato mesmo do pecado, por exemplo, se ajuda o ladrão a tirar o butim e a escondê-lo. É o caso do auxiliar cirúrgico que realiza certas partes do aborto ao lado do abortista.

A cooperação é dita mediata quando o cooperador fornece algo que será útil ao pecador – material, ajuda, recurso -- ou que lhe permita fazê-lo mais facilmente. É o caso de quem segura a escada para o ladrão, ou da enfermeira que auxilia o abortista.

A cooperação mediata pode ser mais ou menos “próxima” ou “distante”, conforme a ajuda prestada influencie mais ou menos o pecado cometido, ou tenha maior ou menor conexão com ele. Assim, fornecer um ídolo a um pagão é uma cooperação estreita. Mas vender a madeira da qual o ídolo será feito é uma cooperação distante.

Além disso, em razão da intenção, distingue-se a cooperação entre formal e informal. A primeira é quando o cooperador consente voluntariamente com o pecado para o qual está ajudando. Portanto, quem ajuda um ladrão ficando à espreita, por exemplo, ao aprovar esse pecado, coopera formalmente. Ele também será chamado de "cúmplice" pela lei.

A cooperação é material quando o cooperador não quer pecar, mas age prevendo que o pecador abusará da sua contribuição para pecar. Assim, o dono do bar que concorda em dar alguns drinques a um cliente já embriagado, apenas pelo dinheiro, participa do pecado da embriaguez, mas não se associa à intenção do bêbado.

 

Princípios

-- A cooperação formal é sempre ilícita e proibida, pois assume o pecado a que se coopera. O cooperador procura o próprio pecado.

-- A cooperação imediata, mesmo que apenas material, é ilícita, porque é um ato ruim e, na maioria das vezes, um pecado idêntico ao do pecado principal. Por exemplo, um assistente de cirurgião que participa da esterilização -- ligadura das trompas ou vasectomia -- comete o mesmo pecado que o do cirurgião, pois sua ação influencia diretamente o ato de pecado que não poderia ser cometido sem o seu concurso, ou ao menos seria realizado com muito mais dificuldade.

-- A cooperação mediata pode ser tanto lícita como ilícita. Na maioria das vezes, e ordinariamente, é ilícita, pois devemos sempre procurar evitar ações más ou cooperar com elas.

Não obstante, por uma utilidade real ou grave necessidade, às vezes podemos ser convidados a fazer algo que, embora bom em si mesmo, será uma cooperação mediata a uma ação ruim.

A utilidade ou necessidade em questão pode ser tão imperiosa que se é então dispensado da obrigação de evitar a cooperação com o mal. Diz-se que há uma razão proporcionalmente grave para a cooperação lícita2.

Tomemos um exemplo geral: os diversos personagens ao redor de um aborto:

-- cooperador imediato: o auxiliar cirúrgico que realiza uma parte do procedimento;

-- cooperador mediato próximo: o instrumentador, que ajuda o médico dando-lhe os instrumentos.

-- cooperador mediato menos próximo: a enfermeira que preparar a mulher para a operação;

-- cooperador mediato ainda menos próximo: o funcionário que cuida da sala de cirurgia;

-- afastando-se ainda mais: o funcionário que esteriliza os instrumentos necessários;

-- cooperador remoto: o laboratório que fornece os anestésicos e os dilatadores, ou o fabricante de instrumentos cirúrgicos: em ambos os casos, os equipamentos fornecidos podem ser utilizados para intervenções que não sejam um aborto;

-- cooperador muito remoto: a empresa que realiza a entrega desses produtos.

Pressupondo a cooperação material em todos esses casos, a "proximidade" com o pecado cometido é muito variável. Devemos dizer que todos esses cooperadores materiais estão absolutamente obrigados a abster-se de suas funções? E isso a qualquer custo?

A teologia moral responde que não. A influência sobre o ato mau é tão pequena, por exemplo, no ato de varrer a sala de cirurgia, que a manutenção do emprego é razão suficiente para o faxineiro.

Por outro lado, quanto maior for a influência sobre o pecado, mais grave terá de ser a razão. E quando a proximidade é muito grande, nenhuma razão pode justificar. Então, é preciso recusar, mesmo que se tenha que mudar de emprego.

 

III. Aplicação ao caso das vacinas preparadas com células provenientes de um aborto

Trata-se agora de situar a cooperação dos envolvidos no preparo ou uso de uma vacina, caso seja preparada com células obtidas de um aborto. Presume-se que esta seja uma cooperação material, porque a cooperação formal é sempre ilícita.

Quem quer que fabrique ou comercialize esta vacina está cooperando com o pecado do aborto de uma forma que, embora não possa ser considerada próxima, pode ser considerada imoral. A culpa varia, entretanto, dependendo do papel exercido.

Quem dirige uma empresa farmacêutica que lucra com um aborto anterior tem responsabilidade maior. Primeiro porque poderia não fabricar essa vacina, segundo porque deveria interromper o uso das linhagens celulares em questão e escolher outras que não representem um problema moral, mesmo que isso tenha suas desvantagens.

O pesquisador que escolhe as linhagens celulares com as quais deseja trabalhar se encontra em uma situação semelhante: está lucrando com um crime passado.

Mas o técnico de laboratório, que é apenas um executor, ou o caminhoneiro que entrega a vacina, têm apenas uma cooperação distante, então é aceitável, principalmente para o segundo.

O médico que vacina um paciente, ou o paciente que é vacinado, tem cooperação distante, pois esses atos encorajam e promovem o pecado do aborto de uma forma muito remota e muito tênue. Por razões de saúde suficientes, tais atos poderiam ser moralmente permitidos.

Uma jovem que está prestes a se casar pode, portanto, receber a vacinação contra a rubéola, embora essa vacina seja quase sempre preparada com células fetais obtidas pelo aborto. O motivo é o perigo para a criança: se uma mulher contrair rubéola durante a gravidez, principalmente no primeiro trimestre, os riscos de malformações - olhos, audição ou coração - são grandes. Essas malformações são permanentes.

No entanto, se uma vacina é obtida de células não abortivas e está disponível, é claro que é ela que deve ser usada.

 

Aplicação ao caso da vacina contra a COVID-19

Ocupamo-nos aqui apenas com a seguinte questão: o aspecto moral do uso de uma vacina contra a Covid-19 no que se refere ao seu processo de preparação ou fabricação.

 

Linhagens utilizadas no âmbito da vacina contra Covid-19

A lista completa das vacinas em preparação é fornecida no documento anexo a este artigo. Este documento especifica a empresa responsável e a utilização eventual de células de feto abortado, em uma ou outra fase da preparação: concepção, produção e testes.

 

Lista de vacinas atualmente em preparação (anexo)

 

Julgamento moral segundo os princípios colocados

Visto que algumas das vacinas existentes não foram preparadas de modo ilícito, elas não representam um problema moral de uso deste ponto de vista. Elas devem, portanto, ter preferência sobre as outras.

As vacinas que usaram uma preparação moralmente ilícita devem ser ignoradas na medida do possível.

Mas e se, em um caso particular, alguém precisar ser vacinado, e não conseguir obter uma vacina "lícita", tendo apenas uma vacina "ilícita" disponível? Isso pode ocorrer por motivos de saúde -- idoso vulnerável -- ou devido à situação profissional -- pessoal médico exposto; ou por motivos profissionais, como viajar de avião, porque já existe pelo menos uma companhia aérea -- a Qantas, no caso - que comunicou que só aceitará passageiros vacinados assim que as vacinas estiverem disponíveis. É muito provável que esse requisito seja rapidamente aceito por muitas companhias aéreas.

Como a cooperação é distante, e o motivo alegado é suficientemente sério, é possível, nesses casos, lançar mão dessa vacina. Além disso, cada um deve julgar, buscando conselhos apropriados, se há real necessidade.

Deve ficar claro que estamos aqui no domínio de um juízo de prudência, que não pode ser uniforme para todos e em todos os casos. A teologia moral diz o que é legal ou ilegal. Ele fornece os princípios, mas cabe à prudência pessoal julgar sua aplicação caso a caso.

Quanto aos elementos alheios a esta questão [da legalidade segundo a origem e o preparo da vacina], são da ordem da opinião pessoal. Como qualquer opinião que não pode ser absolutamente provada, é vão e impossível querer impô-la a todos. Todos são livres para opinar sobre a origem da Covid-19, sobre a forma como tem sido gerida aqui e ali, sobre a política de vacinação de um determinado país, sobre a vacinação em geral; mas todos esses elementos não mudam a conclusão moral dada aqui.

 

Uma última observação

Deve-se notar que, além do caso dessas vacinas que estudamos, a cooperação com o mal ocorre em muitas situações análogas: esta última pode ser tratada e resolvida de acordo com os mesmos princípios morais. Por exemplo:

Devemos deixar de pagar impostos, por exemplo na França, uma vez que parte do dinheiro é usado para reembolsar o aborto ou reprodução assistida?

Devemos concordar em obter suprimentos de um farmacêutico que vende produtos ilícitos: abortivos, preservativos, anticoncepcionais? Isso não seria uma forma de encorajamento?

Devemos aceitar ser tratados por um médico que aprova o aborto e prescreve a pílula?

Podemos ir até uma loja de departamentos ou a uma livraria que vende jornais ruins?

O caixa deve se recusar a atender um cliente que quer comprar um DVD ruim? Obviamente, a lista poderia continuar indefinidamente.

Apresentamos um exemplo final tirado do Novo Testamento: É lícito comer idolothytus, em outras palavras, carne sacrificada aos ídolos (1 Cor 8, 1)?

Para compreender a questão, é importante saber que toda a carne consumida na Antiguidade necessariamente passava pelos templos. Aliás, só existe uma palavra em grego, mageiros (usada exclusivamente no masculino), para designar o sacrificador, o açougueiro e o cozinheiro: para quem queria se abster da carne imolada, não havia outra carne para comer.

Acrescentemos que o pecado da idolatria é um dos mais graves, pois ataca o próprio Deus.

A resposta que São Paulo dá é a seguinte: é permitido comer essas carnes, a menos que isso escandalize o vizinho. Ou seja, quem quer que consuma essa carne não está participando do pecado da idolatria. Não fosse assim, São Paulo não teria respondido dessa maneira.

Da mesma forma, quem está em uma situação de cooperação material suficientemente distante no uso de uma vacina contra Covid-19, cuja fabricação tenha se beneficiado de uma das linhagens celulares acima mencionadas, não participa do pecado do aborto cometido 35, 48 ou 54 anos atrás.

Porém, como já foi dito, deve-se, na medida do possível, evitar a cooperação no mal, mesmo material, e se houver opção, tomar a vacina que não represente nenhum problema moral.

No entanto, não devemos contentar-nos com este estado de coisas deplorável e não fazer nada. Católicos influentes devem usar todo o seu poder para influenciar a indústria farmacêutica a desenvolver suas novas vacinas de maneira a não apresentar dificuldade moral.

  1. 1. Uma linhagem celular é uma população homogênea de células, estáveis após sucessivas mitoses (divisões), possuindo em teoria uma capacidade ilimitada de divisões.
  2. 2. Merkelbach, Summa Theologiae Moralis, t. I, Paris, Desclée De Brouwer, 1931, pp. 391-400.

Familias tradicionais

[Nota da Permanência: O texto seguinte foi tirado do livro "O Espírito de Família", de Monsenhor Henri Delassus, à venda na nossa livraria. Agradecemos à Editora Castela a permissão de publicá-lo.]

 

“Interroga as gerações passadas e re­corda diligentemente a experiência dos antepassados: porque somos de ontem e não sabemos, pois os nossos dias sobre a terra passam como a sombra. E eles instruir-te-ão e falarão contigo, e tirarão sentenças do seu coração: Acaso pode crescer o papiro fora da terra úmida e o junco germinar sem água?” (Jó 8, 8-11)

 

Devolver aos pais de família a liberdade de reconstituir um patrimô­nio — bem de família transmissível de geração em geração — é apenas parte da tarefa a executar para povoar novamente a Europa com autênti­cas famílias, na plena acepção da palavra. A outra tarefa é fazer renascer nelas as tradições. A primeira está ao nosso alcance apenas indiretamente, através do legislador; a segunda pode e deve ser a obra de cada um de nós no seu próprio meio social. Só se pode esperar a abolição das leis revolu­cionárias a partir de um grande movimento de opinião. Mas o que cada um pode fazer é reavivar em torno de si o espírito de família. Desse modo, fará aos seus o que de melhor está ao seu alcance e ao mesmo tempo prepa­rará a renovação da sociedade. Porque é necessário que existam tradições subjacentes às leis, para que elas tenham a força que o assentimento do coração lhes dá, da mesma forma que é necessária uma educação familiar subjacente às tradições para as sustentar e fazer com que elas se tornem o princípio dos costumes, sem os quais as boas leis nada são e contra os quais as leis más nada podem.

“Enquanto um vestígio de tradição uniu a França nova à França antiga — escreveu Émile Montégut — a Revolução não pôde chegar às suas últi­mas consequências. Mas quando a roda do tempo girou o suficiente para que não subsistisse qualquer resíduo do passado, a hora da lógica soou; e as gerações contemporâneas, educadas em uma sociedade na qual só a Revolução permanece de pé, ouvem sem estranheza palavras que, trinta anos antes, as teriam enchido de horror e de medo.”1

Hoje assiste-se impassível a atos que teriam revoltado os povos mais bárbaros na antiguidade pagã. Nas escolas, onde antes se ensinava as crianças a conhecer, amar e adorar a Deus, agora formam-se, por ação ou omissão dos responsáveis, pessoas sem religião e sem moral.

De onde vem essa impassibilidade? Do fato de já não haver nos espíri­tos ideias claras nem princípios solidamente ancorados nas almas, mas só ideias vagas e flutuantes, incapazes de inflamar os corações. E por que são assim flutuantes as ideias nos nossos dias? Porque as ideias-matrizes, as ide­ias-princípios, não foram impressas nas almas das crianças por pais que as tivessem haurido nos ensinamentos dos avós, por sua vez imbuídos dessas verdades pelos antepassados. Em uma palavra, porque as famílias já não têm tradição.

Havia antigamente uma ideia muito difundida, uma ideia quase religio­sa, ligada à expressão tradições de família, entendida esta no sentido mais alto: uma herança de verdades e virtudes, no seio das quais se formaram os caracteres que proporcionaram a uma casa de família a sua duração e grandeza.

Hoje em dia, essa expressão nada diz às novas gerações que vêm ao mundo. Surgem em um dia para desaparecer no seguinte, sem ter recebido e sem deixar depois delas um conjunto de recordações e afetos, de princípios e costumes que outrora se transmitiam de pai para filho e davam às famílias que lhes eram fiéis a possibilidade de ascenderem na sociedade. A família que possui tradições, geralmente deve-as a um antepassado seu, no qual o sentimento do bem foi mais forte do que nos seus semelhantes e a quem foram dadas sabedoria e vontade para inculcar nos seus.

“A verdade é um bem — diz Aristóteles —, e uma família na qual os homens virtuosos se sucedem é uma família de homens de bem. Esta sucessão de virtudes tem lugar quando a família remonta a uma origem boa e honesta, porque é no início onde normalmente se conhecem as futuras consequências, boas ou más. [...] Portanto, quando existe em uma família um homem muito dedicado ao bem, a sua bondade comunica-se aos descendentes, ao longo de muitas gerações, e daí provém necessariamente uma família virtuosa.”

O homem que quiser fundar uma família virtuosa deve persuadir-se de que os seus deveres não se limitam, como pretende Rousseau, a prover às necessidades físicas do seu filho, enquanto este não puder cuidar de si mesmo. Deve dar-lhe também uma educação intelectual, moral e religiosa.

Os animais têm forças e recursos para satisfazer às necessidades corpo­rais das crias, e isto basta-lhes. Mas a criança, ser moral, tem muitas outras necessidades, e é por isso que Deus deu aos pais, além da força, a autoridade para educar a vontade dos filhos e fazê-los ingressar nas vias do bem, manter-se nelas e progredir. Deus quis que esta autoridade fosse perma­nente, porque o progresso moral é obra de toda uma vida. E como, segundo os desígnios da Providência, o progresso deve desenvolver-se ao longo dos tempos, é necessário que a família humana não se extinga em cada geração: o vínculo familiar deve subsistir entre os que já partiram e os que estão vivos, entrelaçando entre si todos os descendentes de uma estirpe vigorosa.

O homem de bem não pensa unicamente nos seus filhos, mas nas gerações que se seguirão a estes e empenha-se para que a virtude se torne tradição familiar.

É por isso que o livro de família tem grande importância. Começar este livro, ordenar ao primogênito que o continue e transmita essa injunção ao seu próprio filho, é o meio mais fácil e seguro de inculcar em uma família as tradições. Com uma condição: ter-se-á como regra inviolável procurar só alianças matrimoniais nas famílias que pratiquem as virtudes que se deseja transmitir aos próprios filhos.

“Aliar-se a uma família — diz Lacordaire — é aliar-se a bênçãos ou a maldições, e o verdadeiro dote não é aquele que o notário consigna no papel. Só Deus conhece o verdadeiro dote, mas até certo ponto a memória dos homens também o pode conhecer. Perguntai se o sangue que se vai unir ao vosso contém as tradições de virtudes humanas e divinas, e se foi purificado há muito tempo pelos sacrifícios que o dever impõe. Perguntai se a alma está cheia das graças de Deus. Remontai tão longe quanto possível na sua história genealógica, a fim de que, ex­plorando todos os ramos de antepassados, como se explora uma mina, fiqueis a saber o que vale diante de Deus esta geração que desconhecíeis e que vai unir-se à vossa para tomar-se uma só na posteridade” 2.

Charles de Ribbe empregou o melhor da sua vida em revalorizar os livros de família. Depois de editar os manuscritos de muitas famílias antigas, publicou diversas obras para divulgar os ensinamentos que ne­les se encontram. Por fim redigiu, baseando-se nos modelos que tinha diante de si, o Livre de Famille, para servir de modelo aos pais que qui­sessem pôr em prática os exemplos dos antepassados. Recomendamos com insistência a aquisição, leitura e meditação deste livro, que pode contribuir para levantar a nossa sociedade3.

Daremos aqui apenas algumas indicações.

O livro de família, ou livre de raison, é assim chamado porque nele se transmitem aos filhos e seus descendentes as razões ou motivos da posição da família, os seus antecedentes, trabalhos, ideias e sentimen­tos que a guiaram no caminho da vida e dos costumes, que devem garantir a transmissão dos mesmos sentimentos e virtudes. Constitui desse modo um vínculo moral entre as gerações, cujos elos, graças a tal livro, permanecem estreitamente unidos em uma comunidade de ideais e sentimentos.

Era dividido em três partes, correspondentes às três fases da existência da família. O passado, que é a genealogia e a história das origens da estirpe. O presente, que é a geração atual. O futuro são os ensinamentos deixados pelos pais e avós aos seus descendentes. O livro de família, quando bem elaborado, resume tudo o que material e moralmente diz respeito à família.

E em primeiro lugar a genealogia. André Lefèvre d’Ormesson, já citado, diz no seu livro de família:

“Que os nossos filhos conheçam aqueles de quem descendem, por parte de pai e mãe, para que se sintam estimulados a rezar a Deus pelas suas almas e a bendizer a memória daqueles que, com a graça de Deus, honraram a sua casa e adquiriram os bens de que os seus descendentes desfrutam, e que passarão às outras gerações, se na sua bondade o Criador quiser dar para isso a sua bênção, como eu Lhe suplico de todo o meu coração.” 4

Em outros termos, a genealogia da família é a condição primeira para cri­ar e manter o espírito de família.

Sempre que possível, acrescentava-se uma pequena nota a cada nome. Todas as famílias deveriam ter uma história. O livro de família é o guardião dessa história. Os livros de família publicados ultimamente mostram-nos, nessas curtas notas, como muitas famílias modestas conseguiram, pela força dos costumes, perpetuar-se durante muitos séculos na mesma região, na prática das mesmas virtudes.

Depois da genealogia vem o diário, onde se registram sucessivamente os atos importantes da família: nascimentos, casamentos e óbitos, com as informações que cada um destes fatos comporta. O livro de tombo, onde se registram as cópias dos títulos de propriedade. O livro das contas e negócios. A exposição dos métodos de trabalho, onde se consignam conselhos para melhorar a sorte da família por uma experiência doméstica comprovada.

Os ensinamentos só excepcionalmente formam uma parte distinta. Normalmente as ideias e reflexões morais aparecem ao lado do relato dos fatos. Aproveita-se os acontecimentos para dizer aos filhos: eis a verdade, eis o bem. Evitai tal erro; tomai cuidado com tal falta. Estes avisos, formu­lados quase sempre com palavras tiradas da Sagrada Escritura, são curtos. Espera-se que desta forma eles se gravem melhor no espírito e penetrem no fundo dos corações:

“Eu gostaria de chamar este livro — dizia Antoine de Couston — a sabedoria da família. É necessário que ele continue a ser escrito em cada geração, que seja o depositário dos nossos êxitos, bem como dos nossos erros, de modo que, revertendo o bem e o mal dos que hoje vivemos em benefício dos que virão, ligue umas gerações às outras, trans­formando-as em uma só família sempre viva e animada do mesmo espírito. Se assim não for, as gerações rolarão umas atrás das outras em um círculo de ignorância e erros.”

Joubert descreveu bem a situação moral contemporânea, resultante da falta de ensinamentos tradicionais:

“Poucas ideias firmes e muitas ideias peregrinas, sentimentos muito vivos mas nada constantes, incredulidade em relação aos deveres e confiança nas novidades, espíritos decididos e opiniões vacilantes, afirmações categóricas no meio das maiores dúvidas, confiança em si mesmo e desconfiança em relação ao próximo, ciência das doutrinas loucas e ignorância das opiniões dos sábios: tais são os males do século. Tendo sido destruído o costume, cada um cria para si hábitos e maneiras de acordo com a sua natureza. Deploráveis épocas aquelas em que cada homem mede tudo pela sua bitola e caminha, como diz a Bíblia, iluminado pela própria candeia” 5.

É propriamente esse o nosso tempo. Havia antigamente, em cada casa, uma característica própria que a distinguia, em virtude da qual se podia dizer: eis aí um membro de tal família. Essa característica tinha sido formada pelos antepassados e mantivera-se pela tradição. Isso já não existe e as consequências são bem visíveis. Enquanto viveram alguns dos representantes das antigas gerações, havia sempre uma luz que iluminava a vida. Mas à medida que desapareceram os velhos, cuja educação fora feita de tradições, os jovens encontraram-se diante de uma tábua rasa. Nada sabem das antigas verdades que constituem a família e a sociedade. Estes jovens tornam-se pais de família em um meio invadido pelo luxo e por todo o gênero de facilidades, que os faz esquecer o pouco que aprenderam; sem falar das revoluções que neste nosso século têm acabado por destruir no coração do país o que lhe restava de vida. ­

Após as desordens que abalaram a Europa do século XVI, muitíssimos pais esforçaram-se por defender os filhos e os seus servidores contra o contágio do mal. Desta época datam os melhores livros de família. Eles foram os guias e os sustentáculos das famílias nobres que ilustraram a época de Henrique IV e Luís XIII.

Que bom seria se isso voltasse a acontecer! Não é temerário esperá-lo. Nos mais diferentes meios sociais recomeça-se a compreender a necessidade das tradições.

Logo após a morte do seu pai, o antigo redator do Petit Journal, Ernest Judet, publicou no Éclair estas palavras incisivas:

“Eu nunca compreendera tão bem o poder da tradição, a lição da hereditariedade, a carga que uma pessoa lega a outra dela nascida e a responsabilidade de nos desenvolvermos de acor­do com o espírito daqueles que nos criaram!”

É bem conhecida a impressão profunda que produziu no público o livro de Paul Bourget intitulado L’Étape, em que o autor defende idênticos princípios.

Charles de Ribbe pesquisou a fundo as tradições familiares da velha França e tirou dos seus estudos a seguinte conclusão:

“Baseando-nos em testemunhos irrefutáveis, podemos afirmar: quando as famílias caminharam nas vias traçadas por Deus, vencendo os vícios e elevando-se pela virtude, o trabalho e a poupança, graças a uma séria educação cristã, alcançaram sem­pre uma grande riqueza material, que possuíram de maneira estável” 6.

No livro intitulado Quelques réflexions sur les lois sociales, o duque d’Harcourt fez uma observação muito oportuna para as famílias contemporâneas. Falando dos sentimentos íntimos da aristocracia do sécu­lo XVIII, escreveu:

“Sabemos que, entre eles, a irreligião estava na moda. Zombavam dos dogmas e das tradições. Nos nossos dias, pelo contrário, os representantes das famílias nobres são, de modo geral, católicos praticantes”.

Pergunta em seguida como se operou essa mudança, e responde:

“Seria possível, no fim do século passado, que um grande número de indivíduos, por ódio à Revolução, mudasse assim de sentimentos? Não. Não foram os filhos dos ímpios que, espontaneamente, passaram a ter sentimentos piedosos, opostos aos dos seus pais. Pode ser que isso tenha ocorrido, mas muito raramente. Essa transformação explica-se simplesmente pela extinção quase completa da descendência dos céticos do século passado. Muitas des­sas famílias desapareceram e, quanto às outras, perpetuaram-se, seja porque faziam parte da minoria que na Corte escapou ao contágio, seja porque descendem de parentes obscuros perdidos na província, mas que ali conser­varam, juntamente com as antigas tradições, as ideias religiosas sem as quais as famílias não se perpetuam”.

Possa este memorável exemplo persuadir as famílias que querem per­petuar-se, a restabelecer as tradições que fizeram a antiga aristocracia! E para isso, que se retorne em toda parte nas famílias cristãs o belo costume dos livros de família. Estes tiveram outrora um grande prestígio em quase todos os países da Europa e até do Oriente. Uma instituição nascida espontaneamente em tantos e tão diversos países só pode ser inspirada pela própria natureza, ou melhor, pelo Autor da nossa natureza. Foi-nos terrivelmente funesto abandoná-la. Ser-nos-á extremamente favorável recuperá-la.

  1. 1. Cf. Émile Montégut, in Révue des Deux Mondes, 15 de novembro de 1871.
  2. 2. Cf. P. Jean Baptiste Henri Dominique Lacordaire, Conférences de Paris, Paris, 1835-1851.
  3. 3. Cf. Charles de Ribbe, Livre de Famille, Ed. Maison Alfred Mam et Fils, Paris, 1879. Ver também, do mesmo autor e sobre o mesmo tema, além dos livros já citados, Une famille au XVI siècle, Ed. Alfred Mam et Fils, Tours, 1894; Une famille au XVII siècle, Ed. Société ibliographique, Paris, 1882; La vie domestique, ses modèles et ses règles, Ed. Baltenweck, Paris, 1878.
  4. 4. Falando da organização tradicional da família, transmitida e fortalecida de geração em geração, Funck-Brentano mostra como a hereditariedade contribuía para vincar o caráter das famílias nas diferentes classes sociais. Assim, cada família tinha as suas próprias ideias, maneiras e sentimentos, que se transmitiam com energia crescente de época para época. Cita vários exemplos, como os Guise, os Retz e os d’Ormesson. Sobre esta última estirpe, diz: “A expressão probo como D’Ormesson chegou a ser um provérbio” (Cf. Frantz Funck-Brentano, El Antiguo Régimen, idem, p. 31). — [N. do T.]
  5. 5. Cf. Joubert, Pensées, Livro XVI.
  6. 6. Cf. Charles de Ribbe, La famille et la société en France avant la Révolution, Paris, 4ª edição, 1879, 2 vols.

Formação e deformação do homem

O texto a seguir é a transcrição adaptada e completada de uma conferência pronunciada a um grupo de rapazes católicos, na Capela Nossa Senhora da Conceição, em janeiro de 2012. Foi mantido o estilo coloquial.

 

Introdução

O meu propósito nesta conferência é tratar um problema muito sério que ocorre na vida de todos, de todas as famílias, de todos os casais. Vocês bem sabem, e não vou entrar neste detalhe, que a sociedade moderna não ataca apenas a religião e a fé, mas perverte também a natureza das coisas. No comportamento dos homens também existem distorções graves, fruto desses duzentos anos de liberalismo e dos quinhentos anos de espírito revolucionário. As transformações foram se fixando e atingiram aspectos essenciais da vida social. Assim, a tese que quero apresentar para vocês é a seguinte: “vocês não são homens”.

Por que posso dizer isso? Porque a atitude geral dos homens casados não é mais uma atitude de homem. E se assim ocorre, se a maioria dos jovens casados ingressa na vida familiar sem uma atitude de homem, é porque não estão sendo formados como homens. Apesar de freqüentarem a Capela, de serem católicos e estudarem o catecismo, vocês respiram esse ambiente cultural decadente. Por isso, preciso alertá-los antes, para que saibam agir como homens agora. Será que as mulheres os aceitarão, quando perceberem que vocês recuperaram a condição e as atitudes próprias dos homens? Talvez não. Será preciso, por outro lado, formar as mulheres, o que é outra tarefa necessária na reeducação da sociedade católica.

O problema não é saber se são homens por terem vida masculina, por usarem calças compridas e agirem exteriormente como homens. Não é a voz grossa ou a força física que falta na nossa sociedade. Eu diria mesmo que quanto menor a atitude essencialmente masculina, mais o homem engrossa a voz e ameaça com os punhos, para tentar impor-se pelo temor. Trata-se de saber o que é ser homem, o que isso significa. O mundo perdeu essa noção, e vocês a perderam juntos.

Paralelamente, o mundo levou a mulher a ocupar o lugar dos homens, a ocupar o vazio deixado pelo homem nos estudos, no trabalho, na prática da autoridade; e isso altera os fundamentos da sociedade.

Há, portanto, um movimento duplo e simultâneo, no qual as atitudes de chefia, de autoridade, de força moral e de referencial da sociedade bascularam do lado masculino para o lado feminino. Elas assumiram esse papel sem que vocês se dessem conta; ou melhor, insensivelmente, os homens deixaram para elas o papel de comando da sociedade.

Não discuto, de modo algum, a maior ou menor capacidade das mulheres de exercerem a chefia e a autoridade. Estou pronto para reconhecer a grandeza delas. O que me ocupa aqui é um problema de ordem superior, espiritual, causado por uma deficiência da natureza humana, tal como foi criada por Deus, e das conseqüências desastrosas que ela tem causado na vida da sociedade.

 

A Casa

Tudo começa dentro de casa: é onde recebemos educação. E aqui acontece a primeira deficiência: a falta ou a recusa de educação.

Gostaria de deixar claro que não podemos considerar como educação o mesmo que é pregado pelos governantes atuais. Segundo eles, o que falta ao Brasil é educação. Para remediar, pretendem investir em maior número de escolas, ou de vagas universitárias, como se escolaridade desse ao homem a verdadeira educação. De que adianta dar um diploma a todos, se nas escolas e nas famílias já não se transmite o caráter reto? Nem sempre os povos sem escolaridade foram povos mal educados. Hoje, ao contrário, quando a escolaridade se espalhou e universalizou, o que mais se encontra pelo mundo é a falta de caráter e de virtudes.

Nosso propósito é analisar a ausência de virtudes na educação moral dispensada pelos pais e pelas escolas.

Ora, dentro do conceito de educação, deveríamos pensar em obediência – é a primeira virtude que nos é exigida na vida. Deveríamos todos aprender a obedecer desde o berço, mas crescemos sem conhecer essa virtude, porque os pais não sabem se impor. A televisão, a internet, os jornais dizem aos pais que eles têm de dar liberdade à criança, não podem castigar, não podem repreender. Com isso, a criança não sabe obedecer, porque os pais não sabem mandar. Como tudo na vida moderna, é pelo lado subjetivo que se encara o exercício da educação, e ficam com pena, não podem dar uma palmada simples, que serviria perfeitamente como linguagem muito bem conhecida de uma criança que não despertou ainda para as ideias universais. Quando a desobediência e a arrogância dos filhos mal educados começar a ficar mais grave, aí os pais exercerão sua autoridade de modo excessivo e bruto, porque foram guardando a raiva, sempre subjetiva, até que não agüentam mais e explodem com violência.

Deveríamos pensar também na virtude da justiça: ela nos ensina a dar a cada um segundo os seus méritos e segundo a sua qualidade. Dentro de casa é que se aprende a verdadeira justiça. E o primeiro ato de justiça é dar aos pais a submissão que lhes é devida; dar a si mesmo a condição de subordinado, de filho, condição igualmente devida às crianças. Hoje, dentro de casa, ela já não existe, porque cada um morde o seu pedaço, cada um quer a sua parte, e todos vivem do egoísmo. O mundo moderno, individualista e subjetivista, produz o egoísmo, e por isso ele vai querer ensinar a justiça no comunismo, que é o regime do inferno levado à vida social. É aí, na política esquerdista, fomentadora das maiores injustiças que o mundo já conheceu, que se ouve falar de justiça, mas de uma noção deturpada, porque dentro de casa já não se ensina mais. Os próprios pais se consideram em igualdade em relação aos filhos, a quem atribuem pseudo-direitos e mínimos deveres.

Outra virtude que será demolida pela sociedade atual é a amizade. Também ela é uma virtude. Eis outra coisa que o mundo moderno tira da alma. Ora, a amizade se produz no convívio dentro de casa, sobretudo entre irmãos. Uma casa onde as crianças devem conviver com seus irmãos, devem partilhar de seus bens, devem aprender a generosidade para com o próximo, é uma fonte de amizade verdadeira, que será um dia aplicada ao próximo.

A vida familiar, na convivência entre um grupo de irmãos, também produz atritos. É preciso aprender a lidar com os atritos. Mais tarde, a sociedade e até mesmo o mercado de trabalho será cruel com quem não souber suportar o próximo. As pessoas, em casa, não sabem mais suportar os atritos. Fecham-se em seu amor-próprio, na desobediência, nas injustiças e não conseguem mais um mínimo de paz. Os filhos que aprendem a obediência, a justiça, a amizade, aprendem também a suportar as ordens mais pesadas e os defeitos dos seus irmãos.

Outra virtude que se deveria aprender em casa é a ordem, a boa ordenação das coisas, a hierarquia e o respeito. Mas isso já é sabido: desde os anos 60 que os filhos se colocam no mesmo nível dos pais, numa guerra insana contra seu próprio lar. O que vemos, nos dias de hoje, é a criança dar ordens aos pais, e estes os servirem como se fossem seus empregados. Tiram dos filhos a capacidade de reagir diante das situações da vida, tolhem as iniciativas humanas, a começar pelo copo d’água que se apressam em buscar quando a criança grita, deitada num sofá: — Mãe, traz água!!!! São raras as famílias em que os pais ensinam a seus filhos o espírito de sacrifício.

Há certos ritos naturais na vida da casa, que também se devem ensinar às crianças: saber se levantar quando uma visita chega; saber comer à mesa com a família reunida, e não vendo televisão; os meninos não irem à mesa sem camisa, as meninas não usarem roupas indecentes, etc. Tudo isso são coisas muito importantes na formação do caráter.

Desapareceram também, na casa, a oração e a piedade. É dentro de casa, pequenino, que se aprende a rezar. E quando não se aprende pequenino a rezar, não se aprende mais. Por uma graça, alguém, muito mais velho, é sacudido por Deus e se converte. Conseguirá perseverar? Claro que existem casos de perseverança na vida católica e na oração, entre convertidos adultos, mas é difícil, tudo fica mais difícil. Se a piedade e a regra da oração não forem ensinadas no berço, é bem mais difícil perseverar. Aqueles que receberam isso desde a pequena infância, agradeçam a Deus; aqueles que não receberam, saibam que não existe verdadeira vida de homem sem piedade. Vocês são católicos, batizados, precisam estar em contato com Deus. Isso influenciará cada uma das etapas de suas vidas.

Piedade não é ir a Missa todo domingo: isso é obrigação estrita de todo católico; piedade é a prática do catolicismo: o homem católico confia em Deus, tem uma relação com Deus. Não basta dizer: “Ah! Eu Creio” – é pouco; “Eu vou à Missa” – é pouco; “Mas é Missa de São Pio V” – ainda é pouco. É preciso mais do que isso. É preciso amar a Deus em tudo, com todas as forças, fazer d’Ele a referência primeira das nossas vidas. E esta referência precisa estar presente em todas as etapas, em todas as idades. Isso se aprende em casa.

A criança é deformada dentro de casa. Não o é por falta de amor dos pais, não é isso. Os pais amam seus filhos, mas amam de um amor errado. O equívoco está em achar que o amor sentimental é o verdadeiro amor que vem do espírito racional. Tudo isso nós podemos colocar como sendo causado pelo sentimento. Vocês não são homens. Por quê? Porque vivem dos sentimentos e não da razão. O demônio é um anjo esperto; ele quer levar todo mundo para o inferno; sabe que é pelos sentimentos que ele pega o homem. É pelos sentimentos que pecamos. O pecado vem pelo sentimento. Quando não se consegue mais dominar os sentimentos pela razão, então o homem deixa de ser homem, age como animal irracional, e cai no pecado.

Com Adão e Eva foi exatamente assim. Foram criados numa situação de natureza íntegra: a razão humana dominava as paixões. Quando Adão e Eva pecaram, a integridade se rompeu, a natureza tornou-se decaída. Nós nascemos, por castigo de Deus, com o pecado original. Duas coisas que estão juntas: a mancha do pecado original e a natureza decaída. O Batismo limpa a mancha, não muda a natureza, que continua decaída.

É por isso que não somos verdadeiramente homens, porque, se definimos o homem como um animal racional, então a razão deveria imperar sobre aquilo que é animal. Porque os animais também têm sentimentos. Todos têm algum tipo de sensibilidade, ainda que seja a menor de todas, que é a sensibilidade física. Sentem fome, sentem necessidades e vão em busca do necessário, movidos pelo instinto. Deus lhes deu o instinto para isso; a nós, não. Para nós, Deus deu a razão. E é pela razão que vamos em busca das nossas necessidades. Também pela razão devemos controlar nossos sentimentos animais para obedecer à Lei do Criador.

Porém, com a natureza decaída, a situação se inverte, e não a dominamos mais. Impera dentro de nós a lei das paixões: “Porque eu não faço o bem que quero, mas o mal que não quero” 1.

E como podemos fazer com que volte a razão a dominar? Pela graça. Só a graça, essa criação de Deus soprada dentro de nós, pode restaurar nossa condição humana. Mas ela é instável, não é algo que se tenha em definitivo, pois somos levados a pecar quando esquecemos de ter em Deus nossa referência principal.

Formar homens significa inverter a tendência da natureza decaída, devolver à razão o reinado sobre os sentimentos, em todas as situações que se apresentarem diante de nós. Somos homens, somos racionais, por isso precisamos aprender a dominar a nós mesmos para, em seguida, dominar as situações da vida que se apresentarem diante de nós.

 

Escola

Se dentro de casa não aprendemos essas coisas, não é na escola que as iremos aprender. Ao contrário, na escola de hoje, somente reforçaremos a desordem, a inimizade, a injustiça, o egoísmo. A escola de hoje é formadora de vícios, porque não nos dá o que deveríamos receber. Somos forçados ao sentimento. Freqüentemente lemos nos jornais afirmações como esta: “o homem precisa viver de paixão”. Está errado. O homem precisa aprender a dominar suas paixões, orientá-las pela razão. Muitos psicólogos modernos acusam a Igreja de querer uma condenação sumária das paixões, o que teria provocado os distúrbios que se encontram na juventude. Mas isso não é verdade. A Igreja sempre ensinou que as paixões fazem parte da natureza sensível do homem. Em si, elas não são nem boas nem más, seriam neutras se não houvesse sempre uma polarização dos nossos atos entre o bem e o mal. Acontece que a natureza decaída se inclina com facilidade ao mal, movida por paixões desregradas. Se nossa natureza inclinada ao mal não fizer um esforço de elevação espiritual, cairá no pecado, na desobediência, na impureza ou na avareza. Essa é a situação da natureza decaída em Adão e Eva.

Os pais de vocês, quando se converteram, aprenderam algo sobre esse combate espiritual, mas não souberam aplicá-lo na educação dos seus filhos: podem ter tentado ensinar algo disso, mas não tudo. Às vezes dão aos filhos essa compreensão, mas esquecem de ensinar a piedade. Ora, como vocês vão sobreviver sem a piedade? Como vocês vão conseguir a graça, que é o único meio de manter a razão reinando sobre os sentimentos? Vocês sabem o que os pais dizem? “Não dá tempo para ensinar tudo”. Se eu pergunto: “você reza com seus filhos?” — “Não consigo, não dá tempo”. Mas eu pergunto: por que não dá tempo?

Vamos ver que alguns dos problemas que encontramos em casa, também os encontramos na escola.

Mas na escola damos um passo a mais na nossa vida social. Nela aprendemos uma coisa que, infelizmente, em casa já não se aprende. Na escola temos obrigações a cumprir. O ideal é que as crianças tenham suas tarefas e obrigações em casa, mas isso é raro.

Com essas obrigações aprende-se a fazer sacrifícios. Aprende-se a superar suas próprias deficiências e a desenvolver seus talentos: saber lidar com as vitórias e com as derrotas. É na escola que a criança deveria perceber que tem um desafio a realizar, boas notas, bom estudo, bom comportamento. Se ela repetir de ano, sentirá o remorso e o arrependimento, a vontade de melhorar e recuperar o tempo perdido.

A amizade e os atritos serão vividos de um modo novo, na escola. Uma coisa é ter atritos com o irmãozinho, outra coisa bem diferente é não se entender bem com alguém que pode bater em você, ou prejudicar sua estabilidade no convívio com os demais. Na escola a criança deverá aprender a firmar suas amizades com aqueles que merecem. Muitas vezes as amizades são fontes de muitos erros, de negligências e pecados. Toda criança bem educada conseguirá conciliar a alegria e o senso lúdico com a obediência, a honestidade e a pureza.

Qual a finalidade da escola? Qual a finalidade da família? A educação recebida em casa ou na escola deve desenvolver o caráter, a honra, e a Fé. Essas coisas se aprendem e passam a fazer parte da nossa natureza. A criança deve tornar-se um homem que não mente, que preza a honestidade em tudo o que faz, e que procura conviver com os amigos.

Na escola, a finalidade primeira é o estudo. Uma formação complementar à vida em família e que deveria ser subordinada à orientação moral ensinada pelos pais. A escola hoje, na verdade, já não tem mais o papel que deveria ter.

A escola hoje é dominada pelo Estado. Existe uma usurpação, por parte do Estado, do poder de ensinar. A criança tem de ir para a aula, tem de estar na escola. No fundo existe uma intenção de tirar dos pais o dever de criar e educar os filhos. A proibição, no Brasil, do home-schooling é significativa. Na cabeça deles, os pais não podem dar aulas porque o Estado é o responsável. Cuidado! Esse erro vai entrando, vai entrando dentro da gente, e perde-se a noção da verdade. Quem tem a obrigação de educar é a Igreja, na ordem sobrenatural, e são os pais, na ordem natural. Essa é a ordem estabelecida por Deus desde a criação do mundo. A escola é complementar, recebe dos pais delegação para atender seus filhos. O Estado nosso, que se impõe como educador, é comunista, é socialista, e manipula as consciências.

Aprende-se, tanto em casa como na escola, uma certa cultura. Quando falo de cultura, quero dizer aprender a ler. Não me refiro a aprender o alfabeto, a ser alfabetizado; digo aprender a ler, compreender que é através da leitura dos grandes clássicos, da verdadeira literatura, que aprendemos a conhecer a vida, aprendemos, pelo exemplo, o bem e o mal, e também adquirimos a capacidade de bem escrever. Cabe aos pais ter uma biblioteca ou usar uma biblioteca verdadeira para dar aos filhos essa formação de leitura.

Mas isso lhes parece muito chato: por que irão ensinar à criança o gosto da boa leitura, se podem apertar um botão e colocá-la diante de imagens vivas e cativantes da televisão ou de um computador? Então existe um problema aqui também na formação da criança, na formação da cultura. Temos aqui uma questão de cultura, tanto na literatura quanto na música. E temos também uma questão de Fé.

Dirão vocês: escola e Fé? Ora, a obrigação de toda escola deveria ser dar a Deus o verdadeiro culto, que é o culto católico. Temos de receber na escola uma complementação da casa, tanto na parte do convívio, da obediência, amizade, da formação do caráter, como da cultura e da Fé.

Quando eu era criança, estudava num colégio católico de leigos, não eram religiosos. Todo mês de maio, por exemplo, um menino e uma menina eram escolhidos para serem “Guardiães de Nossa Senhora”. A cada semana novas crianças eram escolhidas; uma coisa aparentemente boba, mas era a maior honra que podíamos ter no colégio. Quando a educação é feita com Fé, os pequenos ritos e gestos têm uma importância enorme, nunca mais se esquece. Meus antigos colegas de Primário, mesmo os que não guardaram a Fé, lembram-se ainda hoje: “Gostávamos de ser Guardiães de Nossa Senhora”. Cabe à escola nos dar algo da verdadeira Fé, do estudo sério e da formação complementar do caráter.

Os pais precisam ter conhecimento da escola em que matricularão seus filhos, devem saber o que procurar quando vão escolher uma escola. Não se trata de buscar aquela que vai levar o filho ao primeiro lugar no vestibular, não é isso. Além do bom nível de ensino e da disciplina, ela deveria oferecer o complemento de uma educação católica para seus filhos.

Com a crise de Fé que se espalhou dentro da Igreja, arma-se um novo problema, pois as escolas religiosas já não são aptas para dar às crianças uma educação que inclua a perseverança na Fé. De tal forma os erros do Concílio Vaticano II estão impregnados nessas escolas, que elas servem mais para arrancar a Fé do coração das crianças.

Os pais deverão procurar institutos de leigos com boa disciplina e bom nível de estudo, de pessoas sérias que se preocupem com a formação da família tradicional, e depois eles mesmos devem complementar em casa o que a escola não proporciona. Isso exige dos pais espírito de sacrifício, em casa. Em vez de gastar seu tempo com o Facebook, os pais têm a obrigação de se sentar com os filhos para ver as notas, acompanhar de perto os livros que são analisados na escola, e ensinar-lhes em casa as disciplinas que a Escola não ensina, como a vida dos santos, catecismo, história da Igreja, e diversas outras atividades culturais importantes. Nesse sentido, adquire grande importância o curso de Catecismo da Capela, ou de qualquer Priorado tradicional. Os pais não podem negligenciar essa formação dos seus filhos, pois na crise da adolescência a base moral e religiosa adquirida na infância será de grande valor.

E eu termino este capítulo sobre a Escola, voltando à casa, para lembrar a grave necessidade de se organizar a oração do Terço em família, além de se criar um ambiente de respeito e de interesse pelas coisas da Igreja. Talvez possam fazer em casa pequenos gestos ou cerimônias que marquem as crianças. No Natal, por exemplo, mostrar para a criança pequena o Presépio e, no dia 24 de dezembro, na Noite de Natal, colocar o Menino Jesus no Presépio, com uma pequena oração ou um cântico de Natal. Pequenos gestos que formam a Fé, e que podem se repetir em outras ocasiões.

 

Faculdade

O significado de estudo na faculdade não é o mesmo da Escola. Temos uma técnica a aprender. Devemos aprender as coisas que serão úteis para o trabalho honesto, com vistas a uma remuneração suficiente para o nosso sustento e o da nossa família. Mas é preciso evitar a visão marxista do homem trabalhador no sentido de ser uma força produtiva. Vivemos num mundo que respira o socialismo, que esquece o sentido espiritual do trabalho, que é o resgate da condição de pecado da humanidade. “A terra será maldita por tua causa; tirarás dela o sustento com trabalhos penosos todos os dias da tua vida” 2.

O fato é que vamos aprender uma técnica para possuir uma profissão. Vocês vão considerar as oportunidades e seguir uma carreira. Na faculdade continua havendo um problema com a justiça, com a obediência, apesar de que isso diminui um pouco, pois o regime agora é de maior liberdade. Por outro lado, os esquerdistas tentarão convencê-los de que os jovens podem consertar o mundo injusto, segundo eles causado pelos monstros capitalistas. Falarão da justiça social e do bem do Povo, uma entidade sem forma e sem lei, que lhes serve perfeitamente para a Revolução.

O convívio na faculdade parece mais maduro, mas está ainda longe da maturidade adulta. Continuará a vida de amizades assim como os atritos. A piedade não poderia, nessa hora, diminuir, mas é o que, em geral, acontece: o mundo abre-se para o jovem como se fosse um sonho; ele aspira à autonomia, aos amores da vida, à posse do dinheiro e da liberdade. Pela primeira vez a educação recebida na infância vai mostrar para que serve, pois será preciso saber lidar com esses anseios e paixões mais fortes. Aqueles que aprenderam desde cedo a obedecer, a ser equitativos e justos, a dividir com os outros da casa e da escola, passarão pela faculdade sem cair num deslumbramento perigoso.

Aqui aparece mais um problema na vida do jovem, a relação com o dinheiro. Todo o mundo moderno vive em torno do dinheiro. Como os homens perderam a noção da vida eterna e desta vida passageira neste mundo, vão concentrar nas riquezas materiais o fim de suas vidas. Fazem do dinheiro o seu deus.

Ora, nós não trabalhamos pelo dinheiro. É preciso que o católico saiba que há um problema moral relacionado ao dinheiro. Nosso sentimento nos inclina à posse de bens, isso é natural. Faz parte daquilo que chamamos de concupiscência. Nesse caso, é a concupiscência dos olhos que nos inclina de modo exagerado à busca pelo dinheiro e pelos bens. Pelas inclinações perversas da nossa natureza decaída, temos uma dificuldade para nos conter; pela falta de moralidade do mundo em que vivemos, somos literalmente empurrados ao pecado pela explosão de ofertas de toda espécie, sobretudo dos objetos e aparelhos eletrônicos que invadiram a nossa sociedade.

Se alguém disser, numa roda de amigos, que não se interessa pelo dinheiro, que prefere uma vida modesta, é chamado de louco.

Mas não podemos esquecer o exemplo dado por Nosso Senhor nos Evangelhos, pela vida pobre que viveu, pelo pouco que possuiu, e pela dificuldade extrema que declarou haver para que um rico entre no Céu. A pobreza levada aos extremos é ruim, pois gera a falta do mínimo necessário para se viver em paz e em certa harmonia espiritual e material. Porém, a riqueza posta como centro da vida gera tantas obrigações e falsas necessidades, que o homem perde também a paz, vive estressado e doente, cria inimigos e falsos amigos, e não tem tempo para cuidar da sua salvação eterna.

É preciso ainda saber que muitos homens não levam jeito para lidar com muito dinheiro. Se cada um souber se contentar com aquela vida que parece ser a melhor para si, seguindo os passos da Divina Providência, certamente terá paz mais segura.

 

Vocação religiosa

Um dia alguém recebe de Deus um chamado. É muito difícil haver um chamado para a vocação se a criança não for educada com princípios católicos, em casa, na escola e na faculdade. Sempre que posso eu alerto os pais de família, porque não formaram seus filhos para a vocação. Isso é um problema que vocês vão ter de enfrentar. Por que não formaram seus filhos para a vocação? Porque os formaram para ganhar dinheiro.

Eles os formaram para ter mulheres, viver no prazer ou para o sexo? Não, absolutamente. É verdade que, em geral, foram fracos quando não limitaram o uso da televisão, da internet, as noitadas em ambientes sensuais, atravessando a madrugada, toda essa vida social decadente e imoral que se vê hoje, e que leva ao pecado. Contudo, não foi essa a intenção primeira deles. Tiveram falta de visão? Sim, mas não era essa a intenção. A conseqüência dessa fraqueza é uma vida estéril, vazia, sem busca da verdade, sem amor pela oração, e sem vocações nas nossas famílias da Tradição.

Vocês podem objetar que o mundo é assim, exige que se viva dessa maneira. Respondo: nem tanto, nem tão pouco; é possível conviver com os amigos, jogar bola, se divertir, e não pecar. O pecado é como um muro: podemos chegar bem perto, até bater com a cabeça nele, mas não podemos ir além, senão, não somos homens. O homem quando peca, não é homem. Não tem mais a razão iluminada pela graça, dominando sobre os sentimentos; ele inverteu o seu reino interior e perdeu sua qualidade de filho de Deus.

A vocação é o fruto da presença de Deus. A maioria das vocações é uma graça que Deus dá apesar de o jovem ter vivido dessa forma. Quando há algo dentro do coração do homem que é dócil a esse chamado de Deus, o jovem abandona tudo e segue a Cristo. Mas acontece o contrário, quando há algo que não é dócil, porque preso ao vício, preso aos prazeres, preso ao gosto do dinheiro, preso ao gosto da liberdade. E a vocação morre na esterilidade da semente do espírito.

Eu falei da presença de Deus, de Jesus Cristo. Qual a relação do homem católico com Jesus Cristo, que é homem? É preciso que o católico tenha alguma relação com Jesus Cristo: relação séria, de homem a homem. Às vezes é preciso sentar-se diante de nosso pai, e ter uma conversa de homem a homem, já não mais de criança. O problema é que Jesus virou uma espécie de mito para a gente. Ele está no crucifixo, está no altar. Aos domingos vamos à Missa, comungamos; sabemos mais ou menos que se trata da Presença Real de Jesus, mas não estamos mais ligados a nada. Vocês não têm a seriedade de olhar para Ele e dizer: “Eis O homem”. Tenho de me espelhar n’Ele, Ele é o meu modelo. Tudo aquilo que posso dizer sobre minha virilidade, Ele possui em perfeição. Tudo o que posso dizer sobre meu modo de ser homem, Ele se encarnou para me ensinar. Tudo o que tenho como preocupação de homem, posso falar com Ele, pois serei ouvido. É na Fé, é verdade. Mas é preciso passar pela Fé para podermos ter com Ele a conversa eterna que iniciaremos na porta do Paraíso. Um dia morreremos, e quando isso ocorrer, Ele estará lá, sentado em seu trono. Então, chegaremos. A quem puder olhar nos seus olhos e dizer: –“Senhor, estou aqui. Posso entrar no vosso Reino? Fui fiel para poder entrar, lutei para poder entrar, fiz tudo para poder entrar”, Ele vai olhar nos seus olhos e dirá: “Entre, venha tomar parte no Reino que lhe foi preparado desde o princípio”. Porém, se o homem começar a desviar o olho, a não poder encará-Lo face a face, Ele dirá: “Afaste-se de mim, maldito, e vá para o fogo do inferno”.

Então, estamos na faculdade, na profissão, em casa, estudando, praticamos esporte... Ele tem de ter participação nisso.

Vocês talvez não tenham sido chamados à vocação, mas precisam ter uma relação com Jesus Cristo, como todo católico.

 

O que na educação ajuda a vocação religiosa?

Piedade, honra, Fé, educação, aprender a rezar... O pai deve perder tempo com o filho, saber que não pode ficar pendurado na internet, com seus amigos: ele tem de perder tempo com o filho. A primeira coisa que vão tentar colocar na cabeça de vocês é que ter filhos atrapalha. Todo mundo vai dizer isso para vocês: filho atrapalha, atrapalha o meu projeto de vida. Ora, quem disse que Deus quer esse seu projeto de vida? Você perguntou para Ele? Ele disse que tem de ser assim?

Ter filhos não atrapalha, porque o filho é o fruto do casamento, é a razão de ser da vida familiar. Ter filhos, para um jovem casal moderno, é reverter a situação de decadência, é sermos homens de verdade. Parece que eu avancei um pouco ao falar do casamento, mas não faz mal. Voltaremos a falar no assunto.

 

Esporte

Dentro de tudo isso entra a questão do esporte. É uma questão menor, podemos dizer assim, mas pode ser perigosa. Pode significar saúde e bem estar. Aqueles que não gostam de praticar esporte devem se esforçar para fazer alguma atividade física, porque o mundo moderno corrompe o corpo e a alma; sim, corrompe o corpo também. Não temos medida na comida, não temos medida na bebida. O mundo moderno é profundamente intemperante.

O homem antigo não precisava praticar esporte. A vida já era um esporte: ele cortava lenha, roçava a terra, andava a cavalo, tudo nele era esforço. A vida era um combate físico, de modo que o homem era saudável naturalmente. Hoje, não: o homem fica sentado atrás de uma cadeira, na escola toda, na faculdade toda e também na profissão: computador, computador, computador. Assim, vai atrofiando, desenvolvendo dores, gordura etc. Dessa intemperança pecaminosa surge a grave preguiça, a inversão da noite e do dia, a perda do ritmo natural do sono restaurador.

Mas, além da saúde, existe a paixão. E a paixão vicia, é sentimento sobrepondo-se à razão. Quando o esporte significa uma paixão, ele acarreta muitos erros e faltas, a começar pelos estudos e demais obrigações. O esporte é saudável, é gostoso, mas tem de se tomar cuidado. Outro problema relacionado com o esporte é a vaidade com o corpo. Chega a ser doentio o cuidado que vemos em rapazes ligados ao esporte, ou às academias de ginástica, onde se promove o culto do corpo. Muitos católicos se deixam levar por erros grosseiros como este.

Muitas vezes, por outro lado, encontra-se na prática do esporte a formação do sentido de justiça que pode ser uma virtude. O espírito de sacrifício e de superação também podem estar presentes, assim como o aprendizado da aceitação virtuosa da vitória e da derrota, como vimos na escola. Também podemos ver os jovens desenvolverem as amizades, o sentido da ordem, da hierarquia e da camaradagem.

A piedade muitas vezes cai muito, pode desaparecer por completo. É muito bom viajar com os amigos, competir, mas é preciso lembrar que temos nossas obrigações religiosas. O 3º Mandamento é uma obrigação estrita, e não podemos faltar à missa por causa de uma competição. Quando estamos no meio do mundo, temos obrigação de rezar. O católico tem obrigação de rezar, pois não seria normal estarmos numa casa e nunca nos dirigirmos ao dono da casa. Deus é o Senhor do nosso coração, e devemos todos os dias dar a Ele o nosso tributo de amor, que se manifesta pela obediência aos seus Mandamentos e pela oração.

 

Meu trabalho, minha profissão

A dedicação. Um dia acordamos e estamos formados. Vamos aprender que não podemos fazer somente o que queremos. É preciso acordar cedo. Dedicação. O profissional dedicado vai ser visto pelo patrão, vai buscar a perfeição: não apenas a obrigação, mas o gosto de fazer a coisa bem feita, não pela vaidade.

Cuidado com o comunismo. Aqui o comunismo vai atuar muito forte: virá o sindicato, o Procon, a tentação de tudo resolver nos tribunais. Tentarão impingir nas suas cabeças que o patrão é necessariamente usurpador e mau; o espírito de vingança será a tônica do ensinamento comunista. Todo mundo tem isso hoje no sangue. Somos deformados. Em alguns casos pode ser necessário entrar na justiça, mas em geral, não é esta a atitude de um homem católico. Cuidado com o desejo de se dar bem na vida. Já vi muitos católicos, que freqüentam a Missa, entrarem na justiça contra o patrão. Às vezes o patrão faz algo que não deveria fazer, isso pode acontecer; mas é preciso suportar com paciência muitas injustiças, e a vida continua. Não se pode querer tudo no rigor da justiça, sabem por quê? Porque acabaremos achando que essa vingança mesquinha é o normal da vida, e não saberemos agir de outra forma. Leiam o Evangelho. O que custa todo dia ler um pedacinho do Evangelho? Nele, aprendemos a conhecer esse homem, que é também Deus, e nos ensina a viver como verdadeiros homens. Ora, lá no Evangelho lemos a história do sujeito que devia uma boa quantia, suplicou ao patrão e teve a dívida perdoada. Logo em seguida, esse mesmo homem encontrou um companheiro que lhe devia um valor insignificante, bateu nele e o colocou na prisão. O patrão, ao saber disso, chamou-o e disse: “Eu não perdoei a sua dívida, que era muito maior? Por que você não teve misericórdia com ele?”. Eis o Evangelho, e ele é contra o sindicato, contra o comunismo, contra esse mundo de aproveitamentos mesquinhos em que se vive hoje.

Qual a finalidade da profissão? Subsistência, viver, comer; isso significa ganhar dinheiro. Agora, esse dinheiro é diferente daquele outro. Isso aqui é nossa obrigação: é preciso ganhar dinheiro. E esse dinheiro precisa ser ganho com a razão dominando os sentimentos.

Existe ainda outro ato de justiça nosso para com o patrão. Quantas tentações as pessoas têm de roubar. “Não faz falta, não”. Ora, não faz falta, mas não é seu. É preciso manter a seriedade da propriedade. Nosso Senhor vai pedir contas disso. Vocês sabem que quando alguém se confessa de furto, o padre explica ao penitente sobre a obrigação da devolução. Não basta se confessar, é preciso devolver; a justiça de Deus o exige.

Por outro lado, pode acontecer de um católico se deparar com alguma exigência contrária à moral ou à fé. A alma católica precisa ponderar com cuidado, pedir conselho, e uma vez ficando estabelecido que aquele ato é, em si mesmo, um pecado, conversar com seus chefes e explicar sua dificuldade de consciência. Atos ilícitos com contratos, favorecimento de abortos, e outros tipos de exigências não podem ser realizadas.

Por fim, é preciso considerar que o mundo moderno levou o homem a divinizar o trabalho, talvez por causa do apego exagerado, que ele mesmo criou, ao dinheiro. O fato é que muitos pais de família negligenciam o tempo que deveriam dedicar aos filhos e à esposa, para ganhar mais dinheiro. Muitas vezes até mesmo o descanso dominical e a missa ficam relegados a segundo plano. Somos levados insensivelmente a considerar as obrigações familiares e religiosas como algo secundário, como um peso e um estorvo para a nossa vida. Para aprofundar essa noção, recomendamos a leitura do artigo “A Casa”, de Gustavo Corção. Tenhamos um grande apego às nossas famílias. O ambiente familiar deve ser de tal forma preservado que a volta para casa seja sempre acompanhada de alegria e de repouso. O mundo moderno empurra o homem para fora de si mesmo, para a perda da vida interior, ao mesmo tempo em que o empurra para a rua, para o exterior da sua casa, do seu casulo onde são alimentadas as amizades profundas e a piedade.

 

Casamento

Eu digo para vocês que não são homens, também por causa da relação que têm com a mulher. Dirão vocês: “É o contrário. É por isso mesmo que somos homens: é natural ao homem buscar a mulher”. É verdade, mas quando nessa busca deixam que imperem os sentimentos, a coisa se complica, porque gera o pecado.

A mulher, em princípio, é a companheira. Adão procurou, entre todos os seres, uma companhia para si e não a encontrou. Deus, então, tirou a costela de Adão e fez a mulher. Adão reconheceu em Eva o osso dos seus ossos, a carne da sua carne. Chamou-a de mulher da sua carne. Virago. “Vir” significa homem, em latim. Aquela que veio do homem.

Ela é complemento, porque de fato preenche a vida do homem. E esse complemento começa como uma fortaleza que deve ser conquistada. A relação do homem começa com uma conquista, e não é qualquer mulher que deve ser conquistada.

Que significa conquistar uma mulher? Para quê? É uma ordem da natureza a conquista da mulher, para que ela seja companheira, para que ela seja o complemento. Por causa dessa finalidade, a fortaleza deve ser vencida e conquistada. Esse ímpeto que conduz o homem à conquista do seu castelo é o amor.

O que o mundo moderno faz neste ponto, esse mundo sem lei e sem honra, é viver de paixões, extravasar as paixões na busca da mulher. Isso não é o verdadeiro amor, que está na formação de uma companheira, de um complemento. Porque uma coisa é a conquista de uma fortaleza – lugar forte, estável, definitivo – outra coisa é possuir um “carrinho de mão”.

Uso aqui a figura de um carrinho de mão para mostrar a instabilidade, a coisa cambiante e cambaleante.

A mulher de hoje, que é conquistada pela juventude, é “carrinho de mão”. Tem rodinha. Rotatividade. O verdadeiro amor só pode ser por uma fortaleza, que se conquista para ser sua, para ser sua morada e seu domínio. Aparece aqui a veracidade desse bem do casamento, tal como Deus o instituiu no Paraíso, que é a indissolubilidade. Todo casamento é indissolúvel, porque é a conquista de uma fortaleza amada, que se tornou sua morada definitiva.

Como se realiza essa conquista? Vocês sabem muito bem que no passado, no regime de casamento natural, ele passava a existir a partir da união carnal. Se um homem e uma mulher tiveram relações, consideravam-se casados. Nós, católicos, batizados, temos um sacramento. O sacramento do Matrimônio gera uma graça sobrenatural que sela a união do casal. Nosso Senhor instituiu um sacramento próprio para isso, próprio para o amor, próprio para o sexo, próprio para a conquista da fortaleza. É um sacramento, e se é assim, se é um sacramento, se a conquista da fortaleza vem pela graça, olhem então para Jesus Cristo e perguntem se vocês podem namorar como o mundo hoje namora. Vale a pena fazer isso? Essa é a questão: Perguntem a Jesus Cristo. Vocês não estão sendo homens quando levam uma vida de pecado, quando se entregam a qualquer coisa. Vocês têm uma casa para formar. Não percebem que tendo com a mulher uma relação banalizada, estão destruindo essa fortaleza? Não estão considerando os fundamentos da sua casa futura? A mulher que não é a fortaleza a ser conquistada, é casa sem muralha, é porta aberta, onde os homens entram e saem ao sabor das paixões e sentimentos.

Os jovens de hoje diminuem tudo quando não percebem que a mulher é a porta aberta ao pecado. Vocês vão ter de criar um casulo, criar asas coloridas, como a borboleta. Quando um homem se une a uma mulher, ele a possui. Mas isso não acontece nesses namoros sexuais modernos. Ele a levou para casa? Vai dar comida para ela? Vai ter filhos com ela? Claro que não; então, eles não possuem a mulher, não é amor verdadeiro. Não tem Jesus Cristo. Não tem finalidade.

E eu já ouço a resposta: “Ah! Mas eu a amo”. É claro que ama! Qualquer homem ama uma mulher que está em seus braços. Mas não é o verdadeiro amor. É um amor de sentimento, uma paixão que une a carne, mas não é a conquista de uma fortaleza. É a conquista de um carrinho de mão. Um a mais, na coleção dessa falsa virilidade.

Quando isso é feito com a finalidade própria, então a razão domina sobre os sentimentos. O homem possui a mulher nesse sentido profundo de que falei, e o sentimento de posse é verdadeiro. Há uma falsa posse no sentimento que vem a um homem quando tem relações com uma mulher que não é a sua esposa, que não é a sua escolhida, a sua companheira conquistada.

O mundo da Revolução em que vivemos propaga que, quanto maior o número de mulheres com quem um homem tem relações, mais viris são. É o contrário disso: eles são menos homens. Qual a mulher que quer hoje ser possuída? Pergunto aos que têm condições para já estarem casados: Por que até hoje não se casaram? Porque a mulher não quer. Ela tem profissão, ela quer se formar, quer manter sua liberdade. Então vocês não as possuíram. Na hora que vocês conquistarem a fortaleza, a mulher se entrega, e ela só quer uma coisa: ser do homem. E aí ela se casa. Hoje em dia ninguém se casa por causa disso. Não existe o verdadeiro amor. Portanto, não existe verdadeiro sexo. É tudo uma enganação, um prazer passageiro e egoísta. Não é posse, não é a conquista da fortaleza. Isso tem de ser visto, isso precisa ser analisado de modo muito profundo diante de Jesus Cristo.

A formação da família passa por essa crise profunda, em que a mulher se igualou ao homem na busca de uma profissão, no dinheiro que quer ganhar, deixando de lado o maior bem que é a maternidade e a transmissão aos filhos do caráter e da honra, que é a verdadeira educação. Quando ela considera o casamento um bem para si mesma, une-se de modo instável ao seu namorado, considerando mais a manutenção da sua vida própria do que a doação de si mesma ao seu marido. Ele, por sua vez, deformado pela falsa ideia de masculinidade que lhe passaram, não saberá viver como verdadeiro homem. Os dois terão diante de si o desafio de voltar à casa, e nem sempre saberão como realizar este retorno.

 

Voltamos à casa

Tudo começa dentro de casa, para a criança que se tornará um homem adulto. Após todas as etapas que procuramos analisar, voltamos à casa, à nova casa criada pelo casamento. Ao longo da vida de criança até alcançar a idade adulta, a grande questão será a formação da cabeça do homem. É aqui que eu queria chegar. Toda esta conferência foi feita para analisarmos como os homens, hoje, iniciam sua vida de casados. Vocês não são homens porque a cabeça de vocês é deformada. Não sabem mais possuir. Digo isso porque, quando chegam na casa, não são chefes, não são autoridade, não são pais. Continuam sendo garotos mimados, egoístas, agora em disputa com a mulher para ver quem, no igualitarismo moderno, vence a queda de braço.

 

Qual a característica de um chefe em casa?

Em primeiro lugar, o papel do chefe da casa é comandar a sua casa, amar sua esposa, educar seus filhos. Em seguida existe a grande obrigação de dar subsistência à casa. Que a mulher ajude nesse ponto, como o homem ajuda a cuidar dos filhos, entende-se, apesar de que deve haver um esforço da sociedade familiar para proteger e priorizar a permanência da mãe junto a seus filhos. Que o homem se lembre de que cabe a ele essa obrigação, e a ela a obrigação própria da maternidade. Um primeiro ponto muito importante para a boa formação do lar é a harmonia das tarefas e das funções.

O pai precisa saber que ele dominou, ele conquistou a fortaleza, ele adquiriu a autoridade. Essa autoridade não significa que a mulher não seja companheira dele. Os dois se completam, mas não como duas peças de uma máquina. A vida da esposa é, ao mesmo tempo, complementar e subordinada à vida do marido. A analogia que poderíamos tomar seria a relação entre a cabeça e o coração. Um não vive sem o outro, mas a cabeça é mais do que o coração. Nela reside a inteligência, o conhecimento e a visão. Sem o sangue bombeado pelo coração, a cabeça morre, mas sem a cabeça, a bomba de sangue não serviria para nada. Essa harmonia está na essência da casa, ela é muito mais do que uma harmonia de agir, de bom entendimento entre os dois. A essência da família está nessa relação de autoridade e de subordinação. Ela é bela e profunda e o casal ganharia muito se compreendesse a riqueza que existe nesse fundamento espiritual da família.

Os dois mandam nos filhos, os dois têm autoridade sobre os filhos, mas entre os dois existe uma hierarquia. Ele é o chefe da casa, mas o homem de hoje não sabe mais ser chefe, ser cabeça. Não foi formado dentro dessa perspectiva. As mulheres trabalham, estudam, têm altas posições nas empresas, e quando chegam em casa não sabem mais se posicionar diante do marido. A mulher enfrenta o marido porque tem vontade própria. O marido reclama da mulher porque tem suas atividades próprias e a casa atrapalha. O filho enfrenta os pais. Tudo é invertido.

Então, o sujeito chega com a noiva para se preparar para o casamento (muitas vezes já vivem como marido e mulher). O padre explica “Adão e Eva... Pecado Original... Deus deu Eva para Adão... instituiu o casamento natural... Jesus Cristo elevou o casamento ao nível de sacramento, um ato sagrado... formação da família”. Casam-se, e logo começa a briga. “Eu quero isso”, “eu quero aquilo”, “eu quero assim”, etc. Perdeu-se a ordem das coisas. O homem com seus sentimentos, vontades e gostos; e a mulher, com seus sentimentos, vontades e gostos vão fazer uma mistura. Casamento hoje é mistura. Na hora em que os sentimentos, vontades e gostos do homem não derem certo com os da mulher – porque sentimento, vontades e gostos são coisas que variam – acaba o casamento. Não é isso o casamento. Casamento é passar por cima dos sentimentos, vontades e gostos porque existe algo chamado família, e família é mais do que o homem e mais do que a mulher. Existe um bem comum, e esse bem comum o homem tem obrigação de preservar. Ele, em primeiro lugar, porque é o chefe: Deus vai lhe pedir contas do que fez com sua família. Se Deus instituiu a reforma da razão sobre os sentimentos por meio do sacramento do Matrimônio, é porque Jesus Cristo tinha, para com a família, algo de muito forte, e confia ao homem algo que é d’Ele: “Eu te dou esta família, homem, chefe, para você cuidar, para propagar o gênero humano, para levar isso adiante, até o dia em que Eu tenha a corte celeste completa e acabe com esse mundo passageiro, para todos viverem na glória do Paraíso, enquanto os pecadores irão para o inferno”. Jesus Cristo tinha uma intenção muito forte, e Ele põe isso na mão do homem, na chefia da família. O homem esqueceu que ele tem essa responsabilidade. Hoje é tudo vivido no mesmo nível, no igualitarismo. Ouvem o que o padre tem para dizer, a doutrina bimilenar da Igreja, mas não sabem pôr em prática, porque o mundo não deixa. A mulher também não sabe mais o que significa essa subordinação, revolta-se contra ela como se trabalhar num escritório ou num projeto qualquer também não lhe trouxesse submissão às autoridades. Perdeu a noção de que, subordinada àquele que ama, àquele que a ama, e voltada para o bem dos filhos a quem deu à luz, viveria mais feliz do que no deserto de um mundo cruel e implacável. Como disse Gustavo Corção, elas acharam mais interessante arrumar um fichário do que arrumar a gaveta do armário.

Esta situação significa um desequilíbrio grave nas forças naturais da sociedade, no fundamento da família. O convívio dos meninos com meninas da mesma idade, continuando na adolescência e na juventude alterou completamente a relação entre os dois sexos. A saudável diferença de idades que existia antigamente, quando as mulheres casavam-se com homens mais velhos, desapareceu quase por completo, pois o convívio diário atrai os jovens da mesma sala da escola ou da faculdade. Como a psicologia da mulher é mais amadurecida do que a do homem, elas acabam tendo mais dificuldades para a função que lhes é própria na hierarquia da família, enquanto os homens se acomodam, sem perceber, numa confortável dependência da mulher mais madura do que eles.

Jamais a humanidade conheceu época tão desequilibrada como a atual. O meio século que nos separa do final da 2ª Guerra Mundial abriu um abismo entre o mundo moderno e o anterior. Estamos em uma nova civilização que já não tem mais nada de cristã. Está destruída a família, está destruído o homem e também a mulher. Este novo mundo é formado por uma geração de homens que perderam a noção da fortaleza própria do homem; uma geração de mulheres que perdeu o gosto pela maternidade e pela grande aventura de educar filhos, para que recomecem, mais tarde, o ciclo da vida social, pela fundação de uma nova família.

Os católicos podem resistir a essa destruição. Mesmo não tendo mais o Evangelho como critério da civilização, podemos mantê-lo como critério das nossas casas, da educação dada aos filhos, das escolas que possamos fundar e do mundo empresarial que consigamos formar.

No final da nossa formação, recomeçamos todo o processo: casa, escola, faculdade, vocação, esporte, profissão... Mas agora são vocês, e não seus pais. São vocês com suas esposas e com os filhos que vieram do casamento. Porque vocês souberam ser homens, souberam vencer o mundo, reverter a situação que o mundo trouxe para a vida de vocês.

Então, vocês vão viver a vida sabendo que têm uma finalidade, que é assumir o turno de vocês na construção da civilização cristã.

Essa é a realidade em que se vive hoje. Pensem nessas coisas e considerem isso de um modo profundo na vida de vocês. Não sei se tem solução para toda a sociedade, pois isso depende de um milagre, e nem sempre os homens merecem os milagres. Mas certamente existe uma solução pontual para cada um de vocês. Basta que procurem voluntariamente a formação necessária e a vida virtuosa que, só ela pode nos dar a graça divina necessária para a restauração do homem ainda nessa vida, e a conquista do céu, na vida eterna.

  1. 1. S. Paulo Rom, VII, 19.. E mais adiante o Apóstolo completa: “Mas vejo nos meus membros uma outra lei que se opõe à lei do meu espírito” Idem, VII, 23.
  2. 2. Gn 3, 17

O quarto mandamento

Gustavo Corção

 

I

Uma primeira vista d’olhos sobre o panorama da atualidade, em todo o mundo, nos dá a impressão de uma efervescência sem regras nem rumo. A História, segundo esta primeira impressão, seria uma agitação errática e desordenada de vidas que querem viver seu fugaz momento, movimento browniano de pó de vidas.

Uma análise mais atenta revela-nos, indubitavelmente, linhas-de-história de marcada ascensão humana, e, portanto de marcado propósito de procurar um mundo melhor. Em que sentido? O único que nos parece incontrovertido é o do progresso, pela ciência e pela técnica, do domínio do homem sobre o mundo exterior e interior. Há um indiscutível e admirável progresso nas ciências e técnicas. O homem já vê a distancia, e já pôs o pé na Lua. Nos países mais avançados naquela linha já se entrevê uma melhor divisão dos bens materiais a despeito da atoarda que ainda fazem os revolucionários que assim vêem escapar-lhes das mãos o triunfo da miséria com que exploram a miséria.

O que não se vê, por mais que se queira abrir créditos ilimitados aos fatores materiais da vida humana, é um sinal de verdadeira ascensão humana na efervescência do momento histórico. Ao contrário disso vêem-se tendências contestatórias, torrentes de recusa e de protesto atiradas contra o passado, contra a tradição, CONTRA O PAI. As novas gerações são solicitadas a manifestarem sua maioridade com a bofetada na mãe e a morte do pai.

Essa estranha tendência contrária à lei natural contraria o próprio interesse do homem, trabalha para seu rebaixamento e sua perdição. Não se poderia, pois, pensar que tal inclinação seja normal, e faça parte dos dinamismos da História.

Em nossos dias essa aberração anti-histórica, anti-humana, aparece claramente como obra de uma contracorrente atuante ao arrepio dos mais altos interesses humanos. Essa contracorrente, indecentemente atuante em nosso tempo, vem de movimentos históricos organizados, e reativados nos últimos quatro séculos, com os quais uma caravana de dementes oferece a miragem de um mundo melhor desde que lhes permitam reduzir a pó este mundo mal feito que recebemos de nossos pais.

Quando Largo Caballero tomou as rédeas da Revolução na Espanha em 1936, proclamou: “Nosotros no dejaremos pedra sobre pedra de esta España, que devemos destruir para rehacer la nuestra!”.

Este é o ideal central da Revolução: destruir tudo, voltar à estaca zero para então recrear ex-nihilo. Seus dirigentes são deuses.

Em nossos dias ganham destaque, na turbulência dos eventos, as linhas de contestação do Pai.

***

 

Ora, o Cristianismo é, essencialmente, a Religião em que Deus se revela como Pai. Desde o Antigo Testamento se vê, passo a passo, que a preparação do Advento do Senhor é uma tradição de pai para filho: “Escutai, filhos, a instrução de um pai (...) Eu também fui um filho para meu pai, um filho dócil junto de minha mãe...” (Prov. 4, 1-2). “Não despreza, filho, a correção de Javé, e não tenhas aversão por seus castigos, porque Javé castiga aquele que ama, como um pai castiga o filho predileto” (Prov. 3, 11). E em Isaías: “Vós, Javé, sois nosso Pai, nosso Redentor. Este é o vosso nome desde tempos imemoriais. Por que, Javé, permitis que andemos errantes longe de vossas vias, com o coração endurecido contra o vosso temor?” (Is.53, 16-17).

Mas é no Novo Testamento que ganha todo o esplendor a paternidade de Deus. Desde os abismos de sua vida íntima e trinitária, Deus é Pai, e toda a vida divina procede do Pai e volta ao Pai. Analogamente, para arremate perfeito da Criação, Deus quererá para si todas as criaturas, e muito especialmente quererá a volta daquela criatura feita à sua imagem e semelhança. E envia ao mundo seu Filho Unigênito para resgate dos homens que doravante tornados filhos adotivos no Sangue do Unigênito, possam dizer com pleno direito Abba Pai. E é o próprio Jesus, num dia memorável entre todos os dias, que ensina aos homens a língua com que devem falar a Deus: “Pai Nosso”. Nessas duas palavras estão concentrados todos os mandamentos, porque a primeira diz Pai, e dirige-se a Deus, enquanto a segunda diz nosso e derrama-se em torno de nossos irmãos.

O mundo moderno, nos seus pruridos revolucionários, é anticristão porque é todo orientado por uma soberba rejeição do Pai. E para maior escárnio inventaram uma fraternidade revolucionaria baseada na decapitação do Rei, já que não tinham à mão a própria cabeça do Pai que está no Céu. Não é por mero acaso que a Revolução Francesa escolheu a linguagem das decapitações. Não é por mero acaso, também, que os revolucionários, da nova Igreja, dita “progressista”, exaltam o ídolo do “jovem” liberado definitivamente do 4° Mandamento.

Nós sabemos que toda a grande tradição católica tirou do 4° Mandamento as lições relativas ao princípio de autoridade e de ordem social. E assim, a moderna contestação do 4° Mandamento, pregado abundantemente na era pós-conciliar, não apenas dissolve a família como também a pátria. Toda a noção de ordem, sem a qual não há sociedade politicamente organizada e orientada para o bem-comum, prende-se à fundamental relação Pai-Filho, que o revolucionismo quer destruir.

E é com infinita tristeza, com cansadíssima tristeza que vemos, mais uma vez, o espetáculo da degradação e da impotência dos novos Bispos, ou dos Bispos atualizados, que já não sabem mais nada do tema central de toda a Revelação. Agora mesmo, na nova reunião ou congresso dos Bispos americanos, falou-se no problema da família na América Latina, e logo surgiram frases estereotipadas: os pais precisam dialogar com os jovens, nós temos confiança no jovem, e outras do mesmo quilate. Terá a Igreja Católica perdido o seu diapasão e esquecido o 4° Mandamento, terão seus hierarcas perdido o gosto de dizer Pai, e o gosto de dizer “filho, inclina o ouvido e escuta as palavras de um Pai amoroso...?

Quem passou a vida inteira a ler e reler as palavras de Deus nas Sagradas Escrituras, ou as palavras dos santos na vida da Igreja, não reconhece a mesma Voz nesse linguajar das conferências e congressos episcopais. Mais depressa reconhece o sotaque do velho conhecido lobo.

 

II

Peço ao leitor a paciência de suportar a insistência com que bato na mesma tecla: o nervo de toda a subversão e de toda a agitação que se observa hoje no mundo católico, especialmente no clero, é o da contestação do Mandamento “honrarás pai e mãe”.

Acima mostramos que este é o eixo da Revolução anticristã que de século em século se avoluma. A frase conhecida de Lacroix: “la democratie est le meurtre du père”, aplica-se melhor à Revolução que, desde a Renascença e a Reforma, pretende trazer ao mundo um novo humanismo liberado do Cristianismo, e, portanto, voltado contra o Cristianismo. Como se não bastasse a contestação de Deus Pai, e o repúdio da tradição e do passado, em favor de um progresso sem entidade idêntica a si mesma e capaz de aperfeiçoar-se sem deixar de ser o que é, ainda inventaram os homens, nas instâncias psicológicas, uma idéia de paternidade opressiva que representasse a consciência moral. E assim, em todos os níveis, a idéia de paternidade é demolida para que o novo homem, filho sem pai, possa realizar sua liberação total.

Dentro do mundo católico, esse monstro produziu aberrações que nem sempre parecem diretamente ligadas ao grande ideal parricida. Uma dessas aberrações é a frenética promoção d’O JOVEM. À primeira vista parece simpática, otimista e esperançosa essa exaltação da juventude; melhor reflexão, todavia, revela sua falsidade, e então o que parecia auroreal e otimista torna-se lúgubre e até obsceno. Tomemos por exemplo a frase “eu tenho confiança no jovem” de que muitos Padres e Bispos não conseguiram escapar. Essa frase parece uma proposição inofensiva, um sorriso, uma amabilidade, uma generosidade; na verdade, porém, é uma frase destituída de sentido e carregada das mais dissolventes conotações. De início a proposição é tola porque o jovem, por definição, é algo que ainda não disse ao que veio e, portanto, é alguém de que só posso dizer que tenho esperanças ou inquietações, conforme os sinais que nele observo. Mas dizer que tenho arrematada confiança em quem ainda não deu provas, é dizer um nonsense. A rigor, dos jovens e aos jovens, só podemos dizer com propriedade e sinceridade que cresçam e apareçam.

Com verdadeiro amor só posso dizer aos moços que não tenham tanta jactância de suas imaturidades e que cuidem diligentemente de aprender duas coisas. Primeira – agradecer a Deus e aos homens o que encontraram feito: água nas bicas e no mar, frutos nas árvores e no prato. O primeiro sinal que me predisporá a ter confiança num moço será essa disposição de agradecer. O segundo será a visível disposição de continuar e prolongar o que encontrou.

Ora, a adulação, com que os padres progressistas cercam os moços, só pode produzir o resultado oposto a essas duas virtudes: sim, só pode produzir a fatuidade e a soberba.

Para agradar ao semideus moderno os padres progressistas não recuam diante das mais ousadas iniciativas. Uma delas é a de promoção de “encontros” em que se misturam, com forte densidade, os jovens dos dois sexos.

Pode à primeira vista parecer que esses “encontros” visam principalmente a destruir os tabus do 6° Mandamento. Também isto entra nas cogitações dos aduladores dos jovens, mas o principal objetivo visado é sempre o pai. O pai da Terra e o Pai do Céu.

A exaltação da autonomia dos jovens tende evidentemente a mostrar que qualquer ação normativa e educadora é contrária à liberação do jovem, e, portanto, é contrária ao espírito da nova Igreja, e do mundo novo. Num mundo em que os padres têm horror à paternidade e pervertem os moços tranqüilizando-os e estimulando-os na soberba e na jactância, é fácil prever o desamparo em que ficam os educadores. Em si nunca tal tarefa foi isenta de espinhos. Daí a insistência com que Deus revelou a necessidade de defender essa linha. Dificílima, porém, se tornará a tarefa quando a sociedade em torno da família conspira contra os pais e ainda mais árdua se torna quando, além de faltar o socorro da Igreja, os padres trabalham sofregamente na perversão da juventude. Os pais, transtornados, perdem o pé, e então o anti-pai triunfa e aponta-o como clara demonstração de impotência e de inutilidade. Acelerado o círculo vicioso chega-se ao ponto em que se torna impossível educar.

Numa sociedade assim pervertida os jovens serão “os únicos juízes de seus atos”, como diz com toda ênfase e garbo um dos catecismos aprovados neste País pelas autoridades eclesiásticas que querem corrigir as distorções socioeconômicas das regiões menos favorecidas, mas não mostram nenhum empenho em evitar que os jovens sejam pervertidos por padres revolucionários.

E aqui torno a dizer que não ponho o acento tônico dessa perversão no 6° e sim no 4° Mandamento. Os desvios do 6° Mandamento podem-se explicar por fraquezas sensíveis que estão na linha da natureza das coisas: mas os desvios do 4° Mandamento são obra de um espírito de orgulho que está na origem de todos os desconcertos do mundo.

É horrível o espetáculo que o mundo católico, na área dita progressista, nos proporciona hoje. E a conseqüência não se faz esperar. Sim, senhores Bispos, é preciso ter sempre em mente que as coisas têm conseqüências. Se os jovens são arrancados à autoridade dos pais, cedo ou tarde terão de esbarrar em outro tipo de autoridade mais áspero. Tornados viciados, indisciplinados, revoltados, e eventualmente arrastados pelos agentes da subversão até a ação direta do terrorismo, os mesmos jovens adulados e caramelados pelos ávidos padres terão de esbarrar na repressão policial que é mais dura do que os pitos e conselhos do pai.

Eu não chego a dizer que os padres progressistas promotores de jovens tenham desde o início o desejo de transformar seus amiguinhos em criminosos, mas não hesito em pensar que é isto, precisamente, que o Demônio espera desses padres.

E agora que leio nos jornais que os senhores Bispos da América Latina concluíram que, para a restauração da família, é necessário que os pais entrem em diálogo com os filhos. Sim, diálogo, conversa, tolerância, mas não palavra de pai amoroso que quer o bem de seu filho. Para esse tipo de relacionamento entre pai e filhos não podemos contar com as reuniões episcopais.

 

 

Revista Permanência, setembro de 1973, n° 59, Ano VI.

Como educar as crianças para a honestidade

Irmãs da FSSPX

 

A honestidade é uma qualidade primordial, indispensável à criança; ao iluminar sua consciência, ela permite que a criança progrida; dá-lhe direito de ser tida como confiável por seus pais e por aqueles ao seu redor. Seu inimigo multifacetado é a desonestidade… Os pais têm a difícil missão de combater esse defeito.

As mentiras das crianças… Como ensinar às crianças a falar a verdade?!

“Eduquem-nas a amar o que é verdadeiro”, diz o Papa Pio XII. Sobre os joelhos de sua mãe, a criança deve respirar esse amor à verdade e compreender o respeito, a admiração e o afeto que um coração reto e sincero merece. Jesus louvou Natanael: “Um verdadeiro israelita, no qual não havia nada de falso” (Jo 14, 6). Também é necessário incutir na criança horror a todo e qualquer tipo de mentira que ofende a Deus, relatando-lhes as maldições dirigidas por Jesus aos hipócritas fariseus (Mt 23, 7), o terrível castigo no qual incorreram Ananias e Safira. Digamos a elas que os mentirosos perdem a confiança dos outros, que eles causam grandes danos e adquirem muitos vícios: “Mentiroso na juventude, ladrão na velhice” Que elas sintam que a desonestidade é uma enorme vergonha para nós, uma degradação. Esses bons princípios, ao serem frequentemente lembrados, vão dar-lhes armas contra as tentações.

“Sede vós respeitosos da verdade e atirai para fora da educação tudo aquilo que não é autêntico e verdadeiro” (Pio XII). Nossa força está no exemplo de uma lealdade zelosa! Ah, alguns parentes relativizam sua responsabilidade nesse ponto. Desculpas esfarrapadas, relatos inventados, promessas ou ameaças jamais cumpridas, histórias inacreditáveis… Os pequenos olhos fixos neles se tornam astutos e ladinos… Dissimulados e mentirosos! Sejamos sempre verdadeiros e retos, sem hesitações ou inconstâncias. A vida diária nos fornece milhares de ocasiões de mostrarmos aos nossos filhos a coragem da verdade, custe o que custar. O exemplo é que forma…

Não deixemos que uma mentira passe despercebida, por falta de tempo, sem intervir. Busquemos, primeiramente, sua causa. A criança malcriada usa esse conveniente “guarda-chuva” por medo, para escapar de admoestações e tormentas inevitáveis. Nesse caso, troquemos essas lições brutalmente impostas por uma disciplina baseada na confiança e apelemos à inteligência e à boa vontade da criança. É nesse contato de coração com coração, próxima a sua mãe, que a criança aprende as regras, interioriza-as e cria o hábito de se abrir, de comunicar suas impressões e de reparar em suas falhas. Também evitemos reprimir com muita frequência… Esses constrangimentos poderiam levá-las a, habitualmente, usar dissimulações e outras formas de destrezas.

A criança também mente por orgulho, amor próprio ou vaidade. Por não querer ser tido como culpado, ela esconde suas más ações ou tenta encontrar algo de valor nelas… através de uma mentira. Uma punição corre o risco de torná-la mais empedernida ainda no seu orgulho. É melhor levá-la a voltar-se para si mesma através de perguntas calmas e direcionadas; assim, obtendo uma confissão e retificando, nela, o que é falso e exagerado. Aproveitemos essas ocasiões para fortalecer nossos filhos em uma profunda humildade, um reconhecimento simples de nossas qualidades e nossas misérias. Uma maneira excelente de desenvolver essa honestidade é o exame de consciência feito em família à noite. A lealdade dos pequenos deixa uma impressão forte nos irmãos mais velhos. Sob sua orientação e guia, os jogos também são um exercício de lealdade.

A criança também mente por egoísmo, para satisfazer a suas paixões: preguiça, inveja, vingança, roubo… A criança precisa saber que ela será severamente punida, pois a falta mais grave aqui, muito mais que a preguiça, é o ato de mentir, o ato de enganar aqueles que amamos. Esse pecado pode se transformar num estado habitual se não for seriamente coibido e ele pode encobrir outros pecados! Se a mentira for deslavada, então que seja punida firmemente, sem pensar duas vezes, e mostremos como ela nos causou dor. No caso de dúvida, confrontemos a criança com a consciência dela e com Deus, a quem não podemos enganar. Incitemos a sua coragem, a coragem de aceitar as consequências de seus atos, as eventuais punições. Para evitar que repitamos nossos truques, para obter uma verdade difícil, não hesitemos em amenizar ou até eliminar um castigo se a criança confessar sua falta imediatamente. “Uma falta reconhecida já está perdoada”, diz o provérbio. George Washington, primeiro Presidente americano, na sua infância, cortou uma cerejeira; seu pai, terrivelmente irritado, buscou o culpado do dano. Washington, com simplicidade, respondeu, “Pai, não posso mentir, fui eu quem fiz”

“A sua honestidade”, respondeu o pai profundamente tocado, “vale mais que mil cerejeiras”. Ele, então, abraçou o filho e perdoou o castigo.

As virtudes militares

A expressão é de Charles Péguy, que o mundo inteiro, por um monumental equívoco tomava por socialista, e que, para dar desmentido, morreu como herói na defesa da Pátria. Trago-a à tona da atualidade por causa do Chile, e da necessidade urgente que o mundo moderno tem desse precioso antibiótico.

Na semana passada assisti à missa celebrada pelo Cardeal D. Eugênio Salles na Igreja da Santa Cruz dos Militares, cuja irmandade festejava seu 350° aniversário. Quem fez a belíssima homília foi D. Antônio de Almeida Moraes, Arcebispo de Niterói, que, depois de uma preliminar alusão à efeméride festejada, ressaltou o papel de especial destaque representado nos evangelhos por um soldado romano. Todos conhecem a passagem (Mt. VIII,8 e Lc. VII,1) em que se aproxima de Jesus um centurião pedindo-lhe a cura de seu servo que estava paralítico, e quando Jesus promete ir, responde-lhe então o centurião:

— “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e meu servo se curará. Porque eu sou um subordinado, mas abaixo de mim tenho soldados e quando digo a um destes “—Vá”, ele vai, e quando digo a outro: “—Vem”, ele vem ; a outro: “—Faça isto”, ele faz. Ouvindo Jesus estas palavras, admirou-se e disse aos que o seguiam: — Em verdade vos digo que em todos os israelitas não encontrei quem falasse com tanta fé”.

Note-se antes de mais nada estas simples palavras: “E Jesus admirou-se”. No subseqüente elogio vê-se esta coisa que a muitos modernos parecerá assombrosa: o personagem que em todos os evangelhos recebeu o mais alto elogio de Jesus foi um militar romano, isto é, um militar da potência estrangeira imperialista que ocupava a Palestina. Além disso, cumpre ainda lembrar que a profissão de Fé do centurião se incorporará à Sagrada Liturgia, e será repetida em todas as missas do mundo até o fim dos tempos. Quem jamais terá merecido tamanha honra?

Para bem frisar o agrado com que Deus vê os soldados que encarnam na profissão a santa virtude da obediência, Dom Antônio lembrou ainda outro testemunho de um soldado romano. Estamos no momento em que culmina a obra de Jesus, mas para o mundo parece, ao contrário, consumar-se o seu fracasso:

“Era a hora sexta (12 horas) e as trevas cobriram toda a Terra até a hora nona. Escureceu-se o Sol, rasgou-se ao meio o véu do templo, e Jesus clamou: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito. E dizendo isto morreu.” (Lc. XXIII, 44).

Ora, neste instante em que talvez algum dos discípulos duvidassem da vitória de Cristo, nesse momento que convidava à descrença e à idéia de um malogro total, ergue-se a voz de um soldado romano que, glorificando a Deus, disse:

“Verdadeiramente este homem era justo. (...) Todos os seus conhecidos, e as mulheres que o haviam seguido desde a Galiléia, estavam à distância e contemplavam tudo isto.”

Imaginemos a cena: no centro da escuridão a Cruz entre as cruzes do bom e do mau ladrão; ao longe as mulheres fiéis, perto da Cruz,  Nossa Senhora, e do outro lado com os olhos volvidos ao céu o centurião da potência estrangeira é incumbido por Deus para nos representar com seu testemunho, e para os encorajar quando na vida nos parecer que o Sol escureceu, que a cortina do Templo se rasgou, e que, perdidos na escuridão, nós somos as mais desgraçadas das criaturas. Valha-nos nesta hora o santo soldado desconhecido que creu precisamente na escuridão da Fé.

É conhecida a história da conversão do santo Charles Foucauld, e sabida a influência instrumental regeneradora das virtudes militares na sua salvação e na sua santificação. É narrada por Jacques Maritain, numa de suas mais belas páginas, a conversão de Psichari, o neto de Renan, inimigo declarado do Cristianismo. Também esse transviado nas trevas do mundo, como Charles Foucauld, compreendeu, por uma fulgurante graça de Deus, que devia enquadrar-se numa casa de obediência, onde o centurião diz vai! e o soldado vai; diz vem! e o soldado vem! Com a cabeça raspada, nos serviços da cantina, no exercício da obediência, Ernest Psichari compreendeu que salvava o depósito da Fé de seu batismo.

Agora é numa revista ilustrada francesa (Paris Match, junho, 23,73) que vemos três belos moços na capa a nos sorrirem como os heróis das Cruzadas e os anjos das catedrais, e a nos dizerem para dar o sangue e a vida pela pátria”.

...Um desses moços, na entrevista dada à revista, disse que a decisão firme de escolher Saint-Cyr, e de tornar-se soldado da França, foi a desordem de 1968. Quando maior era a escuridão, quando todos sentiam desânimo, viera-lhe aquela inspiração: ele escolhia uma vida, um testemunho que enfrentasse aquela onda.

Vive-se uma vez só. Vivamos dignamente, vivamos com pureza, e assim ofereçamos todos os bens particulares, saborosos e legítimos, pelo serviço as Pátria, que é um símbolo do serviço de Deus.

Compreende-se assim o horror, o ódio que a torrente revolucionária e inimiga de Deus e do homem tem do soldado. Compreende-se o empenho com que sempre procuraram destruir e desmoralizar as virtudes militares. E também se compreende que, nesta hora de trevas em que vivemos, só se salvará a civilização, a decência e a grandeza da vida humana se se multiplicarem os moços capazes do testemunho da verdade dado pelo centurião diante da Cruz. Precisamos de moços que militem com votos monásticos ou com virtudes militares. Precisamos de opções vigorosas e verdadeiras. E é por isso que senti um calor de animação nova quando li as notícias do Chile, quando ouvi o sermão na Igreja da Santa Cruz dos Militares, e quando vi o sorriso dos moços de Saint-Cyr.

 

Revista Permanência, Novembro de 1973, N° 61.

Como educar as crianças para o serviço

Irmãs da FSSPX

 

Há alguma mãe que não deseje que seu filho seja feliz? Seu segredo consiste em abdicar de si mesma; toda mãe sabe disso. Os mais felizes são sempre os que mais se doam! Desejamos educar nossos filhos para a verdadeira felicidade? Pois tudo começa no Servir.

Nem sempre as crianças cooperam. Algumas costumam deixar a mesa assim que terminam de comer; outras assim que o pai veste a roupa para o trabalho. Outras calculam minuciosamente se seus irmãos e irmãs fizeram tanto quanto elas e a mãe, um pouco perturbada, não sabe se deve chamar sua atenção ou esperar que a ajuda venha espontaneamente. O que fazer? Há, porém, no fundo do coração de cada criança, um certo heroísmo que talvez se encontre adormecido. Como despertá-lo?

Essa é a questão; pois há diversas formas de solicitar a generosidade das crianças e, muito frequentemente, é a forma de fazê-lo que irá determinar a resposta delas. Servir traz contentamento. Por que não apresentá-lo dessa maneira? Saibamos penetrar na difícil concha de esforço e mostrar aos nossos filhos a beleza do ato que lhes é pedido.

Façamos com que servir seja algo atraente. Há maneiras entusiasmadas de se pedir “Lave a louça”, “Varra o chão” ou “Coloque a mesa”. Podemos pedir gentilmente: - “Poderia me fazer um favor – e também agradar a Deus – e limpar a mesa?”. Ou talvez: “Mostre ao papai como você varre bem”, e também “Você poderia cuidar da louça? Outro dia você foi perfeito”! Não devemos hesitar em desenvolver ambições saudáveis em nossas crianças ao evocar o que elas poderão se tornar quando ultrapassarem seus próprios limites. Sim, servir é mais do que um sacrifício ou um esforço. Apresentá-lo sempre sob seus aspectos mais árduos poderia desencorajar algumas delas – por isso é necessário que não solicitemos a sua ajuda apenas quando estivermos com pressa ou irritados. Isso faria com que se sentissem obrigadas e ficariam relutantes. Assim, muitas vezes, o aspecto desagradável do ato será ressaltado por um pedido feito de modo áspero. Ao contrário, apelemos ao seu heroísmo oculto; elas podem perfeitamente ter algumas surpresas reservadas para nós!

Mas, e se a criança se recusar a atender ao pedido? Devemos obrigá-la a obedecer? Será preciso se adaptar ao temperamento da criança, apelando ao seu amor por sua mãe ou ao seu senso de dever, de acordo com o caso. Se ela permanecer rebelde, podemos obrigá-la, mas, às vezes, também é hora de colocá-la em seu lugar: a vergonha é muito mais poderosa do que um discurso raivoso! Quanto àquelas que aceitam de bom grado a tarefa proposta, vamos acompanhá-las carinhosamente no início, explicando-lhes como fazer a tarefa.

Concluído o serviço, nosso sorriso de gratidão será para elas um verdadeiro raio de sol. Para o caçula, ele será acompanhado de um gesto de afeto. Nossos pequenos precisam que enxerguemos a sua boa vontade por detrás das deficiências de seu ato, que enxerguemos os seus esforços. Isso os encoraja a recomeçar, mas especialmente mostra-lhes as qualidades que podem e devem adquirir. Eles não têm experiência e confiança em si mesmos. A mãe encontrará palavras gentis para encorajá-los, cada um à sua maneira. Certamente, a criança não deve fazer o que quiser, mas não podemos ajudá-la a desejar aquilo que deve fazer?

O exemplo da mãe naturalmente terá um grande peso. É por ela que começa essa educação ao espírito de serviço. A imagem de uma mãe dedicada com uma tia que está doente, ou ajudando com a limpeza em um priorado, permanecerá gravada na mente da criança. E quando somos pequenos, estamos tão orgulhosos de ser como mamãe e papai!

Queridas mães, vamos resumir em duas palavras a atitude que despertará a devoção em seus corações: encorajar e, acima de tudo, confiar.

Nunca recusemos o serviço que uma criança oferece, por mais desajeitado e irritante que seja. Quantas meninas hoje não conseguem preparar uma refeição porque suas mães não as deixaram fazer, sob o argumento de que seria mais rápido se elas cozinhassem sozinhas. Quantos adolescentes não estão atrás da moto de um amigo porque seu pai não os deixa usar a broca ou o cortador de grama!

Assim, pouco a pouco, o trabalho que antes era tão obscuro e repulsivo se tornará bonito e atraente. O desejo de agradar os outros transformará a vida familiar! Você promoverá a felicidade verdadeira nas crianças ao permitir que saboreiem a alegria profunda do sacrifício: a alegria de agradar aos outros e a Deus. Pequenos serviços naturalmente prestados, equivalem a atos sobrenaturais mais profundos. Isso é o que os convidará a serem cada vez mais generosos e felizes!

Ó, Nossa Senhora, que, no serviço oculto da casa, escondestes vossa incomparável santidade e vossa alegria no serviço do Senhor, rogai por todas as mães!

  

"Tenho orgulho de você"

“Senta direito! Guarde os sapatos! Faça menos barulho! Quieto! Você é incorrigível! Vem aqui, agora! Não mexa nisso! Presta atenção!” Uma ladainha assim, de censuras repetidas ao longo do dia pode quebrar até mesmo as vontades mais firmes. Sem dúvida, os pais estão obrigados a advertir, admoestar e castigar os filhos. Mas é também importante encorajá-los -- e ainda mais do que censurá-los -- e, para isso, é preciso saber elogiar com discernimento. Qual a maneira mais apta de estimulá-los: “Se não me aparecer aqui com nota boa, você me paga!” ou  “Estuda, meu filho, você vai conseguir. Tenho certeza de que não me decepcionará”?

O otimismo é uma grande qualidade do educador. Ele permite enxergar as aptidões da criança (sempre existem algumas), ter esperança no seu progresso apesar das dificuldades, não se desencorajar diante do tamanho da tarefa. O otimismo, por sua vez, faz com que a criança adquira confiança em si mesma, o que é indispensável para toda empreitada.

Alain é bagunceiro: o seu quarto nunca está arrumado, os sapatos sujos estão misturados com o Playmobil. Devemos gritar, chamar-lhe de imprestável, reclamar que já mandamos cinquenta vezes que ele arrume aquela bagunça? Claro que não! Isso só fará enraizar no seu espírito a idéia de que ele não mudará nunca. É preciso de início fixar um objetivo simples, concreto, acessível. O sucesso nesse ponto particular servirá de encorajamento para lhe fazer progredir para uma tarefa mais árdua: “Para aprender a arrumar o seu quarto, você vai começar dobrando suas roupas toda noite.  Não é difícil, você é capaz e eu vou te mostrar como fazer”. Durante um tempo suficientemente longo (um mês, um trimestre...), nós o ajudamos a cumprir essa tarefa, fechando os olhos para o resto, que virá a seu tempo. “Bravo, vejo que você é capaz de ser um rapaz ordeiro, passou uma semana arrumando as roupas sem que eu tivesse de te mandar fazer. Parabéns! Agora que já sabe fazer isso, você vai começar a pôr os cadernos em ordem depois de terminar a lição. Papai vai colocar uma prateleira para que seja mais fácil.”

Ah, o sorriso de encorajamento da mãe é capaz de produzir maravilhas! “Mamãe acredita em mim, pensa que sou capaz, deve ser verdade, não vou decepcioná-la.” “Muito bem, querido, bravo! Eu sabia que você conseguiria. Continue assim.” Em um clima de encorajamento e ternura, a alma da criança se desenvolve.

Sem mesmo esperar pelo sucesso, é preciso encorajar o esforço, como nosso Pai do Céu que leva em conta a nossa boa vontade apesar das nossas falhas no trabalho da nossa santificação. Alice, de 9 anos, tomou a iniciativa de passar o aspirador de pó; claro, ela se esqueceu de aspirar atrás da porta e sob o aparador. O essencial, no entanto, é que ela tenha pensado em realizar esse serviço e é isso que devemos encorajar. Ao seu tempo, aprenderá a fazer a faxina bem feita. “Obrigada, minha querida, por ter aspirado. Isso me ajudou bastante.”

Crer nas capacidades da criança é particularmente necessário quando ela é de temperamento tímido, receoso, de pouca iniciativa. Essas crianças têm necessidade de desenvolver pouco a pouco confiança nelas mesmas por meio de pequenas vitórias fáceis e repetidas, além de muito encorajamento. Ao contrário, caso sejam repreendidas e corrigidas a todo momento, perderão o estímulo e deixarão o esforço de lado, persuadidas de que são inúteis.

Ocorre o contrário com os temperamentos vaidosos, prontos a se satisfazerem consigo mesmos, ou ainda, com as naturezas mais brilhantes, que facilmente tem sucesso em tudo que fazem. Os encorajamentos, nesse caso, devem ser moderados para não inflarem o seu orgulho. José tem muita facilidade para os estudos e tira notas boas sem grandes esforços: “Papai, veja, tirei 9 em matemática!”. “– Sim, mas não estudou quase nada; se tivesse se dedicado de verdade, teria tirado dez talvez...” No que diz respeito à essas crianças, é a intenção sobrenatural, a aquisição da virtude e, especialmente, a humildade, que precisamos encorajar. “José, vai estudar! – Mas, pra que? Eu já sei tudo – Então, se não precisa estudar, pode corrigir o dever do seu irmãozinho? O bom Deus te deu facilidade com o estudo para que possa ajudar os outros, não para que fique de braços cruzados.”

O método de dar indistintamente, a todas as crianças da família, uma soma em dinheiro a cada nota alta, aparenta equidade, mas nem sempre é justo. Não leva em conta as diferenças de critérios dos professores bem como, e sobretudo, as diferenças entre as crianças: José é brilhante, vai encher o bolso de dinheiro sem esforço algum, enquanto que o seu irmãozinho, menos dotado, apesar de estudar bastante, se verá privado da recompensa e ainda arrisca-se tornar-se invejoso.

Pode-se, de resto, para encorajar os filhos, dar-lhes uma soma em dinheiro quando têm sucesso? Recompensar desse modo um esforço mais árduo pode ser um modo de lhes fazer compreender que o dinheiro se ganha com o suor do rosto. No entanto, não se deve agir assim habitualmente, pois isso arrisca desenvolver uma tendência à avareza e à venalidade. A criança deve se esforçar, antes de mais nada, para agradar Jesus, para agradar os seus pais. A verdadeira recompensa, a que mais conta, é o sorriso dos pais.

Saibamos nos alegrar com o progresso dos nossos filhos e sejamos justos com os seus esforços, assim como nosso Pai celestial que leva em conta até mesmo um copo d´água dado em seu nome.

As telas e a vida interior

Pe. Thierry Gaudray - Fsspx

 

O uso de eletrônicos — independente do formato — deve ser moderado. Estima-se, no entanto, que adolescentes de 13 a 18 anos gastem em média 6h45 diariamente na frente das telas. Eles não usam os aparelhos da mesma maneira: se as meninas passam uma hora e meia nas redes sociais, os meninos dedicam a elas 50 minutos; por outro lado, enquanto as meninas consagram aos videogames uma média de 10 minutos diários, os meninos gastam uma hora com esses jogos. Os entrevistados parecem estar cientes do perigo do uso da tecnologia, mas sua principal preocupação é com os outros: enquanto 10% das pessoas se declaram viciados nos eletrônicos, pensam que 70% dos outros também o são …

 

Estamos preocupados mais com os outros ...

Até mesmo pessoas mundanas compreendem que há algo de vergonhoso no uso excessivo de telas e tentam escondê-lo, até de si mesmos. Os participantes de uma pesquisa responderam que passavam em média 2h55 por dia em seus telefones, mas quando verificou-se o "spyware" instalado anteriormente em seus dispositivos, descobriu-se que eles realmente passavam 3 horas e 50 minutos.

Todos os estudos mostram que o uso de telas dificulta em muito a aquisição de conhecimento. Em uma pesquisa — e este é um exemplo entre centenas — crianças de 13 anos foram submetidas a um pequeno teste: após um exercício de memorização, foram-lhes oferecidas atividades diferentes uma hora depois. O primeiro grupo jogou um videogame violento, o segundo assistiu a um filme e o terceiro fez algum tipo de atividade. No dia seguinte, os três grupos haviam esquecido 47%, 39% e 18%, respectivamente, do que haviam aprendido.

 

Efeitos perniciosos

Os efeitos a longo prazo são muito mais graves. Certos problemas de atenção estão certamente relacionados ao uso de telas. Existem dois circuitos neurais diferentes, ambos nos tornam "focados" e fazem com que "não percebamos o tempo passar". O primeiro é automático e exógeno; permite-nos estar atentos ao mundo à nossa volta. O segundo é voluntário e endógeno: é o que nos permite entender, encontrar uma ordem lógica e aprender. As telas excitam artificialmente o primeiro e prejudicam o segundo. As variações sonoras, os flashes visuais, as mudanças de cenas, a multiplicação dos ângulos de visão, o rápido emaranhado de sequências narrativas... mantém o espectador agitado, sem que ele tenha feito esforço algum. E assim, a capacidade de pensar não para de diminuir. A empresa Microsoft publicou um estudo que mostra que o tempo de atenção dos homens caiu para 9 segundos em média. A própria companhia os compara ao peixinho dourado, que é capaz de fixar o olhar por 8 segundos... Se as mensagens não forem cada vez mais incisivas e provocantes, os homens se distraem com outras coisas. É preciso atrair constantemente a sua atenção, de um modo que somente os eletrônicos conseguem fazer. A realidade e os livros tornam-se entediantes para eles.

 

Homem virtuoso ou homem digital

Os católicos tradicionalistas estão imunes à onda que varre o mundo ao nosso redor? É muito difícil se proteger dessa revolução, uma vez que a presença desses eletrônicos nas casas, ou mesmo nos bolsos, torna-se muitas vezes inevitável. Ademais, muitos procuram se justificar afirmando que a nova tecnologia não é intrinsecamente perversa. Isso pode ser verdade, mas é uma tecnologia perigosa! É somente à custa de meios muito rigorosos que a ruína pode ser evitada. As telas fascinam; a luz e a rápida sucessão de novas imagens hipnotizam; a atração da curiosidade — que São João chama de concupiscência dos olhos — é poderosa. Pouquíssimas pessoas se impõem disciplina suficiente para regrar o uso de telas e, no entanto, isso é algo possível. Em Taiwan, não é permitido deixar uma criança com menos de dois anos de idade com um tablet (está prevista uma multa de 1.500 €) e seu uso por menores deve ser regulamentado (o objetivo é não deixar que utilizem por mais de 30 minutos consecutivos). A esperança da salvação eterna e a busca da santidade não são motivos mais poderosos do que uma contravenção? É essencial definir horários fora dos quais o uso dessas máquinas esteja proibido. O domingo deve ser mantido como um dia sagrado, longe da tecnologia escravizante.

O homem é responsável pelas influências a que se submete, correndo o risco de perder sua liberdade interior. A consciência hipnotizada pelas telas acaba adormecendo com o sono culpado. Embora Deus tenha fornecido à natureza humana capacidade de se adaptar às circunstâncias por meio da aquisição de saudáveis hábitos libertadores, os meios modernos de comunicação exploram as fraquezas da nossa psicologia para fins comerciais e revolucionários. O homem virtuoso se eleva acima do protesto da natureza ferida; o homem "digital" deixa-se levar pelas demandas habilmente projetadas do universo das telas.

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