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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 1 — Se há uma lei eterna.

(Infra, q. 93, a. 1).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que não há nenhuma lei eterna.  
 
1. — Pois, toda lei é imposta a alguém. Ora, como só Deus existe abeterno, nenhuma lei pode abeterno ter sido imposta a ninguém. Logo, nenhuma lei é eterna.
 
2. Demais. — A promulgação é da essência da lei. Ora, esta não poderia sê-la abeterno por­que ninguém há para tê-la promulgado abeterno. Logo, nenhuma lei pode ser eterna.
 
3. Demais. — A lei importa em ordenação para um fim. Ora, nada do que se ordena para um fim é eterno, porque só o último fim o é. Logo, nenhuma lei é eterna.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz: A Lei, que é chamada a razão suma, não pode deixar de ser considerada imutável e eterna por todo ser inteligente.
 
Solução. — Como já dissemos (q. 90, a. 1 ad 2; a. 3, a. 4), a lei não é mais do que um ditame da razão prática, do chefe que governa uma comunidade perfeita. Ora, supondo que o mundo seja governado pela Divina Providência, como estabelecemos na Primeira Parte (q. 22, a. 1, a. 2), é manifesto que toda a comuni­dade do universo é governada pela razão divina. Por onde, a razão mesma do governo das coisas, em Deus, que é o regedor do universo, tem a natureza de lei. E como a razão divina nada concebe temporalmente, mas tem o conceito eterno, conforme a Escritura (Pr 8, 23), é forçoso dar a essa lei a denominação de eterna.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — As coisas que em si mesmas não existem, existem em Deus, enquanto por ele pré conhecidas e pré ordenadas, conforme aquilo da Escritura (Rm 4, 17): Que chama as coisas que não são como as que são. Assim, pois, o conceito eterno da lei divina tem a natureza de lei eterna, enquanto ordenada por Deus para o governo das coisas por ele preconhecidas.
 
Resposta à segunda. — A promulgação se faz verbalmente e por escrito. E de ambos os modos, recebe a lei eterna promulgação, da parte de Deus, que a promulga. Pois, é eterno o Verbo divino e eterna é a escritura do livro da vida. Mas essa promulgação não pode ser eterna por parte da criatura que a ouve ou a observa.
 
Resposta à terceira. — A lei implica, ativamente, ordem para um fim, enquanto por ela certas coisas se ordenam para este. Mas não passivamente, no sentido em que a própria lei se ordena para um fim; salvo, por acidente, no governador, cujo fim está fora dele, para o qual também necessariamente há de a sua lei se ordenar. Ora, o fim do governo divino é Deus mesmo, nem a sua lei dele difere. Portanto, a lei eterna não se ordena para outro fim.

Questão 91: Da diversidade das leis.

Em seguida devemos tratar da diversidade das leis.
 
E nesta questão discutem-se seis artigos:

Art. 4 — Se a promulgação é da essência da lei.

(De Verit., q. 17, a. 3: Quodl. I, q. 9, a. 2).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que a promulgação não é da essência da lei.
 
1. — Pois, a lei natural é a lei por exce­lência. Ora, ela não precisa de promulgação. Logo, o ser promulgada não é da essência da lei.
 
2. Demais. — Pertence propriamente à lei obrigar a fazer ou não fazer alguma coisa. Ora, são obrigados a cumprir a lei não só aqueles que lhe sabem da promulgação, mas também os outros. Logo, não é a promulgação da essência da lei.
 
3. Demais. — A obrigação da lei também liga para o futuro, pois, as leis impõem necessidades aos negócios futuros, como diz o direito. Ora, a promulgação é feita para os negócios presentes. Logo, não é da essência da lei.
 
Mas, em contrário, dizem as Decretais: As leis são instituídas quando promulgadas.
 
Solução. — Como já dissemos (a. 1), a lei é im­posta aos que lhe estão sujeitos, como regra e medida. Ora, a regra e a medida impõe-se apli­cando-se aos regulados e medidos. Por onde, para a lei ter força de obrigar — o que lhe é próprio — é necessário seja aplicada aos homens, que por ela devem ser regulados. Ora, essa apli­cação se faz por chegar a lei ao conhecimento deles, pela promulgação. Logo, a promulgação é necessária para a lei vir a ter força.
 
E assim, desses quatro elementos referidos podemos deduzir a definição da lei, que não é mais do que uma ordenação da razão para o bem comum, promulgada pelo chefe da comunidade.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A promulgação da lei da natureza se dá por tê-la Deus infundido na mente humana, de modo a ser naturalmente conhecida.
 
Resposta à segunda. — Aqueles que não têm conhecimento da promulgação da lei são obrigados a observá-la, enquanto sabem ou podem saber, por meio de outrem, da promulga­ção dela.
 
Resposta à terceira. — A promulgação presente se aplica ao futuro pela persistência da escritura, que, de certo modo, está sempre promulgando a lei. E por isso Isidoro diz: A lei é assim chamada do verbo ler, está escrita.

Art. 3 — Se a razão particular pode legislar.

(Infra, q. 97, a. 3, ad 2; IIª-IIªª, q. 50, a. 1, ad 3).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que qualquer razão particular pode legislar.
 
1. — Pois, diz o Apóstolo (Rm 2, 14): Quando os gentios, que não tem lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, esses tais a si mesmos servem de lei. Ora, isto é dito em geral de todos. Logo, quem quer que seja pode impor a si mesmo a sua lei.
 
2. Demais. — Como diz o Filósofo, a in­tenção do legislador é levar os homens à virtude. Ora, qualquer um pode fazê-lo. Logo, a razão de qualquer homem pode legislar.
 
3. Demais. — Assim como o chefe da cidade é o seu governador, assim qualquer pai de família é o governador da casa. Ora, o chefe da cidade pode legislar para ela. Logo, também qualquer pai de família pode legislar para a sua casa.
 
Mas, em contrário, diz Isidoro, e está nas Decretais: A lei é a constituição do povo pela qual os patrícios, simultaneamente com a plebe, estabeleceram alguma disposição. Logo, qualquer um não pode legislar.
 
Solução. — A lei, própria, primária e principalmente, diz respeito à ordem para o bem comum. Ora, ordenar para o bem comum é próprio de todo o povo ou de quem governa em lugar dele. E portanto, legislar pertence a todo o povo ou a uma pessoa pública, que o rege. Pois, sempre, ordenar para um fim pertence a quem esse fim é próprio.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Como já dissemos (a. 1 ad 1), a lei está num sujeito, não só como em quem regula, mas também, partici­pativamente, como em quem é regulado. E deste modo cada qual é para si mesmo a sua lei, enquanto participa da ordem de quem regula. Por isso o Apóstolo acrescenta: Os que mostram a obra da lei escrita nos seus corações.
 
Resposta à segunda. — Um particular não pode levar eficazmente à virtude. Pode apenas advertir; mas, se a sua advertência não for aceita, não dispõe da força coativa, que a lei deve ter para levar eficazmente à virtude, como diz o Filósofo. Ao passo que o povo, ou a pessoa pública, a quem compete infligir as penas, tem essa força coativa, como a seguir se dirá (q. 92, a. 2 ad 3; IIa IIae q. 64, a. 3). E portanto, só ele pode legislar.
 
Resposta à terceira. — Como o homem faz parte da casa, assim, esta, da cidade, que é uma comunidade perfeita, segundo Aristóteles. Por onde, assim como o bem de um homem não é o fim último, mas se ordena ao bem comum; assim, o bem de uma casa se ordena ao de toda a cidade, que é uma comunidade perfeita. Por­tanto, quem governa uma família pode sem dúvida estabelecer certas ordens ou estatutos, mas que propriamente não constituem leis.

Art. 2 — Se a lei se ordena sempre para o bem comum, como para o fim.

(Inira, q. 95, a. 4; q. 96, a. 1; III Sent., dist. XXXVII, a. 2, qª 2, ad 5 V Ethic., lect. II).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que a lei não se ordena sempre para o bem comum, como para o fim.
 
1. — Pois, é próprio da lei ordenar e proibir. Ora, a ordem visa um certo bem particular. Logo, o fim da lei nem sempre é o bem comum.
 
2. Demais. — A lei dirige o homem para agir. Ora, os atos humanos versam sobre o particular. Logo, também a lei se ordena a um bem particular.
 
3. Demais. — Isidoro diz: Se a lei participa da razão, será lei tudo o que desta participar. Ora, da razão participa o que é ordenado não só para o bem comum, mas também para o privado. Logo, a lei não se ordena só para o bem comum, mas também para o particular de cada um.
 
Mas, em contrário, Isidoro diz, que a lei é prescrita não para utilidade particular, mas para a utilidade comum dos cidadãos.
 
Solução. — Como já dissemos (a. 1), sendo a lei regra e medida, ela depende do que é o princípio dos atos humanos. Ora, como a razão é o prin­cípio desses atos, também nela há algum pri­meiro princípio, que o é de tudo o mais. Por onde e necessàriamente a este há de a lei per­tencer, principal e maximamente. Ora, o pri­meiro princípio, na ordem das operações, à qual pertence a razão prática, é o fim último. E sendo o fim último da vida humana a felicidade ou beatitude, como já dissemos (q. 2, a. 7; q. 3, a. 1), há de por força a lei dizer respeito, em máximo grau, à ordem da beatitude. — Demais, a parte ordenando-se para o todo, como o imperfeito para o perfeito; e sendo cada homem parte da comunidade per­feita, necessária e propriamente, há de a lei dizer respeito à ordem para a felicidade comum. E, por isso, o Filósofo, depois de dar a definição do legal, faz menção da felicidade e da comunhão política. Assim, diz: consideramos como justo legal o que faz e conserva a felicidade, com tudo o que ela compreende, em dependência da comu­nidade civil. Ora, a comunidade perfeita é a cidade, como diz Aristóteles.
 
Porém, em qualquer gênero, o que é prin­cipal é princípio de tudo o mais que a esse gênero pertence, e que é considerado em dependência dele. Assim, o fogo, quente por excelência, é a causa do calor dos corpos mistos, considerados quentes na medida em que participam do fogo. Por onde e necessariamente a lei sendo por excelência relativa ao bem comum, nenhuma outra ordem, relativa a uma obra particular, terá natureza de lei, senão enquanto se ordena ao bem comum. Logo, a este bem se ordena toda lei.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Uma ordem supõe a aplicação da lei ao que é por ela regulado. Ora, o ordenar-se para o bem comum, que é próprio da lei, é aplicável a fins particulares. E a esta luz, também se podem dar ordens relativas a certos fins particulares.
 
Resposta à segunda. — Certamente, as obras dizem respeito ao particular. Mas este pode ser referido ao bem comum, não pela comu­nidade genérica ou específica, mas pela da causa final, enquanto que o bem comum é considerado como fim comum.
 
Resposta à terceira. — Assim como na ordem da razão especulativa nada tem firmeza senão pela resolução aos primeiros princípios indemonstráveis, assim também nada a tem, na ordem da razão prática, senão pela ordenação ao fim último, que é o bem comum. Ora, o que deste modo participa da razão tem a natureza da lei.

Art. 1 — Se a lei é algo de racional.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a lei nada tem de racional.
 
1. — Pois, diz o Apóstolo (Rm 7, 23): Sinto nos meus membros outra lei, etc. Ora, o racional não está nos membros, porque a razão não se serve de órgãos corpóreos. Logo, a lei nada tem de ra­cional.
 
2. Demais. — A razão só inclui a potência, o hábito e o ato. Ora, a lei não é nenhuma po­tência da razão. E nem um hábito qualquer dela, porque os seus hábitos são as virtudes intelectuais, de que já se tratou (a. 57). Nem um ato, pois, se o fosse, cessando ele, como se dá com os adormecidos, cessaria a lei. Logo, a lei nada tem de racional.
 
3. Demais. — A lei move os que se lhe submetem, a agir retamente. Ora, mover à ação pertence propriamente à vontade, como resulta claro do que já foi dito (q. 9, a. 1). Logo, a lei não depende da razão, mas, antes, da vontade, con­forme ao que também diz o Jurisperito: O que apraz ao príncipe tem força de lei.
 
Mas, em contrário, à lei pertence ordenar e proibir. Ora, ordenar é ato da razão, como se demonstrou (q. 17, a. 1). Logo, a lei é algo de racional.
 
Solução. — A lei é uma regra e medida dos atos, pela qual somos levados à ação ou dela impedidos. Pois, lei vem de ligar, porque obriga a agir. Ora, a regra e a medida dos atos humanos é a razão, pois é deles o princípio primeiro, como do sobredito resulta (q. 1, a. 1 ad 3). Porque é próprio da razão ordenar para o fim, princípio primeiro do agir, segundo o Filósofo. Ora, o que, em cada gênero, constitui o princípio é a medida e a regra desse gênero. Tal a unidade, no gênero dos números, e o primeiro movimento, no dos movimentos. Donde se conclui que a lei é algo de pertencente à razão.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Sendo a lei regra e medida, pode, de dois modos, ser aplicada. De um, como o que mede e regula. Ora, como isto é próprio da razão, deste modo, a lei só na razão existe. — De outro, como o que é regulado e medido. E, então existe em tudo o que em virtude dela tem alguma inclinação. De sorte que qualquer inclinação proveniente de uma lei pode ser considerada lei, não essencial, mas, participativamente. E deste modo, também a inclinação dos membros para a concupiscência se chama lei dos membros.
 
Resposta à segunda. — Podemos considerar, nos atos exteriores, a obra e o obrado, como, p. ex., a edificação e o edifício. Assim também podemos distinguir, nas obras da razão, o ato mesmo dela, que é inteligir e raciocinar; e algo de constituído por esse ato. E isto, no concernente à razão especulativa, é, primeira­mente, a definição; depois, o enunciado; e, em terceiro lugar, o silogismo ou argumentação. Ora, mesmo a razão prática emprega no agir um certo silogismo, conforme já demonstramos (q. 13, a. 3; q. 76, a. 1), de acordo com o que ensina o Filósofo. Por onde, deve haver, na razão prática, o que esteja para as obras, como, na razão especulativa, está a proposição para as conclusões. Ora, tais propo­sições universais da razão prática, ordenadas para o ato, têm natureza de lei. E elas são, umas vezes, consideradas atualmente, e, outras possuídas habitualmente pela razão.
 
Resposta à terceira. — A razão tira o seu poder motor da vontade, como já se disse (q. 17, a. 1). Pois, é por querermos o fim que a razão ordena os meios. Mas para a vontade do que é ordenado vir a constituir lei é preciso seja regulada pela razão. E deste modo compreende-se que a von­tade do príncipe tenha força de lei; do con­trário seria antes iniqüidade que lei.

Questão 90: Da essência da lei.

Na primeira questão discutem-se quatro artigos:

Art. 6 — Se o pecado venial pode coexistir numa pessoa só com o original.

(II Sent., dist. XLII, q. 1, a. 5, ad 7; De Verit., q. 24, a. 1 , ad 2 ; De Malo, q. 5, a. 2, ad 8; q. 7, a. 10, ad 8).
 
Parece que o pecado venial pode coexistir numa pessoa, só com o original.
 
1. — Pois, a disposição precede o hábito. Ora, o pecado venial é disposição para o mortal, como se demonstrou (q. 88, a. 3). Logo, existe, no infiel, a quem não foi perdoado o original, antes do mor­tal. E portanto, podem os infiéis estar em esta­do de pecado venial e original, ao mesmo tempo, sem estar no de mortal.
 
2. Demais. — O pecado venial tem menos conexão e conveniência com o mortal, do que um mortal, com outro. Ora, o infiel, sujeito ao pecado original, pode cometer um pecado mor­tal, sem cometer outro. Logo, também pode cometer o pecado venial sem cometer o mortal.
 
3. Demais. — Pode-se determinar o tempo em que a criança começa a ser capaz de praticar o pecado atual. E chegado há esse tempo, é-lhe possível, ao menos durante algum breve espaço dele, estar sem pecado mortal, pois isso tam­bém o é aos máximos celerados. Ora, durante esse espaço de tempo, por breve que seja, pode pecar venialmente. Logo, é possível o pecado venial coexistir numa pessoa, com o original, sem o mortal.
 
Mas, em contrario, por causa do pecado original, os homens são punidos no limbo das crian­ças, onde não há pena do sentido, como a seguir se dirá (IIa IIae q. 69, a. 6). Enquanto que eles caem no inferno por um só pecado mortal. Logo, não haverá lugar em que possa ser punido quem esteja manchado só do pecado venial e do original.
 
Solução. — É impossível estar-se em esta­do de pecado venial e de original, simultaneamente, sem estar no de mortal. E isso porque a falta de idade, que priva do uso da razão, excusa do pecado mortal quem ainda não che­gou à idade de discernimento. E portanto, com maior razão, o excusa do pecado venial, se co­meter algum que o seja genericamente. Quan­do porém começar a ter o uso da razão, não ficará absolutamente excusado da culpa do pecado venial e do mortal. Ora, nessa idade, o que pri­meiramente ocorre ao pensamento humano é de­liberar sobre si mesmo. E então, se ordenar-se a si mesmo ao fim devido, conseguirá, pela graça, a remissão do pecado original. Se porém não se ordenar para esse fim, como está em idade capaz de discernimento, pecará mortalmente, não fazendo o que estava em si fazer. E por­tanto, em tal pessoa não haverá o pecado ve­nial sem o mortal, senão depois que tudo lhe for perdoado pela graça.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O pecado venial não é uma disposição prece­dente ao mortal, necessária, mas contingente­mente. É como o trabalho que, às vezes, dispõe para a febre, e não, como o calor, que dispõe para a forma do fogo.
 
Resposta à segunda. — Nada impede o pecado venial coexistir só com o original, por causa da distância ou da conveniência entre eles; mas o que o impede é a falta do uso da razão, como se disse.
 
Resposta à terceira. — A criança, que começa a ter o uso da razão, pode por algum tempo abster-se de todos os pecados mortais, mas não pode livrar-se do pecado da omissão predita, sem que se converta a Deus, o mais prontamente possível. Ora, o que primeiramen­te ocorre ao homem, que tem discernimento, é o pensar sobre si mesmo, a quem, como o fim, ordena tudo o mais. Ora, o fim é o que vem primeiro na intenção. E esse é pois o tempo em que está sujeito à obrigação, conforme o preceito divino afirmativo, pelo qual o Senhor diz (Zc 1, 3): Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós.

Art. 5 — Se os movimentos primeiros da sensualidade, nos infiéis, são pecados mortais.

(De Malo, q. 7, a. 3; ad 17, a. 8; Quodl. IV, q. 11, a. 2; Ad. Rom., cap. VIII, lect. 1).
 
O quinto discute-se assim. — Parece que os movimentos primeiros da sensualidade, nos infiéis, são pecados mortais.
 
1. — Pois, como diz o Apóstolo (Rm 8, 1), nada de condenação tem os que estão em Jesus Cristo, os quais não andam segundo a carne; referindo-se a concupiscência da sensualidade, como se colhe do que antes disse (Rm 7). Por onde, estarem em Jesus Cristo é a causa de não ser condenável a concupiscência dos que não andam segundo a carne, i. e, consentindo naquela. Ora, os infiéis não estão em Jesus Cristo. Logo, a concupiscência neles é condenável e portanto os primeiros movimentos da sensualidade são-lhes pecados mortais.
 
2. Demais. — Anselmo diz: Os que não estão em Cristo, sentindo o estímulo da carne, correm para a condenação, mesmo que não andem segundo a carne. Ora, só o pecado mortal é merecedor de condenação. Logo, como o homem sente a carne pelo movimento primeiro da concupiscência, resulta que o primeiro movimento desta é, nos infiéis, pecado mortal.
 
3. Demais. — Anselmo diz: O homem foi feito de modo a não dever sentir a concupiscência. Ora, essa condição devida lhe é restaurada pela graça batismal, que os infiéis não têm. Logo, sempre que um infiel sente a concupiscência, mesmo sem consentir nela, peca mortalmente, agindo contra a condição em que deveria estar.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (At 10, 34): Deus não faz acepção de pessoas. Logo, o que não imputa a um por pecado também não imputa a outro. Ora, não imputa aos fiéis para, condená-los, os movimentos primeiros da sensualidade; logo, nem aos infiéis.
 
Solução. — É irracional dizer que os movimentos primeiros da sensualidade, nos infiéis, sejam pecados mortais, se neles não consentirem. O que de dois modos se patenteia. — Primeiro, porque em si mesma a sensualidade não pode ser sujeito do pecado mortal como estabelecemos (q. 79, a. 4). Ora, a natureza dela é a mesma, tanto nos infiéis, como nos fiéis. Por onde, o só movimento da sensualidade, nos infiéis, não pode ser pecado mortal. — Em segundo lugar, o mes­mo resulta do estado do próprio pecador. Pois, nunca a dignidade da pessoa diminui o pecado; antes, o aumenta, como do sobredito se colhe (q. 73, a. 10). Por onde, longe de ser o pecado menor, no fiel, que no infiel, é muito maior. Porque os pecados dos infiéis merecem muito mais perdão, por causa da ignorância, conforme aquilo da Escri­tura (1 Tm 1, 13): alcancei a misericórdia de Deus, porque o fiz por ignorância na incredulidade. E os peca­dos se agravam pelos sacramentos da graça, segundo aquilo (Heb 10, 29): quanto maiores tormentos credes vós que merece o que tiver em conta de profano o sangue do Testamento em que foi santificado?
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O Apóstolo se refere à condenação devida ao pecado original, de que se livra pela graça de Jesus Cristo, embora permaneça o foco da concupis­cência. Por onde, o estarem os fiéis sujeitos a esta não lhes é sinal da condenação do pecado original, como o é nos infiéis. E neste mesmo sentido devemos entender o lugar de Anselmo.
 
Donde se deduz clara a resposta à segunda objeção.
 
Resposta à terceira. — Pela justiça ori­ginal ao homem era natural a isenção da concu­piscência. Por onde, não é o pecado atual, mas o original, que se lhe opõe a essa isenção natural.

Art. 4 — Se um anjo bom ou mal pode pecar venialmente.

(De Malo, q. 7, a. 9).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que um anjo bom ou mal pode pecar venialmente.
 
1. — Pois, o homem tem de comum com o anjo a parte superior da alma, chamada inteligência, conforme aquilo de Gregório: O homem intelige, como os anjos. Ora, pela parte superior da alma o homem pode pecar venialmente. Logo, também o anjo
 
2. Demais. — Quem pode o mais pode o menos. Ora, o anjo podia amar o bem criado, mais que a Deus; e isso o fez, pecando mortalmente. Logo, também podia amar o bem criado, desordenadamente, embora menos que a Deus, pecando venialmente.
 
3. Demais. — Os anjos maus podem cometer certos pecados, genericamente veniais provocando o riso dos homens, e fazendo leviandades semelhantes. Ora, como se disse (a. 3), a circunstância pessoal não torna mortal o pecado venial, a menos de uma proibição especial sobreveniente, o que não se dá no caso vertente. Logo, o anjo pode pecar venialmente.
 
Mas, em contrário, maior era a perfeição do anjo que a do homem, no estado primitivo. Ora, neste estado, o homem não podia pecar venialmente. Logo, com maior razão nem o anjo.
 
Solução. — Como já dissemos na Primeira parte (q. 58, a. 3; q. 79, a. 8), o intelecto do anjo não é discursivo, de modo a proceder dos princípios para as conclusões, inteligindo aqueles e estas, separadamente, como nós. Por onde, sempre que consideram as conclusões, necessariamente as consideram como incluídas nos princípios. Ora, na ordem do nosso desejo, como já muitas vezes dissemos (q. 8, a. 2; q. 10, a. 1; q. 72, a. 5), os fins são como que os princípios, e os meios, as conclusões. Por onde, a mente angélica não escolhe os meios, senão enquanto compreendidos na ordem do fim. Por isso e por natureza, não pode haver nos anjos desordem relativa aos meios, sem haver simultaneamente a relativa ao fim, o que se dá pelo pecado mortal. Ora, os bons anjos não buscam os meios senão em ordem ao fim devido, que é Deus; e por isso, todos os seus atos são atos de caridade, e portanto, não pode haver neles pecado venial. Ao contrário, os anjos maus a nada se movem senão em ordem ao fim do pecado da própria soberba. Por isso, em tudo o que fazem por vontade própria pecam mortalmente. Mas o mesmo não se dá com o desejo do bem natural, que neles existe, como demonstramos na Primeira Parte (q. 63, a. 4; q. 64, a. 2 ad 5).
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O homem tem certo de comum com os anjos a mente ou intelecto; mas deles difere no modo de inteligir, como dissemos.
 
Resposta à segunda. — O anjo não podia amar a criatura menos que a Deus, senão simultaneamente referindo-a a Deus como ao último fim; ou a algum fim desordenado, pela razão já dada.
 
Resposta à terceira. — Todos esses pecados considerados como veniais os demônios os provocam para atrair os homens à sua familiaridade, e assim fazê-los cair em pecado mortal. Por isso, sempre que provocam a tais pecados pecam mortalmente, por causa da intenção final.

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