O segundo discute-se assim. — Parece que a graça sacramental nada acrescenta à graça das virtudes e à dos dons.
1. — Pois, pela graça das virtudes e dos dons a alma se aperfeiçoa suficientemente, tanto na sua essência como nas suas potências, conforme resulta do que foi dito na Segunda Parte. Ora, a graça se ordena à perfeição da alma. Logo, a graça sacramental nada pode acrescentar à graça das virtudes e dos dons.
2. Demais. — Os defeitos da alma são causados pelo pecado. Ora, todos os pecados são suficientemente evitados pela graça das virtudes e dos dons; pois, não há nenhum pecado que não contrarie alguma virtude. Logo, a graça sacramental, ordenada a purificar a alma dos seus defeitos, nada pode acrescentar à graça das virtudes e dos dons.
3. Demais. — Toda adição ou subtração na forma faz variar a espécie, como diz Aristóteles. Se, pois, a graça sacramental faz algum acréscimo à graça das virtudes e dos dons, segue-se que a palavra graça é empregada em sentido equívoco. E assim, nada se nos afirma de certo em dizer-se que os sacramentos causam a graça.
Mas, em contrário, se a graça sacramental nada acrescenta à graça dos dons e das virtudes, em vão se conferenciam os sacramentos aos que têm os dons e as virtudes. Logo, parece que graça sacramental algo acrescenta à graça das virtudes e dos dons.
SOLUÇÃO. — Como dissemos na Segunda Parte, a graça, em si mesmo considerada, aperfeiçoa a essência da alma, fazendo-a participar de certo modo da semelhança do ser divino. E assim como da essência da alma emanam as suas potências, assim da graça efluem certas perfeições para as potências da alma, chamadas virtudes e dons, que aperfeiçoam essas potências em relação aos seus atos. Ora, os sacramentos se ordenam a certos efeitos especiais necessários à vida cristã. Assim, o batismo se ordena de algum modo à regeneração especial pela qual o homem morre aos vícios e se torna membro de Cristo; e esse é um efeito especial, além dos atos das potências da alma. E o mesmo se dá com os outros sacramentos. Portanto, assim como as virtudes e os dons acrescentam à graça comum uma certa perfeição determinadamente ordenada aos atos próprios das potências, assim também a graça sacramental acrescenta à graça comum e às virtudes e aos dons um certo auxílio divino para se conseguir o fim do sacramento. E deste modo a graça sacramental algo acrescenta à graça das virtudes e dos dons.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A graça das virtudes e a dos dons aperfeiçoa suficientemente a essência e as potências da alma em relação aos atos a que geralmente se ordenam. Mas para certos efeitos especiais, necessários à vida cristã, é preciso a graça sacramental.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Com as virtudes e os dons evitamos suficientemente os vícios e os pecados presentes e futuros, porque essas virtudes e esses dons nos fortalecem para os evitarmos. Mas, quanto aos pecados pretéritos que, como atos, já passaram, permanecendo porém, quanto ao reato, os sacramentos conferem ao homem um remédio especial.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A noção de graça sacramental está para a graça comumente chamada, como a noção de espécie para a de gênero. Por onde, assim como a palavra animal, comumente usada e tomada para significar o homem, não se emprega em sentido equívoco, assim também em sentido equívoco não se emprega a graça usada na significação comum e a graça sacramental.