Category: Santo Tomás de Aquino
O segundo discute-se assim. — Parece que estar sentado à direita do Padre não convém a Cristo enquanto Deus.
1. — Pois Cristo, enquanto Deus é à direita do Padre. Ora, ser a direita de alguém e estar-lhe sentado à direita não é o mesmo. Logo, Cristo, enquanto Deus, não está sentado à direita do Padre.
2. Demais. — O Evangelho diz: O Senhor Jesus foi assunto ao céu onde está sentado à mão direita de Deus. Ora, Cristo não foi assunto do céu enquanto Deus. Logo, também não é como Deus que está sentado à direita de Deus.
3. Demais. — Cristo, enquanto Deus é igual ao Padre e ao Espírito Santo. Logo, se Cristo, enquanto Deus, está sentado à direita do Padre, pela mesma razão o Espírito Santo estará sentado à direita do Pai e do Filho; e o próprio Pai, à direita do Filho. O que não se lê em nenhum lugar da Escritura.
Mas, em contrário, diz Damasceno: Chamamos direita do Padre à glória e às honras da divindade, onde o Filho de Deus tem o seu lugar antes de todos os séculos como Deus e consubstancial com o Pai.
SOLUÇÃO. — Como do sobredito se colige, ao vocábulo — direita — podemos atribuir três sentidos: primeiro, conforme Damasceno, a glória da divindade; segundo, de acordo com Agostinho, a beatitude do Padre; terceiro, ainda de acordo com o mesmo, o poder judiciário. Ora, o fato de estar sentado, como se disse, designa uma habitação, ou uma dignidade régia ou judiciária. Por onde, estar sentado à direita do Padre outra causa não é senão participar simultaneamente com ele da glória da divindade, da beatitude e do poder judiciário, e isso de modo imutável e como rei. Ora, isso convém ao Filho enquanto Deus. Por onde, é manifesto que Cristo, enquanto Deus, está sentado àdireita do Padre: contanto que a preposição a, (ad) que é transitiva, signifique a ordem da origem, e não o grau de natureza ou de dignidade, que nenhum existe nas Pessoas divinas, como estabelecemos na Primeira Parte.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Filho de Deus é chamado a direita do Padre em sentido próprio, do mesmo modo por que também é chamado a virtude do Pai. Ora, a direita do Padre, nas três significações supra-referidas, é algo de comum às três Pessoas.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo, enquanto homem foi assunto à honra divina, que supõe o fato de estar sentado àdireita do Padre. Contudo, essa honra convém por disposição divina, a Cristo enquanto Deus, não em virtude de qualquer assunção, mas pela origem eterna.
RESPOSTA À TERCEIRA. — De nenhum modo podemos dizer que o Padre está sentado àdireita do Filho ou do Espírito Santo; porque o Filho e o Espírito Santo tiram a sua origem do Pai e não inversamente. Mas o Espírito Santo podemos propriamente dizer, que está sentado à direita do Pai ou do Filho, no sentido referido; embora por uma certa apropriação o estar sentado seja atribuído ao Filho, de quem é próprio a igualdade; porque, como dizAgostinho, ao Padre é própria a unidade, ao Filho a igualdade e ao Espírito Santo a conexão entre a unidade e a igualdade.
O primeiro discute-se assim. — Parece que não deve Cristo sentar-se à direita de Deus Padre.
1. — Pois, à direita e a esquerda são diferentes posições dos corpos. Ora, a Deus nada de corpóreo convém, como diz o Evangelho. Logo parece que Cristo não está sentado à direita do Pai.
2. Demais. — Quem se assenta àdireita de outrem tem-no a esse à esquerda. Se, pois, Cristo está sentado à direita do Padre resulta que o Padre está sentado àesquerda de Cristo – o que é inconveniente.
3. Demais. — Sentar e estar de pé entre si se opõem. Ora, Estevam diz: Eis estou eu vendo os céus abertos e o Filho do homem que está em pé à direita de Deus. Logo, parece que Cristo não está sentado à direita do Padre.
Mas, em contrário, o Evangelho: Na realidade o Senhor Jesus, depois de assim lhes haver falado, foi assunto ao céu, onde está assentado à mão direita de Deus.
SOLUÇÃO. — Pela expressão — estar sentado podemos entender duas coisas: o repouso, segundo aquilo do Evangelho - Ficai de assento na cidade; e também o poder real ou judiciário, segundo aquele outro lugar - O rei que está assentado no seu trono de justiça, dissipa todo o mal só com o seu olhar. Ora, de ambos os modos convém a Cristo estar sentado à direita do Pai. — Primeiro, enquanto permanece eternamente incorruptível na beatitude do Pai, denominada à sua direita, segundo a Escritura: Deleitações à tua direita para sempre. Por isso diz Agostinho: Está sentado à direita do Pai. Estar sentado significa habitar, no sentido em que dizemos de alguém — habita naquela terra há três anos. Por estar, pois, Cristo sentado à direita do Padre, entendei que é bem-aventurado, sendo a dextra do Padre o nome da sua felicidade. - De outro modo dizemos que Cristo está sentado à direita do Pai, porque reina com ele, recebendo dele o seu poder de julgar; assim como quem se senta à direita do rei assiste-o nas suas funções de reinar e julgar. Donde o dizer Agostinho: Pela direita entendei o poder que Cristo homem recebeu de Deus, a fim de vir a julgar quem veio antes a ser julgado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como ensina Damasceno, não supomos um lugar material quando falamos na direita do Pai. Pois, como poderia ocupar a direita, enquanto lugar, aquele que é incircunscriptível? Porque direita e esquerda, materialmente falando, são propriedades dos seres circunscriptíveis. Por onde, o que entendemos pela direita do Padre é a glória e a honra da divindade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção colhe, entendendo-se que Cristo está materialmente sentado à direita do Padre. Por isso diz Agostinho: Se entendermos que Cristo está corporalmente sentado à direita do Pai, então lhe estará à esquerda. Pois, lá, isto é, na bem-aventurança eterna, só há direita, porque não existe aí nenhuma miséria.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz Gregório: Estar sentado é próprio do juiz, ao passo que estar de pé o é de quem combate ou serve. Por isso Estevam, no meio dos trabalhos da luta, viu de pé quem o fortalecia. Marcos, porém refere que o viu sentado depois da ascensão; porque o juiz será visto ao fim, depois da glória da sua ascensão.
O sexto discute-se assim. — Parece que a ascensão de Cristo não é a causa da nossa salvação.
1. — Pois, Cristo foi à causa da nossa salvação, pela ter merecido. Ora, com a sua ascensão nada nos mereceu; porque foi ela um premio da sua exaltação, e não se identifica o mérito com o premio como não é a via idêntica ao seu termo. Logo, parece que a ascensão de Cristo não é a causa da nossa salvação.
2. Demais. — Se a ascensão de Cristo fosse a causa da nossa salvação, sê-lo-ia sobretudo porque a sua ascensão teria sido a causa da nossa. Ora, a nossa ascensão nó-Ia mereceu a sua Paixão, conforme aquilo do Apóstolo: Temos confiança de entrar no santuário pelo sangue de Cristo. Logo, parece que a ascensão de Cristo não foi a causa da nossa salvação.
3. Demais. — Cristo nos conferiu uma salvação sempiterna conforme à Escritura: A minha salvação será para sempre. Ora, Cristo não subiu ao céu a fim de nele permanecer para sempre; pois, diz a Escritura: Assim como o vistes assunto ao céu, assim virá. E também refere ela que apareceu a muitos santos, em vários lugares, depois da sua ascensão; assim, a Paulo. Logo, parece que a sua ascensão não é a causa da nossa salvação.
Mas, em contrário, o Evangelho: A vós convém-vos que eu vá, isto é que me separe de vós pela ascensão.
SOLUÇÃO. — A ascensão de Cristo é a causa da nossa salvação, de dois modos: por nosso lado e por parte de Cristo. Por nosso lado, porque a ascensão de Cristo eleva-nos o espírito para ele. Pois, a sua ascensão, como dissemos, anima-nos, primeiro, a fé: depois, a esperança; enfim, a caridade. Em quarto lugar, aumenta-nos a reverência para com ele, por já não o considerarmos homem da terra, mas o Deus do céu, conforme o diz o Apóstolo: Se houve tempo em que conhecemos a Cristo segundo a carne - isto é, como mortal, tendo-o somente na conta de homem, conforme o expõe a Glosa - já agora o não conhecemos deste modo.
Por parte de Cristo, relativamente ao que fez, subindo ao céu em bem da nossa salvação. Assim, primeiro, preparou-nos o caminho para subirmos ao céu, conforme ele próprio o disse: Vou aparelhar-vos o lugar. E noutro passo diz a Escritura: Subiu abrindo o caminho adiante deles. Pois, sendo a nossa cabeça, hão de os membros acompanhá-la para onde for. Daí o seu dito: Onde eu estou estejais vós também. E como sinal disso, levou para o céu as almas dos santos, que livrou do inferno, segundo aquilo da Escritura: Subindo Cristo ao alto, fez escrava a escravidão; porque os que foram escravizados pelo diabo conduziu-os consigo ao céu, como para um lugar estranho à natureza humana — felizes captívos, pois ganhou-os para si com a sua vitória. — Segundo, porque assim como o pontífice do Antigo Testamento entrava no santuário para interceder junto de Deus pelo povo, assim também Cristo entrou no céu para interceder por nós, na frase do Apóstolo. Pois a sua própria figura, de natureza humana, com que entrou no céu, é de certo modo uma intercessão por nós; porquanto, o ter Deus exaltado a natureza humana em Cristo leva-o também a ter misericórdia daqueles por quem o Filho de Deus assumiu a natureza humana. - Terceiro para que, constituído quase Deus e Senhor no trono celeste, nos conferisse assim aos homens os seus dons divinos, segundo aquilo do Apóstolo: Subiu acima de todos os céus para encher todas as causas - de seus dons, segundo a Glosa.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A ascensão de Cristo é a causa da nossa salvação, não a modo de mérito, mas a modo de eficiência, como dissemos acima a propósito da ressurreição.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A Paixão de Cristo é a causa da nossa ascensão ao céu, propriamente falando, por nos livrar do pecado que nô-Ia impedia; e a modo de mérito. Mas a ascensão de Cristo é diretamente a causa da nossa ascensão, quase fazendo-a começar no nosso chefe, ao qual hão de os membros estar unidos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo, uma vez subido ao céu, ganhou para si e para nós e perpetuamente o direito e a dignidade à mansão celeste. E a essa dignidade não derroga o fato de às vezes e excepcionalmente descer em corpo à terra, quer para mostrar-se a todos, como o fará no juízo, quer para se mostrar a alguém especialmente, como a Paulo, segundo o refere a Escritura. E para não crer ninguém que isso se deu, não, estando Cristo presente corporalmente, mas apenas alguma aparência sua, o contrário resulta do que diz o Apóstolo para confirmar a fé na ressurreição: última mente foi também visto de mim como de um abortivo. Visão essa que não provaria a verdade da ressurreição, se não fosse o seu verdadeiro corpo o visto por ele.
O quinto discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo não subiu acima de todas as criaturas espirituais.
1. — Pois, seres que não respondem à mesma acepção não podem ser comparados entre si. Ora, o lugar não é atribuído na mesma acepção às criaturas corporais e espirituais, como resulta do que foi dito na Primeira Parte. Logo, parece que não podemos dizer que o corpo de Cristo subiu acima de todas as criaturas espirituais.
2. Demais. — Agostinho diz que o espírito tem preeminência sobre todos os corpos. Ora, ao ser mais nobre é devido um lugar mais nobre. Logo, parece que não ascendeu sobre todas as criaturas espirituais.
3. Demais. — Todo lugar é ocupado por um corpo, porque não há vácuo em a natureza. Se portanto nenhum corpo ocupa um lugar mais elevado que o espírito, na ordem dos corpos naturais, nenhum lugar haverá superior ao das criaturas espirituais. Logo, o corpo de Cristo não podia subir acima de todas as criaturas espirituais.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Constitui sobre todo o principado e potestade e sobre todo o nome que se nomeia não só neste século, mas ainda no futuro.
SOLUÇÃO. — Tanto mais elevado lugar é devido a um ser quanto mais nobre é, quer esse lugar seja próprio, como o é aos corpos, por contato material, quer por contato espiritual, como às substâncias espirituais. Donde, pois, às substâncias espirituais é próprio, por conveniência, o lugar celeste, o supremo dos lugares, por serem essas as substâncias supremas na ordem das substâncias. Ora, o corpo de Cristo, embora inferior às substâncias espirituais, se levarmos em conta as condições da natureza corpórea; considerando-se porém a dignidade da união, conjunta com Deus pessoalmente, sobrepuja a dignidade de todas as substâncias espirituais. Por onde, pela razão da conveniência referida, é-lhe devido um lugar mais elevado, acima de todas as criaturas, mesmo espirituais. Donde o dizer Gregório: Quem fez todas as causas foi exaltado sobre todas pelo seu poder.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Por uma razão é atribuído o lugar à substância corpórea e, por outra, àsubstância espiritual. Contudo o principio é comum a ambas, que ao ser mais digno é atribuído um lugar superior.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção colhe em relação ao corpo de Cristo, quanto à condição da natureza corpórea, mas não quanto à noção de união.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A comparação aduzida pode fundar-se na noção de lugar; e então nenhum lugar há tão alto que exceda a dignidade das substâncias espirituais; e nesse sentido a objeção colhe. Ou pode fundar-se na dignidade dos seres aos quais o lugar é atribuído. E então ao corpo de Cristo compete estar acima de todas as criaturas espirituais.
O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não subiu acima de todos os céus.
1. — Pois, diz a Escritura: O Senhor habita no seu santo templo, o trono do Senhor é no céu. Ora, o que está no céu não está acima dele. Logo, Cristo não subiu acima de todos os céus.
2. Demais. — Dois corpos não podem estar no mesmo lugar. Ora, como não passou de um extremo para outro, transitando pelo meio, parece que Cristo não podia subir além de todos os céus, a menos que o céu não se dividisse. O que é impossível.
3. Demais. — A Escritura refere que uma nuvem o ocultou aos olhos deles. Ora, as nuvens não podem elevar-se acima dos céus. Logo, Cristo não subiu acima de todos os céus.
4. Demais. — Cremos que Cristo há de permanecer perpetuamente no lugar onde subiu. Ora, o contrário à natureza não pode ser sempiterno; pois, o que é segundo a natureza se realiza no mais das vezes e mais frequentemente. Ora, sendo contra a natureza de um corpo terrestre existir acima do céu, parece que o corpo de Cristo não subiu acima dele.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Subiu acima de todos os céus, para encher todas as causas.
SOLUÇÃO. — Tanto mais perfeitamente um corpo participa da bondade divina, tanto mais de ordem corpórea superior é, que é a ordem local. Assim, os corpos que têm maior formalidade são naturalmente superiores, como está claro no Filósofo; pois, pela forma é que cada corpo participa do ser divino. Ora, mais participa da divina bondade o corpo, pela glória, do que qualquer corpo natural, pela forma da sua natureza. E dentre os outros corpos gloriosos é manifesto que o corpo de Cristo tem glória mais refulgente. Por onde, convenientíssimo lhe é estar constituído no alto, acima de todos os corpos. Por isso àquilo do Apóstolo — subindo ao alto, diz a Glosa: Em lugar e dignidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Dizemos que o trono de Deus e no céu, não que este o contenha, mas antes, como contido por ele. Por onde, não é necessário haja nenhuma parte do céu superior a ele, mas sim, que ele seja superior a todos os céus, como o diz a Escritura: A tua magnificência se elevou sobre os céus.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora um corpo não possa por natureza, ocupar o mesmo lugar que outro, contudo Deus pode fazer milagrosamente com que ambos ocupem o mesmo lugar. Assim fez o corpo de Cristo nascer do ventre virginal de Maria e passou através de portas fechadas, como diz S. Gregório. Logo, podia o corpo de Cristo ocupar o mesmo lugar que outro, não por propriedade corpórea sua, mas por auxílio e obra do poder divino.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A nuvem referida não prestou nenhum auxílio, como meio pelo qual Cristo fosse conduzido ao céu; mas apareceu, como sinal manifestativo da divindade, assim como a glória do Deus de Israel aparecia sobre o tabernáculo em forma de nuvem.
RESPOSTA À QUARTA. — O corpo glorioso não é em virtude dos princípios mesmos da sua natureza que pode estar no céu ou acima dele; mas recebe essa capacidade, da alma bem-aventurada, donde tiraa sua glória. E, assim como o movimento do corpo glorioso para cima não é violento, também não o é o repouso. Por onde, nada impede seja este sempiterno.
O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não subiu ao céu por virtude própria.
1. — Pois, diz o Evangelho, que o Senhor Jesus, depois de haver falado aos discípulos, foi assunto ao céu. E os Atos: Vendo-o eles, se foi elevando e o recebeu uma nuvem que o ocultou a seus olhos. Ora, o que é assunto e elevado parece que é movido por outro. Logo, Cristo foi levado ao céu não por virtude própria, mas por alheia.
2. Demais. — O corpo de Cristo era terreno, como o nosso. Ora, é contra a natureza do corpo terreno ser levado para cima. Assim, nenhum movimento tem, por virtude própria, o ser movido contrariamente à sua natureza. Logo, Cristo não subiu ao céu por virtude própria.
3. Demais. — A virtude própria de Cristo é a virtude divina. Ora, o movimento da ascensão não provinha da virtude divina, porque esta é infinita e aquele instantâneo; de modo que não podiam os discípulos verem-no elevar-se aos céus, como refere a Escritura. Logo, parece que Cristo não subiu ao céu por virtude própria.
Mas, em contrário, a Escritura: este formoso em seu traje que caminha na multidão da sua fortaleza. E Gregório diz: Notemos que a Escritura refere que Elias subiu ao céu num carro, como para mostrar abertamente que um simples homem precisava do auxílio alheio. Narra, porém, que o nosso Redentor se elevou sem o auxílio de nenhum carro e nem de anjos, porque o autor de todas as coisas subia, por seu poder próprio, acima de todas.
SOLUÇÃO. — Tem Cristo dupla natureza: a divina e a humana. Por onde, podemos lhe atribuir um poder próprio a cada uma dessas naturezas. Mas, já a natureza humana de Cristo é por si só, dotada de duplo poder. Um natural procedente dos princípios da natureza. E em virtude desse poder é manifestado que Cristo não subiu ao céu. Outro poder, porém, da natureza humana de Cristo é o da Glória. E em virtude desse Cristo subiu ao céu. Mas, o fundamento desse poder certos o vão buscar em a natureza da quinta essência, que é a luz, como dizem, que fazem entrar na composição do corpo humano, de modo a, por meio dela, adunarem os elementos contrários. De modo que, no seu estado mortal, predomine no corpo humano a sua natureza elementar; e assim, segundo a natureza do elemento predominante, o corpo humano tende para baixo pela sua virtude natural. Mas no estado da glória predomina a natureza celeste, por cuja inclinação e virtude o corpo de Cristo e os corpos dos santos são levados para o céu. Mas, dessa opinião já tratamos na Primeira Parte, e mais adiante tornaremos a vê-la no tratado da ressurreição em geral. Deixando, pois, de lado essa opinião, vão outros buscar a razão do referido poder na alma glorificada, por cuja redundância é glorificado o corpo, como diz Agostinho. Pois, tão sujeito estará o corpo glorioso àalma beata, que, como diz Agostinho, o corpo estará imediatamente onde o quiser o espírito, e este não quererá nada que não lhe convenha ao mesmo tempo, e ao corpo. Ora, ao corpo glorioso e imortal na morada celeste é o seu lugar conveniente. Por onde, levado pela vontade da sua alma, Cristo subiu ao céu. - Mas, assim como o corpo se torna glorioso por participar da alma, assim, como diz Agostinho, participando de Deus, a alma se torna bem-aventurada. Por onde, a causa primeira da ascensão de Cristo ao céu foi o poder divino. Assim, pois, Cristo subiu ao céu por virtude própria: primeiro, pela sua virtude divina; segundo, pela virtude da sua alma glorificada, que movia o corpo como queria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Assim como Cristo ressurgiu pela sua vontade própria, e contudo dizemos que foi ressuscitado pelo Padre, por terem o Pai e o Filho o mesmo poder, assim também Cristo subiu ao céu por virtude própria, sendo contudo elevado e assunto pelo Pai.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A razão aduzida prova que Cristo não subiu ao céu pela virtude própria, inerente ànatureza humana. Subiu ao céu porém pela sua virtude, enquanto poder divino; e pela virtude própria à sua alma bem-aventurada. E embora subir para as alturas seja contrário à condição presente da natureza do corpo humano, em que o corpo não está inteiramente sujeito ao espírito, não será porém contrário à natureza do corpo glorioso, nem lhe constituirá uma violência, a ele cuja natureza está totalmente sujeita ao espírito.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora o poder divino seja infinito, e tenha pelo seu sujeito, capacidade infinita, contudo o efeito da sua ação é recebido pelas causas segundo a capacidade delas e a disposição de Deus. Ora, o corpo não é capaz de um movimento local instantâneo, porque há de comensurar-se com o espaço, por cuja divisão e divide o tempo, como o prova Aristóteles. Por onde, não é necessário que o corpo seja movido por Deus instantaneamente, mas que o seja pela velocidade que Deus dispõe.
O segundo discute-se assim. — Parece que ascender ao céu convinha a Cristo enquanto de natureza divina.
1. — Pois, diz a Escritura: Subiu Deus com júbilo. E noutro lugar: O teu protetor é aquele que sobe ao mais alto dos céus. Ora, isso foi dito de Deus mesmo antes da Encarnação de Cristo. Logo, convinha a Cristo, como Deus, subir ao céu.
2. Demais. — Sobe ao céu quem dele desceu, segundo aquilo do Evangelho: Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu. E o
Apóstolo: Aquele que desceu esse mesmo é também o que subiu. Ora, Cristo desceu do céu, não como homem mas como Deus, pois, não era a sua natureza humana, mas a divina, que já antes existia no céu. Logo, parece que Cristo subiu ao céu como Deus.
3. Demais. — Cristo, na sua ascensão, subiu ao Pai. Ora, não tinha nenhuma igualdade com o Pai enquanto homem; pois, diz, nesse sentido: O Pai é maior que eu, como lemos no Evangelho. Logo, parece que Cristo subiu ao céu como Deus.
Mas, em contrário, àquilo do Apóstolo - Aquele que subiu não foi também o que desceu? - diz a Glosa: Foi na sua humanidade que Cristo desceu e subiu.
SOLUÇÃO. — A expressão — enquanto que no caso vertente, pode designar duas coisas: a condição de quem sobe e a causa da ascenção. — Se designa a condição de quem subiu, então ascender não podia convir a Cristo segundo a condição da sua natureza divina. Quer por não haver nada mais alto que a divindade, para onde pudesse subir. Quer também por implicar a ascensão o movimento local, de que não é susceptível a natureza divina, que é imóvel e não ocupa nenhum lugar. Mas, subir desse modo o podia Cristo na sua natureza humana que ocupava lugar no espaço e era susceptível de movimento. Por onde, neste sentido, poderemos dizer que Cristo subiu ao céu, enquanto homem e não enquanto Deus. - Mas se - enquanto que - designa a causa da ascençâo, como Cristo subiu ao céu pelo seu poder divino e não em virtude da natureza humana, devemos concluir que subiu ao céu não enquanto homem, mas enquanto Deus. Donde o dizer Agostinho: Enquanto dotado de natureza humana é que Cristo foi crucificado; mas como Deus é que subiu ao céu.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os lugares citados são profecias referentes a Deus, enquanto encarnado. – Podemos, porém dizer, que subir ao céu, embora não conviesse à natureza divina, pode contudo lhe ser atribuído metaforicamente; no mesmo sentido em que dizemos que Deus sobe ao coração do homem, quando este se lhe sujeita e humilha. E, do mesmo modo, dizemos metaforicamente que sobe, em relação a qualquer criatura quando a sujeita à sua lei.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O que subiu foi o mesmo que desceu. Assim, diz Agostinho: Quem foi o que desceu? Deus homem. Quem foi o que subiu? O mesmo Deus homem. A descida, porém se atribui a Cristo em dois sentidos. Num, dizemos que desceu do céu. E isto o atribuímos a Deus homem enquanto Deus. Mas essa descida não na devemos entender como implicando um movimento local; mas pela sua aniquilação, tendo a natureza de Deus, tomou a natureza de servo. Pois como dissemos que se aniquilou, não por ter perdido a sua plenitude, mas por ter se revestido das nossas misérias, assim também, que desceu do céu, não pelo ter abandonado, mas por ter assumido a natureza terrena, na unidade da pessoa. – Outra, porém foi à descida pela qual descem às partes ínfimas da terra, no dizer do Apóstolo. E essa foi a um local determinado, e a pôde fazer Cristo, segundo a condição da natureza humana.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que Cristo subiu ao céu, por ter subido a sentar-se à dextra paterna. O que convinha, de certo modo, à natureza divina de Cristo; mas, de certo outro, ànatureza humana, como a seguir se dirá.
O primeiro discute-se assim. — Parece que não devia Cristo ascender ao céu.
1. — Pois, segundo o Filósofo, os seres dotados da maior perfeição possível fruem bem próprio sem precisar mover-se. Ora, Cristo tinha a maior perfeição possível, por ser o sumo bem, em virtude da sua natureza divina, e ser, pela sua natureza humana soberanamente glorificado. Logo, fruía sem nenhum movimento a seu bem. Ora, a ascensão é um movimento. Logo, não devia Cristo ascender ao céu.
2. Demais. — Tudo o que se move visa um fim melhor. Ora a Cristo não era melhor estar no céu que na terra; pois, nenhum bem se lhe acrescentou por estar no céu, nem quanto àalma nem quanto ao corpo. Logo, parece que Cristo não devia subir ao céu.
3. Demais. — O Filho de Deus assumiu a natureza humana para a nossa salvação. Ora, seria melhor para a salvação dos homens que sempre se conservasse conosco na terra, e por isso ele próprio disse aos discípulos: Lá virá tempo que em vós desejareis ver um dia do Filho do homem e não no vereis. Parece, logo, que não devia Cristo subir ao céu.
4. Demais. — Como diz Gregório, o corpo de Cristo nenhuma mudança sofreu depois da ressurreição. Ora, não subiu ao céu imediatamente depois da ressurreição; pois, ele próprio o disse depois dela: Ainda não subi a meu Pai. Logo, parece que nem depois dos quarenta dias devia subir ao céu.
Mas, em contrário, o Senhor diz: Vou para meu Pai e vosso Pai.
SOLUÇÃO. — O lugar deve proporcionar-se ao que nele está colocado. Ora, Cristo depois da ressurreição entrou na sua vida imortal e incorruptível. Ora, a terra que habitamos é um lugar em que seres nascem e morrem; ao contrário, o céu é um lugar onde não há morte. Logo não devia Cristo, depois da ressurreição, permanecer na terra, mas devia subir ao céu.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O ser soberanamente perfeito que possui o seu bem sem ter necessidade nenhuma de mover-se, é Deus: pois é absolutamente imutável, segundo aquilo da Escritura - Eu sou o Senhor e não mudo. Ao contrario, toda criatura é de certo modo mutável, como o adverte Agostinho. E como a natureza assumida pelo Filho de Deus permaneceu criatura, conforme do sobre dito se colige, não há inconveniência em lhe atribuir algum movimento.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Por ter subido, ao céu nenhum bem se lhe acrescentou a Cristo, sua glória essencial, nem quanto ao corpo nem quanto àsua alma. Mas lhe constituiu um novo bem o esplendor da sua mansão gloriosa. Não que ao corpo lhe adviesse, do corpo celeste, maior perfeição ou conservação, senão só o conveniente esplendor. O que de certo modo lhe redundava em glória. E esse esplendor lhe causava alegria; não que começasse então a gozá-la, quando subiu ao céu; mas porque de novo modo gozou dele, como de um bem completo. Por isso, aquilo da Escritura — Deleites na tua direita para sempre, diz a Glosa: As minhas delícias e a minha alegria serão quando estiver sentado ao teu lado, longe dos olhares humanos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora da presença corporal de Cristo ficassem privados os fiéis pela ascensão, contudo a presença da sua divindade sempre a têm eles, segundo o Evangelho: Eu estou convosco todos os dias, até à consumação do século. Pois, o que subiu aos céus não abandonou os seus filhos adotivos, como diz Leão Papa.
Mas, a ascensão mesma de Cristo ao céu, fazendo-nos ficar privados da sua presença corporal, nos foi mais útil que essa presença. — Primeiro, pelo aumento da fé, cujo objeto é o invisível. Por isso o próprio Senhor disse aos seus discípulos, que o Espírito Santo, quando vier, arguirá o mundo da justiça, isto é, dos que crêem; pois, a simples comparação dos fiéis com infiéis é a condenação a destes últimos. E por isso acrescenta: Porque vou para o Pai e vós não me vereis mais. Mas felizes são os que, não vendo, crêem. Será pois, vossa a justiça, de que será o mundo arguido, por crerdes em mim, a quem não vedes. — Segundo, para fundar a nossa esperança. Por isso ele próprio o disse: Depois que eu for e vos aparelhar o lugar, virei outra vez e tomar-vos-ei para mim mesmo, para que onde eu estou estejais também. Elevando assim ao céu Cristo a natureza humana assumida, deu-nos a esperança de lá chegar: porque em qualquer lugar em que estiver o corpo, aí se hão de ajuntar também as águias. E por isso diz a Escritura: Ascende abrindo o caminho adiante deles. — Terceiro, a fim de elevar o afeto da caridade para os bens celestes. Donde o dizer o Apóstolo: Buscais as coisas que são lá de cima, onde Cristo está sentado à dextra de Deus; cuidai nas coisas que são lá de cima, não nas que há sobre a terra. Pois, na frase do Evangelho, onde está o teu tesouro aí está também o teu coração. E sendo o Espírito Santo o Amor que nos arrebata para os bens celestes, por isso o Senhor diz aos discípulos: A vós convém-vos que eu vá, porque se eu não for, não virá a vós o Consolador; mas se for enviar vô-lo-ei. O que Agostinho assim expõe: Não sois capazes de receber o Espírito, enquanto persistis a só conhecer a Cristo segundo a carne. Cristo, separando-se deles corporalmente, não somente o Espírito Santo, mas ainda o Pai e o Filho residiram neles espiritualmente.
RESPOSTA À QUARTA. — Embora o lugar conveniente a Cristo ressurrecto para a vida imortal fosse morada celeste, contudo diferiu a sua ascensão para que comprovasse a verdade da sua ressurreição. Por isso declara a Escritura: Depois da sua Paixão manifestou-se a si mesmo vivos os discípulos com muitas provas, por quarenta dias. Ao que uma certa glossa diz: Por ter estado morto durante quarenta horas, confirma que está vivo, durante quarenta dias. Ou podemos entender que esses quarenta dias são a imagem da vida presente, durante a qual Cristo reside na sua Igreja. Neste sentido, que o homem se compõe de quatro elementos e que a Igreja o educa para a observação do decálogo.
O segundo discute-se assim. — Parece que a ressurreição de Cristo não é a causa da ressurreição das almas.
1. — Pois, diz Agostinho, que os corpos ressurgem por uma exceção à lei da vida humana, mas as almas ressurgem pelo substância de Deus, Ora, a ressurreição de Cristo não concerne àsubstância de Deus, mas àuma exceção àlei da vida humana. Logo, a ressurreição de Cristo, embora causa da ressurreição dos corpos, não pode contudo ser considerada causa da ressurreição das almas.
2. Demais. — O corpo não age sobre o espírito. Ora, a ressurreição de Cristo foi a do seu corpo, ferido pela morte. Logo, a ressurreição de Cristo não é a causa da ressurreição das almas.
3. Demais. — Sendo a ressurreição de Cristo a causa da ressurreição dos corpos, todos os corpos ressurgirão, segundo aquilo do Apóstolo. Todos certamente ressuscitaremos. Ora, nem todas as almas ressuscitarão, porque certas irão para o suplício eterno, como diz o Evangelho. Logo, a ressurreição de Cristo não é a causa da ressurreição das almas.
4. Demais. — A ressurreição das almas se opera pela remissão dos pecados. Ora, isto se deu pela Paixão de Cristo, segundo a Escritura: Lavou-nos dos nossos pecados no seu sangue. Logo, da ressurreição das almas foi antes a causa a Paixão de Cristo que a sua ressurreição.
Mas, em contrário, o Apóstolo diz: Ressuscitou para nossa justificação, que outra coisa não é senão a ressurreição das almas. E àquilo da Escritura — De tarde estaremos em lágrimas — diz a Glosa: A ressurreição de Cristo é a causa da nossa — da alma, presentemente, e do corpo, no futuro.
SOLUÇÃO. — Como dissemos, a ressurreição de Cristo age em virtude da divindade. — E essa se estende não só àressurreição dos corpos, mas também àdas almas; pois Deus é quem dá à alma a vida da graça e faz o corpo vivermediante a alma. Por onde, a ressurreição de Cristo tem uma virtude instrumentalmente eficiente, não só em relação à ressurreição dos corpos, mas também à das almas. — Semelhantemente, age também como causa exemplar no atínente àressurreição das almas. Pois, devemos nos conformar com Cristo ressurrecto, quanto à nossa alma; para que, no dizer do Apóstolo, assim como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Padre, assim também nós andemos em novidade de vida; e assim como ele ressurgido dos mortos já não morre, assim também nós nos consideremos mortos ao pecado, para que de novo vivamos com ele.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Quando Agostinho diz que a ressurreição das almas se opera pela substância de Deus, ele o entende quanto àparticipação: pois, participando da divina bondade é que as almas se tornam justas e boas, não porém participando de qualquer criatura. Por isso, depois de ter dito — as almas ressurgem pela substância de Deus, acrescenta: Pois, pela participação de Deus a alma se faz bem-aventurada, e não pela participação de qualquer alma santa. Ora, participando da glória do corpo de Cristo, os nossos corpos se tornarão gloriosos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A eficiência da ressurreição de Cristo se faz sentir nas almas, não pela virtude própria do corpo de Cristo ressurrecto, mas por virtude da divindade, a que está unido.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A ressurreição das almas respeita ao mérito efeito da justificação; ao passo que a ressurreição dos corpos se ordena à pena ou ao prêmio, efeitos da judicação. Ora, não é o papel de Cristo justificar a todos, mas sim julgá-las. Por isso ressuscita o corpo de todos, mas não a alma.
RESPOSTA À QUARTA. — Dois elementos concorreram para a justificação das almas: a remissão da culpa e a novidade da vida da graça. — Ora, quanto àeficiência fundada na virtude divina, tanto a Paixão de Cristo como a sua ressurreição é a causa da justificação, relativamente aos dois elementos supra referidos. — Mas, quanto àexemplaridade, propriamente a Paixão e a morte de Cristo é a causa da remissão da culpa, pela qual morremos ao pecado; ao passo que a sua ressurreição é a causa da novidade da vida, causada pela graça ou pela justiça. Donde o dizer o Apóstolo, que Cristo foi entregue, isto é, à morte, por nossos pecados, isto é, para tirá-los, e ressuscitou para nossa justificação. Mas a Paixão de Cristo também é meritória, como dissemos.
O primeiro discute-se assim. — Parece que a ressurreição de Cristo não é a causa da ressurreição dos corpos.
1. — Pois, posta a causa suficiente, necessariamente se lhe segue o efeito. Se, pois, a ressurreição de Cristo é a causa suficiente da ressurreição dos corpos, imediatamente depois da ressurreição dele todos os mortos deviam ressurgir.
2. Demais. — A causa da ressurreição dos mortos é a justiça divina; e esta exige que os corpos sejam premiados ou punidos simultaneamente com as almas, com a qual participaram do mérito ou do pecado, como diz Dionísio e também Damasceno. Ora, a justiça de Deus haveria de cumprir-se necessariamente, mesmo se Cristo não tivesse ressurgido. Logo, ainda sem ter Cristo ressurgido, os mortos ressurgiriam. Portanto, a ressurreição de Cristo não é a causa da ressurreição dos corpos.
3. Demais. — Se a ressurreição de Cristo é a causa da ressurreição dos corpos, ou é a causa exemplar, ou a eficiente ou a meritória. — Ora, não é a causa exemplar, porque Deus é quem operará a ressurreição dos corpos, segundo o Evangelho: o Pai ressuscita os mortos. E demais, Deus não precisa voltar-se para nenhum exemplar exterior a si. — Semelhantemente, também não é a causa eficiente. Pois a causa eficiente não age senão por contato, espiritual ou corpóreo. Ora, é manifesto que a ressurreição de Cristo nenhum contato corpóreo tem com os mortos que ressurgem, por causa da distância de tempo e de lugar. Nem tão pouco contato espiritual, mediante a fé e a caridade, pois, também os infiéis e os pecadores ressurgirão. — Nem é a causa meritória, enfim; porque Cristo ressurrecto já não era viandante e portanto não podia mais merecer. — E portanto de nenhum modo a ressurreição de Cristo parece ser a causa da nossa ressurreição.
4. Demais. — Sendo a morte a privação da vida, destruir a morte nenhuma outra causa há de ser senão tornar a infundir a vida, o que constitui a ressurreição. Ora, Cristo, morrendo, destruiu a nossa morte. Logo, a morte de Cristo, e não portanto a sua ressurreição, é a causa da nossa ressurreição.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, etc. E a Glosa: Que é a causa eficiente da nossa ressurreição.
SOLUÇÃO. — Tudo o primário em qualquer gênero é a causa do mais que se lhe segue, como diz Aristóteles. Ora, o que é primário no gênero da verdadeira ressurreição é a ressurreição de Cristo, como do sobredito resulta. Por onde, há de necessariamente a ressurreição de Cristo ser a causa da nossa ressurreição. E tal o diz o Apóstolo: Ressuscitou Cristo dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem; porque como a morte veio na verdade por um homem, também por um homem deve vir a ressurreição dos mortos. — E com razão. Pois, o princípio da vida humana é o Verbo de Deus, do qual diz a Escritura: Em ti está a fonte da vida. Donde o dizer o próprio Senhor: Assim como o Pai ressuscita os mortos e lhes dá vida, assim também dá o Filho vida àqueles a quem quer. Ora, a ordem natural das causas instituídas por Deus exige que qualquer causa primeiro obre sobre o que lhe mais próximo está e depois, por esse meio, ao que lhe está mais remoto. Assim, o fogo primeiro aquece o ar que lhe está próximo e, mediante o ar, aquece os corpos distantes. E Deus mesmo primeiro ilumina as substâncias que lhe estão mais próximas e, por meio delas, as mais remotas, como diz Dionísio. Por onde, o Verbo de Deus primeiro dá a vida imortal ao corpo, que lhe está naturalmente unido e, por ele, causa a ressurreição em todos os outros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como dissemos, a ressurreição de Cristo é a causa da nossa, por virtude do Verbo que lhe está unido. O qual a opera pela sua vontade. Por onde, não é necessário que o seu efeito se lhe siga imediatamente, mas segundo a disposição do Verbo de Deus; de modo que primeiro nos afeiçoemos com Cristo, que sofreu e morreu, em nossa vida passível e mortal; em seguida, cheguemos àparticipar da semelhança da ressurreição.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A justiça de Deus é a causa primeira da nossa ressurreição; a ressurreição de Cristo, porém, a causa secundária e como instrumental. Pois, embora a virtude do agente principal não fique determinada por nenhum instrumento em particular, contudo desde que obra mediante esse instrumento, este é a causa eficiente. Assim, pois, a justiça divina, quanto é de si, não é obrigada a causar a nossa ressurreição, pela ressurreição de Cristo. Pois, Deus podia nos salvar por outro modo que não a Paixão e a ressurreição de Cristo, como dissemos. Mas desde que decretou esse modo de nos salvar, é manifesto que a ressurreição de Cristo é a causa da nossa.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A ressurreição de Cristo não é, propriamente falando, a causa meritória da nossa, mas a causa eficiente e exemplar. — Eficiente, porque a humanidade de Cristo, segundo a qual ressurgiu, é de certo modo o instrumento da sua divindade, e obra em virtude dela, como se disse. Por onde, assim como o mais que Cristo na sua humanidade fez ou sofreu contribui, em virtude da sua divindade, para salvação nossa, como dissemos, assim também a sua ressurreição é a causa eficiente da nossa, pela virtude divina, que tem o poder de vivificar os mortos. E essa virtude atinge com a sua presença dos os lugares e tempos; sendo que esse contacto virtual basta para a referida eficiência causal. Ora, segundo dissemos, a causa primordial da ressurreição humana é a justiça divina, pela qual Cristo tem o poder de emitir o seu juízo, enquanto Filho do homem. Por onde, a causalidade eficiente da sua ressurreição se estende não só nos bons, mas também aos maus, que lhe estão sujeitos ao juízo. — Mas, assim como a ressurreição do corpo de Cristo, por estar ele pessoalmente unido ao Verbo, foi a primeira no tempo, assim também foi a primeira em dignidade, como diz a Glosa a um lugar do Apóstolo. Ora, o perfeitíssimo é sempre o exemplar imitado pelo menos perfeito, ao seu modo. Por onde, a ressurreição de Cristo é a causa exemplar da nossa. O que é necessário, não da parte do autor da ressurreição que não precisa de exemplar; mas da dos ressuscitados, que hão de afeiçoar-se à ressurreição de Cristo, segundo aquilo do Apóstolo: Reformará o nosso corpo abatido para o fazer conforme ao seu corpo glorioso. Embora, pois, a eficiência da ressurreição de Cristo se estenda à ressurreição tanto dos bons como dos maus, contudo a sua exemplaridade se estende propriamente só aos bons, que fez conformes à sua filiação, na frase do Apóstolo.
RESPOSTA À QUARTA. — Pela causalidade eficiente, dependente da poder divino, em geral tanto a morte de Cristo como também a sua ressurreição é a causa tanto da destruição da morte como da reparação da vida. Mas, quanto àcausa exemplar, a morte de Cristo, pela qual deixou a vida mortal, é a causa da destruição da nossa morte. Ao passo que a sua ressurreição, pela qual entrou na vida imortal, é a causa da reparação da nossa vida. Mas além disso a Paixão de Cristo é a causa meritória, como dissemos.