Skip to content

Art. 1 – Se a alma separada pode inteligir alguma coisa.

O primeiro discute–se assim. Parece que a alma separada não pode inteligir absolutamente nada.

1. – Pois, como diz o Filósofo, corrompe–se o inteligir de ficar com uma certa corrupção interna. Mas, tudo o que é interno, no homem, corrompe–se pela morte. Logo, também há de corromper–se o próprio inteligir.

2. Demais. – A alma humana, como já se disse, pode ser impedida de inteligir pela obstrução dos sentidos e pela imaginação perturbada. Ora, pela morte, os sentidos e a imaginação se corrompem totalmente, como resulta do sobredito. Logo, a alma, depois da morte, nada intelige.

3. Demais. – Se a alma separada intelige, necessariamente há de inteligir por meio de certas espécies. Ora, não intelige por meio de espécies inatas, porque, a princípio, é como uma táboa na qual nada está escrito, Nem por meio de espécies que abstraia das coisas, porque não tem os órgãos do sentido e da imaginação, mediante os quais as espécies inteligíveis são abstraídas das coisas. Nem ainda por meio de espécie já anteriormente abstratas e conservadas na alma, porque, então, a alma da criança nada inteligiria, depois da morte. Nem, enfim, por meio de espécies inteligíveis divinamente influídas, pois, então, tal conhecimento não seria o natural, que é o de que agora se trata, mas o da graça. Logo, a alma separada do corpo nada intelige.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que se a alma não tem nenhuma operação própria, não pode existir separada. Ora, ela pode existir separada. Logo, tem operação que lhe é própria e, sobretudo, a de inteligir, Logo, intelige quando separada do corpo.

SOLUÇÃO. – Esta questão encerra dificuldade porque a alma, enquanto esta unida ao corpo, não pode inteligir nada sem se voltar para os fantasmas, como a experiência o prova. Se, porém, como queriam os Platônicos, não é pela sua natureza que a alma assim intelige, mas só por acidente, enquanto unida ao corpo, então a questão pode se resolver facilmente. Pois, removido o impedimento do corpo, a alma tornaria à sua natureza, inteligindo simplesmente os inteligíveis, sem se voltar para os fantasmas, como acontece com as outras substâncias separadas. Mas, segundo tal opinião, não foi para a sua perfeição que a alma foi unida ao corpo, desde que intelige menos, unida a este, do que separada do mesmo; mas só para a perfeição do corpo. O que é irracional, porque a matéria existe para a forma e não inversamente. Se, porém, admitirmos que a alma intelige, por natureza, voltando–se para os fantasmas, como essa natureza não se muda pela morte do corpo, resulta que a alma, então, nada poderá inteligir, naturalmente, por não lhe estarem presentes os fantasmas para os quais se volte.

E portanto, para eliminar a dificuldade presente, deve–se considerar que, como nenhum ser opera senão enquanto atual, o modo de qualquer cousa operar segue–se–lhe ao modo de ser. Ora, um é o modo de ser da alma enquanto unida ao corpo, e outro, quando dele separada, permanecendo, porém sempre a mesma natureza dela. Não que lhe seja acidental o estar unida ao corpo, pois isso é em virtude da natureza da mesma; assim como também a natureza leve não se muda quando está no seu lugar próprio, como lhe é natural, e quando está fora desse lugar, o que lhe é contra a natureza. Por onde, segundo o modo, de ser pelo qual está unida ao corpo, à alma é próprio o modo de inteligir que consiste em voltar–se para os fantasmas dos corpos, que estão nos órgãos corpóreos. Quando, porém, estiver separada do corpo, ser–lhe–à próprio o modo de inteligir consistente em voltar–se para o que é absolutamente inteligível, como as demais substâncias separadas do corpo. E, portanto, o modo de inteligir, que consiste em voltar–se para os fantasmas, é natural à alma, como natural lhe é o estar unida ao corpo; mas, como está fora da essência da sua natureza o existir separada do corpo, semelhantemente, é–lhe contra a natureza inteligir sem se voltar para os fantasmas. E é para operar conforme a sua natureza que está unida ao corpo.

Mas aqui surge ainda uma dúvida. Pois, como as coisas sempre se ordenam para o que lhes está melhor, e como é melhor modo de inteligir o que consiste em voltar–se para os inteligíveis, absolutamente, do que o consistente em voltar–se para os fantasmas, Deus devia ter instituído a natureza da alma tal que lhe fosse natural o modo de inteligir mais nobre, sem que ela precisasse, para isto, de estar unida ao corpo.

Deve–se, pois, considerar que, embora inteligir, voltando–se para o que é superior, seja, absolutamente, mais nobre do que inteligir, voltando–se para os fantasmas, contudo, aquele modo de inteligir, conquanto possível à alma, seria mais imperfeito. O que assim se evidencia. Em todas as substâncias intelectuais a virtude intelectiva existe por influência do lume divino. Ora, este, no primeiro princípio, é um e simples; e quanto mais as criaturas intelectuais distam do primeiro princípio, tanto mais se divide e diversifica esse lume, como se dá com as linhas que partem do centro. E daí vem que Deus, pela sua essência una, intelige todas as coisas. Porém as substâncias intelectuais superiores, embora intelijarn por meio de várias formas, contudo estas são em menor número, mais universais e mais aptas para a compreensão das coisas, por causa da eficácia da virtude intelectiva dessas substâncias. Ao passo que, nas substâncias inferiores, as formas são em maior número, menos universais e menos eficazes para a compreensão das coisas, porque elas são deficientes em relação à virtude intelectiva das superiores. Se, portanto, as substâncias inferiores tivessem formas da mesma universidade que as das superiores, corno tais substâncias não têm a mesma eficácia no inteligir, não obteriam por meio dessas formas um conhecimento perfeito das coisas, mas um conhecimento comum e confuso. O que, de certo modo, se manifesta nos homens. Assim, os de intelecto mais fraco não obtêm, pelas concepções universais dos mais inteligentes, um conhecimento perfeito, se não lhes explicarem cada questão em especial.

Ora, é manifesto que, entre as substâncias intelectuais, conforme a ordem da natureza, as Ínfimas são as almas humanas. Pois, a perfeição do universo exigia que houvesse diversos graus nas coisas. Por onde, se as almas humanas fossem instituídas por Deus de maneira que inteligissem pelo modo próprio às substâncias separadas, elas não teriam um conhecimento perfeito, mas confuso e em comum. E, portanto, para que pudessem ter das coisas um conhecimento perfeito e próprio, foram naturalmente instituídas de maneira a estarem unidas aos corpos, de modo que tirem dos seres sensíveis, um conhecimento próprio deles; assim como aos homens rudes não pode ser comunicada a ciência senão por meio de exemplos sensíveis. Por onde é claro que é para a sua perfeição que a alma se acha unida ao corpo e intelige, voltando–se para os fantasmas; e contudo pode existir separada e ter outro modo de inteligir.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

Discutidas diligentemente as palavras do Filósofo, ver–se–à que ele diz tal em virtude de uma suposição anteriormente feita, a saber, que inteligir, assim como sentir, é um certo movimento do composto. Pois, ainda não mostrara a diferença entre o intelecto e o sentido. – Ou se pode dizer que fala do modo de inteligir que consiste em voltar–se para os fantasmas.

Donde também se origina a SEGUNDA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A alma separada não intelige por espécies inatas, nem por espécies que, na ocasião, abstrai, nem só por espécies conservadas, como afirma a OBJEÇÃO; mas por espécies participadas pela influência do divino lume, das quais a alma se torna participante do mesmo modo que as outras substâncias separadas, embora em grau inferior. Donde, logo que ela cessa de se voltar para o corpo, volta–se para o que é superior. Mas nem por isso o seu conhecimento deixa de ser natural; porque Deus é o autor não só da influência do lume gratuito, mas também do natural.

AdaptiveThemes