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História (76)

Perseguição à Igreja Católica sob o regime chinês.

Albert Galter

Foi pelo ano de 1920 que a ideologia marxista-leninista foi introduzida na China por agentes a serviço da Rússia. No espaço de trinta anos conseguiu ela impor-se a cerca de meio bilhão de homens, graças à hábil inserção dos seus profetas no jogo dos acontecimentos nacionais, e ao proveito que eles tiraram da situação internacional criada no Extremo-Oriente durante e após a Segunda Guerra Mundial.

Fundado em Shangai em 1921, o Partido Comunista Chinês precisou, pouco a pouco, o seu caráter revolucionário, com o auxílio da Missão de peritos industriais e militares russos que se achava na China desde 1920.

Quando Tchang Kai-Chek começou em 1927 a obra de reunificação interior do país, marchando contra o governo que sediava então em Nankin, os comunistas, aproveitando a guerra civil, formaram por seu lado um governo em Hankow e puseram à testa dele Mao Tsé-Tung (1928). (Continue a ler)

O que o ocidente medieval deve aos árabes, e o que não lhes deve

Jean Sévillia

Professor substituto de história e doutor em letras, Sylvain Gouguenheim ensina história medieval na prestigiosa École normale supérieure de Lyon. Até pouco tempo, era ele um professor sem história. Estimado pelos estudantes, reconheciam-no os seus pares como um especialista em Idade Média alemã. As suas doutas publicações e livros — sobre Hidelgarda de Bingen, mística da região da Renânia no século XII, sobre o terror do ano mil ou sobre os cavaleiros teutônicos[1] — granjeavam respeito para este medievalista que também é germanista.

Em 2008 a curiosidade o levou a pesquisar a transmissão da cultura helênica na Idade Média. Desempenharam os árabes um papel no processo, ninguém o ignora, mas em que medida? Um lugar comum reza que o conhecimento antigo, depois de desaparecer da Europa em razão da queda do Império Romano, refugiou-se no mundo muçulmano que, ao traduzir para o árabe os textos gregos, transmitiram-nos ao Ocidente – transmissão que possibilitou o florescimento da cultura ocidental.

O século da guerra total

Diane Moczar

 

A virada do século XX, abarcando por um lado a década de 1890 e o início dos anos 1900 por outro, foi sob alguns aspectos um período vertiginoso e otimista. A ciência e a tecnologia alimentavam sonhos de uma sempre crescente prosperidade; viagens de longa distância eram mais fáceis e comuns; uma nova forma de música popular tornava-se mais acessível às massas, juntamente com outros meios de entretenimento. Esperava-se uma feliz e pacífica era de progresso. No entanto, o que dizer da visão terrível de Satanás e sua investida de cem anos contra a Igreja, revelada ao Papa Leão XIII em 1884? E como é que, em 1903, São Pio X foi capaz de cogitar se “o Filho da Perdição, de quem falou o Apóstolo, já poderia estar vivendo sobre a Terra”?

Considerando tudo o que veio a acontecer, é claro que aquele otimismo sobre os novos tempos mostrou-se completamente equivocado, pois o século XX produziu, um após outro, pesadelos de horror e sofrimento jamais vistos. Mesmo antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, vários chefes de Estado, tanto na Europa quanto na América, tinham sido assassinados por anarquistas, e no subterrâneo de muitos países os movimentos revolucionários iam ganhando terreno. Haviam se deteriorado as relações entre a Igreja e o Estado francês, entregue a um secularismo militante; ordens religiosas eram perseguidas e suas escolas, fechadas; políticos anticlericais substituíam oficiais militares de atestada competência, porque católicos. Sucessivas crises começavam a absorver a atenção de alguns Estados europeus, mas foram poucos os que as enxergaram como presságios de um futuro cataclisma. Em 1904, o Japão lança um ataque-surpresa contra a Rússia, e em 1905 já a havia derrotado. Que fosse possível ao império dos czares sofrer tão rápido fiasco para tão minúsculo oponente, foi decerto um choque para os russos e para todo o mundo, e ocasião para que refletissem bastante os diplomatas da Europa. No imediato pós-guerra, as perturbações produzidas por esse breve conflito fizeram escassear a comida e abundar os tumultos agrários dentro da Rússia, culminando num surto de revolução ainda em 1905.

O barril de pólvora dos Bálcãs, como era de se esperar, espocou assustadoramente no início do século, à medida que as Guerras Balcânicas finalmente expeliam da Europa os turco-otomanos. A Sérvia tinha planos de um império próprio sobre as ruínas do Império Otomano, e os próprios turcos resvalavam para uma insurreição ou até revolução, enquanto desaparecia do mapa o remanescente de seu império — desde a Líbia, passando por Creta, até a Península Balcânica.

A Áustria-Hungria se defrontava com minorias cada vez mais insubmissas dentro de suas fronteiras, todas exigindo alguma forma de autonomia, seja lá qual fosse sua capacidade de existência independente. A Alemanha pós-Bismarck estava mais militante (e militarizada) do que nunca, montando uma frota que fizesse páreo à da Grã-Bretanha e tecendo alianças com a Itália e a Áustria-Hungria — e depois com a Turquia — para se contrapor ao “entendimento” diplomático (entente) de ingleses, franceses e russos. A maior parte dos Estados até aqui mencionados, e outros tais como a Bélgica e a Holanda, tinha também suas empresas coloniais, que os faziam cada qual adversário de todos os demais. Pacífico não era o melhor adjetivo para aquele sofisticado mundo da valsa, da opereta e da carruagem motorizada.

 

A Grande Guerra

Esse cataclisma, que passaria a ser chamado Primeira Guerra Mundial quando adveio a Segunda, parece ter sido, para o Ocidente, um choque que a todos pegou despreparados. Sua origem lembrava o início da última grande guerra européia, a dos Trinta Anos, começada 300 anos antes, em 1618, quando a Boêmia, na Europa Oriental, revoltou-se contra o domínio dos Habsburgos. A Grande Guerra teve início quando um membro de uma organização revolucionária sérvia, a Mão Negra, assassinou um arquiduque de Habsburgo na Bósnia, então controlada pela Áustria. Em ambos os casos, os austríacos tentavam lidar com o que parecia ser uma questão meramente regional, para então descobrir que outros países começavam a se somar à briga tão logo ela tinha começado.

Não cabe aqui entrarmos nos detalhes da Primeira Guerra Mundial, mas eles estão prontamente acessíveis em qualquer livro didático. A Áustria queria que a Sérvia entregasse ou punisse o grupo de assassinos e reivindicou o direito de entrar na Sérvia para supervisionar esse esforço. A Sérvia, entretanto, na esperança de formar seu próprio império balcânico e eliminar dali a presença austríaca, começou a se mobilizar, contando com o apoio de sua aliada, a Rússia. Quando os sérvios rejeitaram o ultimatum de Viena, navios austríacos bombardearam Belgrado, fazendo questão de dizer que não estavam invadindo território sérvio; certamente a Áustria não queria que o conflito escalasse e a Rússia fosse trazida para a questão, mas também sabia contar com o suporte de sua aliada Alemanha. A Rússia havia começado a mobilizar parcialmente suas tropas, uma vez que o Czar Nicolau II esperava que isso detivesse ulteriores agressões da Áustria. Seu Estado-maior o persuadiu a ordenar uma completa mobilização, à qual a Áustria respondeu com uma mobilização também completa. França, Inglaterra e outros países correram para organizar suas políticas. A Alemanha, aliada da Áustria, ordenou então à Rússia que interrompesse a mobilização de suas tropas dentro de 12 horas (o que era impossível, ainda que a Rússia o quisesse). Uma vez desatendida a exigência, a Alemanha declarou guerra em 1º de agosto e começou a executar um plano de batalha previamente elaborado, que envolvia atacar a França através da Bélgica e de Luxemburgo.

É espantoso, mas os poderes ocidentais estavam despreparados para esse desenrolar, não obstante os muitos sinais de alerta, diplomáticos e militares, que chegavam da Alemanha. Apesar disso, nas grandes capitais como Paris e Londres, a guerra despertou grande entusiasmo. Os franceses, em particular, estavam sedentos de vingar sua derrota na Guerra Franco-Prussiana e recuperar a Alsácia-Lorena. A Grande Guerra, entretanto, seria diferente de tudo o que a Europa tinha visto até então. Há relatos de jovens oficiais de cavalaria franceses, rindo e brandindo no ar suas espadas ao atacar as linhas alemãs, para em seguida encontrar a morte instantânea: ninguém lhes havia contado das novas armas, as metralhadoras. O gás tóxico foi outra novidade dos eficientes alemães, e seus tanques eram monstros mecanizados que nenhum outro país podia igualar. O longo embate de trincheiras foi um traço fundamental dessa guerra que, de início, todos pensaram resolver numas poucas semanas. Um só período dessa guerra de quatro anos fez um espantoso número de vítimas: de março a dezembro de 1916, o impasse entre alemães e franceses próximo a Verdun causou aproximadamente 400.000 mortes, e quase o dobro de homens feridos ou intoxicados pelos gases venenosos. Entre julho e dezembro daquele mesmo ano, na Batalha do Somme, Grã-Bretanha, França e Alemanha sofreram mais de um milhão de baixas, e ainda assim a linha de batalha moveu-se apenas sete milhas — o que totaliza duas mortes e meia por polegada.

Nações trocaram de lado ou retiraram-se de campo durante os quatro longos anos de guerra. A Itália deixou a Tríplice Aliança, na qual tinha sido parceira da Áustria-Hungria e da Alemanha, e passou a ladear com os Aliados em 1915. A Rússia, após a revolução que em breve abordaremos, retirou-se da guerra em 1917, enquanto os Estados Unidos nela entraram no princípio de 1918. Desde o começo, uma paz negociada deveria ter sido possível. Isso teria desmoralizado os militares alemães, mas o governo imperial permaneceria intacto, o que bem poderia ter evitado a futura ascensão de Hitler. A Alemanha, todavia, queria uma derrota definitiva da Grã-Bretanha e da França, e não estava aberta a negociações; por seu turno, em 1915 os Aliados tinham prometido terras à Itália caso ela abandonasse a antiga aliança, e precisavam de mais tempo para cumprir tal promessa. Também eles queriam uma vitória completa sobre a Alemanha e não estavam propensos a barganha. É certo que o Papa Bento XV insistia pela paz, mas era visto como pró-germânico e os franceses se ressentiam de sua recusa a admitir a culpa maior da Alemanha em invadir vizinhos pequenos e indefesos como a Bélgica e Luxemburgo. Suas exortações propendiam a vagas propostas idealistas de desarmamento geral, de todo irrealistas e inúteis naquelas circunstâncias.

 

Um Trágico Imperador

O único chefe de Estado que se esforçava ativamente a promover uma paz exeqüível era o jovem e recém-coroado imperador da Áustria-Hungria. Francisco José havia enfim morrido em 1916, após um longuíssimo reinado: tinha subido ao trono durante as revoluções de 1848. Sua família parecia perseguida pela violência. Em 1853, quase foi assassinado a faca por um revolucionário, mas salvou-o uma improvável comitiva formada por um conde irlandês e um açougueiro austríaco que passava na hora. (Ambos foram recompensados, o açougueiro elevado à nobreza.) Um a um, o imperador foi vendo seus herdeiros sofrerem mortes violentas. Seu único filho, Rodolfo, ou foi assassinado ou cometeu suicídio em Mayerling em 1889; um de seus irmãos, Maximiliano, havia sido executado no México algumas décadas antes, e outro morreu de intoxicação por água durante uma peregrinação à Terra Santa. Sua amada esposa, Isabel, morreu esfaqueada por um anarquista em 1898, e a morte de seu sobrinho, o Arquiduque Francisco Ferdinando, foi o estopim da Grande Guerra. Agora, enfim, era o próprio imperador veterano que partia, deixando como herdeiro seu sobrinho-neto Carlos (beatificado em 2004). Carlos estava disposto a negociar com os Aliados e até mesmo a abrir mão de algum território austríaco em prol da paz, mas não encontrou qualquer cooperação por parte das grandes potências. Suas mensagens ao governo francês ficaram sem resposta. O Presidente Wilson, um idealista antipático à monarquia, sequer chegou a ouvir suas propostas — com o fundamento, ao que parece, de Carlos não ter sido eleito. E assim a guerra seguiu seu curso mortífero até o armistício em 1918.

 

A Revolução Comunista na Rússia

Há mais de uma semelhança entre a Revolução Francesa de 1789 e a Revolução Russa de 1918, e alguns dos participantes desta pareciam muito conscientes desse fato. Lênin perguntou, quando a revolução começou a ter sucesso: “Onde vamos conseguir nosso Fouquier-Tinville?” Aquela sinistra figura tinha sido promotor público durante o Terror, legendário por sua cruel dedicação à causa revolucionária.

Reza a lenda da Revolução Russa que, de tão depauperado e miserável, o povo russo finalmente rompeu suas cadeias, derrubou o governo opressor e conquistou a própria liberdade. Nada mais distante da verdade. Em primeiro lugar, nunca é “o povo” quem faz revoluções; em segundo, a Rússia, na década anterior à Grande Guerra, e apesar dos problemas causados pela Guerra Russo-Japonesa de 1905, experimentara uma prosperidade sem precedentes. Isso se deveu principalmente a um ministro czarista chamado Pedro Stolípin, brilhante e realista, que conseguiu mudar o antiqüíssimo sistema agrícola, gerador de estagnação e ineficiência extrema, no qual as terras dos camponeses não lhes pertenciam, mas sim às inflexíveis comunas dos vilarejos. Foi tão exitoso o programa de privatização de terras arrendadas promovido por Stolípin, que em 1913 os camponeses já superavam a produção dos proprietários de terras mais extensas, empurrando-os para fora do mercado. Não apenas o consumo doméstico aumentou, mas também as exportações — a uma formidável taxa de 61% em relação aos primeiros anos do século. A poupança dos camponeses também cresceu vertiginosamente, e os investimentos estrangeiros afluíam para a Rússia. Tragicamente, antes de concluir suas grandes reformas da economia russa, Stolípin foi assassinado a bala por um revolucionário enquanto assistia a uma ópera em 1911. Fez o Sinal da Cruz, saudou o czar, que estava no camarote real, e desfaleceu dizendo: “Fico feliz de morrer pelo czar.”

Stolípin era praticamente insubstituível, e pari passu com a crescente agitação revolucionária e a deriva do país rumo à Grande Guerra, uma nova e demoníaca personagem conquistava a confiança da família real, e talvez tenha feito mais que Lênin ou Trotsky para destruir a Rússia dos czares. Parecia possuir poderes paranormais e havia, de fato, profetizado a morte de Stolípin; seu nome era Raspútin. O czar era um homem manso, avesso a contrariar, o mínimo que fosse, a vontade enérgica da esposa, de modo que, quando Raspútin, supostamente um santo, provou-se capaz de estancar o sangramento de seu filho hemofílico, a czarina Alexandra dispôs-se a fazer tudo o que ele dissesse — e a garantir que o fizesse também seu marido. Mesmo quando o czar estava com suas tropas no front e a guerra ia mal para a Rússia, habilidosos ministros do governo eram substituídos por inábeis camaradas de Raspútin. Foi, enfim, morto — por um grupo de fidalgos que não viam outra maneira de salvar a Rússia — no curso de uma noite longa e medonha, na qual várias vezes se pensou que ele já houvesse morrido, apenas para vê-lo soerguer-se de novo e de novo, obrigando a repetição daquela tarefa extenuante e desagradável.

Como é notório, a morte dessa que foi uma das mais bizarras personagens da história não bastou para salvar a Rússia. Era tarde demais, e a abdicação do czar e o estabelecimento de um governo provisório (de esquerda) tampouco trouxeram estabilidade. Os comunistas de Lênin tomaram o poder em outubro (novembro de nosso calendário) de 1917. Um dos primeiros movimentos de Lênin foi retirar a Rússia da guerra, ao preço de vastos territórios cedidos às potências centrais. O czar e sua família foram primeiro aprisionados em março de 1917, enquanto os revolucionários debatiam se e quando deviam assassiná-los. Foi só mais de um ano depois, em julho de 1918, que Lênin finalmente ordenou a execução da família inteira. A família real, seus filhos e criados foram mortos cruelmente; muitos pereceram lentamente das feridas a faca ou dos crivos de bala. Nascia a União Soviética.

 

Pensamento e Cultura no Século da Guerra Total

O maior dos males que afligiram a Igreja no início do século XX foi o modernismo, que já começara a emergir no fim do século anterior. A maior consolação da Igreja no século XX foi — ou deveria ter sido e ainda ser — Fátima. Examinaremos a história inicial de ambos os fenômenos, que continuarão relevantes na seqüência da história do século XX.

 

O Modernismo

Os primeiros estrondos do pensamento modernista remontam àqueles protestantes do século XIX que começaram a aplicar à religião os postulados do darwinismo. Se, como tudo o mais, também a religião evoluía, então não era mais necessário acreditar em doutrinas fixas. O modernismo era “a síntese de todas as heresias”, como viria a chamá-lo São Pio X.

Um de seus principais expoentes foi o Pe. Alfred Loisy, sacerdote francês que esteve entre os primeiros católicos (coisa que algum dia ele chegou a ser) a escrever livros que infundiriam o modernismo em seminários, escolas e almas católicas. O Pe. Loisy havia sofrido a influência de Adolf von Harnack, um protestante liberal e modernista, o que é um exemplo, entre muitos, da infiltração dessa insidiosa heresia, a partir de sua versão protestante original, no interior da Igreja Católica. Dizia esse rebento francês do modernismo que, em parte, Harnack estava correto em sua teoria de que Nosso Senhor não pretendia formar uma Igreja organizada — ao menos não da forma como, à época, para o desagrado do Pe. Loisy, ela estava organizada. Pensava que Cristo não podia saber como a Igreja evoluiria após Ele deixar a Terra; sustentava também que Ele não Se sabia consubstancial ao Pai, idéia esta que só teria surgido muito depois, no Concílio de Nicéia. (Ainda se encontra, entre católicos “liberais”, a idéia de que Nosso Senhor não tinha conhecimento de quem Ele era, ou do futuro, ou de quase coisa alguma.) Loisy escreveu também, em 1904, que considerava “o nascimento virginal e a ressurreição meros símbolos morais.”

Para os modernistas, tudo que pensávamos crer não passava, na realidade, de algo provisório, uma vez que o dogma “evolui” constantemente. Cada nova geração tem de descobrir e criar suas próprias noções teológicas, porque doutrinas solenemente definidas são tolas e ultrapassadas. Não é difícil notar que essa doutrina poderia destruir a fé de inumeráveis almas. A influência de Loisy espalhou-se não apenas na França, mas também na Inglaterra, onde seus mais famosos seguidores foram o barão Friedrich von Hügel e o jesuíta Pe. George Tyrrell.

 

A Ascensão de São Pio X ao Papado

O Papa São Pio X sucedeu a Leão XIII em 1903. Não nutria ilusões a respeito da crise que se avolumava na Igreja e no mundo, e em sua primeira encíclica, E supremi apostolatus (sobre a Restauração de todas as coisas em Cristo), referiu-se ao “terror” que experimentava em considerar a condição funesta da humanidade por causa de sua apostasia para com Deus. Caracterizou essa condição como “essa detestável e monstruosa iniqüidade, própria do tempo em que vivemos, pela qual o homem se substitui a Deus”. Temia também “que uma tal perversão dos espíritos seja o começo dos males anunciados para o fim dos tempos, e como que a sua tomada de contato com a terra, e que verdadeiramente o filho da perdição de que fala o Apóstolo (2 Tess 2, 3) já tenha feito o seu advento entre nós”.

 Jamais podendo tolerar que as águas do poço católico fossem envenenadas pela heresia, pôs-se a incluir os escritos modernistas naquele utilíssimo — mas hoje abolido — índice de livros proibidos para católicos, o Index. Isso não destruiu o modernismo, embora limitasse a exposição do simples fiel aos seus erros; é possível que seus adeptos — que formavam uma panelinha de intelectuais, antes que um movimento popular — se consolassem de se ver como nobres vítimas do obscurantismo. Em todo caso, não desapareceram nem se arrependeram. Como os hereges do passado, queriam eliminar muitas devoções populares caras às massas não-esclarecidas e “democratizar” o governo da Igreja. Desejavam um clero mais pobre e mais simples, e o próprio Loisy parece ter sido a favor da mudança do requisito do celibato clerical. Em paralelo a isso, Paul Hallett escreveu que “o princípio modernista da Imanência Vital, que faz autônoma a consciência, é feito sob medida para um abrandamento no ensino sexual.” (Imanência Vital é a idéia de que o princípio divino está localizado dentro, não fora, do homem, e é a fonte de suas crenças religiosas e morais.)

 

Fontes das Teorias Modernistas

É possível encontrar a maioria dessas idéias em movimentos heréticos que datam desde a Idade Média e perpassam a Reforma, quando produziram e organizaram novas seitas. O que havia de novidadeiro — e aterrador — no modernismo, a meu ver, era precisamente sua adoção da nova teoria evolutiva no campo da doutrina. A idéia modernista é que a doutrina da Igreja está em constante evolução conforme as circunstâncias das sucessivas comunidades cristãs, e que esse processo é inevitável. Tal como na luta de classes marxista, a mudança está em marcha implacável, e não pode ser detida. O problema de Marx era pretender que a mudança estacionasse quando atingida a utópica sociedade sem classes; já os modernistas não parecem ter previsto qualquer ponto de chegada. O caráter inexorável da grande evolução de dogma e práxis reforçava nesses revolucionários da religião o fanatismo, a dedicação e o zelo já exaltados. Consideravam-se parte de um Zeitgeist1 maior do que eles mesmos, do qual eram a um só tempo os instrumentos e os missionários.

 

A Ofensiva Antimodernista de São Pio X

A campanha do Papa São Pio X, que vinha ganhando força desde o início de seu reinado, alcançou o ponto alto em 1907. Em julho daquele ano, o Santo Ofício emitiu o decreto Lamentabili, referido às vezes como “o novo Syllabus”, condenando 65 proposições modernistas. O mesmo ano testemunhou providências contra várias publicações modernistas, além da excomunhão de seus autores; o próprio Loisy seria excomungado no ano seguinte. Em setembro de 1907 publicou-se a histórica encíclica Pascendi. Vale a pena estudar essa brilhante e minuciosa análise da heresia modernista; a condenação das teorias ali discutidas é bem clara, e foi enfatizada e reforçada em documentos papais subseqüentes. Tanto o decreto Lamentabili quanto a encíclica Pascendi parecem atos do Magistério infalível. O juramento antimodernista foi decretado pela Pascendi, e todos os padres, bispos e professores eram obrigados a fazê-lo, até ser abolido por Paulo VI — seja porque achou que já não era necessário, seja porque todos já tinham se tornado modernistas apesar do juramento. Como sabemos, àquela altura os modernistas removeram as pedras sob as quais jaziam adormecidos desde o início do século, e vieram à tona. Seus escritos proliferaram desde o Vaticano II ― tive recentemente o pesar de ler muitos deles enquanto organizávamos a biblioteca da paróquia e eliminávamos a cizânia. É um sinal encorajador, entretanto, que aquele lixo comece a parecer ultrapassado, ao passo que o magistério tradicional segue persuasivo. Certamente os modernistas nem em sonho consideraram que sua sagrada evolução pudesse descambar num retorno à Tradição; teriam náuseas só de pensá-lo. Seria como se os revolucionários franceses contemplassem o seu idolatrado “povo” eleger um rei.

 

Fátima

O que é apresentado a seguir sobre esse importantíssimo evento, a maior aparição de Nossa Senhora nos tempos modernos e, de acordo com a Irmã Lúcia, a última, é um resumo muito breve, porque a história inteira dessas visitas de Nossa Senhora, suas mensagens, e as vidas das três crianças que a viram, exigiriam muitos volumes. O melhor registro, de fato, é a obra em vários volumes, Toute la vérité sur Fatima (Toda a verdade sobre Fátima), do Irmão Michel de la Sainte-Trinité e do Irmão François des Anges. Aqui vamos considerar alguns temas centrais das mensagens e, em particular, sua íntima conexão com eventos históricos — algo inédito na história das aparições marianas. Com efeito, segundo alguns teólogos, os fenômenos de Fátima não pertencem estritamente à categoria de “revelação privada”, devido à natureza das mensagens e ao milagre público e espetacular pelo qual foram validadas.

 

A Resposta de Nossa Senhora à Guerra e à Revolução

Enquanto os descontrolados eventos do século XX precipitavam a Europa, e deveras o mundo, à beira de um abismo de sofrimentos, a Bem-aventurada Virgem Maria entrava em combate na mais espetacular série de visitações celestiais da história. Como a Irmã Lúcia contaria ao Padre Agostinho Fuentes numa entrevista em 1957: “Nos planos da Divina Providência, sempre que Deus vai castigar o mundo, antes esgota todos os remédios. E quando vê que o mundo não faz caso de nenhum deles, então — como diríamos na nossa maneira imperfeita de falar — nos oferece, com 'certo receio', o último meio de salvação, a sua Mãe Santíssima.”

Desse modo, os terríveis castigos que acabamos de pincelar foram acompanhados de extraordinárias visitas de Nossa Senhora a um pequeno vilarejo português, portando uma mensagem para o mundo e para os papas. Em 1916, antes das aparições da Virgem, um anjo, que se chamou a si mesmo de Anjo da Paz e Anjo de Portugal — identificado com São Miguel — apareceu várias vezes a três pastorinhos portugueses: Lúcia, Jacinta e Francisco. Ensinou-lhes orações de reparação e exortou-os a fazer sacrifícios pela conversão dos pecadores, com particular ênfase pelos “ultrajes, sacrilégios e indiferenças” com que Nosso Senhor é ofendido. O anjo se referiu à Sagrada Eucaristia como “horrivelmente ultrajada pelos homens ingratos”. Então, em 13 de maio de 1917, a própria Maria Santíssima apareceu às crianças pela primeira vez, prometendo retornar no décimo terceiro dia dos próximos cinco meses.

 

As Mensagens e o Milagre

As crianças videntes de Fátima sabiam que uma guerra havia começado em 1914, mas não tinham conhecimento do desenvolvimento dos fatos na Rússia, a qual provavelmente ignoravam o que era e onde ficava. Suas vidas concentravam-se agora em seu encontro mensal com a Mãe Santíssima. Na primeira aparição, em 13 de maio de 1917, ela lhes ensinou uma oração e pediu que recitassem o Terço, fizessem sacrifícios pelos pecadores e rezassem pelo fim da guerra. Em junho, durante sua segunda visita, anunciou que Deus queria estabelecer sobre a Terra a devoção ao seu Imaculado Coração. A terceira aparição, em julho, trouxe a famosa visão do inferno e o misterioso “Terceiro Segredo”, que as crianças não deveriam revelar até muito mais tarde. Também encerrou a promessa de que a guerra iria acabar, mas que, se os homens não deixassem de ofender a Deus,

no reinado de Pio XI começará outra pior. Quando virdes uma noite alumiada por uma luz desconhecida, sabei que é o grande sinal que Deus vos dá de que vai a punir o mundo de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de perseguições à Igreja e ao Santo Padre. Para a impedir, virei pedir a consagração da Rússia a meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja; os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas, por fim o meu Imaculado Coração triunfará. O Santo Padre consagrar-me-á a Rússia, que se converterá, e será concedido ao mundo algum tempo de paz.

Nossa Senhora prometeu ainda que em outubro contaria às crianças seu nome e o que queria, e realizaria um milagre que todos poderiam ver. Nos dois meses seguintes, Nossa Senhora repetiu algumas de suas instruções anteriores, continuou a insistir sobre a oração e a penitência, e mencionou novamente o que faria em 13 de outubro. Chegado esse dia, referiu-se a si mesma como a Senhora do Rosário e prometeu que a guerra acabaria e que os soldados logo voltariam para casa. Falou também uma vez mais do quanto que Nosso Senhor estava ofendido pelo pecado e da necessidade de as pessoas reformarem suas vidas e recitarem o Terço diariamente.

Em 13 de outubro de 1917, apenas as crianças viram Nossa Senhora. Além disso, entretanto, viram uma maravilhosa série de quadros no céu em que São José também apareceu. De repente, diante dos olhos de cinqüenta a setenta mil testemunhas que tinham vindo de Portugal e de toda a Europa, aconteceu o famoso Milagre do Sol. O sol parecia girar no céu, emitindo raios coloridos, e depois despencar em direção à Terra, aterrorizando os espectadores antes de retornar ao seu lugar e estado normais. Temos o relato de um repórter agnóstico, feito para um jornal socialista, que tinha ido lá preparado para narrar uma fraude e acabou tendo de admitir que havia visto um milagre. Com louvável honestidade, sua reportagem descreveu o fato em detalhes. O testemunho de observadores céticos, somado ao fato de que pessoas a milhas de distância do local também observaram o fenômeno, descarta a hipótese de alucinação coletiva. Nossa Senhora havia fornecido uma prova espetacular da autenticidade de sua mensagem.

 

Após as Aparições

O povo de Fátima levou a sério a mensagem de Nossa Senhora, ao menos por um tempo, e ela cumpriu sua promessa. Portugal havia permanecido neutro no estalar da Grande Guerra, mas em 1916 concordou com um pedido britânico de apreender navios alemães em portos portugueses e vendê-los à Inglaterra. Isso acarretou que a Alemanha e a Áustria-Hungria declarassem guerra a Portugal, de forma que o pequeno país estava assim obrigado a enviar seus soldados para lutar contra os alemães em dois fronts: em suas colônias na África Oriental e na França. A primeira baixa portuguesa na França ocorreu em abril de 1917, o mês anterior à primeira visita da Bem-aventurada Virgem às crianças. A guerra acabou no ano seguinte.

No decorrer do século XX, os pedidos de Nossa Senhora não seriam atendidos, e todas as suas profecias se cumpririam. O Império Comunista tomou conta da Rússia, ameaçado apenas por uma tímida tentativa de intervenção dos Aliados ao término da Guerra, em 1918. Naquele mesmo ano, o mundo foi atingido pela maior pandemia de influenza da história. Milhões pereceram da doença mundo afora, alguns em menos de 24 horas. Muitos, não se sabe quantos, morreram por infecções secundárias ou complicações causadas pela gripe. Entre as tropas americanas, foi a influenza, e não os combates, que causou a maioria das baixas de guerra.

 

Paz Atrai Guerra

O tratado de paz de 1919, assinado no ano seguinte à derrota das potências centrais, foi uma receita para conflitos futuros. Muito ao contrário das cláusulas do Congresso de Viena de 1815, lenientes que foram com a derrotada França (país que nos legara as guerras da Revolução e as napoleônicas, que juntas custaram à Europa milhões de vidas e farta destruição), os tratados da Primeira Guerra foram desnecessariamente vingativos e severos ― em grande parte graças a Woodrow Wilson, ideólogo liberal e calvinista, em seu ódio ao que chamava de “autocracia”. Depois de implementar, a seu ver, “um mundo seguro para a democracia”, Wilson queria certificar-se de que esse mundo de fato se tornaria democrático, e de que uma estrutura internacional surgiria para assegurar aquela nova ordem mundial. A Liga das Nações materializou esse sonho, mas bastaria pouco mais de década para tornar-se um irrelevante fracasso, enquanto o pobre Wilson gastava sua saúde tentando converter seus conterrâneos do isolacionismo e persuadi-los a apoiar aquele projeto. No fim das contas, morreu frustrado.

Foram derrubadas duas das grandes monarquias da Europa: os Hohenzollerns na Alemanha e os Habsburgos na Áustria-Hungria, tradicionais elementos de estabilidade dentro de seus territórios. Naturalmente, ninguém queria que o Kaiser Guilherme II seguisse no trono. Ele se retirou para a Holanda, de onde continuou a aborrecer sua família (por exemplo, ao casar-se inesperadamente com uma criada). Entretanto, havia outros membros da família que poderiam ter governado — e estabilizado — um país que até então jamais conhecera outra forma de governo. (O sábio Congresso de Viena havia permitido que os Bourbons continuassem a governar a França após sua derrota.)

A paz de 1919 resultou num catastrófico redesenho do mapa europeu, em parte pelo desejo de punir o perdedor como jamais fora punido nenhum outro inimigo (exceto talvez a Cartago dos tempos de Roma), e em parte pela fanática devoção de Wilson à “autodeterminação dos povos”, baseada na etnia ou — caso isso fosse muito difícil — ao menos numa língua comum. A Hungria, parceira da Áustria no Império Austro-Húngaro, embora gozasse de autogoverno no interior do império, não podia exercer uma política externa independente. Pouco importava: devia ser punida (por causa das políticas austríacas) com a perda de dois terços de seu antigo território — algo exorbitante para qualquer critério de compensação. O fator decisivo, é claro, foi a dedicação de Wilson à causa tribalista, uma vez que as áreas extirpadas da Hungria foram organizadas em estados nacionais segundo padrões étnicos ou lingüísticos.

Assim, entregou-se à Romênia o extenso território húngaro da Transilvânia, sob o pretexto de que estava repleta de romenos. Regiões onde viviam eslovacos, incluindo Pozsony, capital húngara na Idade Média, foram arrancadas da Hungria; mas Wilson não parou por aí: já que eslovacos e tchecos falavam línguas do mesmo ramo eslavo, Wilson resolveu amalgamá-los, apesar de suas muitas outras diferenças, incluindo a religião, e assim fez surgir uma nova criação: a Tchecoslováquia. Pela mesma razão, formou a Iugoslávia a partir de vários grupos étnicos e religiosos muito diferentes. Por toda a Europa Oriental, estabeleceram-se pequenos e instáveis nações-Estado, às quais se ordenava formarem democracias, querendo ou não. Wilson cogitou unir Alemanha e Áustria, relacionadas que são por etnia e língua, mas parece que recuou ante o vislumbre de que isso pudesse vir a criar, bem no meio da Europa, uma grande potência católica influenciada pelo papado. A Áustria, mutilada, tinha de se tornar uma república. A autodeterminação, por algum motivo, não se aplicava à Ucrânia, que almejava libertar-se do domínio soviético: para tanto, diziam-lhes, bastava que os ucranianos confiassem na nova Liga das Nações. Esta, contudo, tinha acabado de ceder a Alta Silésia e sua população alemã à Polônia, mostrando quão obscuros eram os princípios que orientavam sua atuação.

Que países novos e pequenos, com sistemas de governo pouco familiares, se tornariam presas fáceis da próxima grande potência que se constituísse nas redondezas, deveria ter sido óbvio; e assim aconteceu: caíram primeiro sob a Alemanha ressurgente, e depois sob a União Soviética. A injustiça das condições impostas em termos de território e sistema de governo gerou um amargo ressentimento, que produziu em alguns casos revoluções e, em outros, uma disposição para se aliar à primeira potência que prometesse um novo acordo. As áreas do continente europeu onde se travara o conflito armado (o que ironicamente não incluía a Alemanha, cujo solo não fora palco de nenhuma grande batalha) haviam sofrido intensa destruição, e todos os países envolvidos na guerra amargaram baixas sem precedentes: metade dos jovens franceses — dois milhões deles — pereceram ou foram mutilados. Logo após as últimas batalhas da guerra, veio a epidemia de influenza em 1918, trazida inadvertidamente por tropas americanas vindas do Kansas, onde começou como gripe aviária, sofreu mutação para gripe suína, e depois, já na Europa, evoluiu de novo para sua forma mais letal. No mundo inteiro, a gripe afetou quase um bilhão de pessoas, das quais 20 a 40 milhões morreram; 85% dos mortos de guerra americanos (43 mil) sucumbiram para a influenza.

 

O Sofrimento da Alemanha

Na maioria dos países europeus do pós-guerra, a inflação esteve nas alturas. De todos, o mais atingido foi a Alemanha. Sobrecarregada com as esmagadoras reparações que lhe foram impostas, sua economia era incapaz de lidar com os custos da derrota. Em 1923, um obscuro e fracassado pintor tentou [A1] arrebatar o poder com um discurso delirante numa cervejaria da Bavária. Preso, gastou seu tempo na cadeia escrevendo um livro chamado Mein Kampf2, em que descrevia um detalhado programa de governo, seguido ao pé da letra quando, mais tarde, subiu ao poder. É uma pena que, aparentemente, nenhuma liderança política, dentro ou fora da Alemanha, tenha se preocupado em lê-lo. Pelos meados da década de 1920, o país se recuperava, parcialmente estimulado por investimentos e ajuda econômica dos Estados Unidos, e em 1926 foi admitido na Liga das Nações. Veio então a Grande Depressão de 1929 e o investimento americano cessou. Todos os países, exceto a União Soviética, sofreram com aquele colapso capitalista, que espalhava desemprego em massa e desordem econômica generalizada. Na Alemanha, a situação instável catapultou o pintor frustrado (e agora ex-presidiário) a uma posição no governo, e depois à presidência — com 88% dos votos. Seu nome, é claro, era Adolf Hitler.

Hitler conseguiu dar uma guinada na economia alemã dentro de algumas semanas; construiu o grande sistema de rodovias, incentivou o desenvolvimento de um “carro do povo” (a Volkswagen) e fortaleceu as forças armadas dentro dos estritos limites impostos pelo Tratado de Versalhes. Por meio de um acordo secreto com os soviéticos, ainda desenvolveu tanques, a força aérea (que os Aliados haviam proibido) e pesquisas clandestinas com gás tóxico em solo russo. Anexou a Áustria, lançando mão de uma série de ações coordenadas, que incluíram a organização de grupos nazistas dentro do país vizinho e o envio de tropas para além da fronteira pouco antes de um plebiscito sobre a independência austríaca ― e isso ele fez apelando ao princípio wilsoniano de que povos com idêntica origem étnica e lingüística deveriam pertencer ao mesmo Estado. Encampou também a zona alemã da Tchecoslováquia (a Região dos Sudetos), e depois o país inteiro. Quando invadiu a Polônia em 1939, dividindo seu território com o aliado Stálin, que atacava pelo leste, os Aliados — a princípio, naquele momento, Grã-Bretanha e França — decidiram contê-lo, mas já era tarde; constatava-se, afinal de contas, que a Primeira Guerra Mundial não tinha sido “a guerra para pôr fim a todas as guerras”.

 

A Segunda Grande Guerra

Nada de mais aconteceu no primeiro ano do conflito, que o povo já alcunhava de “guerra de araque”. A França estava completamente despreparada para o confronto, apesar dos repetidos apelos do Marechal Pétain, herói da Primeira Guerra, para que se modernizassem as forças armadas. Um governo pacifista, dominado por socialistas, comandara o país durante os anos 30, e quando, em 1940, Hitler desencadeou sua “guerra-relâmpago” em todas as direções (a Blitzkrieg), aqueles governantes indecisos e amedrontados quiseram se livrar da responsabilidade pelo iminente fiasco. É que, para proteger a França de uma invasão, aqueles homens haviam confiado em nada mais que uma série de fortificações na fronteira oriental, conhecida como Linha Maginot; os alemães só tiveram de contorná-la. Após uma peregrinação a Notre Dame ― tão solene quanto burlesca, considerando as suas convicções ateístas e maçônicas ― os membros do governo, como que para mostrar que tentavam de tudo, decidiram entregar o poder ao Marechal Pétain, já então com mais de 80 anos.[A2]  Um terço da França, Paris inclusive, estava em pleno processo de ocupação pelo inimigo. Centenas de milhares de soldados franceses terminariam em campos de concentração alemães. Esses militares capturados e a população civil das regiões ocupadas formariam uma multidão de reféns, cujas vidas dependiam do que Pétain viesse a fazer.

O marechal se deu conta de que a França não conseguiria continuar lutando; entretanto, um oficial esquentado e insubordinado chamado Charles de Gaulle dizia ser possível manter a resistência com o exército francês na África. Pétain, com sua experiência militar vastamente superior, sabia que aquela parte do exército precisava ser grandemente reforçada antes de qualquer confronto com os alemães; para ganhar tempo, assinou um armistício com Hitler. O sul da França, que ainda estava livre da ocupação inimiga, assim permaneceria ― incluindo a costa mediterrânea, que Hitler desejava mas jamais viria a conseguir, razão pela qual alguns historiadores consideram o armistício um erro muito custoso para o führer. O novo governo francês instalou sua sede em Vichy, no sul, com suporte de quase toda a população francesa. O Marechal Pétain era de origem camponesa, católico, e estava determinado a dar ao povo francês um governo conservador e ordeiro. Reduziu o poder dos grandes capitalistas e favoreceu uma organização corporativa da economia; pela primeira vez, nomeou ministro da agricultura um camponês; apoiou a Igreja Católica e suas instituições. Tudo isso foi uma lufada de ar fresco num país há muito submetido a um regime anticatólico e freqüentemente opressor. Havia um preço a pagar, é claro: neutralidade na guerra e cooperação com a Alemanha. As fábricas francesas tinham de produzir cotas para os alemães, mas o faziam tão lentamente quanto podiam; e mesmo assim algumas demandas eram negadas. Era uma estreita margem de manobra. Certa vez, questionado sobre a possibilidade de ignorar determinada exigência alemã, o Marechal Pétain fez recordar ao interlocutor que os alemães seriam capazes de executar toda a população da província da Alsácia. Hitler jamais conseguiria o controle da costa mediterrânea ou da     esquadra francesa; quando, no decorrer da guerra, os alemães finalmente invadiram o país inteiro, o governo de Vichy ordenou que, se necessário, toda a esquadra deveria ser afundada para não cair em mãos alemãs. E já antes disso, Pétain também havia preparado o exército francês na África, que vinha sendo secretamente fortalecido, para se unir aos Aliados nas ofensivas finais da guerra.

O embaixador americano em Vichy ficou extremamente impressionado com o marechal e passou a nutrir grande admiração por ele. Pétain também mantinha comunicação verbal com Churchill; suas mensagens eram transmitidas por meio de agentes secretos que as memorizavam e repetiam, sem registro escrito. Na Inglaterra, todavia, estava De Gaulle, o desertor francês, anunciando-se ao mundo inteiro, pelas ondas do rádio, como representante da “França livre” e incitando a resistência aos alemães no país ocupado. Aqui nos falta espaço para a demorada tarefa de demolir o mito da Resistência. Diga-se apenas que, embora decerto houvesse homens e mulheres de boa-fé nesse movimento subterrâneo dedicado a sabotar as operações alemãs na França, também eram muitos os que se moviam pelo desejo de colher dividendos para sua agenda política no pós-guerra. Durante a guerra, o movimento causou muita devastação aos conterrâneos franceses devido às represálias que suas ações provocavam. A retaliação alemã recaía sobre civis inocentes, como no caso de uma vila inteira que foi fuzilada por causa dos danos causados pelas ações da Resistência.

Enquanto isso, a maior parte da Europa seguia ocupada pelos alemães, que foram até bem recebidos em certas regiões do Leste Europeu, porque Hitler prometera a devolução do território roubado desses povos após a Primeira Guerra Mundial. Até então, o führer lembrava um Napoleão; e a semelhança ficou ainda mais forte ao invadir sua antiga aliada, a União Soviética, com resultados previsivelmente desastrosos. No final de 1941, o ataque japonês a Pearl Harbor trouxe os Estados Unidos para a guerra, e o ano de 1942 veria a maré se voltar contra o líder do Terceiro Reich.

Os três grandes momentos de guinada da guerra naquele ano foram a derrota imposta aos alemães pelos soviéticos em Stalingrado, a vitória britânica sobre as tropas alemãs em El Alamein no Egito, e a destruição da frota japonesa pelos americanos em Midway. O movimento de retirada dos exércitos alemães prosseguiu até Berlim ser tomada em 1945; numa decisão fatal, as tropas americanas retiveram sua ofensiva sobre aquela cidade para que as forças soviéticas pudessem ocupá-la. Os russos já estavam presentes em toda a Europa Oriental com o propósito de implantar ali regimes soviéticos. Tragicamente, o ano que viu a vitória sobre a Alemanha nazista viu também o início do estado de tensão e hostilidade entre a União Soviética e o Ocidente, conhecido como Guerra Fria.

 

Crimes de Guerra

Pelo menos um livro inteiro seria necessário para uma discussão sobre os crimes de guerra — e os houve dos dois lados. A obsessão de Hitler em destruir “raças inferiores”, tais como ciganos, judeus e eslavos, levou a uma espantosa mortalidade civil. Polacos, judeus e outros “indesejáveis” pereceram aos milhões; teríamos de retornar às campanhas dos mongóis na Idade Média para encontrar semelhante número de vítimas. Os horrores dos campos de concentração são bem conhecidos, incluindo torturas, experimentos médicos e uso de restos humanos.

Mas os Aliados, por sua vez, também não podem ser inocentados. A política de bombardeio “estratégico” ou “de terror” fez com que aviões britânicos e americanos sobrevoassem cidades alemãs com ordens de atingir, não alvos militares, mas casas comuns, hospitais e escolas. O intuito era desencorajar a população, possivelmente baseado no princípio democrático de que “o povo” é responsável pelas ações do governo. O bombardeio de Dresden, com a extinção de cerca de 50.000 vidas inocentes (as estimativas variam), foi uma das piores atrocidades dos Aliados, mas nem de longe a única. É difícil enxergar, em tão indiscriminado e deliberado massacre de civis, algum vestígio de respeito ao princípio enunciado por Santo Tomás de Aquino de que “nunca é lícito matar o inocente”.

Quando a guerra acabou, a Operação Keelhaul, em obediência a uma das deliberações da Conferência de Yalta, fez repatriar os cidadãos de qualquer país Aliado que, ao fim da guerra, se encontrassem fora de sua terra natal. Essa decisão, que pode soar inofensiva, também se aplicava àqueles que não queriam voltar; especificamente, a dezenas de milhares de não-comunistas (ucranianos, russos e de outras nacionalidades) que, forçados a retornar para o controle soviético, foram sumariamente executados ou enviados para o Gulag.

O bombardeio de Hiroshima e Nagasaki, com sua expressiva população católica, quando os japoneses já haviam tentado várias vezes iniciar negociações de paz, é um dilema moral de difícil resolução. Na primeira vez em que abordei esse assunto por escrito, inclinei-me a rejeitar as justificativas geralmente dadas para o uso da bomba atômica, baseando-me no princípio expresso por Santo Tomás de que “nunca é lícito matar o inocente”. Um leitor sério e bem informado me escreveu uma carta apresentando pontos excelentes que me conduziram a pesquisas mais profundas. O raciocínio era que, uma vez que os japoneses haviam rejeitado uma rendição incondicional, qualquer outra forma de acabar com a guerra, incluindo a invasão das ilhas, teria custado muito mais vidas americanas3.

Vale ainda mencionar que ambos os Presidentes Roosevelt e Truman, em geral contrários ao emprego de armas químicas ou biológicas, parecem ter considerado que as bombas atômicas fossem simplesmente versões mais poderosas dos explosivos tradicionais. Poucos especialistas (se é que algum deles) parecem ter tido conhecimento dos verdadeiros efeitos que a bomba atômica teria sobre suas vítimas.

Sabe-se agora que muitos no governo e no corpo diplomático japonês eram favoráveis à rendição, tendo submetido propostas a esse respeito aos representantes soviéticos em Potsdam. Os próprios Estados Unidos davam a entender que a porta estava aberta a algum tipo de discussão de paz, apesar de insistirem na rendição incondicional.

Um dos obstáculos era a determinação japonesa em manter o imperador no cargo, assim como sua forma de governo tradicional. Os americanos estavam dispostos a permitir que um Japão pós-guerra escolhesse seu próprio sistema político, mas os termos eram vagos. A ênfase americana estava na rendição. Os mais intransigentes dos oficiais japoneses mostravam-se indecisos, alguns dos quais se inclinavam a um acordo de paz que seria uma quase-rendição, apesar das urgentes mensagens vindas de seus próprios embaixadores no exterior, ou de seus especialistas internos, que veementemente aconselhavam a rendição incondicional. (O extenso livro de Gerhard L. Weinberg, A World at Arms, A Global History of World War II, documenta os passos do doloroso processo que levou os mais perspicazes entre os japoneses a se posicionarem a favor da rendição.)

Antes que as facções opostas no governo japonês pudessem chegar a um acordo, esgotou-se a paciência americana, tanto com a indecisão japonesa quanto com o aumento de baixas no Pacífico, e a bomba foi lançada sobre Hiroshima. Como a rendição não foi imediata, o mesmo destino atingiu Nagasaki, com sua grande população católica. Mesmo que se considere que havia ali uma fábrica de armamentos, isso não tornava cúmplices os numerosos civis, crianças inclusive, incinerados ou seqüelados para o resto da vida pelos efeitos da radiação, do mesmo modo que a brutalidade dos soldados japoneses com seus prisioneiros não justificava a aniquilação de dezenas de milhares de civis que nada tinham a ver com aquilo. A justificativa para as bombas precisa se apoiar em outros fundamentos.

Quando as notícias sobre Nagasaki chegaram ao governo, ainda reunido em sessão para discutir os prós e contras da rendição, o imperador interveio pessoalmente para que se aceitassem os termos americanos. Assim acabava aquela que tinha sido, pelo menos até então, a maior guerra da história.

 

Pensamento e Cultura: Pré-Guerra e Pós-Guerra

Vários conjuntos de fatos ocorridos nos anos 1920 e 1930 merecem nossa atenção se quisermos entender a mentalidade das diversas nações envolvidas na Segunda Guerra e no mundo que dali surgiu. O primeiro é o crescimento dos movimentos de eugenia; o segundo, a propagação do comunismo; e o terceiro, o papel da Igreja Católica no período que precedeu a Segunda Grande Guerra e durante o seu desenrolar. Ao longo de todo esse período, a Irmã Lúcia de Fátima continuou a transmitir fielmente as mensagens de Nosso Senhor e de Nossa Senhora, que receberam respostas variadas dos fiéis e dos papas.

 

Eutanásia e Câmaras de Gás

Nos anos 1920, a eugenia era moda em todo o mundo ocidental, incluindo os Estados Unidos, onde cerca de 60.000 pessoas foram esterilizadas à força. Uma infame decisão da Suprema Corte em 1924, no caso Buck versus Bell, legitimou o processo de esterilização para prevenir a transmissão de condições supostamente hereditárias. O famoso gracejo do juiz-presidente do tribunal, Oliver Wendell Holmes, ― “Três gerações de imbecis são o bastante” ― resumia a mentalidade dos engenheiros genéticos da época. O geneticista americano Hermann Mueller sonhava com a reprodução selecionada e com bebês de proveta, não hesitando em vaticinar: “Quantas mulheres... não ficariam ávidas e orgulhosas de criar um filho de Lênin ou de Darwin!” O famoso cientista, como se nota, tinha gostos duvidosos quando se tratava de seres humanos, mas ainda assim era bastante admirado por nomes como Bernard Shaw, C. P. Snow e Julian Huxley.

Até que surgiu o controle de natalidade, cuja meta Margaret Sanger descreveu como “mais homens aptos, menos inaptos”, e com o propósito de “criar uma raça de puros-sangues” e eliminar o “joio humano”, isto é, aquela “classe da humanidade que jamais devia ter nascido”. Entre as “raças inferiores” que julgava deviam ser esterilizadas, Sanger incluía “latinos, eslavos e hebreus”. Quanto a bebês em demasia, afirmava: “A maior caridade que uma família numerosa pode fazer a um de seus infantes, é matá-lo.” Uma dama não muito gentil, como se vê. Expressões como “seres humanos absolutamente desprezíveis”, “corpo estranho na sociedade humana” e “vida destituída de valor” eram comuns nos escritos da vanguarda eugenista nos anos 1920 — quando ainda ninguém ouvira falar de Hitler.

Enquanto isso, na Alemanha dos anos 1930, antes de Hitler subir ao poder, psiquiatras já haviam começado a matar pacientes mentais com gás venenoso — estimam-se cerca de 275.000 deles. Para difundir o argumento da economia que isso gerava, os livros escolares da época incluíam problemas de matemática que pediam que os alunos calculassem quantas casas populares podiam ser construídas com o dinheiro gasto na manutenção de um manicômio. Aos poucos, essa eliminação de pacientes por decisão médica foi se estendendo a epilépticos, pessoas com arteriosclerose, surdos-mudos e até mutilados da Primeira Guerra. Idosos eram alvos discretos: entrevistados em suas casas, eram depois levados para “avaliação”; quando suas famílias perguntavam por eles, ouviam dizer que tinham sido internados por um tempo. Na verdade, tinham sido mandados para câmaras de gás. Ironicamente, até o final de 1940, pacientes psiquiátricos judeus foram excluídos do programa, aparentemente por não merecerem tratamento tão compassivo. (Mais tarde viriam a receber atenção especial.) Os relatos de assassinatos de bebês e crianças — primeiro os mentalmente incapazes e os deficientes físicos, depois os que tinham dificuldade de aprendizado e os que molhavam a cama — são os mais angustiantes; muitos eram mortos de fome no decorrer de várias semanas por meio de uma gradual redução de alimentos. O processo economizava dinheiro com comida e com produtos químicos letais. Note-se que a lei alemã de esterilização compulsória de 1933 baseou-se amplamente na “Lei-Modelo de Esterilização Eugênica” composta por Harry Laughlin, um associado americano de Margaret Sanger. Outro associado, após visitar a Alemanha em 1940, falava admirado da “eliminação das piores cepas da raça alemã de forma científica e verdadeiramente humanitária”.

 

Os Erros da Rússia

Enquanto isso, os Papas continuavam a ignorar o pedido de Nossa Senhora de consagrarem a Rússia, ao passo que o poder e a influência da União Soviética seguiam em expansão. Criaram-se partidos comunistas por todo o mundo ocidental, e mesmo um regime comunista chegou a se estabelecer na Bavária, logo após a Primeira Guerra Mundial. Mesmo antes de Stálin tomar o poder em 1928, muitos milhares de russos “inimigos do povo” já haviam sido exterminados e os primeiros campos de concentração, organizados. Durante os anos 1930, Stálin mirou sistematicamente os kulaks, camponeses bem-sucedidos que naturalmente se opunham à coletivização de suas terras. Cerca de sete milhões deles foram fuzilados ou morreram em campos de trabalho forçado. Até que chegou a vez da Ucrânia, onde se fez uso de confiscos draconianos de alimento com a finalidade deliberada de produzir uma fome que ceifaria outras cinco milhões de vidas. Curiosamente, grande parte do Ocidente ignorou esta última atrocidade, graças às reportagens do correspondente do New York Times em Moscou, Walter Duranty, contumaz em negar que semelhante coisa estivesse em curso, apesar dos persistentes rumores que vinham das fronteiras russas. Notícias sobre fome em massa, escrevia Duranty, eram “um disparate”. Graças a suas conexões e a uma amistosa visita à Casa Branca, Duranty foi capaz de convencer o Presidente Roosevelt a reconhecer a União Soviética como nação.

Foi só em 1942, vinte e cinco anos após as aparições de Fátima, que o Papa Pio XII consagrou o mundo a Nossa Senhora, em 31 de outubro, com uma referência velada à Rússia. No início do ano seguinte, a Irmã Lúcia declarava: “O bom Deus já me mostrou seu contentamento com o ato realizado pelo Santo Padre e vários bispos, apesar de incompleto segundo seu desejo. Ele prometeu, por sua vez, acabar logo com a guerra. A conversão da Rússia não é para agora.” E ainda não aconteceu.

Nos anos 1930, os erros da Rússia espalharam-se agressivamente pela Espanha católica. A Guerra Civil Espanhola de 1936 a 1939 foi um dos passos em direção à Segunda Guerra Mundial, na medida em que alguns dos principais antagonistas europeus desempenharam certo papel nesse conflito espanhol, que de outro modo poderia ter permanecido meramente interno. A república estabelecida em 1931, após séculos de monarquia católica, não era nem eficiente nem católica; de fato, fechou escolas dirigidas pela Igreja e falhou em implantar reformas agrárias extremamente necessárias. Comunistas de dentro do país, com o habitual apoio estrangeiro, começaram a fomentar revoltas, assim como socialistas e anarquistas (que, de tão violentos, atraíam criminosos profissionais). O General Franco, tentando restaurar a ordem e sanear o governo, pediu que 600 homens se voluntariassem para auxiliá-lo; acabou conseguindo o apoio de 40.000. Camponeses uniram-se a ele, portando emblemas onde se lia “Viva Cristo Rey”.

Em 1936, a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini viram na Espanha a chance de influenciar um possível aliado estratégico e ao mesmo tempo testar armas desenvolvidas recentemente. Decidiram fornecer apoio aos nacionalistas de Franco. Stálin viu ali uma oportunidade de ouro para estabelecer um país comunista e enviou reforços em auxílio da república já influenciada pelo comunismo. (O governo republicano, agradecido, pagou-lhe com dois terços das reservas de ouro espanholas, antes de ser derrotado por Franco.) Simpatizantes estrangeiros, liberais idealistas e sonhadores como Ernest Hemingway, George Orwell e o comunista escocês Hamish Fraser, afluíram para a Espanha para engrossar as fileiras comunistas. Hemingway fez nascer de sua experiência um romance: Por Quem os Sinos Dobram. Orwell conseguiu ver o que realmente estava acontecendo e escreveu Homenagem à Catalunha; tornou-se um anti-stalinista convicto, ainda que com inclinações socialistas. Fraser, membro da polícia secreta soviética na Espanha, voltou para casa ainda comunista; alguns anos mais tarde tornou-se católico e fundou a excelente revista tradicionalista Approaches[A3] . Seu conhecimento das tramas internas da mentalidade e do sistema comunistas fez com que se tornasse um valoroso oponente da subversão em todas as suas formas.

Não há espaço aqui para detalhar alguns dos heróicos incidentes da guerra e os martírios de numerosos padres, freiras e fiéis. Franco venceu de maneira categórica, levando a Espanha a 36 anos de paz, e preparando o terreno para a prosperidade espanhola do pós-guerra. Não apenas Hitler não conseguiu o apoio espanhol em retribuição das armas enviadas pela Alemanha, já que a Espanha permaneceu neutra na Segunda Guerra, mas não pôde sequer obter acesso ao Mediterrâneo ou conseguir de Franco outras concessões que lhe seriam úteis. Após uma tentativa frustrada de extrair algum benefício do governante espanhol, assessores ouviram-no comentar: “Prefiro que me arranquem todos os dentes da boca a falar com aquele homem novamente.”

 

Perseguição Anticristã na Segunda Guerra

Seriam necessários vários volumes para acompanhar as vicissitudes da Igreja em todos os grandes países antes e durante a Segunda Guerra Mundial. Aqui mencionaremos apenas as perseguições sofridas na União Soviética e na Alemanha durante a guerra. Já em 1922, uma carta de Lênin ao politburo exigia que a polícia secreta explorasse um surto de fome na região do Volga para destruir a Igreja Ortodoxa. “O período de fome”, escrevia Lênin, “é o único tempo em que podemos acertar o inimigo na cabeça. Ora, quando há canibalismo em áreas atingidas pela forme, podemos realizar a expropriação dos bens eclesiásticos com a mais furiosa e implacável energia... Precisamos esmagar sua resistência com tal crueldade, que se lembrem disso por décadas.”

A Igreja Ortodoxa entendeu a mensagem. No ano seguinte, o Patriarca Tikhon declarava: “Adotei completamente a plataforma soviética e considero que a Igreja deve ser apolítica.” Dali em diante, a Igreja Ortodoxa Russa foi de maneira geral dócil a seus mestres, às vezes indo a ponto de agir como ferramenta da política soviética. Não se pode necessariamente dizer o mesmo, entretanto, quanto aos fiéis individuais ou à minoria católica na Rússia. Uma leitura essencial para conhecer a vida cristã sob Stálin é o relato clássico do Padre Walter Ciszek, With God in Russia.

 

A Igreja Católica na Alemanha

Quando o regime de Hitler começou a mostrar a que veio e a desenvolver sua ideologia neo-pagã, ficou claro que o nazismo era incompatível com o cristianismo. Muitos protestantes, incluindo Dietrich Bonhoeffer e Karl Barth, perceberam isso e se opuseram ao regime, exceto um pequeno grupo formado pela “Igreja do Povo” — um movimento de tipo fundamentalista, sem doutrina, que por um lado ecoava algumas das idéias mais radicais de Lutero sobre os judeus e a nação alemã, e por outro apoiava os programas de eugenia do regime, além de seu anti-semitismo. Com cerca de 600 mil membros, representavam uma pequena fração (talvez dois porcento) dos protestantes alemães, mas foram sem dúvida muito úteis ao regime.

Quanto aos católicos, também estava claro que os princípios nazistas eram incompatíveis com o ensinamento da Igreja; os fiéis católicos estavam entre os que criticavam mais abertamente o regime e sofreram cerrada perseguição, extensamente documentada, já desde os primeiros anos do governo de Hitler. O movimento de resistência Rosa Branca, grupo heróico de estudantes católicos e outros cristãos, liderado por um jovem casal de irmãos católicos, organizou a única manifestação pública de desafio ao sistema na Alemanha nazista. O grupo foi logo detectado e seus jovens membros, executados; os líderes foram guilhotinados.

Sabe-se agora que o Papa Pio XII estava ciente da mais relevante das muitas tentativas de assassinar Hitler, liderada pelo oficial católico Claus von Stauffenberg, e facilitou o contato entre as partes organizadoras da trama — que falhou, como todas as outras. Parece que Hitler tinha um estranho e misterioso senso de perigo, mudando abruptamente sua programação ou seus movimentos sem nenhuma razão aparente, sempre que um atentando contra sua vida estava para acontecer. O papa, entretanto, faria muito mais na luta contra Hitler, inclusive providenciando reuniões entre agentes secretos estrangeiros e alemães antinazistas para assassiná-lo, até que o próprio papa se tornou um alvo dos nazistas. Nos últimos meses da guerra, organizaram-se vários planos para seqüestrar o papa (ou mesmo assassiná-lo) e saquear os tesouros do Vaticano.

 

Salvando os Judeus

É interessante notar que a palavra holocausto não aparece nos livros de história mais antigos do pós-guerra; mesmo quando começou a ser utilizada, referia-se simplesmente ao total de perdas de vidas causadas pelas potências do Eixo — as cerca de 50 milhões de vítimas da Segunda Guerra. Só mais tarde a palavra passou a ser utilizada com letra maiúscula e exclusivamente para os judeus mortos por Hitler.

De mais interesse para os católicos é a constante repetição de acusações contra a Igreja e o papado por supostamente não ter parado Hitler de alguma forma ou impedido toda a matança de judeus (os poloneses não nos culpam por não termos impedido a matança de 5 ou 6 milhões de poloneses). Essa investida propagandística começou apenas nos anos 1960. Imediatamente após a guerra, tanto a Igreja quanto o papado foram louvados pelos judeus por seu esforço em salvá-los. O historiador e diplomata israelita Pinchas Lapide declarou que a Igreja Católica salvou cerca de 860 mil judeus — mais que todas as outras igrejas, países e organizações de ajuda somados. O principal rabino de Roma, Rabino Zolli, foi batizado após a guerra e tomou no batismo o nome do papa, Eugênio; não é possível imaginar um homem tão dedicado ao seu povo fazendo tal coisa se o Papa Pio XII tivesse realmente se mantido apático a respeito da ajuda aos judeus. A história de Roma durante a ocupação alemã é bem documentada, assim como o papel da Igreja ao salvar não apenas pilotos e soldados Aliados encurralados atrás das linhas inimigas, mas também a comunidade judaica romana. (Não se pode esquecer, a respeito disso, o filme de Gregory Peck, O Escarlate e o Negro.)

Apesar disso, o aparecimento da infame peça teatral de 1963, O Vigário, conseguiu dar início ao mito da indiferença católica diante do destino dos judeus ou mesmo de sua colaboração direta no Holocausto, alvejando especialmente o Papa Pio XII. Em 1963, muitas testemunhas que poderiam ter combatido o novo mito já estavam mortas, e os inimigos da Igreja se viram livres para despejar ataque após ataque sobre a suposta dívida de guerra do papado. Em anos recentes, a maré de livros baseados no mito parece ter atingido seu limite; é gratificante ver que há agora um sólido número de refutações dessas mentiras, algumas escritas por judeus respeitáveis que prestam o devido respeito aos fatos históricos. Ainda há muito a ser feito, é verdade, e mesmo quando o mito estiver completamente demolido, sabemos que é provável que continue a viver subterraneamente, como os mitos sobre as Cruzadas, a Inquisição, o Priorado de Sião, os Illuminati, e todas as outras loucuras que alguns de meus alunos simplesmente pensam “saber” ser verdade.

Este talvez seja um desfecho bastante pesaroso para nosso estudo. Ainda mais melancólico seria, no entanto, se seguíssemos adiante pelo período pós-guerra. Mas isso seria matéria para outro artigo.


 [A1]Alterei só para evitar a repetição de fonemas /t/ muito próximos.

 [A2]Meu original diz: “then in his late seventies”.

 [A3]Meu original em pdf diz Apropos

  1. 1. Espírito da época. [N. do T.]
  2. 2. Minha Luta.
  3. 3. Discordamos aqui da historiadora pois, como ensina o Pe. Peter Scott, FSSPX: “É patente que o uso de armas atômicas contra Hiroshima e Nagasaki, em 1945, foi imoral. Naquele momento, não havia ameaça às populações civis nos países aliados, nem se poderia dizer que havia uma guerra total. Certamente não havia razão proporcional ao sofrimento dos civis, destruição e miséria que resultaram, sem mencionar o escândalo público e o horror de que uma nação “civilizada” perpetrou um ato tão bárbaro contra inocentes.” (http://permanencia.org.br/drupal/node/5718) [N. da P.]

Deve-se lastimar a conquista do México pelos espanhóis?

Pe. Pierre Mouroux

 

No dia 13 de agosto de 1521, após um cerco de 80 dias, caia a cidade de Tenochtitlán (atualmente, Cidade do México), pondo fim o império asteca. Esse dia marcou para sempre o nascimento da nova Espanha e o início da evangelização da América. Em poucas décadas, o império espanhol se estenderia da Terra do Fogo, ao Sul, até a California, ao Norte. A esses acontecimentos, os historiadores deram o nome de “Conquista”.

O ano de 2021 marcou os 500 anos do início dessa epopeia. Devemos nos alegrar dessa conquista? Se formos seguir o pensamento dos intelectuais de hoje em dia, a resposta aparentemente será não.

Em fevereiro de 2016, quando o Papa Francisco visitou o México, durante uma Missa em Chiapas, ele pediu para que “aprendêssemos a dizer perdão” e fizéssemos um “exame de consciência”, insistindo sobre a exclusão dos povos indígenas na história. Do mesmo modo, no dia 9 de julho de 2015, durante a sua viagem a Bolívia, o Papa Francisco apresentou oficialmente as suas desculpas, em nome da Igreja Católica, pelas “injúrias” feitas aos povos autóctones do continente pelos colonizadores espanhóis. “Cometeram-se muitos e graves pecados contra os povos nativos da América, em nome de Deus”. Ele reconheceu então se tratar de “crimes”, coisa inédita[1].

Mas, bem antes dele, sem falar em “crimes”, o Vaticano mencionou “danos” cometidos pelos colonos. Assim, em 2007, Bento XVI reconheceu “os sofrimentos, as injustiças e as sombras” desse período de colonização. E, desde 1992, a via do arrependimento já fora escolhida. João Paulo II, tinha, durante a sua viagem para a República dominicana, “pedido perdão humildemente”, fórmula retomada pelo Papa Francisco na Bolívia. Ele reconhecia então a “dor e o sofrimento” causados pelos católicos durante 500 anos. Na grande cerimônia de arrependimento do ano 2000, por ocasião do Jubileu, João Paulo II havia solenemente renovado esse pedido de perdão.

Em outubro de 2020, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, esquerdista inveterado, remeteu uma carta ao Papa Francisco convidando a Igreja a pedir perdão pelos abusos cometidos há 500 anos na conquista do México. O presidente recordava que “atrocidades vergonhosas” foram experimentadas pelos povos originários, a pilhagem de seus bens e da sua terra, e sua submissão cultural e religiosa, “desde a conquista de 1521 até o passado recente”. Declarava também: “Aproveito essa ocasião para insistir no fato de que, por ocasião dessas efemérides, a Igreja Católica, a monarquia espanhola e o Estado mexicano devem pedir desculpas públicas aos povos originários.” No dia 27 de setembro de 2021, o Vaticano enviou uma carta em resposta na qual apresentava as suas desculpas ao povo mexicano “por todos os pecados pessoais e sociais, por todas as ações ou omissões que não contribuíram para a evangelização”, seguindo aqui a longa tradição de arrependimento inaugurada por Paulo VI. Mas, isso não é tudo: o prefeito da Cidade do México decidiu, no dia 13 de março de 2021, não mais festejar os 500 anos da conquista, mas os 700 anos da fundação de Mexico-Tenochtitlán; e, nessa ocasião, alterou o nome de muitas ruas e algumas estátuas emblemáticas da cidade para que, 500 anos após a sangrenta invasão espanhola, pudéssemos valorizar a diversidade cultural.

A lenda negra, subjacente à mentalidade atual, existe há séculos. Foi o Frei Bartolomé de las Casas, O.P., quem primeiro denunciou as supostas atrocidades da conquista espanhola1. Tudo o que ele relata se apoia, segundo ele, no que viu com seus próprios olhos, embora nunca tenha mencionado nomes, datas ou os lugares exatos que permitam corroborar os fatos, o que nos mostra que falta seriedade às suas afirmações. Evidentemente, todos os países inimigos da Espanha, a Inglaterra à frente deles, aproveitaram para dar publicidade a esses escritos e macular a imagem dos espanhóis. Se tivéssemos de caricaturar as afirmações dessa lenda negra, diríamos que os espanhóis, embora se mostrassem cavalheiros na Europa, tão logo cruzaram o Atlântico mostraram-se como realmente eram: homens terríveis, ávidos de riqueza e poder, prontos a tudo para alcançar o seu fim: escravidão, tortura, homicídio etc. Uma breve análise dos fatos nos mostrará uma paisagem um pouco diferente.

Alguns autores criticam o uso do termo “conquista” pois, segundo eles, antes se deveria falar em “libertação”. Com efeito, quando se estuda os acontecimentos e quando se conhece como viviam os povos originários do México (e a maior parte dos ameríndios) no tempo da chegada dos espanhóis, e quando se vislumbra tudo o que o império espanhol lhes legou, pode-se bem falar em liberação, tanto social como religiosa.

 

O México antes da chegada dos espanhóis

Recordemos inicialmente que “até o começo do século XVI, o México não existia como Estado, nem como Nação, nem como Pátria” 2. Não havia unidade política, propriamente dita. Existia uma entidade mais poderosa que as demais, os Astecas, que tinham como capital a Grande Tenochtitlán (hoje em dia, México). Essa entidade guerreira se estendia do Golfo do México, com as regiões de Veracruz e Tabasco, até o Oceano Pacífico, com as regiões de Guerrero e Oaxaca. Mas, numerosos povos – conhece-se mais de 110 – viviam no que é hoje o México, alguns a menos de 50 quilômetros dos astecas (por exemplo, o povo de Tlaxcala). Quando se fala em império asteca, não se trata de algo assimilável à nossa ideia europeia de império. Falava-se mais de oitenta línguas distintas nessa região. Esses povos não conheciam a escrita fonética e só utilizavam símbolos e figuras. Não conheciam o uso industrial e mecânico da roda nem trabalhavam o ferro, não possuíam animais de tração e de carga, nem bovinos, porcos, cabras ou ovelhas, e careciam dos principais cereais. Não havia unidade religiosa, a não ser pela prática de sacrifícios humanos, dos quais declarou o historiador Frei Diego Durán: “Se a história não me obrigasse, e se não tivesse visto o episódio afirmado e descrito em numerosos lugares, não ousaria me referir a eles com o temor de ser tomado por um escritor de fábulas.” Fala-se em dezenas de milhares de vítimas na inauguração do Templo Maior de Tenochtitlán, em 1487. Para realizar esses sacrifícios, muitas guerras ocorriam, a fim de fazer prisioneiros, vítimas perfeitas, e os povos submissos também deviam pagar um tributo anual de futuras vítimas. Todas essas vítimas, após terem os seus corações arrancados, eram devoradas pelos habitantes! No que diz respeito ao ambiente moral, um dos principais historiadores da Conquista, Frei Toribio Benavente (1482-1569), também conhecido como Motolinia, missionário franciscano no México, nos dá esse testemunho, um pouco cru mas realista: “Essa terra era uma transposição do inferno; podia-se ver os seus habitantes gritando pela noite, alguns clamando pelo diabo, outros embriagados. [...] Eles tinham todas as mulheres que quisessem, e havia os que tinham até duzentas mulheres; para tanto, os grandes senhores roubavam todas as mulheres, de sorte que, quando um índio ordinário queria se casar, dificilmente podia encontrar uma mulher.” 3

Hoje em dia, os intelectuais criaram um mito a propósito das comunidades indígenas da época. Eles nos apresentam como se elas vivessem em um estado ideal. Mas a realidade histórica é bem diferente. De fato, a maior parte dos povos oprimidos pela tirania antropófaga asteca se aliaram aos espanhóis para se liberar do jugo asteca, e assim permitiram a tomada de Tenochtitlán, em 1521. Foram milhares de ameríndios que, somados aos soldados espanhóis, derrubaram o “império” asteca. Compreende-se o seu desejo de sair de um tal ambiente, do qual alguns intelectuais mostram-se saudosos! Modificar a histórica com fins ideológicos é uma especialidade moderna. Por exemplo, muitos mexicanos foram levados a crer que são todos descendentes de um único povo – os astecas – que povoavam o território atual do México; fizeram-lhes esquecer que muitos deles descendem na verdade de povos que os astecas capturavam com o fim de realizar sacrifícios humanos4. Um filósofo argentino, Juan José Sebreli, declarou com justiça que “a destruição dos grandes monumentos, templos e palácios dos astecas e dos incas é repreensível, mas uma civilização não consiste apenas em obras de arte, mas sobretudo em sua organização política e social, seu direito e sua ética, e, sob esse aspecto, as grandes civilizações pré-colombianas não foram exemplares. Eram teocracias sanguinárias sem autoridade moral para condenar a crueldade dos espanhóis [...]. Os indigenistas repudiam como um ato de barbárie a destruição da cultura asteca pelos conquistadores, mas se esquecem de que, cem anos antes, sob o reino de Izcoatl, os astecas destruíram os livros antigos e destruíram os monumentos do Tolteques, a fim de impor sua própria cultura. Aquele que mata um assassino não deixa de cometer um crime, mas o assassino morto não recupera absolutamente a sua inocência.” 5

 

O legado dos espanhóis

Os espanhóis trouxeram consigo a paz, ao dar um fim às guerras tribais e aos costumes sanguinários. Eles fizeram obra de caridade ao fundar milhares de hospitais em todo o continente, e ao fundar centenas de universidades, com as quais lhes transmitiram as suas tecnologias, sua língua, sua cultura, sua religião; ofereceram a esse continente o seu próprio sangue, estabelecendo as bases de um novo povo, resultado da mestiçagem entre os povos originários e os espanhóis. Também propiciaram a unidade ao redor da única religião verdadeira, a religião católica. Em uma palavra, o seu legado foi o da verdadeira civilização. Foi graças a eles que os diferentes países da América Latina existem.

Consideremos agora a religião, pois se a liberação social foi uma grande coisa, que podemos dizer da libertação religiosa, sabendo que as almas valem bem mais do que o corpo? Vimos como os ameríndios estavam todos entregues à idolatria antropófaga. É importante recordar que os reis espanhóis quiseram que a evangelização dos povos ameríndios fosse o fim primeiro da Conquista, ao menos na ordem da intenção, quando não era possível na ordem da execução. Eles não faziam outra coisa do que seguir as indicações do Papa Alexandre VI na sua bula Inter coetera (1493): “Bem sabemos que vós vos propusestes, há muito tempo, procurar e encontrar Ilhas e Continentes, afastados e desconhecidos, dos quais ninguém até agora fez a descoberta; que quereis reconduzir os habitantes e indígenas à honra do nosso Redentor e à profissão da fé Católica; e que, fortemente empenhados, até esses dias, a fazer o cerco e a recuperar o Reino de Granada, não lograstes levar a bom termo esse santo e louvável projeto.” O papa prossegue dizendo que, com a descoberta das Índias, a hora desejada por Deus chegou: “E assim, uma vez que vós mesmos, por vossa própria iniciativa, desejais, por amor da fé, iniciar e prosseguir até o fim a vossa empreitada, nós vos instamos vivamente, em Nosso Senhor, e igualmente, pelo sacramento do Santo Batismo, que vos ligais às ordens apostólicas, e pelas entranhas de misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo; nós vos solicitamos com instancia a crer que deveis estimular os povos que habitam nestas ilhas e continentes a abraçar a religião católica, de querer lhes transmiti-la, de não vos deixar jamais desviar e de pensar firmemente que Deus Todo Poderoso abençoará os vossos esforços.” A Rainha Isabel6, no seu Testamento de 1504, não dirá outra coisa, lembrando que a sua principal intenção fora a de converter os povos dessas terras para nossa Santa Fé Católica, e pedindo que esses últimos não fossem atingidos nas suas pessoas ou nos seus bens.

Essas preocupações se verificam em numerosos textos oficiais do Vaticano e dos reis espanhóis. Os conquistadores seguiram essas diretivas? Vejamos alguns extratos dos cronistas, a respeito dos feitos de Hernán Cortés. É Benal Diás del Castillo quem testemunha: “Nós nos dirigimos para os lados do Yucatan, e chegamos primeiro na Ilha de Cozumel. Lá havia alguns ídolos com figuras muito disformes em um santuário onde os indígenas costumavam oferecer sacrifícios. Cortés fez com que os ídolos fossem despedaçados e construiu um altar no templo, onde se colocou a imagem da Virgem e um crucifixo. O Pe. Juan Díaz disse a missa, com grande atenção dos mais velhos, dos caciques e de todos os índios.” 7 Lopez de Gomarra, por sua vez, declarou: “Em cada lugar em que ele [Cortés] se dirigia, erguia uma capela ou um altar, e colocava uma cruz ou a imagem de Nossa Senhora, na qual todos os ilhéus rendiam culto com devoção e orações, e acendiam incenso e ofereciam codornas, milhos, frutas e outras coisas que tinham o hábito de trazer para as imagens. E tinham tanta devoção à imagem de Nossa Senhora de Santa Maria que iam com ela em direção aos navios espanhóis que abordavam, clamando: ´Cortés´, ´Cortés´ e cantando ´Maria, Maria´ para mostrar que eram amigos de nossa santa religião.” 8 encontramos testemunhos idênticos nas crônicas da viagem de Laonso e Parada, Pánfilo de Narvaez e de Cristóbal de Olid. Em que pese algumas dificuldades no início, e sobretudo a partir das aparições de Guadalupe, em 1531, dezenas de milhares se converteram ao catolicismo, e o movimento foi tão profundo que essas terras são ainda hoje aquelas onde se encontram mais católicos.

Outro ponto interessante, que pode nos ajudar a julgar essa Conquista é a intervenção do céu. Encontramos em muitas crônicas, tanto espanholas como indígenas, relatos de fatos extraordinários. Por exemplo, durante a “noche triste” (noite triste), quando os espanhóis fugiram da cidade de Tenochtitlán, uma jovem (a Virgem Maria) e um cavaleiro (São Tiago), os protegiam dos ataques dos astecas. Que dizer das aparições de Guadalupe, em 1531? A Virgem apareceu a um índio de nome Juan Diego e deixou sobre a sua tilma (vestido local) a sua imagem, sem que nenhum cientista possa ainda hoje explicar como essa imagem foi pintada, e como é possível que essa toalha não se tenha corrompido após séculos. Esse gênero de fatos é corrente e deixou traços: centenas de santuários espalhados por toda a América latina. Os milagres são um motivo de credibilidade e Deus os utiliza para mostrar que uma obra é divina. Se o céu interveio tantas vezes nessa Conquista em favor dos espanhóis, é porque não se opunha a ela, muito ao contrário! Com efeito, se considerarmos esses acontecimentos com visão sobrenatural, perceberemos quantas almas foram salvas pela ação dos espanhóis e dos missionários!

 

O julgamento da Igreja sobre a obra da Espanha na América

O Papa Pio IX, dirigindo-se a uma comissão de católicos espanhóis, no dia 20 de junho de 1871, lhes declarou: “A Espanha sempre demonstrou predileção especial por esta Sé Apostólica, e se esforçou para levar a civilização cristã a todas as nações do globo. A bandeira espanhola tremulou sobre todos os mares da América, da Índia e de outras regiões, como símbolo da fé em Jesus Cristo (...). Por isso, a Espanha foi outrora grande, porque sua grandeza estava a serviço da propagação, do serviço e da defesa da religião católica, ao preço de todos os sacrifícios.” 9

Por ocasião do IV centenário da descoberta da América, Leão XIII dava “graças ao Deus imortal por esse feliz acontecimento” pelo qual “milhões de homens que se encontravam no esquecimento e nas trevas, foram reintegrados à sociedade, e passaram da barbárie à mansidão e à humanidade, e, o que é mais importante, foram chamados da morte para a vida eterna pela comunicação dos bens que Jesus Cristo produz.” 10

Ao terminar a guerra civil espanhola, o Papa Pio XII manifestou sua alegria ao General Franco e recordou: “A valente Espanha (...) é a nação escolhida por Deus como principal instrumento de evangelização do Novo Mundo, e como fortaleza inexpugnável da fé católica.” 11

O mesmo pontífice, recebendo em audiência os reitores dos grandes seminários da América latina, lhes dizia: “A América latina é um formidável bloco católico, cujo zelo missionário das duas grandes mães ibéricas soube edificar para sua grande honra e para proveito da Igreja.” 12

Durante um discurso a uma missão naval espanhola, o papa se exprimiu assim: “Vossa profissão de marinheiros espanhóis traz à nossa memória as providenciais caravelas da Espanha missionária, verdadeiras auxiliares da Barca de Pedro que, com a civilização da Europa, levavam primeiramente ao Novo Mundo o tesouro incomparável da fé em Jesus Cristo e, com a religião católica, legaram a esses imensos continentes a sublime e verdadeira civilização das almas.” 13

Pio XII chegou a louvar a devoção dos Conquistadores pela Virgem Maria nesses termos: “Conhecemos o lugar eminente que coube à devoção para com Nossa Senhora na evangelização do Novo Continente e na conservação da sua fé. A América dos Conquistadores – Jeronimo de Aguilar, Hernan Cortés, Pedro de Alvarado, Alfonso de Ojeda – que, em seu peito armado souberam conservar um coração muito terno por sua mãe; essa América, da qual mais de cem cidades trazem o nome tão doce [de Maria], da qual dezenas de catedrais reclamam seu patrocino (...).”14

No Congresso mariano das Filipinas, o mesmo papa louvou assim o país dos reis católicos: “O impulso evangelizador e colonizador da Espanha missionária, da qual um dos méritos foi o de saber fundir os dois aspectos da sua ação em uma só coisa [evangelização e colonização], não podendo se contentar, nem mesmo com a imensidão do Novo Mundo, lançou-se na solidão do Pacífico (...).”15

 

Balanço

Certamente, a Conquista ou a liberação da América das garras do demônio também conheceu pontos sombrios, pois, como ocorre em toda obra humana, ocorreram pecados, abusos e fatos pouco edificantes, ainda que o governo espanhol tivesse o hábito de castigar aquele que ultrapassasse as leis estabelecidas para a proteção dos habitantes indígenas. Mas, numa visão geral sobre essa obra, é evidente, após o que pudemos estudar, que a balança se inclina para o lado do bem: a conversão e a obra de civilização não têm preço. Ademais, os abusos perpetrados jamais tiveram o caráter sistemático que a lenda negra quis atribuir. Antes de concluir, eis as palavras de Frei Toribio de Benavente, confessor de Hernan Cortés, a respeito desse conquistador, o mais ilustre dentre todos e o mais criticado pelos intelectuais: “Ainda que, como homem, fosse um pecador, ele tinha a fé e as obras de um bom católico, bem como o desejo de empregar a sua vida e os seus bens para o aumento da sua fé em Nosso Senhor. Ele se confessava com muitas lágrimas, recebia a Santa Comunhão com devoção e colocava a sua alma e os seus bens nas mãos do confessor, a fim de poder comandar e dispor deles como convinha à sua consciência. E Deus o visitou por meio de grandes aflições, trabalhos e doenças para purgar as suas faltas e purificar a sua alma. Creio que é um filho da salvação.” 16

 Esse pequeno resumo dado pelo confessor desse grande conquistador é a imagem de sua obra. Enquanto católicos, não temos o porquê de lamentarmos essa obra providencial, ao contrário, é preciso agradecer aos espanhóis por ela!

Encerremos esse pequeno estudo com a declaração de um historiador mexicano: “O inferno e nada além disso era o estado do território habitado por nossos ancestrais. Como é possível que existam pessoas saudosas dessa situação e que lamentem que tenha sido terminada pelos espanhóis? Não duvidemos que o diabo, o verdadeiro e autêntico diabo, tenha tomado posse do povo e o colocado a seu serviço. Glorioso foi o dia em que a Cruz apareceu e pôs a legião satânica em fuga!”17

 


[1] “E eu quero dizer-vos, quero ser muito claro, como foi São João Paulo II: Peço humildemente perdão, não só para as ofensas da própria Igreja, mas também para os crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América” (https://www.cnbb.org.br/confira-a-integra-do-discurso-do-papa-francisco-...)

  1. 1. De las Casas, Bartolomé, Brevísima relación de la destruición de las Indias, 1542
  2. 2. Sanchez Ruiz, Pedro, Prehistoria de Méjico, In Nacimiento, grandeza, decadência y ruína de la Nación Mejicana.
  3. 3. Benavente, Fray Toribio, Historia de los Indios de la Nueva España, Porrúa, México, 2011
  4. 4. Dias del Castillo, Bernal, Historia Verdadera de la Conquista de la Nueva España, capítulo 27, Porrúa, México, 1994
  5. 5. Sebreli J.J., El asedio
  6. 6. (N. da P.) Trata-se da rainha de Castela e Leão Isabel I (1451-1504), apelidada de “Isabel, a Católica”
  7. 7. Lopes de Gomara, Francisco, la llegada a la isla de Cozumel, in Crónica General de las Indias
  8. 8. Gullo Omodeo, Marcelo, Madre Patria
  9. 9. Citado por Jean Terradas, em Une chrétienté d´outremer, NEI, Paris, 1960
  10. 10. Encíclica Quarto abeunte saeculo, 16/7/1892
  11. 11. Radiomensagem à nação espanhola de 16/4/1939
  12. 12. Discurso de 23/11/1958
  13. 13. Discurso de 6/3/1940
  14. 14. Radiomensagem de 12/12/1954
  15. 15. Radiomensagem de 5/12/1954
  16. 16. Benavente, Fray Turibio, Historia de los Indios de la Nueva España, Porrúa, México, 2001.
  17. 17. Trueba, Alfonso, Huichilobos, Jus, 1955.

Terra da Santa Cruz

Gustavo Corção

 

O Brasil nasceu quando no mundo se abriam os engalanados portões de um novo humanismo contestatário e orgulhoso, que pretendeu ser o porta-estandarte de uma nova e brilhante civilização marcada pela maioridade do homem e pela senectude de Deus; nasceu quando a Europa ainda se enfeitava com as flores e os ouropéis da Rinacita e já se preparava para a passeata da Reforma, mas quis Deus que o berço esplêndido em que nascia uma das mais belas nações do mundo, talvez futuro exemplo de outras mais gloriosas e vetustas, merecesse a proteção de anjos tutelares e a marca indelével do Sinal da Santa Cruz.

*   *   *

O povo brasileiro nasceu persignando-se, ajoelhando-se, e logo na primeira missa agradecendo a Deus e reconhecendo em Jesus Cristo o único Rei dos reis. Já no mesmo grande continente que tem nome glorioso e apocalíptico de Novo Mundo, que é pseudônimo do Céu, cantara a voz piedosa de Colombo: “Te Deum laudámus: te Dominum confítemur...”

*   *   *

Mas é no Brasil, Terra de Santa Cruz, que em maior extensão e com maior constância se perpetuará ao longo de toda a sua história essa atitude fundamental de Ação de Graças e o hábito profundo, nem sempre santo, mas sempre humilde, de viver a presença de Deus.

*   *   *

Não ignoro que o santo nome de Deus é mil vezes por segundo usado em vão em todo o ocidente; não ignoro que o nome de Deus tornou-se em francês, espanhol e português palavra vã, som, caco, sufixo sem a menor ressonância de eternidade, mas ouso crer que nos vasos capilares da alma brasileira ficou mais do que um hábito verbal, no que se revela quando o ignoto chofer de taxi, que emerge do desconhecido e logo mergulha no imenso anonimato, nos diz — “vai com Deus!”, como tantas e tantas vezes já ouvi. Creio que milhões de vezes por minuto se diz por todo esse imenso Brasil, “vai com Deus”. E creio que essa saudação ou forma de despedida seja mais do que um simples sinal de nossa cordialidade. Há de ser também um difuso e persistente sinal de consciência coletiva da presença de Deus, sem a qual a história dos povos desanda num sinistro espetáculo de circo ou num ensaio do inferno.

*   *   *

Toda a história do Brasil é marcada por atos públicos da realeza de Cristo. Quando o Príncipe Regente, futuro D. João VI, aqui desembarcou, já com a lúcida intenção de abrir as portas e os portos de um novo império, seu primeiro cuidado foi o de promover um TE DEUM de Ação de Graças a que assistiu com toda a comitiva. Quatorze anos depois D. Pedro I determina que a independência seja sempre celebrada com esse hino sagrado, que mais tarde inspiraria Gonçalves Dias e seria a oração predileta de Joaquim Nabuco.

*   *   *

Com a vitória do Brasil sobre o comunismo, em abril de 1964, consagrou-se de modo espetacular e milagrosa a vitória de Cristo Rei — vitória que não nos cansamos de agradecer e admirar, e que o mundo na sua especializada estupidez para o que há de admirável no Reino de Cristo e para o que há de detestável no comunismo não se cansa de denegrir — porque o comunismo, como se tornou evidente no sangrento episódio do México e na sangrenta guerra civil espanhola, foi sempre adivinhado como especial inimigo pelos milhares de mártires que morreram gritando: Viva Cristo Rei!

Não é de admirar que logo o primeiro governo nascido dessa miraculosa intervenção, por decreto do presidente Humberto Castelo Branco, de 19 de novembro de 1965 e depois pela lei n° 9110 de 22 de setembro de 1966 tenha instituído o Dia Nacional de Ação de Graças a ser celebrado na quarta quinta-feira de novembro. 

*   *   *

Santo Ambrósio, bispo de Milão, para combater os últimos remanescentes do arianismo, quis ganhar o coração do povo com hinos religiosos que alcançaram grande sucesso. À heresia que destronava Cristo e negava sua divindade, o povo respondia cantando louvores à Trindade. O TE DEUM que lhe é atribuído, segundo F. Cayré A. A., é posterior e pertence a Nicetas de Remesiana; mas a ideia ambrosiana está de pé.

Combatamos os inimigos da Igreja cantando os hinos litúrgicos que trazem ao coração do povo os grandes mistérios da Fé. E no dia 23 do corrente, quinta-feira, (hoje) compareçamos à Igreja da Candelária, às 18 horas, para assistir à comemoração do Dia Nacional de Ação de Graças, celebrada por Sua Eminência Reverendíssima o Sr. Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Salles, com a presença do Sr. Presidente da República e Senhora, Emílio Garrastazu Médici, do Sr. Ministro de Estado da Justiça e Senhora, Alfredo Buzaid, e demais autoridades, e rezemos a Deus para que o povo brasileiro, bem conduzido por seus pastores e seus governantes, aliados nessa obra de louvor a Deus, saiba opor uma invencível resistência à onda de perversão que quer contestar a Realeza de Cristo.

 

(O Globo, 25/11/1971)

O massacre de Katyn

Gustavo Corção

 

Há uma certa faceta de humor negro na ingenuidade com que os jornais da semana passada publicaram, como sensacionais, as declarações de um judeu, Abraão Vidro, difundidas por um jornal de Israel, sobre o já tristemente famoso massacre de Katyn. Ou então haverá mais um exemplo da universal conjuração organizada para inocentar os comunistas dos crimes de guerra. Há realmente uma misteriosa conspiração que não somente exalta o papel dos comunistas na guerra como também esquece seus crimes mais clamorosos.

No caso presente o obscurantíssimo autor destas mal traçadas linhas pode lembrar que anos atrás já escreveu nestas mesmas colunas sobre o horroroso massacre de 12.000 oficiais poloneses fuzilados pelos russos em abril de 1943, e enterrados no bosque de Katyn. É portanto bem antiga a novidade da declaração sensacional de Abraão Vidro, mas nunca é demais insistir nas façanhas praticadas pelos soviéticos na II Guerra.

Mais recentemente, no decurso dos estudos que andei fazendo para um livro que está quase terminado, descobri num livro de René Pellerin, intitulado Un écrivain nommé Brasilach, não apenas a maravilhosa figura de Robert Brasillach como também sua reportagem verdadeiramente sensacional publicada em 9 de julho de 1943, no hebdomadário Je suis Partout, com o título J’ai vu les fosses de Katyn.

Nesse tempo a França estava parcialmente ocupada pelos alemães e em estado de armistício assinado pelo Marechal Pétain. Brasillach combatera corajosamente em defesa de sua pátria, mas logo após o armistício e a liberação dos primeiros prisioneiros voltou a Paris e abertamente aceitou o governo de Vichy, que todos os bispos da França apoiaram, e repeliu sempre, como escritor, o fantasioso governo da França Livre que na verdade só existiu para efeitos publicitários, para acrescentar à cruz de Winston Churchill a Cruz de Lorena, e para trazer um bálsamo ilusório às chagas do patriotismo francês tão duramente humilhado. Lembro estas coisas para frisar que a posição de Brasillach era perfeitamente admissível e normal, embora o mundo inteiro tenha sido condicionado durante anos para achar que traía a França quem ficasse com Pétain e desprezasse De Gaulle.

Mas voltemos ao bosque de Katyn que Brasillach viu e cheirou. Sim, cheirou. Mais da metade do artigo publicado em Je suis Partout se detém no intolerável cheiro que o tomara de chofre como primeira e inesquecível impressão. O chofer do carro em que viajava prevenira-o e fizera este reparo: depois da primeira visita a Katyn passara dois dias sem conseguir comer. E era um homem rude, que fizera a guerra.

“Cheiro maciço, cheiro negro e azedo, inesquecível cheiro de carniça. Algo de ainda vivo e animal longamente apodrecido naquela terra que não devora logo os cadáveres. Eles lá estão, apertados, compactos, e deles sobe esta coisa que poderíamos delimitar em seus contornos, que quase poderíamos pegar e sentir o seu peso.... Ah! Eu gostaria de fazer um pouco desse cheiro atravessar a fumaça do incenso e chegar às narinas dos arcebispos bolchevizantes...”

Brasillach pagará caro por esse artigo imprudentemente escrito em 1943. O moço transbordante de vida generosa, o poeta admirável e o admirável patriota que vivera sempre enfrentando a morte, na guerra espanhola e depois na guerra contra Hitler em defesa de sua pátria, nunca soube agasalhar-se e precaver-se. Quando a derrota de Hitler se delineava claramente, e finalmente quando De Gaulle recebeu, dos norte-americanos, Paris libertada e intacta, numa bandeja, e agradeceu aos russos, e mais tarde conseguiu convencer o tolo mundo inteiro de que fora ele próprio o libertador de Paris, Brasillach esteve sempre a denunciar o impostor e a caricaturar a Resistance onde se iniciou o concubinato dos católicos com os comunistas.

Seus amigos tentaram convencê-lo da necessidade de fugir para a Suíça. Providenciaram todos os papéis, mas Brasillach não quis deixar sua mãe, sua irmã, não quis deixar a França. Consentiu em esconder-se, mas aquela raça de franceses que, no dizer de Bernanos, não conseguiram mortos estrumar a terra que vivos não souberam defender, pôs em prática um infalível expediente para pegar Brasillach: prenderam sua mãe, como refém. No dia seguinte, Brasillach apresentava-se e era preso, e logo condenado como traidor da pátria pelos comunistas, judeus e democrata-cristãos comunizantes.

*  *   *

É preciso lembrar o bosque de Katyn onde os soviéticos deixaram um sinal que será encoberto, apagado, mas inexoravelmente de tantos em tantos anos voltará para esclarecer não apenas o martírio da Polônia, como também para relembrar o que aconteceu num governo francês comuno-católico: 110.000 franceses foram sumariamente condenados como colaboracionistas, e executados. Muitos por terem recusado atos de sabotagem de serviços públicos exigidos por grupos da Resistance. Entre esses 110.000 franceses assassinados durante a Épuration brilhará sempre a figura de Robert Brasillach que, em face da morte, na prisão de Fresnes, deixou escritos poemas de peregrina beleza, com que a verdadeira França respondia à França do pacto franco-soviético. Sim, no mesmo ano que Brasillach morria fuzilado como traidor, os intelectuais de gauche cantavam hinos à U.R.S.S. que os libertara, e Georges Bidault dirigia a Mesdames et Messieurs um discurso em que comunicava o pacto franco-soviético, simétrico daquele que anos atrás Molotov e Ribbentrop assinaram.

E o Tribunal de Nuremberg? Ah! Sim. Houve um tribunal de Nuremberg contra os crimes de guerra. É preciso lembrar o Tribunal de Nuremberg; é preciso relembrar que na primeira sessão desse tribunal, com a cumplicidade dos norte-americanos, ingleses e franceses, e sob A PRESIDÊNCIA DE UM GENERAL SOVIÉTICO, foi escamoteado e arquivado o dossiê do Massacre de Katyn.

 

(O Globo, 31/07/1971)

Lei-Ming-Yuan

Gustavo Corção

 

Nesses dias andei pela China. Mais precisamente e graças ao livro de Chanoine Jacques Leclercq (Vie du Père Lebbe — Casterman, 1955), fiz na minha poltrona uma viagem no espaço e no tempo, e andei pela China de quarenta anos atrás, tentando acompanhar, como me permitissem as pernas da imaginação a incrível, a fabulosa trajetória do personagem meteórico que no Ocidente se chamou Vicente Lebbe, e que milhões de chineses, com amor e veneração chamaram Lei-Ming-Yuan, que quer dizer trovão-que-canta-ao-longe.

Vicente Lebbe foi padre lazarista e missionário da China. Sua grande originalidade consistiu em levar a sério, alegremente, o fato de ser lazarista e o fato de ser missionário. Mas a sua suprema originalidade consistiu em levar a sério a China. Foi sempre o que Chesterton chamava “um super-vivo”. Direto como um pássaro, autêntico como uma flor, ágil como um gato, o Pe. Lebbe, em quarenta anos de lutas, de contrariedades, de perseguições, de trabalhos, de perigos nas viagens e nas guerras, guardou intacto o fogo que nos retratos se vê brilhar, com invencível alegria, nos seus olhos de menino.

Foi aos onze anos no colégio da Bélgica que sua alma, num pulo, tomou a resolução definitiva. Tinham-lhe indicado a leitura da vida do bem-aventurado Jean Gabriel Perboyre, lazarista, morto na China em 1840 como testemunha de Cristo. Terminada a leitura, o menino exclamou: “serei lazarista, e missionário na China”. Doze anos mais tarde, vencendo uma série de preconceitos e de hábitos eclesiásticos, e graças ao inesperado apoio de um velho bispo, embarca, ainda seminarista, para o país dos seus sonhos. Durante a viagem vai aprendendo o chinês. Chegará a falar tão bem o idioma, e a conhecer tão intimamente os costumes e os hábitos chineses que mais tarde só saberão pelas feições que ele é um estrangeiro. Coisa que aliás o magoava. “Não olhem para o meu nariz, mas para o coração que é chinês”.

Em outubro de 1901 ordena-se padre e escreve à família anunciando que agora é padre chinês da Igreja na China. E nos cartões de sua ordenação imprime o conselho de Paulo a Timóteo: “Tu vero labora...”

Outra coisa a ser tomada ao pé da letra. E do mesmo apóstolo dos gentios tira o Pe. Lebbe as diretrizes da ação missionária. “Sim, sendo livre fiz-me escravo a fim de ganhar o maior número. Fui judeu como os judeus para ganhar os judeus, com os sujeitos à lei, eu que não estou sujeito à lei, sujeitei-me a fim de ganhar os que estão sujeitos à lei; e com aqueles que estão sem lei, como estivesse eu sem lei, embora esteja submetido à lei de Deus e ao Cristo, tornei-me sem lei para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me fraco para com os fracos ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos a fim de salvar a todos...” (1Cor 9, 20-22)

Mas logo ao desembarcar Vicente Lebbe começa a descobrir com assombro que os missionários europeus não parecem muito apegados ao exemplo paulino. Descia a escada do navio, lépido e esperançoso, quando ouviu um padre mais velho dizer-lhe que entregasse a mala a um coolie. Um missionário não devia carregar a própria mala.... Mais tarde, em Na-Kia-Chwang, onde seria ordenado, observa que os padres chineses não comem à mesa dos europeus. E em tudo o mais, o que é chinês é desprezível e subalterno para a superior raça branca que fazia o favor de trazer a civilização e o Evangelho.

Vicente Lebbe, via com seus próprios olhos, que nesse tempo sofriam longa e cruel enfermidade, via, concretizado, brutalmente corporificado, espessamente realizado, o secular equívoco de uma civilização fundada no orgulho e no direito da força. E com maior tristeza esbarrava com o equívoco ainda mais grave: o da vinculação que insidiosamente se estabelecera entre os estatutos dessa civilização e os costumes dos homens da Igreja. Sob o falacioso pretexto de coordenação de esforços para a prática do bem, tantas vezes invocado pelos que aspiram ao conforto de uma religião oficializada, os padres missionários franceses se comportavam como meros funcionários a serviço dos superiores interesses do Protetorado. Provavelmente julgavam que essa subordinação era vantajosa para a pregação do Evangelho, e que outra não era a doutrina relativa às autoridades constituídas e à união da Igreja com o Estado. E assim a Cruz de Cristo chegava aos chineses acompanhada da bandeira francesa, e às vezes protegida pelos canhões. Custa a entender que alguém escolhesse a espinhosa vocação missionária sem nela incluir uma fraterna ternura pelos povos a que se levava o Evangelho. Custa a crer que não lhes ocorresse a ideia da transcendência da Igreja, ou até a ideia mais chã de que, para um chinês, pode haver uma dignidade e um brio de ser chinês. Mas é com essas coisas dificilmente críveis que se desenrolou, através dos séculos, a história trágica da Igreja. A grande, a permanente tentação é a da vinculação da Igreja, aos quadros temporais, é a da recusa da transcendência de sua vocação.

Comentando a recente e vergonhosa história do colonialismo na China, o cônego Leclercq diz sem rebuços:

“Foi a França que interveio a favor das missões e obteve em 1846 um edito de tolerância. Desse dia em diante os missionários tornaram-se clientes da França. Já a guerra do ópio se assinalava por vantagens concedidas às missões. Toda a história das relações entre a China e o Ocidente será doravante marcada pela predominância da força (...). As missões se prendem nessa engrenagem (...). A confusão entre a religião cristã e a política europeia se torna inextrincável. Os missionários aproveitam a força da Europa, e armazenam os ódios...

Mas a maior parte dos missionários não vê nisso algum mal. Bons europeus eles acreditam ingenuamente na superioridade de tudo que é europeu (...). Juntava-se a isto o nacionalismo, produto do século XIX. A França tinha assumido o protetorado das missões, aliás sem ouvir a Santa Sé.

A maior parte dos missionários eram franceses e sentiam-se inclinados a favorecer a política expansionista de seu país, tudo fazendo para que vingasse na China, o amor pela França e o conhecimento da língua francesa, e ao mesmo tempo, o amor pelo Cristo e o conhecimento da religião”.

Mas adiante o cônego Leclercq não hesita em dizer: “Depois de tudo o que dissemos, o que espanta é que ainda existam cristãos na China, e que ainda se observem conversões, e até que muitos cristãos chineses tenham um fervor que raramente se encontra na Europa”.

Ora, é nesse enorme mundo tão maltratado pela chamada civilização cristã, é nesse imenso mundo de expectativas decepcionadas que desembarca em 1901, um pobre magricela, doente, quase cego, com a ideia de ser chinês entre os chineses, para ganhar os chineses. Com paciência fremente, com benignidade candente, com obediência sobrenatural em grau heroico, o Pe. Lebbe começa a mais espantosa vida de que já ouvi falar. Dia a dia realiza uma entrega, uma doação, um desgaste que nos deixa atônitos. “Le Père Lebbe se despense! ” ... diz simplesmente o cônego Leclercq. Seria melhor, talvez, dizer, que o Pe. Lebbe se queima, se incendeia, e corre a China incendiando e queimando.

Seria ainda melhor, talvez, dizer que ele se gasta numa combustão mais profunda, como o urânio nos reatores nucleares, para frisar a colossal desproporção entre a energia que produz e a magra energia que a alimenta. Lendo essa vida espantosa, percorrendo nas páginas do livro a progressão geométrica dos feitos, chegamos a pensar que o conhecido e austero tratadista de Direito Natural perdeu a noção da medida, ou perdeu a razão. Quando, porém, se considera o nome e o veredito que merece o autor, então... então vêm-nos a impressão arrebatadora de uma divina loucura. Dir-se-ia que o Pe. Lebbe foi designado para compensar sozinho, com a única força da Graça entre tantos espinhos na carne, o himalaia de erros, de omissões, de tolices, de burrices, de perversidades semiconscientes e de crueldades voluntárias de quatro séculos de civilização. Dir-se-ia que Deus deixou o Pe. Lebbe aprender depressa o chinês, e providenciou quem lhe desse uma velha bicicleta, para que ele assim armado, com sua magreza e sua pobreza, pagasse a dívida atrasada, a dívida terrível contraída pelas grandes nações do mundo ocidental; para que ele sozinho com a força da Graça, devolvesse às missões a comprometida transcendência, e à civilização colonizadora a perdida dignidade; para que ele, com seu rabinho e seu longo cachimbo, neutralizasse de algum misterioso e insondável modo o horror da guerra do ópio, só comparável em hediondez aos horrores produzidos pelos regimes autoritários.

Toda a obra do Pe. Lebbe na China, de que tentaremos dar um esboço em outro artigo, girou em torno da universalidade da Igreja e do direito dos chineses formarem sua Igreja. Sua ideia fixa, que viu realizada através de um milhão de dificuldades, era a de ver constituído o episcopado chinês. Os prudentes mandavam informações contrárias a Roma. Ameaçavam com o cisma. Gabavam a vantagem do paternalismo, mas o Pe. Lebbe teve a alegria, no fim da vida, de ver sagrados seis bispos chineses, seis bispos escolhidos por ele, nomeados com um pedaço de lápis que ele depois guardou como relíquia.

Vê-se em tudo o que nos conta o cônego Leclercq que a vida do Pe. Lebbe tem o mais autêntico e clássico espírito paulino, e ao mesmo tempo a melhor marca da atualidade.

Como São Paulo, o Pe. Lebbe combate, com as santas armas da paciência e da obediência, os privilegiados que se julgam donos dos evangelhos.

Como São Paulo, choca-se com os corações circuncisos que tem desprezo pelos gentios, ou que, na melhor das hipóteses, vê nos chineses alguma coisa a ser cuidada, do alto, com benevolente paternalismo. E as cenas que o cônego Leclercq descreve no seu livro, a cada instante nos transportam para os séculos da Igreja-Mártir, ou para os claros dias dos Atos dos Apóstolos. Com uma pequena diferença apenas. Aqueles que todos os dias, com um só coração se reuniam no templo, e partindo o pão com júbilo e simplicidade, louvavam a Deus, e cujo número o Senhor cada dia aumentava por onde passava o Pe. Lebbe, eram um pouco diferentes dos que cercavam Pedro e Paulo: tinham os olhos oblíquos e pele dourada...   

 

 

(Diário de Notícias, 06/10/1957)

A hora da China

Gustavo Corção

 

Abra o mapa da China, leitor, e considere a imensidão desse país junto ao qual o nosso fica pequeno. Observe depois sua forma regular, maciça, compacta, e note que todos os grandes rios correm com uniforme direção para o litoral convexo, relativamente exíguo, que parece um ventre aos nove meses de gravidez. A China é grande e redonda. É um mundo.

Nas primeiras páginas de sua História da França, Michelet diz que no princípio a história é geografia. Mais tarde, e com maior cópia de razões científicas, Toynbee explicará a lentidão da marcha asiática pela predominância das terras e dos transportes terrestres sobre os mares e a navegação. Realmente, tudo parece indicar que o surto de progresso do mundo ocidental em boa medida se deve à navegação. Embora seja bípede e terrestre, foi no mar que o homem se espalhou, e foi com as caravelas, ao mar e ao vento, que o homem afirmou o senhorio do mundo. Desde a antiguidade, e durante a Idade Média, a história da civilização ocidental transcorre numa espécie de anfiteatro de povos em torno do Mediterrâneo. Na Renascença a Europa se abre. Há uma extroversão, digamos uma explosão. A forma fechada e nuclear da antiga civilização se mudou em forma estrelada. De côncava e mediterrânea, a civilização se torna, convexa e atlântica. De Florença desloca-se para Antuérpia a primazia comercial.

Examinando o mapa-múndi e pensando nos últimos dois mil anos de história, somos levados a crer numa correlação entre os feitos dos povos e a forma dos territórios. É nos países de desenhos irregulares, de saliências e reentrâncias, de penínsulas e golfos, que surgem as grandes iniciativas. A Grécia é uma palma de mão aberta sobre o Egeu; A Itália é a bota de sete léguas de onde se alastrará o Império. Dir-se-ia que a terra assim configurada possui o poder das pontas. Dir-se-ia que dos cabos e das penínsulas saem jorros de iniciativas que irão fecundar os golfos. Comparemos os desenhos da Europa com os contornos da África e da Ásia. E observemos o que acontece no novo mundo quando a Europa transbordou. É ainda na América do Norte, mais recortada, mais irregular, que o ímpeto europeu encontra o melhor terreno. A América do Sul, com seu único promontório perdido nas brumas do cabo Horn, será um continente de países subdesenvolvidos. É claro que há outros fatores a considerar, mas não deixa de ser estranha a constância da correlação. E quando volvemos a imaginação para os dias longínquos em que o continente americano se povoou com tribos oriundas da Ásia, é lá ao Norte, no rendilhado Estreito de Bering, entre duas penínsulas, que ocorre o transbordamento dos povos asiáticos.  

Ora, a China é maciça, regular, redonda. A china é imensamente terrestre. Daí talvez o seu atraso medido na cronometria europeia. Durante os séculos em que predominou a civilização marítima, que culminou com a apoteose imperial sustentada pela esquadra inglesa, a China esteve à mercê da exploração dos ávidos europeus. E esteve à mercê de sua orgulhosa proteção.

Mas os tempos passam. A grande iniciativa europeia amortece, o inicial “handicap” se faz menos sentir, e as próprias máquinas produzidas pela civilização ocidental, tornando fáceis as comunicações por terra e pelo ar, vêm oferecer oportunidades novas aos países atrasados. E é nesse momento, quando soa a hora da China, que lá desembarca aquele personagem candente e meteórico que foi o Pe. Vicente Lebbe.

Como disse em artigo anterior, o Pe. Lebbe parece ter a missão de corrigir sozinho os erros de séculos de uma civilização que oficializou os egoísmos e os abusos da força. Seu ideal supremo foi o de desvencilhar a pregação evangélica dos vínculos políticos, e o de estabelecer na China um episcopado chinês. Em quarenta e tantos anos de vida prodigiosa o Pe. Lebbe se multiplica. Começa muito modestamente por trabalhos de catequese num lugarejo do Norte. A semente cresce. Os resultados se avolumam. E quando a gente pensa que a atividade do Pe. Lebbe já chegou a um ponto quase inadmissível, ele se duplica, se triplica.

Tudo na sua vida é marcado por uma estranha capacidade de multiplicar. Vejam, por exemplo, aquela história tocante, que repete a do bom samaritano. O Pe. Lebbe encontra um pobre homem caído numa estrada. Salta da bicicleta e cuida dele. O homem vai-se embora. Meses depois o Pe. Lebbe recebe uma carta contando que o homem, chegando em casa, converteu toda a aldeia e pede um padre. Do lugarejo insignificante passa o Pe. Lebbe para Tientsin, e aí se desdobra em um novo tipo de atividade. Funda um centro de cultura, como o nosso Centro Dom Vital. Em poucos meses ocupa nove salas onde todos os dias faz conferências para os letrados. Escreve em jornais. Entra em contato com os poderosos, e atende a todos os humildes. Com seu amor pelos chineses, cria dificuldades com as autoridades francesas, e consequentemente com os seus superiores. Toda a organização burocratizada dos missionários europeus tem medo do Pe. Lebbe. Todos desejam vê-lo afastado. Vê-lo inutilizado. Os medíocres não toleram a presença daquele homem de fogo que pretende levar até as últimas consequências os evangelhos e as epístolas paulinas. Conseguem puni-lo. Pe. Lebbe cometeu imprudências num jornal de Tientsin, e indispôs-se com o cônsul francês. É mandado para longe. Obedece, mas não se corrige da mania de pensar que os chineses são homens como os franceses e muito menos da mania de atender a todo o mundo. Onde ele chega, ainda que nenhum aparelho de propaganda o anuncie, começa logo uma efervescência como se realmente ele carregasse consigo um misterioso trovão de longo alcance: Lei Ming Yuan, trovão que canta ao longe. Recomeçam os casos, os incômodos, e os seus burocratizados superiores o enviam para mais longe ainda, para o Sul, onde a língua é diferente e onde ainda não chegou o ribombo do seu coração. O Pe. Lebbe obedece, mas não se corrige. Em sofrimentos cruciantes adapta-se e reaprende o idioma, e recomeça o incêndio das almas. O único jeito é devolvê-lo à Europa. Devolveram-no e suspiram aliviados, mas na Europa o Pe. Lebbe trabalha duas vezes mais, três vezes mais, pela causa dos estudantes chineses. Ajuda, ensina, faz campanhas para obter fundos, conta histórias do Oriente, faz conferências. Passa dias sem comer e dias sem dormir. Quando o convidam para um jantar come como três, e todos se admiram porque tinham ouvido falar no seu ascetismo. Mas ele comia por três dias. E também dormia por toda a parte justamente porque nunca dormia direito. Uma vez foi convidado para fazer conferência num colégio de religiosas e, tendo chegado com certo adiantamento, foi levado a um parlatório onde pediram que aguardasse a hora da conferência. Sentou-se e dormiu. Meia hora depois foi preciso sacudir-lhe e jogar-lhe água na cabeça para que ele acordasse. Estremunhado olhou em volta, perguntou em que país estava e qual era o tema anunciado para a conferência. Chegou a Roma o canto do trovão. É ouvido por um cardeal que agradece ao Pe. Lebbe sua exemplar obediência e que lhe anuncia a próxima realização do seu ideal. Não só um bispo chinês será sagrado, mas seis.

— Foi a sua obediência que salvou tudo... que Deus abençoou...

E o Pe. Lebbe, sucumbido de emoção, só pôde gemer:

— Oh!

Tratava-se agora de escolher os nomes dos padres chineses mais indicados para a dignidade episcopal. O Cardeal Van Rossum pede ao Pe. Lebbe um toco de lápis e escreve os nomes que ele dita: Chao, Ch’eng, Ch’en, Li... Mas a sua emoção é forte demais. Declara que devem existir outros. E inundado de lágrimas, guarda como relíquia o toco de lápis.

A sagração dos bispos chineses estava marcada para 24 de outubro, festa de Cristo Rei. O Papa transferiu-a para o dia 18, por diversos motivos, e sem saber que nesse dia se completavam os vinte e cinco anos de sacerdócio do Pe. Lebbe.

Volta para a China, e é designado para Kao-kya-chwang, e aí recomeça seu trabalho de catequese e de apostolado. Retoma a bicicleta, e estranha um esquisito cansaço nas pernas depois de trinta quilômetros. Não se lembra que tem sessenta anos. Retomando a ideia iniciada em Tientsin, lança a Ação Católica. Funda um sem-número de grupos como os tantos que por iniciativas diversas apareceram no mundo ocidental. A JUC, a AUC, a JFC, a JIC, e tantas outras siglas nossas conhecidas, surgem na China por iniciativa do Pe. Lebbe. Tem voz para letrados, para estudantes, e para camponeses. É tudo para todos. E para equilibrar e completar essa imensa atividade, funda um mosteiro para uma nova ordem de religiosos: os irmãozinhos de João Batista. À semelhança do Père Foucauld na África, o Pe. Lebbe enche de Petits Fréres a China. Funda depois uma casa religiosa para mulheres...

Em 18 de setembro de 1931 as tropas japonesas invadem a Manchúria, e então começa uma nova fase, uma incrível e fantástica maneira de envelhecer, na vida do Pe. Lebbe. Movimenta seus mais próximos fiéis e organiza o serviço de padiolas e de cruz vermelha. Está entre os soldados, animando, confortando, convertendo, batizando, e carregando os feridos. Nesse ponto da leitura, como já disse em outro artigo, a gente tem a impressão de que o austero Cônego Jacques Leclercq, conhecido tratadista de Direito Natural, enlouqueceu. Sim, enlouqueceu e está tentando nos inculcar, como verdadeira, uma história no gênero das do Barão de Münchhausen. É demais! E se o leitor quer ter uma ideia leia o livro impossível de resumir: Vie du Père Lebbe, Chanoine J. Leclercq, Casterman.

Ouvi dizer que havia aqui perto um padre do Verbo Divino que estivera na China. Fui entrevistá-lo. Quando lhe falei no Pe. Lebbe o velhinho animou-se, brilharam-lhe os olhos, e disse: “Era um homem de fogo...”

Mas agora, irresistivelmente, nos vem uma ideia triste. De que valeu tudo isto? Parece que o Pe. Lebbe chegou atrasado e não conseguiu neutralizar quatro séculos de estupidez e de orgulho europeu. Parece que sua obra se perdeu. A China de hoje recebeu da Rússia uma influência aparentemente mais eficaz.... Estava eu nesse desânimo quando li no livro do Cônego Leclercq esta simples frase: “lembremo-nos, entretanto, que o comunismo não recebeu nenhuma promessa de eternidade...”. É verdade. Temos de esperar. Duzentos ou trezentos anos. As sementes do Pe. Lebbe hão de frutificar na hora que Deus marcou para a China, e quem sabe se não é daquele grande ventre amarelo que nascerá uma nova e grande civilização cristã?

 

(Estado de São Paulo, 13/10/1957)

Mártires na U.R.S.S e na Europa Oriental

A Rússia e os países do Leste Europe foram os principais teatros do confronto entre o Cristianismo e o comunismo. Mas, a ideia que fazemos desses episódios é, em geral, muito vaga. É certo que os horrores dos gulags acabaram por se tornar conhecidos no Ocidente, mas o marxismo lançou mão de muitas outras armas para arrancar a crença dos corações, como veremos em seguida. Tentaremos também descobrir a história da Igreja Católica na União Soviética, largamente ocultada pela Igreja Russa cismática. Finalmente, nós nos voltaremos para alguns personagens que ilustram magnificamente a alma católica desses povos (Cardeal Mindszenty etc).

 

1. As armas do comunismo contra a religião

1.1 - Leis e medidas administrativas

Após a revolução de 1917, aprovou-se um conjunto de leis e decretos. A partir de 1918, eles vão seguir um itinerário marcado pelo retrocesso e pela restrição, alegando a “liberdade de consciência”, a “liberdade de profissão religiosa” (1929) e, em seguida, a “liberdade de culto religioso” (1936). Toda essa legislação oficial, no entanto, era freqüentemente “esquecida" pelas autoridades, que invocavam toda sorte de crimes para condenar aqueles que ainda ousavam crer em Deus e praticar a religião. A essas leis fundamentais somam-se as numerosas medidas administrativas referidas em instruções secretas, além de ordens dadas em viva-voz pelos representantes do governo, sem que houvesse oficialmente qualquer linha escrita. Essa confusão jurídica permitia a cada um julgar segundo o seu alvitre, em detrimento dos cristãos.

Com a nova coleção de leis que se seguiu à revolução de 1918, o governo se dedicou inicialmente a destruir a família a fim de melhor destruir a ordem social existente, e substitui-la por uma versão plenamente comunista. Uma vez que as famílias preparam os cidadãos de amanhã, era importante suprimir a influência dos pais “reacionários” sobre os filhos, de modo a torná-los verdadeiros militantes do Partido. Nesse preciso momento, dispensava-se a coerência na política familiar. Seguindo as necessidades econômicas ou demográficas, as leis poderiam ser adaptadas, mas sempre em vistas de um mesmo fim: a conquista da sociedade pelo governo soviético, e o triunfo da causa do Partido. A estrutura familiar era visada em três pontos:

— O próprio laço do matrimônio: a partir de 1918 o casamento religioso foi abolido, apenas o registro civil era legal. Do mesmo modo, o concubinato ou a poligamia foram legalizados, e o divórcio, autorizado e simplificado.

— A “liberação” da mulher: “O sucesso de uma revolução depende do nível de participação das mulheres” dizia Lenin. Como a mulher é a base da família, todos os meios serão empregados para tirá-la de casa e impedi-la de cumprir a missão de mãe. Era preciso “liberar a mulher da escravidão do marido e dos afazeres domésticos”, considerados por Lenin como uma “escravidão, um jugo embrutecedor, humilhante, eterno, exclusivo”. O aborto foi legalizado em 1920, e a contracepção encorajada. “As mulheres devem ser retiradas da reprodução para servirem à produção”, afirmava Alexandra Kollontaï1. Percebe-se a estima que tinham pelas mulheres! Para que a mãe pudesse ser emancipada e fosse trabalhar como os homens, abriam creches e jardins de infância. Os trabalhos domésticos ainda a esperavam em casa, ao retornar do trabalho.

— Os filhos: “A criança pertence à sociedade, não aos pais” (Nikolai Bukharin). Por conseguinte, a criança devia sair da sua família para ser educada pela sociedade. A escola tornou-se obrigatória, dos 7 aos 18 anos. Claro que a escola era monopólio do Estado e, portanto, ateia e violentamente antirreligiosa. A criança era assim instrumentalizada ao serviço do Partido.

Quando julgaram que todos os laços que uniam a família haviam sido suficientemente destruídos (laços entre os esposos e entre pais e filhos), o governo mudou a política. É verdade que, a partir de 1936, a economia e a demografia conheceram uma situação catastrófica na esteira dessa política. Lançou-se uma campanha em favor da família numerosa; proibiram novamente o aborto antes de tornarem a legalizá-lo em 1955. Concederam-se ajudas e recompensas às mães de famílias numerosas. A maternidade se tornou um dever, “uma função social” da mulher". Balançando ao sabor das leis e das propagandas, a família se transformou numa ferramenta nas mãos do Partido para moldar a nova sociedade soviética ateia.

No que se refere ao culto, as igrejas e os locais de culto tiveram de ser registrados nas instâncias governamentais, mas muitas vezes foram para a clandestinidade. Todos os padres precisavam de uma “permissão de ministério”, que lhes era retirada no primeiro passo em falso. Todo padre que exercesse o sacerdócio clandestinamente, sem essa autorização, sujeitava-se a uma condenação penal. Era-lhe interdito o exercício do ministério em domicílio e, se fosse autorizado a visitar as famílias, não poderia falar com elas sobre religião! Os confiscos das propriedades e a supressão das obras da Igreja Católica se multiplicaram, com o objetivo de abafar o apostolado.

O balanço apresentado na seguinte tabela é eloquente2:

 

 

1939

1953

Paróquias

6.930

1.200

Igrejas, capelas

10.321

1.500

Seminários

18

Todos fechados

Casas religiosas

1.019

Todas fechadas

Escolas

20.316

Todos requisitados ou nacionalizados

Hospitais, orfanatos

1.520

Todos requisitados

Livrarias, editoras

70

Todos requisitados ou nacionalizados

Publicações

110

Todas suprimidas

Associações católicas

3.000

Todas suprimidas

Construções e terrenos

 

Todos confiscados

 

 

 

 

 

No que se refere à juventude, a legislação era ainda mais restritiva. Desde 1921, o ensino religioso foi dificultado aos menores de 18 anos. A partir de 1929, proibiu-se levar crianças aos ofícios religiosos e de reuni-las para recreações ou para qualquer outra atividade. Em 1932, proscreveu-se o ensino de religião às crianças, salvo pelos próprios pais, o que impedia os padres ou qualquer outra pessoa de dar aulas de catecismo. Reputava-se uma perversão o ensino religioso dispensado às crianças.

Finalmente, proibiu-se a posse de “literatura clandestina” e sobretudo a colaboração na sua edição, ou seja, todos os quatro Evangelhos, os livros espirituais, as revistas católicas ou todo registro de conotação religiosa.

 

1.2. A doutrinação

A segunda arma poderosíssima de que o Estado dispunha para neutralizar e para eliminar toda influência religiosa era a doutrinação, sob todas as formas e em todos os domínios. A despeito de todas as formas de propaganda pela mídia, pela imprensa, pelos slogans publicitários, o Estado criou um ambiente que fez do comunismo o único horizonte visível e possível. Desde a infância, o cidadão era envolvido pelo sistema soviético.

 

  • A Escola

A partir dos sete anos, a escola é obrigatória, mas muitas vezes é a partir do ingresso numa creche aos três anos, e mais tarde numa universidade, que as crianças são moldadas segundo a concepção materialista e ateia dos comunistas. Em todas as classes se lecionava um curso especial, o “Diamat”, ou seja, materialismo-dialético. Trata-se objetivamente de um curso de doutrinação comunista. Ainda assim, todas as matérias do programa devem igualmente difundir tais princípios — foi sobretudo na disciplina de história que a realidade era transformada sem escrúpulos para denegrir a Igreja e todo seu passado. Como qualquer outra fonte de informação estava proibida, esses meios eram terrivelmente eficazes.

A todo momento na vida da escola ou nas demais atividades, exigem que a criança ou o adulto faça um juramento de ateísmo ou de militância comunista.

A título de exemplo, [apresentamos] esta circular do ano de 1980/1981:

 

Conteúdo do trabalho:

  1. Identificar os filhos dos crentes: organizar o controle das famílias religiosas;
  2. Fiscalizar as atividades religiosas no setor;
  3. Esgotar as possibilidades de educação ateia durante o curso de biologia, química, geografia, astronomia, matemáticas, ciências sociais, literatura e nos demais ramos;
  4. Atrair os professores para a propaganda do ateísmo;
  5. Criar um conselho de educação ateia;
  6. Estabelecer um ciclo de conferências e de discussões sobre assuntos relacionados ao ateísmo;
  7. Organizar círculos de trabalho denominados “o jovem ateu”;
  8. Organizar manhãs e tardes de discussão sobre ateísmo;
  9. Discutir sistematicamente os filmes… Criar jornais murais sobre a temática ateia;
  10. Criar um stand permanente - “Ciência e Religião” - na biblioteca da escola.

 

  • Associações de juventude

Muito embora a associação não fosse obrigatória, os jovens eram muitas vezes associados à força, e a não participação era considerada um ato antissocial, com possíveis consequências para toda a família. Ademais, essas organizações tinham o monopólio de todas as recreações. Quem não fizesse parte delas estava excluído de todos programas, de todo lazer;  de fato estava excluído da sociedade. Essas organizações eram, com efeito, um “noviciado” para a entrada no Partido. Os pequeninos podiam fazer parte das “Octobriens”; em seguida, de 9 a 14 anos, dos “Jovens Pioneiros” e, de 14 a 28 anos, da “Juventude Comunista”, comumente chamados de “Komsomols”. Finalmente, tornavam-se membros do Partido.

 

- Os lazeres

Muitas das atividades envolvendo crianças e adultos – para além das noites em família ou entre amigos, que eram muito estimadas - são um monopólio mais direto ou menos direto do Partido. Acima de tudo, o Estado entende que não há lazeres inúteis ou “gratuitos”, pois um lazer deve ser cultural, palavra que subentende propaganda comunista. Criaram-se, assim, vários tipos de clubes e centros de cultura, museus e bibliotecas, espetáculos… Todos mostram as maravilhas da sociedade soviética ou o horror da religião. Um bom cidadão deve freqüentar, ao menos de tempos em tempos, um clube e assistir a conferências, se não o reputavam por “individualista” — o que é perigoso numa sociedade socialista — transformando-se então em objeto de vigilância. Ninguém estava ao abrigo dessa propaganda ao serviço da doutrina comunista. Onde quer que se esteja, a voz do partido sempre se faz ouvir.

 

1.3. A repressão

Aos comunistas não faltavam meios de pressão, ou de repressão, aptos a dobrar as vontades mais obstinadas, prontos para se usarem naqueles que resistirem à doutrinação.

Num primeiro momento, tentam a intimidação. Os meios não faltam: a delação entre vizinhos ou colegas é um dever, a fim de identificar os cristãos e os controlar. Na escola, os professores também possuem o dever de assinalar todo comportamento “antissocial”, e muitas vezes passam “pseudo-questionários sociológicos” que são, na verdade, questões para saber se as crianças têm pais que creem em Deus, que vão à Igreja e, sobretudo, que ensinam tudo isso aos seus filhos! Eles questionam em seguida, mais precisamente, os pais e as crianças, na escola ou na KGB, para tentar lhes dissuadir, mostrando-lhes os males que isso acarretará aos seus filhos. Para quem resistir a essa primeira intimidação, ameaça-se com sanções. Em seguida, aplicam-se as primeiras sanções, como a demissão, multas (que muitas vezes ultrapassam a metade do salário). Os que professam a crença em Deus praticamente são privados do acesso à universidade. As crianças podem ser tiradas dos seus pais se for julgado que eles exercem sobre elas uma má influência em razão da sua conduta antissocial.

Quando as ameaças e as primeiras sanções não surtem efeitos, começam as prisões e condenações3.

- Campos de trabalho: os regimes podem ser mais rigorosos ou menos rigorosos, mas, em todo caso, os campos de trabalho são sempre muito duros moral e fisicamente. As visitas são restritas ou interditas. As cartas, quando autorizadas, são todas censuradas. Os presos devem alcançar metas de trabalho diário que são muitas vezes desumanas. As autoridades lhes roubam o alimento ou lhes fornecem comida estragada. Do salário depositado desconta-se uma parcela tão grande, que não lhes sobra quase nada, sem contar todas as penalidades suplementares que podem ser infligidas sob pretexto de má-conduta, metas não alcançadas etc.

- Prisões: o regime nas prisões é ainda mais severo que nos campos de trabalho. A saúde deteriora-se rapidamente por falta de alimentação e de exercícios físicos.

- A pena de morte direta (por execução) ou indireta (em conseqüência dos maus tratos) atingiram duramente as fileiras católicas. O balanço humano é pesado e difícil de estimar. No tocante aos padres católicos no território russo (em 1939) e nos países satélites (Polônia, Países Bálticos, Sub-Carpatos…), fez-se a seguinte estimativa, referente ao período de 1917 a 19454:

Assassinados ou executados

352

Mortos em prisão ou desaparecidos

2.600

Deportados ou condenados

1.700

Escaparam

930

Escondidos, dispersos

1.250

 

 

 

Em 1978, não sobravam mais que 1.575 padres, dos 9.624 que existiam em 1917. Os bispos foram o alvo principal: na Rússia, um foi assassinado, seis foram presos, 12 deportados, mortos no exílio ou expulsos, cinco condenados a trabalhos forçados, dez expulsos da sua diocese5.

Entre 1917 e 1950, Roma estima que mais de 10.000 padres e que 50 bispos foram executados ou aprisionados6. As condenações diretas ou indiretas de fiéis chegam a centenas de milhares.

- Mudança de endereço: muitas vezes se impunha a realocação no interior em complemento à pena dos que voltavam dos campos de trabalhos forçados ou da prisão. O exilado era obrigado a viver em determinado lugar, onde em geral o encarregavam de um trabalho. Regularmente, devia comparecer no comissariado para demonstrar que estava ali. As cartas, as visitas e as correspondências não sofriam limites e, oficialmente, não estavam sob censura, a não ser decidissem por um controle mais estrito...

- Hospitais psiquiátricos: De longe, era a pior das penas. Para não serem obrigados a julgar ou a justificar a detenção, as pessoas “incômodas" eram internadas como loucas; via-se a fé religiosa como um sinal de anormalidade psicológica. A internação poderia se estender por anos, ou mesmo por toda a vida. O uso de medicamentos fortíssimos e de maus tratos causavam estragos psíquicos e intelectuais por vezes irreversíveis. Aqueles que deixavam esses hospitais carregavam frequentemente até o fim da vida sequelas, quando não perdiam para sempre a sanidade.

 

2. Pequena história da perseguição7

 

2.1. Primeiros confrontos

Como explicar a presença de católicos na Rússia? A maior parte das comunidades de rito latino originaram-se das sucessivas partilhas da Polônia, que resultaram na incorporação de milhões de católicos latinos na Rússia tsarista8. A esses últimos somaram-se os greco-católicos, isto é, os uniatas que guardavam orgulhosamente as características russas do rito oriental. Eram menos numerosos, mas na maioria das vezes mais ativos.

A conversão ao catolicismo representava riscos maiores que o cisma grego: o ortodoxo incorria na pena do artigo 58.10 (“agitação antissoviética”); que dizer do católico que poderia ser ainda condenado pelos artigos 58.1a (“traição), 58.3 (“relação com um Estado estrangeiro”), 58.6 (“busca de informações em benefício de um país estrangeiro”)?

Os soviéticos estenderam progressivamente o campo geográfico da perseguição, à medida da sua expansão territorial. De 1917 a 1939, os bolcheviques almejaram suprimir a Igreja Católica do território sob seu controle, a saber, da Rússia e de porções da Ucrânia e da Bielorrússia (mas não na região oeste, que estava sob jurisdição polonesa). Paralelamente, esforçaram-se por desacreditar a Igreja Católica em todo o mundo por meio da propaganda. Durante a segunda guerra mundial, ampliaram o campo de ação (oeste da Ucrânia e da Bielorrússia e países bálticos), sempre atuando sobre a opinião pública, notadamente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, que queriam persuadir de que o Kremlin não tinha nenhuma animosidade contra a religião, uma vez garantida a segurança soviética. Após a guerra, a perseguição estendeu-se aos países satélites da URSS, onde a Igreja Católica tinha grande influência (principalmente na Polônia).

Os marxistas dividiam-se quanto aos meios a serem adotados para alcançar o fim de extirpar a religião católica: a ala “direita” queria proceder de modo mais “indulgente”, através da reeducação; os trotskistas preferiam o ataque violento.

Em abril de 1919, Dom de Ropp (arcebispo) foi detido. Os comunistas irritavam-se principalmente por dois motivos: Roma clamara pela segurança da família imperial antes da execução dos Romanov, e o Papa Bento XV exprimira seu juízo sobre as perseguições contra a Igreja cismática russa. O início da guerra russo-polonesa dos anos 1919-1920 tornou a situação ainda mais trágica. Desde 1918, Dom O’Rourke, vigário geral da diocese de Minsk, escrevia a Monsenhor Ratti (futuro Pio XI), Visitador Apostólico para a Rússia: “Aqui, a população católica foi sistematicamente esmagada pelos bandos de soldados russos bolcheviques: famílias inteiras, não importando o sexo ou a idade, foram assassinadas9.”

Em 1920, os mosteiros foram fechados (o tsar iniciara esse movimento). Os católicos apoiaram a ação militar polonesa destinada a restaurar as fronteiras históricas da Polônia com a Rússia, na esperança de obter o fim das perseguições. Com as mudanças de fronteira, resultantes do tratado de Riga, o número total de católicos sob domínio bolchevique subiu para 1.160.000, ou seja, 331 paróquias com 400 padres.

Em 1921, não se obteve nenhuma concessão no terreno religioso durante as negociações da NPE10. Muitas igrejas foram fechadas entre 1921-1922. Em 26 de dezembro de 1921, um decreto proibiu a educação religiosa de crianças com menos de 14 anos, o que representou um obstáculo considerável ao apostolado. Os cursos de ateísmo passaram a ser lecionados desde o jardim de infância. Os bolcheviques tiraram proveito da fome de 1922 para atacar a religião, alegando que os males se deviam à concentração de bens nas mãos da Igreja. Roma tentou se opor ao confisco de objetos sacros, em seguida propôs pagar pela restituição dos bens confiscados, mas foi em vão.

Apesar da missão católica organizada por Roma contra a fome na Rússia, o Kremlin não se desarmou. No fim de novembro de 1922, Dom Jan Cieplak foi informado de que o clero católico de Petrogrado seria julgado por atividade contrarrevolucionária. Em dezembro de 1922, todas as igrejas de Petrogrado foram fechadas e lacradas, salvo uma única que era mantida por um padre francês (a França precisava ser tratada mais diplomaticamente). Em março de 1923, iniciou-se um processo contra os católicos latinos que não aceitavam a lei de separação entre a Igreja e o Estado, começando o confisco violento dos bens da Igreja. Dom Cieplak foi julgado juntamente com uma dezena de padres latinos, como o Pe. Fedorov11 e M. Balachev, redator da revista Slovo Istini (A Palavra da Verdade). O processo terminou com a condenação à morte de Dom Cieplack (pena comutada para dez anos de prisão em regime severo, após pressões romanas) e de seu vigário geral, Mons. Boudkevitch, executado na noite de Páscoa (1o. de abril de 1923) na prisão de Sokolniki. A sua morte edificou as testemunhas: “No lugar da sua execução, ele fez o sinal da cruz, abençoou o verdugo e seus assistentes, em seguida voltou a cabeça para o muro e pôs-se a rezar em voz baixa. O tiro do algoz interrompeu a oração do padre.” 12 Ele foi a primeira vítima da Igreja Católica latina na nova Rússia bolchevique. Muitas sentenças de morte e encarceramentos de sacerdotes (3 a 10 anos) seriam pronunciados. Os bens foram confiscados. Após a expulsão de Dom Cieplak, não havia mais nenhum bispo católico na Rússia, apesar da URSS contar com mais de um milhão de fiéis. Os 200 padres remanescentes eram, na sua maioria, de origem polonesa. Diante dessa situação difícil, Roma tentou estabelecer uma hierarquia secreta13. A reação contra a nova hierarquia foi rápida: Mons. Skalski, administrador apostólico, figura influente entre os poloneses na Ucrânia soviética, foi condenado a dez anos de prisão.

No início do século XX, foi constituída uma comunidade de católicos oriunda da ortodoxia, guardando integralmente a especificidade russa do rito oriental, em particular um grupo de religiosas da Ordem Terceira dominicana dirigida por Anna Ivanovna Abrikossova. Em setembro de 1922, o Pe. Abrikossov, incumbido do grupo, foi expulso com mais de 200 cientistas e filósofos. De 12 a 16 de outubro de 1923, prenderam a comunidade de religiosas dominicanas e muitos padres. Uma delas havia oferecido a vida pela salvação do povo russo. Em 19 de maio de 1924, a maior parte dos padres foi condenada a dez anos de reclusão nas diversas prisões dispersas, as irmãs a cinco anos, que em seguida também seriam relegadas a outras prisões afastadas das suas famílias14. No tempo da morte de Lenin (janeiro de 1924), restava mais de um milhão de católicos e 127 padres, dos quais 116 dispersos e 11 em prisão15.

 

2.2. As repressões de 1931

Em fevereiro de 1931, ocorreram na URSS muitas prisões de católicos de rito latino ou oriental, abrangendo clero e leigos. Entre as vítimas, destacaram-se muitos convertidos como Victoria Lvovna Bourvasser, uma judia convertida.

Muito inteligente e conhecedora de idiomas, mas mimada pelos pais, ela caíra no ateísmo militante. É daí que o Bom Deus a retirou para transformá-la numa católica humilde, fervorosa, que comungava diariamente com lágrimas, desejando sofrer para reparar seus erros e testemunhar seu amor por Nosso Senhor. O Bom Deus lhe dera a graça de morrer pela fé. (…) Abandonaram-na doente, sofrendo de modo atroz, na cela, e quando quiseram conduzi-la à enfermaria, era já tarde demais: ela morreu nos corredores16.

Um outro exemplo:

Na prisão de Boutyrki, uma pequena judia convertida, Anna Roubachova, que praticamente não dorme, espanta todas suas companheiras de cela por seu espírito de oração (ela reza noite e dia), e pela sua coragem. Uma outra judia, Melle Sapojnikova é igualmente um modelo de força, enquanto antes, quando era livre, era bem preguiçosa: a graça é proporcionada às necessidades. As moças sequestradas eram submetidas a penas de três a dez anos em campos de concentração. Muitas lá morriam. O motivo da condenação era o seguinte: “A maioria das associadas do grupo organizaram uma ordem monástica ilegal de São Domingos. Elas reuniam-se em diferentes apartamentos, entretinham conversas antissoviéticas sobre questões políticas e econômicas, praticavam com as pessoas de seu convívio uma agitação contrarrevolucionária. 17

Os católicos latinos também viraram alvos. Prenderam-nos em abril por espionagem e ação contrarrevolucionária. A principal ação do grupo latino era a difusão da oração “Rússia padecente”, da devoção à Santa Teresinha do Menino Jesus e de determinadas orações pela salvação da Rússia. Esse apostolado lhe acarretou a deportação por três anos. Uns cinquenta fiéis foram exilados: eram simples trabalhadores ou organizadores de procissões, muitas vezes velhos. “O fim de todos eles será a morte miserável no exílio ou nas novas prisões. 18” As condições do interrogatório desafiam as forças morais: “Irmã Jacinta (Anna Zolkina), uma jovem freira de 25 anos, torturada por questões infames, sucumbiu a um terrível ataque de nervos.” Liberada em 1941, foi condenada no mesmo ano a cinco anos no gulag.

As irmãs dominicanas continuaram o seu apostolado nos campos. Formavam grupos para difundir o ensinamento católico. No verão de 1935, no campo de Bamlag, elas redigiram uma carta que manifesta a sua intrepidez: “Pelo espírito, nós somos fortes. Nem os campo de concentração, nem os órgãos da NKVD poderão desviar do caminho verdadeiro os filhos fiéis da única Igreja Católica. Mesmo aqui nós nos esforçaremos para ganhar recrutas valorosos para a Igreja Católica.”

 

2.3. Os prisioneiros católicos de Solovki

No campo de prisioneiros situado nas ilhas Solovki (Mar Branco) viviam 20.000 homens em condições assustadoras: clima polar, fome, prisioneiros fuzilados em grupos…19

Muitos padres (uns vinte ao mesmo tempo) viviam aí detidos. As missas começavam a meia-noite e se sucediam até as 7 horas da manhã. Um armário baixo servia de capela, nele só se conseguia celebrar de joelhos. Os guardas jamais se deram conta de nada. Por causa do novo calendário com a semana de cinco dias, foi-lhes exigido trabalhar aos domingos: “Fuzilem-nos agora mesmo, mas não violaremos o mandamento de Deus.” Quiseram obrigá-los a tirar o hábito eclesiástico: “No trabalho nos vestiremos como os demais, mas na cela usaremos a sotaina.” Para socorrer os doentes, os padres pediam para ser levados com eles e os confessam nos corredores, falando com os doentes às vistas de todos. A paciência dos prisioneiros é testada até aos últimos limites: o bispo católico Bolesas Sloskans escreveu do arquipélago, onde viveu de 1928 a 1930, aos seus pais: “Eu vos peço do mais profundo da minha alma: não permitais que a vingança ou a exasperação tome conta do vosso coração. Se o permitirmos, não seremos mais católicos verdadeiros, e sim fanáticos. 20

Em 1932, instaurou-se contra esses sacerdotes um processo “por formação de grupo antissoviético,  por se dedicarem à agitação antissoviética, cumprindo ritos religiosos e celebrações litúrgicas”. Esses duros tratamentos muitas vezes culminavam com a morte. O campo de prisioneiros teve necessidade de abrigar novos prisioneiros para serem trocados com a Polônia e, sobretudo, para dar continuidade aos trabalhos iniciados: a escavação do canal Báltico/Mar Branco e a linha ferroviária Leningrado/Murmansk, o canal Moscou, Volga, Don.

A perseguição aos católicos se estendeu a toda a Rússia Européia: Leningrado, Kiev, Odessa, Rostov do Don… Os católicos alemães do Volga, que estavam sob a direção do Pe. Kappès, tornaram-se o novo alvo a ser abatido. Os sacerdotes mantiveram-se firmes nos seus postos para responder às necessidades dos fiéis. Os testemunhos são eloquentes: “Os padres conservaram-se heroicamente ao lado do seu rebanho. Relatamos fatos mostrando que, apesar da repressão do poder, do terror e das execuções, apesar da perseguição contra a fé, os padres não fugiram, mas permaneceram no posto. Os padres receberam a morte das mãos dos bolcheviques com a oração nos lábios, submeteram-se a torturas e fuzilamentos.” A colheita foi abundante: “Muitos católicos alemães foram condenados à morte, recebendo a sentença com firmeza e com uma fé inflexível. 21

Dom Bathélzmy Remov, convertido secretamente ao catolicismo em 1932, e nomeado secretamente por Pio XI como bispo auxiliar de Mons. Neveu, foi condenado à morte em 1935 por causa da sua conversão. Os membros do grupo católico que surgira ao seu redor foram condenados em abril do mesmo ano e executados sem um novo processo em 1937.

 

2.4.O grande terror de 1937

O assassinato do secretário do Partido Comunista, provavelmente por instigação de Stalin, foi o início de um período de terror que lhe permitiu, entre 1935 a 1938, eliminar todos os seus adversários em etapas sucessivas. 50.000 suspeitos foram deportados para os Montes Urais e para a Sibéria. Essa nova etapa foi desencadeada por um ato pessoal de Stalin, sob a forma de uma resolução da seção do Politburo (2 de julho de 1937). A ordem transmitida a todos os níveis da direção do partido foi de tornar a prender todos os ex-detentos, os koulaks22, os ministros de culto e os prisioneiros políticos, “a fim de fuzilar imediatamente os elementos mais incômodos sob forma de medida administrativa das troikas contra eles.” Determinou-se um prazo de quinze dias para que se preparasse a lista das pessoas a serem fuziladas ou exiladas. Foi uma hecatombe: 300.000 vítimas foram lançadas nas fossas comuns de Severnoye Butovo (20.762 das quais apenas no período de 8 de agosto a 19 de outubro de 1938) 23. “A máquina de extermínio não saciava sua sede de sangue (…) em diversas regiões, os secretários do Partido, aos quais havia sido atribuído uma meta de execuções, pediam por telegrama autorização de Stalin para aumentar o número estabelecido. 24” Isso foi concedido: para a região de Omsk, o número de execuções subiu de 3.000 para 8.000. A maior parte dos padres presos ou exilados foram executados na ocasião. Muitos poderiam salvar as vidas renunciando ao sacerdócio, como lhe propunham os juízes. No entanto, a fidelidade dos padres encorajava os fiéis à perseverança: um grupo de paroquianos escreveu ao seu padre detido no arquipélago Solovki: “Nós também recordamos do senhor na Santa Comunhão e rezamos fervorosamente pelo senhor… No momento, estamos todos dispersos, como no trecho das Escrituras: ‘Fere o pastor e serão dispersas as ovelhas’… Nós perseveraremos até o final em nome de Deus, e com o Coração de Jesus, e imploramos vossas orações e vossa santa benção. 25

O incitamento à renúncia do sacerdócio tomava formas dissimuladas: “Os antigos servidores do culto (sem distinção de religião) que rompessem com a religião e com as organizações religiosas, renunciando por isso mesmo ao seu estado, com a condição de que o fizessem em público no lugar de seu serviço ou pelo jornal do lugar onde exerciam o culto, eram inscritos na Bolsa de Trabalho e registrado na qualidade de desempregados26.”

O acusador tinha o cuidado de privar os católicos da glória do martírio, negando-lhes a condenação por religião, pretextando em vez disso [a participação em] uma organização terrorista ligada a país estrangeiro. As vítimas provêm de todos os meios sociais, sobretudo do clero de origem alemã, polonesa e das terciárias regulares dominicanas, mas também de russos de origem que haviam abraçado o catolicismo de rito oriental. Os leigos representavam o maior número. Os prisioneiros eram enviados aos charcos de Pinega, ao Ural do Norte ou do Sul, às estepes do Cazaquistão, às terras insalubres da embocadura do Ob (Obdorsk, atualmente Salekhard), ou ao deserto, infernal no verão, gelado no inverno, da Ásia Central, aos campos de prisioneiros dispersos no Arquipélago do Gulag: dezenas de milhares, reputados como elementos socialmente incômodos, foram assim mortos no esquecimento.

No final dos anos 1930, retornam os assassinatos de padres e leigos. A invasão da Rússia pelas tropas alemães acarretará a ordem de extermínio nos campos de prisioneiros. As mesmas armas de antes são utilizadas: exílio, trabalhos forçados, detenções em regime severo… As religiosas que já haviam sido condenadas tornam a sê-lo. As mais longevas são três religiosas que viveram nas cadeias comunistas por mais de trinta anos27. A grande maioria dos 20 ou 30 mil católicos da região de Vladivostok pereceram durante a coletivização dos anos 1930.

 

2.5. A extensão territorial de 1941

No início de 1941, os territórios anexados contavam, por um lado, com mais de seis milhões de católicos romanos (com 12 dioceses, 1.740 igrejas e 2.300 padres), e por outro, com 3,5 ou 4 milhões de greco-católicos (sendo 2.000 sacerdotes). Em todas as dioceses dos países anexados em 1939-1940, o clero foi detido, os bens eclesiásticos confiscados, as escolas, mosteiros e seminários proibidos, a religião suprimida da educação, e toda publicação religiosa interdita. A guerra obrigará a alguns recuos temporários da parte da URSS, para obter em troca algumas concessões do Ocidente.

 

2.6. O pós-guerra e a guerra fria28

Com a anexação dos Países Bálticos, da Galícia, da Bessarábia e da Transcarpátia, mais de 12 milhões de fiéis ficaram sob as botas soviéticas. A Igreja era vista como um obstáculo maior à sovietização dos povos recém conquistados. Em 1945-1946, os uniatas foram obrigados a se fundirem [com a Igreja Ortodoxa Russa].

Na Lituânia, após a retirada dos alemães, os cinco bispos se tornaram as primeiras vítimas29. Em 1945, de um total de 1470 padres, apenas 741 estavam livres, os demais foram deportados para a Sibéria. 400.000 lituanos, 200.000 letões30 e a mesma quantidade de estonianos foram enviados para a Sibéria, boa parte dos quais era de católicos. Stalin fundou assim uma Cristandade na Sibéria! As prisões voltaram a ocorrer de forma maciça em 1948-1949.

A propaganda recrudesceu após a guerra: a Igreja era acusada de ter se aliado à Alemanha nazista, de ser inimiga dos eslavos, de apoiar o imperialismo, de ser um centro de política reacionária, um bastião do obscurantismo, vil inimiga do comunismo e de estar "à serviço de Wall Street”. No leste europeu, o modelo de perseguição de antes de 1940 foi retomado, sendo adaptado às circunstâncias. Grandes figuras erguiam alto o estandarte católico: os cardeais Wyszinski, August Hlond e Adam Stefan Sapieha,

Na Polônia, o Cardeal Wyszinski aceitou iniciar negociações sobre a nacionalização dos bens para reduzir as pressões. Em junho de 1950, no entanto, acusaram-no de ter violado o acordo de abril de 1950, e os padres foram presos. Em 1953, o governo pretendeu impor a aprovação estatal a todas as decisões eclesiásticas. A tensão só aumentava.

Na Hungria, em 1950, o primaz Dom Joszeph Gröz negociou a submissão durante o encarceramento do Cardeal Mindszenty. Foi tudo em vão, pois as prisões continuaram; ele foi detido em 1951 e condenado a treze anos de prisão. A perseguição se generalizou, com prisões e confiscos. O Pe. Beran, figura anti-nazista de Praga, cabeça da Igreja Católica na Tchecoslováquia, será preso em 1948.

Na Iugoslávia, em 1945, uma onda de perseguições atingiu os padres e bispos. Dom Stepinac foi condenado a dezesseis anos de prisão. O clero em peso foi condenado à prisão ou à morte.

Com o início da ‘desestalinização’, concederam-se alguns alívios: por exemplo, as liberações de 1954-1955. Mais tarde, em 1958, o governo comunista lançou uma campanha violenta contra a religião para erradicá-la de uma vez por todas, e assim foi até 1964. Todas as comunidades tiveram de ser fichadas, os bispos foram banidos, impedidos de cumprir suas obrigações. As prisões acentuaram-se em 1961. Impuseram-se quotas para fixar o número de seminaristas. Por que esse retorno ao passado? Porque a ‘desestalinização’ favoreceu o anti-comunismo que buscavam erradicar.

Concluiremos esta parte com alguns exemplos mais recentes tomados da Lituânia.

 

2.7. Os católicos lituanos

A Lituânia era um dos países mais católicos da URSS. Enquanto a população era submetida às mesmas perseguições que ocorriam por toda a parte na União Soviética, os católicos se organizaram de maneira clandestina e foram muito ativos. O seu número, a sua unidade e, sobretudo, a sua determinação, permitiu-lhes exercer pressão sobre o governo. O clero e os fiéis não hesitaram em fazer um apostolado ativo e a intervir perante as autoridades, sem temor de represálias. Exerceram uma atividade a um tempo pública e clandestina. Todas as congregações religiosas foram obrigadas à total clandestinidade, assim como os jovens que se preparavam ao sacerdócio. Mas, muitas vezes, os padres viam-se obrigados a exercer um ministério clandestino para completar o seu restrito ministério público. Assim, secretamente, preparavam as crianças para a primeira Comunhão e para o sacramento da Confirmação, visitavam os doentes nos hospitais, pois os padres não tinham o direito de ir até lá… Quando a resistência clandestina é bem organizada, é difícil de ser percebida. Eles chegaram ao ponto de lançar clandestinamente um jornal católico, a “LKB Kronika” (Crônica da Igreja Católica na Lituânia).

Nijolé Sadunaité, uma lituana, foi condenada em 1975 a três anos de trabalhos forçados num campo da Mordóvia, e a três anos de exílio na Sibéria. Ela já estava então há um ano sob a mira da KGB por ter encontrado um advogado para defender o Pe. Antanas Seskevicius, acusado de ter ensinado catecismo a crianças. Um dia, no entanto, denunciada pela vizinha, foi surpreendida pela milícia tcheco-soviética enquanto fazia cópias de um número da “LKB Kronika”, e foi presa. Enquanto sua casa era revistada, Nijolé rezava o terço com uma amiga que lhe visitara. Sua serenidade deixou a polícia pouco a vontade. Seu processo lhe ofereceu uma tribuna para denunciar o sistema de opressão soviética no tocante à religião: ela assinalou, entre outras coisas, a interdição de os moribundos nos hospitais serem assistidos por um padre, mesmo quando pediam, recordou a campanha de difamação lançada contra a Igreja, o Papa, os bispos, os padres e os fiéis. Aos que debochavam da religião, dizia que não se debocha do que não se conhece.

Eis alguns trechos do seu “diário”:

“A tranquilidade da minha consciência importa mais que a liberdade, mais que a própria vida.

“Continuem a promulgar tantas leis quanto quiserem; mas, guardai-as para os senhores mesmos. É preciso distinguir entre o que foi escrito pelo homem, e o que foi pedido por Deus. O tributo a César só pode ser a sobra do tributo devido a Deus.

“A KGB dispõe de todos os meios para quebrar […] suas vítimas […] mas não sabem que a pessoa mais débil, depois de se apoiar em Cristo, torna-se indomável.

“Sofrer por Cristo é o sinal certo de uma predileção especial.”

O Pe. Antanas Seskevicius, condenado muitas vezes por ter ensinado o catecismo às crianças, exortava nos sermões que os fiéis respondessem com caridade e oração às injustiças e ao ódio. Já Nijolé Sadunaité disse: “Eu compreendi que os sofrimentos da prisão, aceitos em favor deles [os soviéticos], terminaria por tocar os seus corações e consciências. Ah, se houvesse mais gente pronta para subir o Gólgota e a morrer por eles!”

 

3. As forças da Resistência católica

 

3.1. A unidade da Igreja

A Igreja ortodoxa é uma igreja nacional, portanto ligada ao governo. Ainda que, oficialmente, a separação entre a Igreja e o Estado tenha sido decretada em 1918, o Estado controlava os ortodoxos afastando os líderes incômodos e trocando-os por gente maleável, submissa ao poder.

Isso não era possível com a Igreja Católica, pois os católicos, ao contrário, submetiam-se ao Papa e a Roma. Como a autoridade estava fora do país, ela não podia ser manipulada pelo governo. O Estado não tinha nenhuma ingerência sobre ela. Fora a repressão, nada poderia lesar os católicos. Mesmo se eles fossem afastados da sua autoridade, o Estado não poderia influenciá-los desde dentro, por causa da fidelidade à hierarquia católica. O Estado deveria, então, contentar-se com uma vigilância externa, em que muito lhe escapava.

 

3.2. O papel da família católica

A família é a célula de base da sociedade, é por ela que se pode transmitir a Fé. Os padres por si sós tinham um campo de ação restrito por serem monitorados. Assim, as famílias católicas constituíram-se em “pequenas igrejas domésticas”, pequenas ilhotas de cristandade no meio de um oceano de ateísmo.

O Estado era capaz de controlar as atividades visíveis dos católicos, mas não conseguia controlar cada família, apesar da veemência com que se dispunha ao combate: “Os fatos mostram que a família é o principal reduto para a preservação do espírito religioso. Não podemos admitir que gente cega e estúpida eduque seus filhos à sua própria imagem e os deformem.” (Illitchev)

Enfim, sentimos muito orgulho de causar tão grande embaraço a quem dispõe de tantos recursos. Mas a força bruta nada pode quando Deus vela por seus filhos. Como tão bem reconhecem os nossos inimigos, é pela família que a Fé se transmite. Os filhos, vendo os pais rezarem e defenderem a  Fé, seguem o  exemplo. E são os pais os mais capacitados para ensinar o catecismo aos  filhos. A família é o meio de transmissão por excelência. Os comunistas que querem se imiscuir na família para construir a sociedade soviética sabem o que fazem. E para esse fim — como cheios de ódio reconhecem  — a família cristã é um obstáculo.

Um dos personagens mais importantes da família é a “babuska”, a avó, que vive na família e toma conta dos filhos enquanto os pais estão fora. Ela exerce, portanto, uma influência muito grande sobre os filhos, que lhe pedem para contar as histórias da Bíblia, a vida de Nosso Senhor, e também cantar os cânticos tradicionais. Muitas vezes, os filhos recordarão o que lhes ensinava a “babuska” muito depois dela já ter partido.

 

3.3 A oração e o apostolado pelo exemplo

Num país onde a “propaganda religiosa” foi proibida, pareceria que todo projeto de apostolado seria impensável. Dado que os católicos deviam viver na semi-clandestinidade, não havia movimentos ou organizações apostólicas. Poderíamos, portanto, pensar que a missão da Igreja estava como que hibernando, aguardando por dias melhores. Não deveria contentar-se em  assegurar a sobrevivência dos católicos existentes? Mas uma Igreja não missionária ainda seria católica, ou seja, destinada a se difundir universalmente? Por essa razão, e a despeito das perseguições e das ameaças que sempre pesavam sobre os seus membros, os católicos continuavam a trabalhar pela difusão da Igreja,resultando por vezes num renascimento espiritual do país. Apesar de toda a propaganda, são cada vez mais numerosos os que buscam um sentido para sua vida num mundo onde todas as referências foram suprimidas, e que se voltam para Deus a fim de completar o seu vazio. Surgem até mesmo vocações: ordenam-se padres nos campos de prisioneiros. Qual é a explicação desse desenvolvimento em condições tão desfavoráveis?

Em primeiro lugar, a oração; não apenas a assistência aos ofícios religiosos, quando havia um lugar de culto próximo, mas também o rosário recitado em família. A oração em família é um exemplo para as crianças, que não hesitavam até mesmo em rezar discretamente na escola. Um dia uma professora arrancou o terço das mãos de uma aluna e, arrebentando-o, jogou na lata de lixo. A menina respondeu com altivez: “Tenho dez dedos na mão para substituir as contas do terço, e continuarei a rezar o terço entre as aulas, no meu quarto ou mesmo em viagem…” Crianças pequeninas começavam a rezar e não tinham medo de fazê-lo porque viam os seus pais rezando, e achavam tudo natural. A oração é a arma do combate espiritual, sobretudo no cárcere, onde as condições eram desumanas, e o desespero assaltava as almas. Quantas vezes os católicos, rezando abertamente nas celas, obtiveram a conversão de outros prisioneiros, quando não dos próprios guardas, tocados por esses crentes supostamente perigosos para a segurança do Estado, que os perdoavam e rezavam por eles!

Os “Amigos da Eucaristia” foi uma forma inteiramente clandestina de apostolado de oração, desenvolvido em 1969. Os membros se reuniam em discretas comunidades de oração, mas era sobretudo pelo vínculo interior da oração eucarística e mariana que os membros se “reencontravam” em comunhão. O seu compromisso consistia em meia-hora de adoração eucarística.

A segunda forma de apostolado que jamais poderá ser tirada de um católico é o exemplo. Os católicos eram admirados até mesmo pelos seus inimigos, por causa da vida exemplar que levavam. No seio de uma sociedade completamente decadente, minada pelo alcoolismo, violência, insegurança e toda forma de vício, só os católicos levavam uma vida virtuosa. A cada dia precisavam professar a sua fé em palavras mas sobretudo em atos, para não viverem uma vida hipócrita, ocultando a fé: eles se recusavam a participar das organizações para a juventude, e a ir às conferências, ao passo que iam aos ofícios religiosos… A experiência mostra que a união de católicos intrépidos obrigou muitas vezes as autoridades locais a moderar a sua repressão. Por suas réplicas de bom senso e sua atitude irrepreensível, mas sempre respeitosa com as autoridades, embora manifestassem reprovação, levavam muitas vezes os seus interlocutores a refletirem. Eis o exemplo de um pai de família discutindo com um professor que lhe explicava o mal que a religião fazia às crianças ao lhes impedir o acesso aos estudos superiores: “Não é verdade, a religião não é nociva, respondeu o pai. Agora que a religião é calcada aos pés, as crianças não mais respeitam os professores, fumam, xingam, embriagam-se e vivem uma vida licenciosa. Aí estão os frutos do ateísmo!” 

*

Esta síntese sobre a história dos católicos em face do flagelo comunista confirma a triste realidade das palavras do Papa Pio XI acerca da peste negra:

 

“Lá onde o comunismo pôde se afirmar e dominar (…) ele se esforçou por todos os meios para destruir (e o proclama abertamente) a civilização e a religião cristãs até os seus fundamentos, para apagar toda lembrança dela do coração dos homens, especialmente da juventude. Os bispos e os padres foram banidos, condenados a trabalhos forçados, fuzilados e assassinados de modo desumano; os simples leigos, porque defenderam a religião, tornaram-se suspeitos, foram maltratados, perseguidos e arrastados à prisão e levados aos tribunais.”

“A graça de Deus foi abundante na alma desses discípulos de Cristo, acuados pelos inimigos de Deus. A refinada técnica de que o comunismo se valeu nesse terrível confronto o transformou num dos maiores perigos do século XX: “Dentro da zona de influência bolchevique-comunista, o uso refinadíssimo dos meios técnicos e legais de que o poder arbitrário do governo dispunha, quando desejava destruir a Igreja, deu azo a que as perseguições que ela ali sofreu fossem as piores que já se conheceram. 31

Em complemento à análise desses erros, a atitude constante dos poderes comunistas é a confirmação do antagonismo irredutível entre o catolicismo e o comunismo! Sim, “o comunismo é materialista e anticristão: ainda que os chefes comunistas às vezes declarem por palavras que não atacam a religião, eles se mostram, de fato, seja pela doutrina, seja pelos atos, hostis a Deus, à verdadeira religião, e à Igreja de Cristo32”. A Igreja de Cristo não pode capitular jamais: ela “não pensa em abandonar sem luta o terreno ao inimigo declarado, o comunismo ateu. Esse combate se travará até o fim, mas com as armas do Cristo! 33”, nos preveniu Pio XII.

(Témoins du Christ, à travers les persécutions du XXe siècle, Éditions du MJCF, Gentilly, 2017, pp. 52-76.)

  1. 1. Militante feminista soviética (1872-1952).
  2. 2. Peter Babris, Silent churches, Persecutions of religions in the soviet dominated areas, Research publisher, Illinois, 1978, p. 164.
  3. 3. Sobre esse tema, o leitor poderá consultar os escritos de Soljenítsin (Arquipélago Gulag e outros) ou o Livro Negro do Comunismo.
  4. 4. Peter Babris, op. ct., p. 162-163.
  5. 5. Ibidem., p. 164.
  6. 6. Documentos pontificais de Sua Santidade Pio XII, 1950, Éditions de l’oeuvre Saint-Augustin, p. 622-23. Em 1950, as estimativas eram as seguintes:

    • Na URSS, todos os bispos (8) e todos os padres (300) foram assassinados, deportados ou exilados.
    • Na Sibéria, não havia mais bispos nem padres que pudessem exercer livremente o seu ministério em todo o território. Ademais, encontram-se centenas de milhares de católicos bálticos, poloneses, alemães, ucranianos etc, deportados ou prisioneiros.
    • Na Ucrânia, todos os bispos (8) foram deportados e três deles já haviam morrido na prisão. Estima-se que mais de 35.000 padres foram executados ou enviados para a Sibéria.
    • Na Lituânia, seis bispos foram presos ou exilados, 400 a 500 padres foram caçados. De uma população de 1.750.000 católicos, metade foi enviada para a Sibéria por motivações religiosas.
    • Na Letônia, os dois bispos foram exilados e, de 120 padres, 33 foram deportados. Ainda restam entre 300 e 400 mil católicos.
    • Na Estônia, o único bispo foi preso e 50 padres foram executados ou deportados. Há cerca de 10.000 católicos.
    • Na Polônia, de um total de 24 milhões de habitantes, 75% eram católicos. Mais de 1.000 padres foram executados ou encarcerados.
    • Na Alemanha havia na zona oriental três bispos e dois ou três administradores apostólicos, cerca de 400 padres e mais de dois milhões de católicos.
    • Na Tchecoslováquia, de 14.726.000 habitantes, 70% eram católicos. Todos os bispos (12) eram monitorados e, de um total de 7.000 padres, mais de 1.500 estavam presos.
    • Na Hungria havia seis milhões de católicos numa população de nove milhões. Desde a entrada das forças soviéticas, um bispo foi assassinado; o cardeal Mindzsenty foi preso, e mais de 500 padres foram mortos ou exilados.
    • Na Bulgária não havia mais que 6.000 católicos. A maior parte dos padres — uns 30 — ainda estão livres, mas não podem mais exercer o seu apostolado.
    • A Romênia conta com mais de 3 milhões de católicos numa população de 18 milhões. Doze bispos estão presos, um único ainda estava em liberdade. Todos os padres, em número de 1.500, foram executados ou estavam encarcerados.
    • A Iugoslávia era uma país com uma população de 16 milhões de habitantes e 5 milhões de católicos; dois bispos foram assassinados, três haviam sido encarcerados ou exilados. Mais de 250 padres foram assassinados e 400 estavam presos ou exilados.

    Na Albania havia mais de 100.000 católicos numa população de 10 milhões de habitantes. Dois bispos haviam sido fuzilados e os demais estavam encarcerados. Praticamente não existiam mais padres, enquanto outrora eram mais de cem.

  7. 7. J. Dunn Ashgate, The Catholic Church and Russia, Dennis Texas University, 2004, p. 73.
  8. 8. Pedro, o Grande, permitira a seu conselheiro militar, o Gal. Patrick Gordon (1635-1699) católico fervoroso, construir para si e sua família a primeira igreja católica de Moscou, dedicada a São Pedro e São Paulo. Depois dele, em 1789, Catarina II autorizou a comunidade francesa de Moscou a construir sua própria Igreja (São Luís dos Franceses). Um apelo foi feito pela Nova Rússia aos camponeses vindos da Alsácia para que fincassem raízes nas bordas do Volga e do Mar Negro.
  9. 9. Citado em R. Morozzo Della Rocca, Le nazioni non muoiono, op. cit., p. 116.
  10. 10. Nova Política Econômica: política econômica instituída pela Rússia bolchevique de 1921 a 1925, introduzindo uma relativa liberalização econômica.
  11. 11. Ele foi condenado no dia 21 de março de 1922 “não apenas pelo que fez, mas também por aquilo que poderia fazer” (!), Silent Churches, p. 166.
  12. 12. A. Judin, Le sorti del cattolicesimo russo, cit, p. 91.
  13. 13. Dom Miguel D’Herbigny, a pedido de Pio XI.
  14. 14. Antoine Wenger, Catholiques en Russie d’après les archives du KGB, 1920-1960; Desclée de Brouwer, 1998.
  15. 15. Dennis J. Dunn Ashgate, op. cit., p. 82.
  16. 16. Antoine Wenger, op. cit., p. 39.
  17. 17. Ibidem, p. 43.
  18. 18. Carta do Pe. Neveu, 14 de setembro de 1931, citado por Antoine Wenger, op. cit., p. 57.
  19. 19. Descrito por Soljenitsin, O Arquipélago Gulag, t. 2, c. 2. “As ilhas Solovki são o reino dos desgraçados. Acima dos ásperos muros da catedral, sobre o revestimento fresco, fora desenhada a silhueta gigantesca de uma cidade contemporânea, com chaminés que fumegam, guindastes e aviões que sobrevoam, dominada por uma grande estrela vermelha de cinco pontas. Na cidade, foi pintado meticulosamente com tinta vermelha o slogan: ‘Viva o trabalho livre e alegre’” (testemunho de Olga Jafa, deportada, citada em J. Brodskij, Solovki, Le isole del martirio. Da monastero a primo lager sovietico, Milan 1998, p. 22). Em 1920, o mosteiro que havia ali foi transformado num campo de concentração para os prisioneiros da guerra civil. Em 1923, tornou-se um “campo de destinação especial”. De 1920 a 1939, acolheu mais de um milhão de prisioneiros. Os bolcheviques desejam transformar um dos santuários do “obscurantismo" num lugar de reeducação: “Durante cinco séculos, os Solovki obscureceram o espírito do povo. Hoje, ergue-se aqui um campo de concentração onde são reeducados os cidadãos que cometeram crimes… O eco dos sinos das ilhas Solovki foi extinto. Uma nova vida despertou”, citado em Brodskij, op. cit. p. 132.
  20. 20. I. Osipova, Se il mondo vi odia… Martiri per la fede nel regime sovietico, Milano, 1997, p. 100.
  21. 21. Antoine Wenger, op. cit., p. 102.
  22. 22. Modo pejorativo de se referir na Rússia aos fazendeiros, possuidores de terras, rebanho e ferramentas, que assalariavam camponeses para o trabalho.
  23. 23. Cf. o historiador Milchakov em Vetrchernaïa Moskva, 26 de fevereiro de 1991.
  24. 24. Antoine Wenger, op. cit., p. 156-157.
  25. 25. I. Osipova, op. cit., p. 137.
  26. 26. Cf. Texto secreto do Comitê Central (30 de agosto de 1930), citado por Antoine Wenger, op. cit., p. 163.
  27. 27. Irmã Filomena Eismont (1924-1955), Irmã Antonina (Kouznetsova) (1924-1956), Irmão Margarida (Raïssa Ivanovna Krylevskaïa) (1924-1955).
  28. 28. Dennis J. Dunn Ashgate, op. cit., p. 136-156.
  29. 29. Um deles foi preso e morreu em outubro de 1946 em condições não esclarecidas (Dom Borisevicius); três foram presos e condenados a trabalhos forçados na Sibéria, no final de 1946; o outro morreu no cárcere, perto de Moscou (Dom Reinys, novembro de 1953).
  30. 30. No final de 1945, a Letônia não tinha mais que dois padres e três igrejas (eram 1.671 antes da chegada dos soviéticos).
  31. 31. Pio XII, Carta ao episcopado alemão, 15 de fevereiro de 1954.
  32. 32. Pio XII, Decreto do Santo Ofício sobre o comunismo, 1o. de julho de 1949.
  33. 33. Pio XII, Discurso aos participantes do II Congresso Mundial para o apostolado dos leigos. 5 de outubro de 1957.

Os mártires de Espanha

“Santa Espanha, na extremidade da Europa concentração de Fé,

quadrado e massa dura, e da Virgem Mãe trincheira,

Última parada de Santiago, que só onde a terra acaba se refreia,

Pátria de Domingo e de João, de Francisco o Conquistador e de Teresa,

Arsenal de Salamanca, pilar de Zaragoza, raiz ardente de Manresa,

Inquebrantável Espanha, recusa perpétua do meio-termo…”1

 

 

Quem mais do que a Espanha, com efeito, deu à cristandade filhos corajosos e filhas ardorosas? Quem como Espanha resistiu a sete séculos de pressões do islã? Quem dobrou o espaço geográfico da civilização e da cristandade pela descoberta do Novo Mundo?

Em 1930, a Espanha contabilizava 20.000 monges, 60.000 religiosas, 31.000 padres para vinte e três milhões de habitantes. As escolas católicas escolarizavam 600.000 crianças. As instituições científicas católicas financiavam vastos setores da ciência espanhola, notadamente em história, matemática e astronomia. Era impossível falar de cultura na Catalunha sem citar as organizações intelectuais dos jesuítas, capuchinhos e beneditinos de Montserrat. Fiel à sua história, a Espanha entregou à cristandade muitos mártires e exemplos de heroísmo durante a guerra civil de 1936 e os eventos que a precederam. Eis os fatos.

 

1. O desencadeamento da Guerra Espanhola.

Após um atentado em Paris contra o Rei de Espanha Alfonso XIII, um alto dignatário maçom lhe propôs a posse tranquila de seu trono caso se afiliasse à seita. “Antes de ser rei, sou católico”, respondeu indignado o monarca. Dois anos mais tarde, em 30 de maio de 1919, acompanhado de seus homens de governo, consagrou a nação espanhola ao Sagrado Coração de Jesus, em ação de graças por ter sido preservada da Primeira Guerra Mundial, de 1914-1918. Assim ele assinou o seu ato de condenação2.

Nas eleições municipais de 1931, elegeram-se 21.150 vereadores monarquistas contra 5.875 republicanos, mas 41 das 50 capitais de província votaram a favor dos republicanos. O rei, não querendo uma guerra civil, partiu em exílio como se a Espanha rural, largamente majoritária, não contasse. No dia 14 de abril, a república foi proclamada e reconhecida pelos governos maçônicos do mundo inteiro.

Desde o início do novo regime, o Comitê Revolucionário se tornou o governo provisório. Ele compreendia republicanos conservadores, liberais, socialistas, nacionalistas-regionalistas, e se beneficiava do apoio tácito dos partidos mais à esquerda. A hierarquia da Igreja aconselhava obediência às novas instituições, uma vez que o governo prometera uma “Igreja livre num Estado livre”, no entanto ela via com desconfiança a chegada ao poder de políticos que eram, em sua maioria, maçons e anticlericais.

O cardeal Segura, arcebispo de Toledo e primaz de Espanha, lançou um grito de alerta numa carta pastoral:

“Se nos mantivermos tranqüilos e negligentes, se permitirmos que a apatia e a timidez tome conta de nós, se deixarmos as portas abertas àqueles que procuram destruir nossa religião, ou se esperarmos que o triunfo de nossas convicções seja assegurado pela benevolência do inimigo, então não teremos mais direito de lamentar quando a amarga realidade nos fizer compreender claramente que a vitória esteve ao alcance de nossas mãos, mas que não soubemos combater como guerreiros intrépidos preparados para morrer gloriosamente3.”

Os acontecimentos lhe deram razão!

No dia 9 de dezembro de 1931, por atos oficiais do governo, teve início uma verdadeira perseguição religiosa. A nova constituição proclamou a separação entre a Igreja e o Estado, a autonomia regional para a Catalunha e o País Basco, a introdução do matrimônio civil. Muitas leis e decretos entraram em vigor por mera aplicação da Constituição; a Companhia de Jesus foi dissolvida e seus bens foram confiscados. As instituições religiosa não poderiam mais exercer nem o comércio, nem a indústria, nem a agricultura, nem o ensino. Igrejas, capelas, imóveis e mobiliário foram nacionalizados4. “O local ou os locais até o presente consagrados ao culto serão convertidos em armazéns coletivos, mercados públicos, bibliotecas populares, casas de banho ou de higiene pública etc. conforme as necessidades de cada cidade”,  enunciava a liga atéia no programa de um dos comitês provinciais.

De 1931 a 1933 multiplicam-se os atentados contra as pessoas (300 mortos e 2000 feridos em um ano), enquanto ocorriam greves, incêndios de igrejas e de conventos, e perseguição religiosa. O povo espanhol reagiu a essa apostasia das leis republicanas nas eleições de dezembro de 1933, que marcaram a derrota completa dos revolucionários e o triunfo dos católicos que Gil Robles havia reunido numa poderosa federação (CEDA).

Mas a política de moderação, de liberalismo e de reformas sociais do novo governo permitiu que as “esquerdas" fragmentadas se reagrupassem e se armassem: o governo perseguiu e aprisionou os anarquistas, mas deixou livre os comunistas e socialistas que, após um breve período de censura, reabriram seus centros de propaganda em maio de 1935 para começar a reconquistar o terreno e preparar o retorno ao poder. Lançando mão de métodos comunistas, Largo Caballero, o “Lenin espanhol” conseguiu, com efeito, reunir todas as forças da Revolução, que totalizavam mais de um milhão de homens em setembro de 1934. No final do ano, um cargueiro soviético desembarcou nas Astúrias trazendo 70 caixas com armas e munições. Em outubro de 1934, Madri, Oviedo, Barcelona se rebelaram ao mesmo tempo. No País Basco e na Catalunha o movimento assumiu feições separatistas. Durante dez dias, os rebeldes produziram violências inacreditáveis: incêndios, pilhagens, assassinatos (2.000 a 3.000 mortes ao todo).

Nas eleições de 16 de fevereiro de 1936, os partidos da ordem obtiveram no total do país 200.000 votos a mais do que a Frente Popular (coligação de republicanos, socialistas, comunistas e sindicalistas). Essa última, devido ao recorte bizarro de circunscrições e às fraudes nos boletins de votos, verificadas em muitos lugares, conseguiu eleger alguns candidatos a mais. Desse modo, as Cortes puderam ser formadas com maioria da Frente Popular, cujo primeiro gesto foi a abrir as prisões. Condenados de direito comum eram liberados e armados enquanto a guarda civil e o exército eram desestruturados por meio da destituição dos chefes. No campo, trabalhava-se ativamente para manter e aumentar a miséria dos pequenos negócios de que a classe média vivia, a fim de estimular a miséria e o ódio que fornecem à propaganda revolucionária um terreno promissor.

Desencadeou-se uma campanha de perseguição religiosa que superou as anteriores em amplitude e crueldade. De fevereiro a julho de 1936, 411 igrejas foram destruídas ou profanadas e cerca de 3.000 atentados de natureza política e social foram cometidos.

Em 18 de julho de 1936, o levante do general Franco marcou o início da contrarrevolução e da guerra civil espanhola, que deixaria 600.000 mortos e cujas operações militares durariam 32 meses. Após a queda de Barcelona, as tropas franquistas vitoriosas expeliram as forças republicanas para a França e entraram em Madri em fevereiro de 1939.

 

1.1 A Espanha vermelha

O primeiro disparo da guerra civil ocorreu no dia 13 de julho de 1936, por volta das 4 da manhã, quando as forças marxistas de Madri assassinaram o deputado monarquista Calvo Sotelo. Dois dias antes ele havia pronunciado nas Cortes uma acusação tão esmagadora contra a Revolução e seus males que a deputada comunista Dolores Ibaruri não se conteve e gritou: “Esse homem falou pela última vez.” O assassinato de Calvo Sotelo, executado pelos revolucionários e decidido pela maçonaria, é um exemplo do que seguirá. O Pe. Turquet, que Léon de Poncins definiu como “provavelmente o maior conhecedor espanhol de questões maçônicas” revelara que uma condenação fora levada a Madri por Augusto Barcia, “grão-mestre do supremo conselho maçônico” e ministro dos assuntos estrangeiros da Frente Popular.

A revista secreta da maçonaria, Chaîne de l’Union, declarou que o objetivo perseguido na Espanha, após a supressão da monarquia que entravava o caminho dos maçons, “era de fazer desaparecer para sempre o pernicioso poder clerical romano” 5. A perseguição religiosa foi inspirada pela maçonaria que, por ódio à religião, preparava os caminhos para Moscou.

 

1.2. Infiltração anarquista e marxista na Espanha

Ao longo do segundo terço do século XIX, as idéias comunistas e anarquistas penetraram a Espanha. Por volta de 1870, a Internacional6 contava já com mais de 80.000 afiliados. No final do século, Barcelona havia se tornado uma das capitais mundiais do anarquismo. Nos tempos da monarquia, os revolucionários amavam repetir que não haveria paz nem justiça para os povos até que o último monarca fosse enforcado nas tripas do último monge em praça pública.

Os anarquistas atuavam apenas no domínio dos sindicatos trabalhistas. Eles detestavam a política e não intervinham nas eleições. Apesar dos atentados terroristas que promoviam, eram considerados então como incapazes de causar uma perturbação social das massas. Mas, ao se apoderarem de organizações trabalhistas e ao consolidar sua influência por meio da violência terrorista, botaram as mãos na alavanca que lhes permitiu chegar ao poder. Em 1931, a Espanha abrigava cerca de um milhão de anarquistas ligados à CNT (Confederação Nacional do Trabalho). Esta organização sindical era dominada pela FAI (Federação Anarquista Ibérica) que abrangia cerca de 10.000 membros militantes, verdadeiros profissionais da desordem, que tomaram a iniciativa de incendiar igrejas e conventos, praticar assassinatos, estupros, somados a crueldades totalmente inéditas.

As primeiras infiltrações comunistas na Espanha começaram com o estabelecimento de uma seção ibérica do partido comunista em 1920. A contar dessa data, os comunistas absorveram todas as demais correntes revolucionárias em razão da maior capacidade de organização metódica. Em 1932, infiltraram maciçamente a UGT (União Geral dos Trabalhadores, socialistas nas mãos da maçonaria) e conseguiram fundar a CGTU (Confederação Geral do Trabalho Unitário). A partir dessa data, apesar da superioridade numérica dos anarquistas, são os comunistas que utilizam meios brutalmente autocráticos, que levaram à conquista do território espanhol.

A revolução comunista foi dirigida, organizada e financiada pelo Kominterm7 com somas exorbitantes. A Rússia remeteu para a Espanha setenta e nove agitadores profissionais bem como 70 caixas de armas e munições, enquanto a Comissão Nacional de unificação marxista organizava a formação de milícias revolucionárias em todas as cidades espanholas.

Em 16 de maio de 1936, o representante da URSS se reuniu com os delegados espanhóis da 3a. Internacional na Casa del Pueblo, em Valência. Eles decidiram “incumbir um dos setores de Madri de eliminar as personalidades políticas e militares que poderiam vir a desempenhar um papel importante na contrarrevolução.” Para esse fim, estabeleceram “listas negras” nas quais os bispos e os padres figuravam em primeiro lugar. “Durante esse tempo, desde Madri até as aldeias mais remotas, as milícias revolucionárias recebiam instruções militares e eram copiosamente armadas, ao ponto de contar com 150.000 soldados de assalto e 100.000 soldados de resistência8 no início da guerra.”

“O núcleo dessa brigada (as Brigadas Internacionais que vieram em ajuda dos republicanos contavam com 60.000 homens) se constituía de quinhentos ou seiscentos enviados da Rússia", escreveu Krivitsky9. "Em todos países estrangeiros, Reino Unido inclusive, o recrutamento para as brigadas era organizado pelos partidos comunistas locais e suas filiais. Entre eles havia informantes para caçar espiões, eliminar homens cuja opinião política não fosse estritamente ortodoxa, vigiar as leituras e conversas. Com efeito, todos os comissários políticos das Brigadas internacionais e, mais tarde, da maior parte do exército republicano, eram comunistas a toda prova. 10

Sem dúvida, muitos dos atos condenáveis foram responsabilidade de grupos que agiam por conta própria no meio da impunidade geral. No entanto, muitos outros atos foram fruto do planejamento das organizações comunistas, socialistas e anarquistas, que possuíam sua polícia, seus tribunais e suas prisões, e puseram em prática os métodos mais avançados, inspirados pelos agentes de segurança soviéticos11. Notadamente, desde o motim, em toda a zona governamental, multiplicam-se as “Tchekas”. Em Madri, era possível enumerar mais de 200, logo suplantadas pelo SIM (Servicio de Información Militar), cujos procedimentos se assemelham aos do GPU12 e do NKVD13. A tortura era aí organizada conforme os princípios médico-científicos. As sevícias seguiam uma gradação ardilosa: privação do sono, confinamento em prisões tão diminutas que a vítima não podia ficar de pé nem sentada, leito inclinado de forma que o prisioneiro caia imediatamente ao dormir14.

A Rússia se imiscuiu nas forças governamentais, penetrou no seu comando e, mesmo conservando o governo da Frente Popular, trabalhou para a instauração do regime comunista por meio da derrubada da ordem estabelecida. "A obra destruidora se realizou aos gritos de ‘Viva a Rússia’, à sombra da bandeira da internacional comunista15.”

 

1.3 As razões religiosas da oposição

Evocamos acima as razões dessa oposição entre o comunismo e a Igreja Católica. Esse conflito pertence a esse quadro. “A guerra espanhola se reduz ao choque entre o espiritualismo, cujo campeão mais firme era a religião, e o materialismo, cujo defensor mais enérgico era o comunismo ateu.” 16

Os dirigentes revolucionários não se escondem. Em Moscou se realizou o congresso dos ateus, do qual participam 1.600 delegados pertencentes a 46 nações. Seu fim era recolher informações sobre os progressos realizados entre as nações no que se refere à destruição da crença em Deus. Jesús Hernández, ministro do governo espanhol de Largo Caballero, enviou a esse congresso o seguinte telegrama: “Vossa luta contra a religião é também a nossa luta. É nosso dever fazer da Espanha uma terra de ateus militantes. A luta será difícil, pois neste país as massas reacionárias são numerosas e se recusam absolutamente a aceitar a cultura soviética. Nós transformaremos todas as escolas da Espanha em escolas comunistas.”

Largo Caballero, líder comunista, bradava: “Não deixaremos pedra sobre pedra nesta Espanha. Temos de refazê-la nossa.” Este é bem o slogan satânico da revolução: destruir tudo, voltar à estaca zero para reconstruir o mundo ex nihilo. Ainda mais claro é este discurso da deputada Margarita Nelken: “Nós queremos uma revolução, mas a revolução russa não pode nos servir de modelo, pois temos necessidade de chamas gigantescas que possam ser vistas por todo o planeta, e vagas de sangue que tornem o oceano vermelho.” Mesmo o quotidiano de Barcelona “Solidaridad Obrera” escrevia em 26 de julho de 1936: “Não há muitas igrejas e conventos ainda de pé; mas, com muito custo, apenas duzentos padres e monges foram postos fora de circulação. A hidra religiosa não está morta. Convém levar isso em conta e não perder de vista essa realidade em face dos nossos próximos objetivos.” 17

Não eram apenas bravatas. A destruição dos lugares de culto ou ao menos do seu mobiliário foi sistemática e contínua. No curto intervalo de um mês, todas as igrejas tornaram-se inúteis ao culto, enquanto os padres eram mortos sem processo, no mais das vezes à queima-roupa: as igrejas eram incendiadas por serem casa de Deus, e os padres eram sacrificados por serem ministros de Deus.

“Contamos os mártires aos milhares. […]

"O ódio a Jesus Cristo e a Virgem Maria chegou ao cúmulo, e nas centenas de crucifixos apunhalados, nas imagens da Virgem bestialmente profanadas, nos pasquins de Bilbao em que se blasfemava sacrilegamente da Mãe de Deus, na infame literatura das trincheiras vermelhas em que se ridicularizam os divinos mistérios, na reiterada profanação das imagens sagradas, podemos adivinhar o ódio do inferno, encarnado em nossos infelizes comunistas18.”

 

2. A Espanha católica

2.1. O alcance da destruição

É impossível, em toda a Espanha, separar a história da fé católica da história da criação artística. Durante séculos, essas duas histórias se confundiram. Ao desejo de acabar com esses monumentos por conta do seu caráter religioso juntou-se o desejo de sumir com eles por causa de seu aspecto histórico, visto que representavam épocas radiantes e constituíam tipos de civilização que, como tais, o marxismo quer destruir. É impossível fazer o inventário dos monumentos destruídos e das maravilhas artísticas desaparecidas. E não se contentaram em atacar os lugares de culto público. Os oratórios e os objetos religiosos privados, imagens, pinturas, livros, foram sistematicamente destruídos. Jamais talvez na história das perseguições religiosas um caso semelhante tenha acontecido: em poucos meses, uma região católica havia séculos viu desaparecer de seu solo todo símbolo religioso, sem contar a supressão e a dissolução das publicações católicas, das bibliotecas paroquiais, dos centros de cultura instalados nos estabelecimentos católicos, bem como o incêndio e a dispersão de bibliotecas conventuais. Todos os monastérios e todos os conventos foram incendiados, destruídos, fechados ou entregues para outros usos19.

Pio XI descreveu a trágica situação da Espanha sob a dependência do governo republicano na sua encíclica Divini Redemptoris, de 19 de março de 1937:

"Até em países, onde — como sucede na Nossa amadíssima Espanha — não conseguiu ainda a peste e o flagelo comunista produzir todas as calamidades dos seus erros, desencadeou contudo, infelizmente, uma violência furibunda e irrompeu em funestíssimos atentados. Não é esta ou aquela igreja destruída, este ou aquele convento arruinado; mas, onde quer que lhes foi possível, todos os templos, todos os claustros religiosos, e ainda quaisquer vestígios da religião cristã, posto que fossem monumentos insignes de arte e de ciência, tudo foi destruído até os fundamentos! E não se limitou o furor comunista a trucidar bispos e muitos milhares de sacerdotes, religiosos e religiosas, alvejando dum modo particular aqueles e aquelas que se ocupavam dos operários e dos pobres; mas fez um número muito maior de vítimas em leigos de todas as classes, que ainda agora vão sendo imolados em carnificinas coletivas, unicamente por professarem a fé cristã, ou ao menos por serem contrários ao ateísmo comunista. E esta horripilante mortandade é perpetrada com tal ódio e tais requintes de crueldade e selvajaria, que não se julgariam possíveis em nosso século.”

De 1934 a 1939, 20.000 igrejas ou conventos foram pilhados e destruídos em nome da liberdade de consciência. São 13 os bispos assassinados, padres 4.052, religiosos 2.338 e religiosas 270; ou seja, 6.773 consagrados aos quais se deve acrescentar 248 seminaristas e cerca de 80.000 leigos católicos de todas as idades e condições20. Entre esses milhares de padres, religiosos, bispos, monges e outros eclesiásticos, não se sabe de nenhum exemplo de apostasia.

 

2.2. O exemplo dos mártires

- A resistência do Alcazar

No final de 1936, o mundo inteiro seguiu com estupor a resistência do Alcazar de Toledo. Essa fortaleza de guerra foi tomada nos primeiros meses do alzamiento21 por milhares de combatentes insurgidos e um outro milhar de pessoas, que se compunha de velhos, mulheres e crianças. A primeira reação do governo republicano, quando soube que os insurgentes haviam se apoderado do lugar, foi chamar ao telefone o coronel José Moscardó Ituarte, chefe nacionalista da guarnição. O coronel Moscardó, com efeito, havia se abrigado no Alcazar de Toledo no meio de uma tal confusão geral que não pode trazer consigo a mulher e os filhos. Doña Maria se refugiara na casa do Tenente-coronel Tuero, mas foi descoberta em 22 de julho de 1936 pelos republicanos. Doña Maria conseguiu fugir com o pequeno Carmelo, mas seu filho Luís de 17 anos seguia prisioneiro.

No dia seguinte, o chefe dos milicianos de Toledo chamou ao telefone o coronel Moscardó para lhe anunciar que seu filho estava nas suas mãos.

“— Damos dez minutos para você se render — disse — senão, ele será fuzilado.

— O senhor não é nem um soldado nem um cavaleiro. Se fosse, saberia que a honra de um militar não cede diante da ameaça.

— O senhor me responde assim porque não crê na minha ameaça. Fale com seu filho… Aqui Moscardó!

— Alô… papai?

— Como você está, meu filho?

— Nada de particular, papai. Dizem que vão me fuzilar se o senhor não se render. Que devo fazer?

— Você sabe como penso. Se é certo que vão fuzilá-lo, recomende a sua alma a Deus, erga um pensamento a Espanha e outro a Cristo Rei.

— É fácil, papai. Farei as duas coisas… Um beijo forte, papai.

— Adeus, meu filho. Um beijo bem forte.”

O Alcazar resistirá por setenta dias a um ataque formidável, que fez chover sobre a célebre fortaleza 3.300 obuses de 155mm, 3.000 obuses de 105mm, e 3.500 de 75mm. Num único dia, 450 bombas de 50kg foram lançadas de avião. 1.900 homens sitiados passaram dias terríveis sob um trovão de fogo. 82 morreram. Dois bebês nasceram nas ruínas! No dia 28 de setembro de 1936, após a liberação do forte destroçado, a promoção do coronel Moscardó e uma missa de ação de graças, o novo general Moscardó foi embora no meio das aclamações, estava triste e recurvado. Ele se recordava do martírio de Luís, e deu a entender também que lhe custava enormemente entregar a fortaleza à Espanha num tal estado…22

 

— Ceferino Jiménez Malla

Ceferino Jiménez Malla foi fuzilado pelos republicanos espanhóis na noite de 2 de agosto de 1936, com 75 anos de idade, no cemitério de Barbastro, em Aragão, com muitas outras vítimas. Ele foi preso pelos milicianos comunistas no início da guerra civil, acusado de ter escondido um padre e de ter resistido à prisão pelos milicianos. Após três semanas de prisão, Ceferino foi tirado de cela; os milicianos ordenaram que largasse o terço que carregava consigo a fim de rezar. Ele usava o rosário ostensivamente e rezava na frente de todos. Recusou-se com vigor a entregar o terço e foi fuzilado por esse motivo. Diante do pelotão comunista, ele estreitou o terço contra o peito e gritou: “Viva el Cristo Rey!”. Ceferino Jiménez Malla morreu mártir e confessor da fé23.

 

— Sabino Ayastuy, Joaquín Ochoa e Florencio Arnaiz

Sabino Ayastuy, Joaquín Ochoa e Florencio Arnaiz tinham, respectivamente, 24, 26 e 27 anos quando roubaram as suas vidas. Sabino e Florencio tinham pronunciado seus votos definitivos na Sociedade de Maria, em 1934, e Joaquín em 1935, manifestando por escrito nessa ocasião a sua adesão à Nossa Senhora e a firme vontade de servi-la até o fim. Durante a sua prisão, Sabino teve o gesto tocante de dizer “adeus" ao zelador, mesmo sabendo ter sido denunciado por ele, manifestando assim seu desejo de perdoar. Sobre os seus corpos torturados foram encontrados crucifixos, medalhas e mesmo um certificado de batismo, prova do seu desejo de professar a fé até o fim, apesar dos riscos incorridos24.

 

— Os irmãos do orfanato do Sagrado Coração de Jesus, em Madri e os padres Agostinianos de Escorial.

Um irmão sobrevivente do orfanato do Sagrado Coração de Jesus, em Madri, testemunhou: “Os milicianos se obstinaram em nos fazer renegar a fé. Separaram os mais moços para seguirem mais à vontade seu plano sinistro. Cada uma de nossas recusas era seguida de torturas.” O irmão Santiago Angel, F.S.C, prisioneiro também, viu passarem as futuras vítimas que os milicianos conduziam para a execução. “Eles se afastavam, escreveu ele25, pacificados, calmos, fortes. Na sua atitude adivinhava-se a têmpera das suas almas, que se lançavam para a morte sublime que lhes era infringida por serem religiosos.”

Quando o cortejo chegou ao local de execução, o Pe. Avelino Rodriguez, provincial dos Agostinianos, pediu aos milicianos que lhe deixassem se despedir de seus confrades e lhes absolver. Isso foi-lhe concedido. Ele abraçou um a um os seus companheiros de suplício que, de joelhos, receberam a absolvição, em seguida, clamou26: “Sabemos que nos matam por sermos católicos, padres ou religiosos. Nós vos perdoamos de todo coração. Viva Cristo Rei! Viva a Espanha!”

 

— Antonio Molle Lazo27

Antonio Molle Lazo trabalhava na estação de Xérès (antigo nome de Jerez de la Frontera), cidade com uns cem mil habitantes. Sua caridade inesgotável e a distinção de suas maneiras lhe granjearam a simpatia de seus colegas. Os socialistas, contudo, conseguiram do governo a dispensa de todos os que não partilhassem das suas idéias.

Sem se desconcertar, Antonio procurou trabalho em outra parte. Estudou a organização e os métodos dos seus adversários, exprimindo sua dor ao ver os inimigos de Deus demonstrando mais entusiasmo na busca de seu ideal de ódio do que certos católicos na defesa da Religião: “Os socialistas, tão numerosos, e nós, católicos, tão poucos! Que vergonha!” dizia ele. No entanto, redobrando a coragem, instava seus colegas a se confessarem e a comungarem aos domingos.

A todos os que se escusavam alegando, seja a distância, seja as vexações dos adversários, ele respondia: “Não é longe até Xérès… se nos jogarem pedras, que mal pode nos fazer? É preciso sofrer algo por Jesus Cristo, talvez nosso exemplo conduzirá outros até a santa mesa […] e nós teremos esse ganho!” Quando foi pego pelos vermelhos, eles quiseram obrigá-lo a gritar: “Viva o comunismo!”

— Viva Cristo Rei, foi a sua resposta.

Cortaram-lhe uma orelha.

— Blasfeme o nome de Deus.

— Não. Viva Cristo Rei!

Cortaram-lhe a outra orelha.

— Blasfema!

— Jamais!

Cortaram-lhe o nariz.

— Viva Cristo Rei!

Sem conseguir alcançar o seu fim, e não podendo suportar o seu olhar límpido, furaram-lhe os olhos. Cortaram várias vezes a sua língua, mas ele gritava:

“Viva Cristo Rei! Podem me matar, mas Cristo triunfará!”

Estendendo os braços em forma de cruz, ele mesmo deu a ordem de sua execução, gritando: “Viva Cristo Rei”.

 

Conclusão

Há uma corrente de satanismo na história, paralela ao catolicismo e em perpétua luta contra ele.

Esse ódio misterioso é de uma essência diferente e superior a todos os demais ódios que encontramos ao longo da história, que, por ferozes e culpáveis que sejam, movem-se sempre por razões estritamente humanas, tais como a inveja, o orgulho, o rancor, a vingança. Não tem esse caráter permanente, não se relacionam sempre com um mesmo objeto que, por sua vez, jamais lhe deu causa, segundo a palavra mesma de Cristo: “Odiaram-me sem motivo”.

Pelo fato de os demais ódios se relacionarem a algo determinado e preciso, a causas tangíveis cujo peso corresponde ao do efeito, eles não têm esse caráter assustador de um surto de histeria que faz pensar imediatamente, queiram ou não, na possessão demoníaca. Cristo a definiu com estas palavras: “Essa é a vossa hora, e o poder das trevas.” O ódio ao catolicismo tem em si um elemento que ultrapassa a razão e está fora do ponderável, corresponde a uma crise misteriosa cujo campo não é o corpo, mas o espírito28.

Malynski descreve assim a guerra que se desenrolou sobre o solo espanhol, uma luta que ultrapassa largamente as fronteiras desse país. “É uma etapa nova e talvez decisiva da luta entabulada entre a Revolução e a Ordem”, “uma luta internacional em um campo de batalha nacional; o comunismo produziu na península uma batalha formidável da qual dependeu a sorte da Europa”, pode-se escrever de modo muito apropriado. O povo espanhol foi “enfeitiçado por uma doutrina de demônios”, pois “é impossível pretender que entre o clero católico e a alma popular tenha havido divergências ou a menor oposição. A alma popular, consciência imanente da tradição e continuação histórica do passado, certamente não tem nada em comum com a agitação plebéia nem com os sindicatos de terroristas.” Esse ódio à religião e às tradições patrióticas veio da Rússia e enganou o povo espanhol. Para prová-lo, no momento de morrer, condenados pela lei, os comunistas espanhóis em sua maioria se reconciliaram com o Deus de seus pais. Menos de 20% morreram na impenitência final nas regiões do norte e menos de 10% nas regiões do sul29.

Mas essa destruição sistemática de tudo o que constituía o patrimônio religioso e cultural da Espanha fez florescer toda uma falange de mártires.

 

Ah! Muitos se figuram que seus pés marcharão ao céu por um caminho fácil e complacente.

Mas, de repente, eis a questão apresentada, eis a intimação e o martírio!

O céu e o inferno foi posto nas nossas mãos, e temos quarenta segundos para escolher.

Quarenta segundos? É demasiado! Espanha irmã, Espanha santa: tu já escolheste.

Onze bispos, dezesseis mil sacerdotes assassinados e nenhuma apostasia sequer.

[…] A terra concebeu nas suas profundas entranhas, e a Retomada já começou.

[…] E tudo, quando foi derramado, os anjos respeitosamente recolheram e transportaram para o interior do Véu! 30

 

(Témoins du Christ, à travers les persécutions du XXe siècle, tradução: Permanência)

  1. 1. Paul Claudel, extrato do prefácio de La persécution religieuse en Espagne.
  2. 2. Esse fato foi relatado num artigo de La Croix dos anos 1930, citado em Ir. A. Joaquin, Nos Martyres d’Espagne, F.S.C., Ed. Saint-Rémy, 2008, p. 25.
  3. 3. Cardeal Segura, carta pastoral de 31 de maio de 1931; citado por Lucien Thomas, L’Action Française devant l ‘Église, p. 29; Cf. Gustavo Corção, Le siècle de l’enfer, Ed. Sainte Madeleine, 1995, p. 292.
  4. 4. Arnaud Imaz, La guerre d’Espagne revisitée, Economica, 1993, p. 11.
  5. 5. Le Nouvelliste de Lyon, 23-X-1936, citado por Ir. A. Joaquin, op. cit., p. 28.
  6. 6. Associação internacional que agrupava trabalhadores para ações de transformação da sociedade. A 1a. Internacional, fundada em Londres em 1864, desapareceu após 1876 por causa da oposição entre marxistas e anarquistas. A 2a. foi fundada em Paris em 1889 e se manteve fiel à social-democracia, e desapareceu em 1923. A 3a. Internacional comunista, ou Kominterm, fundada em Moscou em 1919  reúne ao redor da Rússia Soviética, e depois, da URSS, a maior parte dos partidos comunistas. Ela foi suprimida em 1943 por Stalin.  
  7. 7. (1919-1943). Ele representa durante a primeira parte do século XX, em escala internacional, o movimento comunista alinhado com a URSS. Era dirigido pelo Partido comunista da União Soviética.
  8. 8. Carta Coletiva dos bispos espanhóis aos bispos de todo o mundo a propósito da guerra em Espanha, publicado em Lecture et Tradition no. 269-270, p. 36.
  9. 9. O general W.G. Krivitsky era, na época, chefe do departamento de informação soviético na Europa Ocidental.
  10. 10. Trecho de Lecture et Tradition no. 271.
  11. 11. Cf. Ministerio de Justicia, La dominación roja en España, Causa general, Madr, 1943. Citado em La guerre d’Espagne revisitée, Arnaud Imatz, Economica, 1993, p. 47.
  12. 12. Segundo nome da polícia de Estado da União Soviética entre 1922 e 1934. Constituída a partir da Tcheka.
  13. 13. Terceiro nome da polícia de Estado da União Soviética, entre 1934 e 1946. Sucedeu ao GPU.
  14. 14. Cf. Marcelo Gaya y Delrue, Les mémoires d’un officier franquiste, combattre pour Madrid, ed. La Pensée moderne, Paris, 1964; o autor relata muitas atrocidades cometidas pelos vermelhos, das quais foi testemunha ocular. Cf. Lecture et Tradition no. 271 que publicou trechos do livro.
  15. 15. Carta Coletiva dos bispos espanhóis aos bispos de todo o mundo a propósito da guerra em Espanha, publicado em Lecture et Tradition no. 269-270, p. 36.
  16. 16. La Persécution religieuse en Espagne, tradução de Francis Miomandre, Plon, 1937.
  17. 17. Marcelo Gaya y Delrue, Les mémoires d’un officier franquiste, combattre pour Madrid, ed. La Pensée moderne, Paris, 1964, citado em Lecture et Tradition no. 271, p. 17.
  18. 18. Carta coletiva dos bispos espanhóis aos do mundo inteiro a propósito da guerra na Espanha, publicado em Lecture et Tradition no. 269-270, p. 36.
  19. 19. Conforme La Persécution religieuse en Espagne, tradução de Francis Miomandre, Plon, 1937.
  20. 20. Conforme o livro do Pe. Calasanz BAU, S. P., Rapport présenté à la Sacré Congrégation des rites en vue de la béatification et canonisation des Serviteurs de Dieu massacrés en Espagne, Roma, 1953, p. 641, 507 e 654, citado por Ir. A. Joaquin, op. cit., p. 35.
  21. 21. O “levante" espanhol do qual Franco tomou a direção em 1936.
  22. 22. Sobre a história da resistência do Alcazar, ler o relato de Brasillach, Les cades de l’Alcazar, 1936, Plon.
  23. 23. Pelayo, La Vanguardia, 23 de março de 197, p. 47. Citado em Lecture et Tradition no. 269-270.
  24. 24. José Maria Salaverri, Morts pour le Christ, S.M., D.F.R., 2007.
  25. 25. Los Hermanos de las Escuelas Cristianas en el Movimiento Nacional, Ed. Buflo, Marqués de Mondéjar, 32, Madrid.
  26. 26. Ir. A. Joaquin, op. cit.
  27. 27. Ir. A. Joaquin, op. cit.
  28. 28. Malynski, La guerre occulte, citado por Léon de Poncins, Contre révolution, abril de 1939 (Lecture et Tradition no. 271).
  29. 29. Carta coletiva dos bispos espanhóis aos do mundo inteiro a propósito da guerra na Espanha, publicado em Lecture et Tradition no. 269-270, p. 36.
  30. 30. Paul Claudel, extrato do prefácio de La persécution religieuse en Espagne. Tradução literal.