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Perseguição à Igreja Católica sob o regime chinês.

Albert Galter

Foi pelo ano de 1920 que a ideologia marxista-leninista foi introduzida na China por agentes a serviço da Rússia. No espaço de trinta anos conseguiu ela impor-se a cerca de meio bilhão de homens, graças à hábil inserção dos seus profetas no jogo dos acontecimentos nacionais, e ao proveito que eles tiraram da situação internacional criada no Extremo-Oriente durante e após a Segunda Guerra Mundial.

Fundado em Shangai em 1921, o Partido Comunista Chinês precisou, pouco a pouco, o seu caráter revolucionário, com o auxílio da Missão de peritos industriais e militares russos que se achava na China desde 1920.

Quando Tchang Kai-Chek começou em 1927 a obra de reunificação interior do país, marchando contra o governo que sediava então em Nankin, os comunistas, aproveitando a guerra civil, formaram por seu lado um governo em Hankow e puseram à testa dele Mao Tsé-Tung (1928). (Continue a ler)

Depois veio a experiência do Estado soviético do Kiangai (1929-1934), e, depois da invasão da Manchúria pelos japoneses (1931), os comunistas dirigiram-se para o Norte, a fim, diziam eles, de combater o inimigo comum. Essa operação é conhecida sob o nome de “Longa Marcha” (1934-1935). Seguidas pelos nacionalistas, as tropas comunistas instalaram-se nos montes do Shensi, onde fundaram o Estado independente de Yenan (1936-1945). Espalhando o slogan: “um chinês não pode combater outro chinês quando os japoneses estão às portas”, os chefes comunistas conseguiram mesmo fazer prender Tchang Kai-Chek pelos seus próprios generais, sob a inculpação de inteligência com o inimigo. Depois, por preço da sua libertação, obtiveram plena liberdade de ação para o seu Partido e promessa de entrada de Tchang em guerra ao primeiro ataque japonês.

Assim, em virtude desse acordo, o ataque japonês de 1937 arrastou o governo nacionalista a uma guerra longa e rude, para o qual a China absolutamente não estava preparada, e que, material e moralmente, exauriu consideravelmente o país. Em compensação, mercê de um plano de luta contra o invasor habilmente reduzido a esporádicas ações de guerrilhas, puderam os comunistas, sem ser incomodados, consolidar no decurso desses anos o seu regime nas regiões do Norte. Alcançavam eles assim um duplo objetivo: manter em reserva, para o futuro, número sempre mais considerável de tropas frescas e bem aguerridas, e sovietizar sem tropeços, mas também sem trégua, o território por eles ocupado.

A cessação das hostilidades em 1945 e a ocupação russa da Manchúria e da Coréia do Norte permitiram aos chefes comunistas servir habilmente aos seus fins revolucionários, fazendo beneficiar-se do armamento japonês e da ajuda soviética os seus 2 milhões de soldados treinados.

Foi uma nova guerra civil. Moukden caiu em 1948, após dois meses de assédio. A 1° de outubro de 1949, senhores agora do imenso território, já podiam os comunistas proclamar em Pequim a República Popular Chinesa.

A Igreja Católica na China. 

Na China, imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, contavam-se cerca de 4 milhões de católicos sobre uma população de 468.500.000 habitantes. Em 1949, havia ali 20 arquidioceses, 85 dioceses e 39 prefeituras apostólicas, com 27 Ordinários chineses. Os missionários estrangeiros eram 3.080, enquanto que o número dos sacerdotes nativos atingiu 2.557.

Os primeiros bispos chineses haviam sido sagrados em Roma em 1926, e já em 1946 a hierarquia ordinária era implantada na China, recebendo nesse mesmo ano o chapéu cardinalício o Arcebispo de Pequim.

Todos os esforços tendiam a que um dia a hierarquia pudesse ser inteiramente chinesa, e do lado católico nunca se descurava honrar e exaltar as mais nobres tradições culturais, artísticas e morais daquele grande povo, certo de que elas achariam um novo brilho à luz da Revelação cristã.

Essa tarefa estava mui particularmente confiada às inúmeras escolas de todo gênero e de todos os graus que floresciam na China graças aos missionários e ao clero local, e especialmente às três Universidades de Shangai, Pequim e Tien-Tsin.

Desde 1943, o governo mantinha relações diplomáticas com a Santa Sé.

Antes de 1945, a atitude dos comunistas para com as missões cristãs já era a de perseguição aberta, embora de caráter local e um pouco desordenado, nos territórios sujeitos ao governo sovietizado de Hankow (1928-1934), com incêndios de igrejas, ocupações de edifícios escolares e de instituições caridosas, perseguições dos missionários, assassinatos, exigências de enormes resgates pela libertação dos reféns, etc.; assistia-se também a numerosos episódios de vexames e de violências em detrimento da religião católica, dos seus fieis, no Estado independente de Yenan (1936-1945). Todavia, de fato o início da luta propriamente dita contra a Igreja Católica pode ser fixado no fim da guerra contra o Japão e no começo da guerra civil1.

Entre todas as perseguições a que foram submetidos os países de obediência marxista, cumpre citar “como exemplo” a perseguição chinesa, pela sua precisão, pelos seus processos metódicos, por sua técnica requintada e pelos resultados obtidos.

Além disto, posto que — quanto às intenções que a inspiram — a luta contra o catolicismo seja idêntica à que o comunismo move em toda parte contra a Igreja, o despertar do sentimento nacional ofereceu ao comunismo chinês meios de ação que os perseguidores dos outros países não tiveram2.

Os dirigentes do Partido na China mostraram-se mais cuidadosos dos fatos do que das manifestações espetaculares. Metodicamente, silenciosamente quase, e sabendo o que queriam, no espaço de seis anos realizaram eles uma obra imensa de destruição. Os comunistas chineses revelaram-se extremamente hábeis na sua maneira de atenuar a má impressão produzida no estrangeiro pelas notícias da perseguição, repetindo, em todos os tons, que o governo fazia para si um dever de respeitar o artigo 88 da Constituição3 sobre a liberdade religiosa, e que as medidas que ele era forçado a tomar eram devidas à reação “espontânea” da consciência nacional contra o imperialismo dissimulado sob o véu do apostolado religioso 4.

 

A Perseguição no curso dos anos 1945-1950.

Apesar de hábeis reviravoltas, impostas de quando em vez pelas circunstâncias nas regiões que as tropas comunistas se preparavam para ocupar, claro era que, se as aplicações táticas variavam, a doutrina dos chefes comunistas chineses em nada diferia da do marxismo internacional.

A luta contra a religião desenrolou-se segundo fases de antemão bem estudadas e em ordem perfeita.

1. Por ocasião da primeira fase, proclamou-se a liberdade e a tolerância religiosas (haig chiao tse-yu). Assim foi que, nos meses que seguiram imediatamente a entrada dos exércitos vermelhos, ainda era possível conservar abertas as igrejas, pregar, ensinar nas escolas.

2. A essa fase sucedeu a “da luta contra as superstições” (fang pei mi hsing). Consistia ela numa violenta campanha verbal e escrita contra a religião, tachada de ser, com a burguesia, um dos piores males da sociedade humana.

Por uma hábil propaganda procurou-se, antes de tudo, neutralizar a profunda consideração de que o catolicismo gozava, servindo-se de slogans próprios para destruir o sentimento religioso e para excitar as massas contra as missões. Três vezes por semana jovens oradores promoviam reuniões às quais todos eram obrigados a assistir; no domingo, intencionalmente, fazia-se coincidir a hora dessas reuniões com a dos ofícios religiosos. Explorando velhos temas, como, por exemplo, os de uma mais completa liberdade de consciência e do direito de cada um a professar opiniões atéias, os comunistas criaram um clima hostil à religião católica. Esta era invariavelmente apresentada como um instrumento de conquista nas mãos dos Estados capitalistas, e como um conjunto de superstições inventadas pelos padres e pelas freiras a fim de se proporcionarem os meios de uma existência feliz pela exploração do suor dos pobres. Não se deixava de aludir às especulações do clero (que este último camuflava sob o rótulo de obras de assistência, de hospitais, de escolas, etc.); à extensão das propriedades territoriais subtraídas ao povo pelos missionários e exploradores unicamente em benefício destes; à vida de luxo dos padres, aos seus capitais ocultos; e tudo isso enfeitado por uma série de calúnias a respeito do celibato dos padres e das freiras.

Com o apoio dessa propaganda, difundia-se uma quantidade de jornais, revistas, opúsculos, livros e romances, redigidos em estilo fácil, popular, atraente, com descrições fantásticas da prosperidade que espera o povo após a completa libertação deste da opressão do Governo Central Nacionalista, da influência das absurdas leis morais e superstições da religião.

O máximo dos esforços de propaganda endereçava-se à juventude. Em cada aldeia foram abertas escolas, nas quais mestres comunistas experimentados apresentavam a religião como um amontoado de absurdos e imoralidades; a moral cristã, tanto como a confuciana, como uma coleção de velhas fórmulas atentatórias da liberdade individual; a indissolubilidade do matrimônio, como uma instituição capitalista; a igualdade absoluta dos sexos, como uma conquista do progresso social.

3. Depois veio a fase denominada campanha pela reeducação, tendo por fim criar progressivamente “o homem novo”. Então, tudo concorria para a “reeducação”: imprensa, discursos, festas, rádio, cinema, reuniões populares diárias, sessões extraordinárias para os empregados de grau inferior, semanas de estudo para os responsáveis pelos organismos comunais, sessões de três semanas para os funcionários e para os intelectuais. E, para coroar o todo, os grandes retiros de várias semanas ou de vários meses. Esses períodos consagrados à “educação” ainda são obrigatórios quando o Governo impõe uma nova campanha ou um novo esforço. As “sessões educativas”, que muitas vezes eram levadas a efeito, de propósito, nas próprias igrejas ou nos locais de obras religiosas, voltavam periodicamente, sem contar as sessões semanais de autocrítica e de confissão dos membros do Partido, e sem falar, também, do exército, das escolas e das universidades marxistas, onde a formação durava anos.

4. Após o período de “reeducação”, aplicaram-se as medidas destinadas a paralisar totalmente os missionários no seu apostolado. É aquilo a que se chama a fase de oposição ativa.

Em nome de uma mais ampla liberdade de ensino (!), começou-se a fazer passar as escolas sob o controle do Partido, que se encarregava de as fazer aprovar, de lhes fazer estabelecer os programas, dos quais o ensino religioso era formalmente excluído, e de lhes escolher o pessoal docente. A fim de não contribuir para a difusão do materialismo ateu, as escolas católicas viram-se forçadas a fechar as suas portas.

Depois veio o confisco de todos os bens fundiários das missões, já gravados de taxas de valor superior ao dos próprios bens.

Em seguida ordem foi dada de se munir de um passaporte, para poder ir de uma aldeia a outra, mesmo mui próxima, de tal sorte que os missionários se acharam bloqueados na sua residência, com lhes ser regularmente recusada a entrega do passaporte, aliás muitas vezes com requintada cortesia.

Ademais, os missionários tiveram de prestar contas de cada um dos seus atos e movimentos às autoridades comunistas.

Seguiram-se os repetidos interrogatórios do pessoal da missão, as ameaças veladas e anônimas aos professores das escolas católicas, aos catequistas, aos seus colaboradores. Fecharam-se as igrejas para utiliza-las em toda sorte de usos profanos: salas de conferências do Partido, teatros ou locais de dança, e, às vezes, até mesmo estábulos para o gado5.

5. A organização da “Ação Popular”, ou, por outras palavras, dos Tribunais Populares6, levou ao cúmulo esses vexames.

Desde julho de 1946, o Quartel General comunista instalado em Yenan lançara um “apelo” a todos os habitantes, convidando-os a denunciarem publicamente os malfeitos dos estrangeiros. Esse apelo foi acolhido com zelo todo particular pelas seções do Partido, que se apressaram de todos os modos a facilitar ao povo o cumprimento desse dever.

Recrutaram-se nos bas-fonds das cidades e aldeias todos os elementos turbulentos que foi possível descobrir, para organizar manifestações noturnas contra as missões. O fim delas era provocar da parte destas últimas, queixas junto ao chefe local do Partido.

Por ocasião desses primeiros “distúrbios”, os chefes comunistas não deixaram de apresentar as suas desculpas por esses processos de uma população “ainda pouco educada”, e protestaram o seu respeito pessoal pela Igreja, assegurando às missões o seu apoio para acalmar o furor popular, embora sugerindo ao mesmo tempo aos missionários se afastarem, “no seu próprio interesse”.

As manifestações repetiam-se, cada vez mais freqüentes e violentas, naturalmente até o dia em que o Partido “se achava obrigado”, em nome do povo, a prender o bispo, os missionários, as freiras e os fiéis mais em vista.

Alguns dias depois tinha lugar o processo, em presença de milhares de pessoas.

A organização do processo tinha sido deixada aos cuidados do Partido, que, nesse ínterim, repartira os papéis entre os inscritos que inspiravam mais confiança. Certo deles deviam representar os “oprimidos”, outros aparentar “excitar a multidão”. Após leitura, feita pelo “supervisor”, da lista dos numerosos e graves malfeitos de que se haviam tornado culpados os missionários, ouviam-se as “acusações” do povo. Estas últimas, na maioria falsas ou estadeando frioleiras ou fatos desnaturados, e, em todos os casos, de um exagero que raiava pelo ridículo, alinhavam-se geralmente sob os capítulos seguintes:

Conversão das crianças ao catolicismo obtida pela força;

Torturas infligidas aos doentes nos hospitais;

Recusa de alimento às crianças dos orfanatos;

Extirpação dos olhos para se servir deles para fins de experiência;

Matança dos chineses para lhes comer o coração;

Ocultação, nas igrejas, de enormes quantidades de ouro.

Para levar a medida ao cúmulo, os emissários do Partido traziam as suas próprias acusações: colaboração com os japoneses, espionagem em proveito do Kuomitang e da América imperialista, “ofensas ao povo”, sem definição alguma da natureza delas.

Se bem que o direito de defesa fosse recusado aos acusados7, e se bem que, às vezes, essas farsas trágicas fossem repetidas até duas, três e quatro vezes, os resultados esperados nem sempre eram obtidos. Quando o “culpado” não se arrependia dos seus erros, conduziam-no ao chefe comunista. Este fazia-lhe notar, não raro com ares paternais, “a gravidade das acusações contra ele formuladas pelo povo”, o que, “de acordo com a lei”, deveria acarretar a condenação dele à morte. Mas o Partido queria ainda uma vez usar de clemência a seu respeito, e a sua pena era comutada numa multa. Esta última atingia cifras exorbitantes, às vezes meio-milhão de dólares americanos, e, como quase nunca ela podia ser paga, era então substituída pelo confisco de todos os bens do acusado e por certas restrições de liberdades no domínio civil e religioso. Esse “tratamento de favor” obrigava às vezes o bispo ou os missionários a irem para zona livre a fim de acharem o dinheiro necessário para não abandonarem os fiéis. Nesse caso, o Partido entregava o passaporte, tendo assim atingido o fito procurado: o afastamento do missionário.

Ao contrário, se o “culpado” reconhecia e lamentava os seus erros, concediam-lhe o privilégio de ficar no seu posto, criando-se todavia numerosos entraves à sua liberdade pessoal e ao desempenho do seu ministério. Em geral os padres chineses ficavam em prisão ou eram enviados aos trabalhos forçados, durante período mais ou menos longo, enquanto que aos missionários estrangeiros se ordenava abandonarem o país, a não ser que eles fossem liquidados por um desses numerosos processos em que os comunistas chineses são deveras mestres consumados.

Com freqüência esses processos eram acompanhados de atos de barbárie8, como o de fazer o condenado percorrer as ruas da aldeia sob os insultos e as pancadas da multidão excitada. Nunca se deixava (e, algumas vezes, quando o processo ainda estava em curso) de pôr a saque as igrejas e as residências dos missionários, e de expor, de maneira sacrílega, os móveis e as imagens sagradas, a fim de fazer ver o povo “as vulgares superstições dos católicos”.

Somente durante o período de 1946-1947, mais de cem padres9 foram mortos, não raro em condições as mais desumanas10, por causa das acusações acima referidas.

Em razão das pilhagens que se sucediam aos processos populares, numerosas dioceses da China foram privadas do mais estrito necessário. As missões do Norte foram as primeiras e, não raro, as mais gravemente afetadas, a saber: as florescentes comunidades cristãs de Hopei, Shensi, Shantung e Ninghsia. Avalia-se que, no período de 1946-1947, naquelas províncias assim como na Mongólia (interior) e na Manchúria, os comunistas transformaram 183 igrejas em repartições e 123 outras em teatros ou cinemas, enquanto que 166 igrejas eram devastadas, 25 destruídas, 101 fechadas, 12 incendiadas, sem falar das 549 residências de missionários ocupadas ou destruídas.

À medida que a perseguição por meio dos “tribunais populares” se estendeu pelo fato da progressiva ocupação comunista das outras províncias, o número de vítimas e das devastações não cessou de aumentar11.

 

A perseguição desde 1950

Uma vez conquistado o poder político, o governo comunista fez afixar um pouco por toda parte proclamações de liberdade, e a luta aberta e sangrenta contra a religião sofreu uma moderação momentânea.

O artigo 1° do Programa Comum, aprovado pelo Congresso Político Consultivo de 29 de setembro de 1949, garantia a todos os cidadãos da República Popular Chinesa o “direito de liberdade de pensamento, de palavra, de imprensa, de reunião, de associação, de correspondência, de segurança pessoal, de eleição de domicílio, de locomoção, de confissão religiosa, de procissão ou outra manifestação pública (na qualidade tanto de organizador como de participante)” 12.

Posto que esse artigo fosse copiado do da Constituição soviética, e pudesse ser interpretado de a ela se opor, deu-se prova de uma certa “largueza de espírito” nas grandes cidades, ao passo que nos campos se mantinha a velha atitude de intolerância e de repressão.

Mas, pela Lei sobre as atividades contra-revolucionárias, publicada a 23 de julho de 195013 e reforçada em fevereiro de 195114, o governo procurou dar-se as armas “jurídicas” a fim de mover uma luta mais intensa contra a Igreja e contra os católicos. Em nome da luta (t’ou tcheng) pela defesa dos princípios e instituições marxistas, continuou-se a manter o clero no isolamento e sob vigilância, recusando-lhe a permissão de se locomover. Coagiram-se, assim, padres e bispos a proporcionar-se de que viver executando as ocupações mais humilhantes; acusaram-se os missionários de atividades antigovernamentais, de propaganda de superstições, de traição em favor do imperialismo americano. Começou-se, aqui e ali, a proibir toda cerimônia religiosa, considerada como “perda de tempo prejudicial à produção nacional”.

A liberdade sancionada pelo “Programa comum” foi, aos pouquinhos, reduzida a nada por medidas de restrição progressivas, mais ou menos acentuadas, conforme o ritmo da política internacional e a consolidação do governo comunista.

Desde 1950, sob a acusação ridícula e caluniosa de ali haverem sido mortas crianças, ou sob outras semelhantes, 25 obras de caridade e de assistência foram dissolvidas.

No 65° Conselho dos Negócios Políticos, decretou-se o recenseamento e o registro das obras sociais, culturais, religiosas e educativas que viviam com subsídios do estrangeiro, no intuito evidente de preparar o confisco e o fechamento delas após um controle minucioso15.

A lei sobre as atividades contra-revolucionárias marcou igualmente o fim de todos os jornais e de todas as revistas católicas. A última a desaparecer foi a Vox Cleri, em razão da dissolução, por ordem governamental de 8 de junho de 1951, do Catholic Central Bureau, que lhe assegurava a publicação.

Em julho de 1951 foi igualmente posta fora da lei a Legião de Maria, acusada pelos comunistas de organização secreta e anti-revolucionária.

O Estado comunista continuou a apoderar-se das escolas católicas, que viram ser-lhes imposto um “comitê de professores, alunos e vigilantes” nomeados pelos comunistas e incumbidos até mesmo da administração16. As três universidades católicas (“Aurora” de Shangai, “Fujen” de Pequim, e “Tsinku” de Tien-Tsin) foram confiscadas, bem como a maior parte dos 156 colégios e das 1.546 escolas primárias. As 2.742 escolas catequistas, por seu lado, haviam sido definitivamente fechadas17.

A partir do outono de 1950, quando o comunismo chinês começou a revelaras suas reais intenções a respeito da Igreja Católica18, foram despejados contra a Igreja os insultos mais vergonhosos e as calúnias mais inauditas19.

 

O Movimento da Tríplice Autonomia

Após violenta campanha de acusações contra o Vaticano20, acusado de dirigir, sob a capa de atividades culturais, uma poderosa rede de espionagem antigovernamental, o governo de Pequim, desejoso de amparar os desejos ardentes e “espontâneos” da cristandade chinesa, lançou em janeiro de 1951 o Movimento da “Tríplice Independência” ou “Tríplice Autonomia” 21. Este movimento exigia para a Igreja chinesa: a) autonomia de governo (self-government” ou “Tze-Chih”); b) autonomia econômica (“self-support” ou “Tze-Yang”); c) autonomia de extensão (“self-propagation” ou Tze-ch’uan”). Na mente dos comunistas, essas diferentes autonomias, expressas em fórmulas intencionalmente ambíguas, tinham uma significação essencialmente política e insidiosa, própria para criar um cisma no seio da Igreja Católica, a despeito de algumas declarações ilusórias que garantiam a manutenção das relações religiosas e espirituais com o Papa.

“Autonomia de governo” significava, para os comunistas, que a Igreja, administrada por chineses, devia recrutar por si mesma o seu pessoal, com seus meios próprios, sem o controle do Papa22.

“Autonomia econômica”: a Igreja da China não devia receber qualquer subsídio do estrangeiro (isto é, nenhum “dinheiro dos imperialistas”), visto como o governo comunista se encarregava de ocorrer às necessidades dela23.

“Autonomia de extensão”: os chineses deviam por si mesmos difundir a sua religião. Não mais missionários estrangeiros; o tema das pregações devia ser adaptado à mentalidade chinesa e às condições da “nova China”; era necessário estabelecer uma nova teologia conforme a ideologia professada pelo governo24.

Durante todo o ano de 1951, os comunistas não cessaram de criar “comitês de reforma” (diocesanos e paroquiais), incumbido das missões seguintes:

a) acusar a Igreja e as obras católicas de serem instrumentos de penetração dos imperialistas; fazer prender e condenar os bispos e os padres “que não aceitassem a reforma”;

b) administrar a “nova Igreja”;

c) empreender e prosseguir a “doutrinação” dos padres25 e dos fiéis, por meio do estudo do marxismo, a fim de introduzir a “autodestruição” na Igreja Católica.

Na origem, esses “comitês” não tinham todos os mesmos estatutos: de acordo, entretanto, em afirmar as três autonomias, uns são mais radicais, outros – ao menos em palavras – mais moderados. O estatuto de Tien-Tsin (8 de março de 1951), que, na ordem cronológica, é o primeiro publicado, contém afirmações cismáticas. O de Chungking (julho de 1951), ao contrário, é de tom mais moderado, porém mais friamente realista; parece ser o protótipo de todos os outros estatutos, publicados em numerosas dioceses no mesmo período.

“A finalidade do comitê – diz o artigo primeiro – é unir o clero e os fiéis no amor a seu país e à sua religião; sustentar o Programa Comum (isto é, a Constituição); observar as leis da política do governo; romper radicalmente quaisquer relações com o imperialismo, mantendo no entanto com o Vaticano um liame puramente religioso; opor-se à ingerência do Vaticano na política interior chinesa, para realizar integralmente o movimento de reforma da Igreja Católica chinesa...”

O artigo 3 prescreve que “o comitê tem a faculdade de fundar sucursais, o que quer dizer que o comitê diocesano funda tantos comitês quantas paróquias houver...”

O artigo 13 prescreve as “obrigações dos membros”: a) estudar com ardor, elevar o seu próprio nível político, conhecer claramente a diferença entre a Igreja e o imperialismo, participar positivamente do trabalho de oposição à América, amar o país e a religião por haver o catolicismo chinês cortado os laços com o imperialismo, haver-se libertado da sua influência e realizado a reforma das três autonomias; b) participar ativamente de todo o trabalho de construção da nova República; dedicar-se à produção; tornar-se um bom cidadão; c) observar sempre os domingos e as outras festas, confessar-se e comungar, ser um bom e piedoso cristão, e, finalmente, combater todas as atividades que se escondem por trás da religião, solapam o interesse do povo, arruinam a ordem pública...”

Pode-se notar, além disto, que os artigos 4 e 8 delegam praticamente ao comitê diocesano, baseado no princípio democrático, o direito de dirigir as atividades dos fiéis. Os estatutos não mencionam o bispo, e é claro que correspondem ao fito preciso de destruir na Igreja o princípio hierárquico26.

Na China, as comunidades paroquiais e diocesanas foram chamadas “Igreja renovada”. Todos os laços disciplinares entre os bispos e o clero estão rotos, e as paróquias acham-se ligadas à “base” e sujeitas ao beneplácito das autoridades comunistas locais. Os cristãos são convidados a “renovar” o patrimônio dogmático e moral conforme a terceira autonomia. Quantos mártires há entre os que recusaram fazer parte da “Igreja renovada”! 27

O próprio Internúncio Pontifício na China, S. Excia. Mons. Antonio Riberi, foi objeto de violentos ataques da parte da imprensa comunista, desde março de 195128, por haver alertado os bispos contra o caráter cismático do movimento de “reforma” 29. A 26 de junho, foi mantido em estado de detenção em sua própria residência, e, a 4 de setembro, a imprensa comunista anunciava que o Comitê Militar de Controle de Nanquim do Exército Popular de Libertação ordenara a expulsão definitiva, da China, do “cidadão monegasco Antonio Riberi”. No dia seguinte, a New China News Agency comunicou que a ordem fora executada imediatamente30. Tudo isso sem a menor consideração para com os usos habituais da diplomacia31.

 

 

Situação da Igreja Católica no fim de 1955.

 

A destituição em que atualmente são forçados a viver a quase totalidade dos sacerdotes e bispos na China é extrema. O arauto do Evangelho, reduzido à categoria de “cidadão democrático” (Lao Pei Hsin), mantém o seu dispensário, cultiva a sua horta, trabalha como motorista em alguma linha de ônibus, como pedreiro em alguma obra, ou então, se lho permite a liberdade do regime, entrega-se ao pequeno comércio ambulante; único meio para poder levar socorro aos fiéis espalhados e administrar-lhes os sacramentos.

Todas as obras católicas, sem exceção, foram destruídas; centenas de escolas de todos os níveis, das classes primárias às três universidades católicas, foram confiscadas; “retomadas” pelo governo, consoante a fórmula oficial. Um só seminário, afirmam alguns, três conforme outros, poderiam continuar, sofrivelmente, a funcionar. Por certos sinais, todavia, parece ser precária a existência deles.

Tudo se fez sem que um só texto legislativo fosse promulgado, mas apenas a goles de decisões administrativas locais e de operações policiais, intérpretes supostos da vontade do povo32.

Nenhum decreto governamental interveio no que concerne ao fechamento das igrejas, e, no entanto, se os fiéis ainda podem assistir à missa nas grandes cidades, os lugares de culto são silenciosa e gradualmente fechados nos campos.

Quase todos os bispos e padres estrangeiros foram ou aprisionados ou expulsos, e sobre 5.000 missionários presentes na China em 1943, tanto bispos como padres, religiosas e frades, a 5 de outubro de 1955 não mais se contavam senão 35: 2 bispos, 18 padres e 15 religiosas.

Mais de uma centena de padres ou bispos chineses morreram em prisão, mais do que isso ainda estão atualmente encarcerados, bom número já cumpriu anos de trabalhos forçados, e os que ainda estão em liberdade sentem-se perpetuamente espionados e temem findar também na prisão.

Apesar das ameaças, das detenções, das condenações, das expulsões, o governo de Pequim tem-se achado, de 1951 aos nossos dias, frente à firme oposição da Igreja Católica, reafirmado por Pio XII na sua Encíclica Ad sinarum gentem, de 7 de outubro de 1954: “Não podem ser considerados nem honrados como católicos os que professam e ensinam verdades outras que as brevemente por Nós acima expostas. É o caso, por exemplo, dos que aderiram aos princípios nefastos das ‘Três Autonomias’ ou a princípios do mesmo gênero...” 33.

Semelhante oposição, bem entendido, foi considerada pelas autoridades comunistas como um ato “imperialista” e “contra-revolucionário”. Ela fornece pretexto a um reatamento da perseguição contra os católicos, no quadro da segunda campanha nacional de “repressão aos elementos contra-revolucionários” 34, empreendida pelo governo  em abril de 1955.

No mês de agosto, anunciava-se a detenção, em Pating, Hopei, dos contra-revolucionários da Associação da Juventude Cristã, que haviam insultado os cristãos patriotas favoráveis ao Movimento das Três Autonomias tratando-os de “rebeldes” 35. Na noite de 8 para 9 de setembro, prendia-se em Shangai, o bispo da cidade, S. Excia. Mons. Kung Pin-mei, ao mesmo tempo que 27 padres católicos chineses e cerca de 300 católicos. Sobejamente se conhece a resistência dos católicos de Shangai ao “Movimento patriótico das Três Autonomias” 36.

“A quadrilha contra-revolucionária de Kung Pin-mei recusou obedecer ao decreto concernente à supressão da Legião de Maria, promulgado em 8 de outubro de 1951 pela Comissão de Controle Militar de Shangai, e impediu os membros dessa Legião de Maria de apresentarem a sua demissão ou de se fazerem registrar nos “bureaux” governamentais. Kung Pin-mei e a sua quadrilha incitaram os contra-revolucionários a lutar contra os católicos patriotas” 37.

A 9 de setembro de 1955, Chen I, prefeito de Shangai e Presidente da Comissão de Controle Militar daquela cidade, promulgava um decreto fixando para 20 de setembro de 1955 a data-limite para o registro dos membros da Legião de Maria, que, segundo Pequim, é “uma organização política e secreta de espionagem internacional”. Todo aquele que não obedecesse à ordem de “dissolução dessa organização revolucionária” seria “punido sem indulgência” 38.

Uma onda de detenção abateu-se sobre toda a China, a pretexto de “atividade contra-revolucionária de oposição ao Movimento patriótico das Três Autonomias e de pertença à Legião de Maria”. A 10 de setembro era detido S. Excia. Mons. Hu Jo-san, bispo católico chinês de Taichow, bem como um grupo de padres e de católicos chineses 39. Da província de Taichow as detenções ganharam as províncias de Anhwei, Fukien e Kiangsu, onde se descobriu “volumosa correspondência trocada com a quadrilha contra-revolucionária de Shangai40 de Kung Pin-mei. Outras detenções foram operadas em massa em Shangai41.

Retomou-se a tática posta em obra cinco anos antes: denúncias, reuniões de massas, audiências de acusação e julgamentos populares. “A uma audiência de acusação levada a efeito em Shangai a 12 de setembro e na qual 1.900 católicos haviam tomado parte, sucederam-se outras audiências, a 13, 14, e 15 de setembro, nos 22 subdistritos, delas tendo participado mais de 30.000 católicos. Nas províncias de Anhwei, Tchékiang, Kiangsu, Fukien, gente de todas as classes sociais e os próprios católicos organizaram reuniões para denunciar e condenar as atividades criminosas da quadrilha de Kung Pin-mei” 42.

Atualmente a repressão prossegue e se dilata. É dificílimo ter cifras exatas. Todavia, é provável tenham sido detidos ao menos 70 padres e 3.000 católicos, todos chineses.

Um documento.

O documento seguinte, assinado por numerosos missionários católicos expulsos da China e enviado, a título de protesto, à “Comissão Internacional contra o Regime Concentracionista”, põe em luz, melhor do que qualquer outro, a gravidade e a amplitude das devastações da perseguição comunista na China 43:

“Nós abaixo assinados, ex-missionários católicos na China, e vítimas de prisão e de detenção arbitrárias da parte do Governo da República Popular da China, dirigimos, em nosso nome e em nome dos nossos confrades chineses ou não chineses ainda detidos na hora atual, à Comissão Internacional contra o Regime Concentracionista (organização não governamental com estatuto consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da ONU) o apelo seguinte:

“Fomos enviados à China pela autoridade eclesiástica, isto é, pelas nossas congregações respectivas, agindo na dependência dos órgãos centrais da Santa Sé. A finalidade da nossa missão era exclusivamente religiosa, e dela nunca nos afastamos. Não fomos a China como agentes de nenhuma potência estrangeira, qualquer que fosse, nossa pátria ou outra. Quando um novo governo se instalou na China, nós lembramos aos fiéis a doutrina da Igreja sobre a submissão devida aos poderes estabelecidos. Entretanto, a mesma aventura nos sucedeu a todos: um dia, imprevistamente, fomos detidos e lançados em prisão. Éramos acusados de ser uns “contra-revolucionários”, uns “imperialistas”, uns “agentes estrangeiros”, uns “espiões”! Ora, nós nunca tivéramos nenhuma atividade política, e toda a nossa ação, bem conhecida de um governo ao qual nada escapa, acantonava-se num plano exclusivamente religioso. Os tratamentos por nós sofridos foram diversos. Certos dentre nós foram formalmente torturados. Outros tiveram as mãos presas nas costas pelas algemas, noite e dia durante seis meses. Outros tiveram de conservar-se de pé durante interrogatórios que duravam sem parar até cinco dias e cinco noites. Grande número teve de ficar agachado em terra o dia todo, sem falar, sem ler, nem cochilar, ocupados somente em “refletir sobre seus crimes”. Outros, enfim, podem queixar-se apenas da privação da liberdade, e deviam assinar, cada noite, que “não haviam sido maltratados”. Muitos de nós conheceram as celas comuns onde os prisioneiros chineses nosso companheiros, e nós mesmos com eles devíamos exortar-nos mutuamente, durante várias horas cada dia, a “reformar o nosso pensamento”, isto é, a proferir, ao menos com os lábios, as teorias comunistas. Cada dia repetido era-nos informado que “reformar nosso pensamento” era o único meio de sairmos da prisão. Retiraram-se toda insígnia religiosa e todo livro de orações, e, sob pena de punição, foi-nos proibido fazer qualquer dos gestos tradicionais da oração privada, como um simples Sinal da Cruz. Assim ficamos meses, alguns até anos, sem visitas, sem cartas, sem relações com o exterior, afora algumas exceções, em segredo absoluto, não vendo outros rostos a não ser os de nossos companheiros de cela, entre os quais se achavam sempre um ou vários delatores. As celas não tinham nem leito, nem mesa, nem cadeira. Deitávamos no chão nu, às vezes assoalho, às vezes cimento.

“Comparecemos perante os juízes sem o serviço de qualquer advogado. Todos os interrogatórios consistiram exclusivamente em tentar arrancar-nos confissões mentirosas: que éramos uns imperialistas, uns espiões, uns inimigos do povo. E isso pelas ameaças mais impressionantes e por pressões cuidadosamente estudadas para nos fazerem perder o controle de nós mesmos. Certos dentre nós foram condenados aos trabalhos forçados: trabalhos o mais das vezes duríssimos, às vezes extenuantes, onde os condenados deviam por si mesmos e “espontaneamente” aumentar incessantemente o ritmo do seu trabalho. Fomos libertados pela expulsão para fora do território chinês, na hora em que o governo popular pensou que essa libertação serviria à sua política melhor do que a nossa detenção, sem levar em conta as penas já pronunciadas e ainda não expiadas. Todos os princípios de justiça em vigor entre os povos civilizados foram violados a nosso respeito: em quase todos os casos, nenhuma defesa, nenhum processo protetor do acusado. Numa palavra, fomos entregues de pés e mãos atadas ao mais total arbítrio. Os nossos sofrimentos findaram. Mas o governo da República Popular da China conserva ainda em suas prisões vários missionários estrangeiros, nossos confrades que nós conhecemos, com quem vivíamos e dos quais podemos afirmar que não eram mais culpados do que nós. Só a sua nacionalidade americana lhes vale sorte mais dura do que a nossa.

“Enfim, várias centenas de padres chineses e milhares de cristãos chineses estão em prisão na hora atual. Bem recentemente ainda (setembro de 1955), prenderam o bispo chinês de Shangai com 50 padres e seminaristas, religiosas e mais de 1.400 fiéis, todos chineses. Para eles como para nós, mesma ausência de motivos legais, mesmo processo para arrancar confissões mentirosas, mesmo corte com o exterior; certos deles foram deportados, como forçados, para as regiões desertas do Oeste. Deles podemos solenemente afirmar serem inocentes de todo crime político ou de direito comum. É também em nome deles que estão reduzidos ao silêncio, que elevamos a nossa voz e o nosso protesto.

“Enfim, a nossa compaixão e a nossa revolta de homens livres não se detêm nos que são nossos correligionários. Vivemos, nas nossas diversas prisões ou celas, com dezenas de companheiros chineses de todas as classes sociais e de todas as religiões. Se alguns (o que é possível) haviam conspirado contra o governo, estamos persuadidos de que a grande maioria era, como nós, vítimas do arbítrio. Como nós, todos foram privados das mais elementares proteções da justiça. É também em nome desses milhares de homens que agora enchem as prisões e que não podem fazer-se ouvir, é em nome de suas mulheres e filhos, à lembrança dos quais os vimos chorar, é em nome deles que nós, que agora somos livres de elevar a nossa voz, desejamos protestar e reclamar justiça.

“Este protesto fica independente de qualquer tomada de posição sobre teorias políticas, econômicas, sociais e religiosas. Situa-se no plano da simples humanidade, cujas exigências mais certas se acham sistematicamente violadas. Para que este protesto não fique no domínio das declarações platônicas, pedimos que a Comissão Internacional contra o Regime Concentracionista se encarregue de um inquérito sobre o regime das prisões e dos campos de trabalho na China, bem como sobre os métodos de processo em vigor. Pedimos à Comissão que obtenha por “démarches” junto ao governo chinês e aos organismos internacionais, e por apelos à opinião mundial, seja dado remédio a tantos sofrimentos a que fomos testemunhas”.

(Fonte: Livro Vermeho da Igreja Perseguida, Editora Vozes, 1958)

  1. 1. Os objetivos não cessaram, todavia, de ser os fixados por Mao Tsé-Tung no seu Relatório apresentado a 22 de janeiro de 1934 ao II Congresso Nacional dos Soviéticos da China: “Nos territórios soviéticos chineses, os padres católicos e os pastores protestantes foram expulsos pelas massas populares. As propriedades tomadas pelos missionários imperialistas foram restituídas ao povo. As escolas missionárias foram transformadas em escolas soviéticas. Em suma, os distritos soviéticos chineses foram os únicos a ser libertados do jugo imperialista”.
  2. 2. O argumento do patriotismo e do nacionalismo, eixo da polícia de Mao Tsé-Tung, mesmo no plano religioso, foi tratado, de maneira documentada, num artigo de L’Osservatore Romano de 30 de janeiro de 1955.
  3. 3. Cf. Agence Hsin Hwa (Nova China) de 5 de outubro de 1954: Constituição da República Popular Chinesa, edição francesa, Pequim, 1954.
  4. 4. Ver um estudo aprofundado sobre o método “adotado pelos comunistas chineses”, livro de A. Bonnichon, S. J.: La persécution en Chine et l’encyclique “Ad Sinarum gentem”, Roma, 1955.— Escreve o autor entre outras coisas: “O homem (na China) não é somente solicitado ou perseguido pela propaganda, como foi o caso em certos regimes totalitários europeus. O estudo do comunismo é imposto a todos como um dever religioso. Cada coletividade (“bureau”, ofício, administração, aldeia, escola, universidade, magazine, hospital, etc.) tem o seu pessoal repartido em pequenos grupos de umas dez pessoas, que se reúnem obrigatoriamente várias vezes por semana para “aprender”. E isso não se limita aos primeiros tempos da conquista, denominada “libertação”, mas prossegue pela vida toda. Não se trata de aprender os princípios do marxismo, o que depressa seria feito, mas de se manter em contato permanente com as vistas do governo. Ignoram-se ou conhecem-se mal as teorias marxistas, mas todo cidadão, em cada instante da sua existência, deve sentir-se iluminado, dirigido e sustentado por esse marxismo vivido. Assim doutrinado de maneira permanente, o fiel é estritamente obrigado a crer. A atitude de quem recusa deixar-se convencer, ou de quem opõe certa inércia, constitui o delito de "reação" ou de "contra-revolução". Partindo daí, como poderia o regime admitir que um cristão fosse buscar junto a uma autoridade religiosa diferente da autoridade governamental lições de pensamento, preceitos de moral, diretrizes de vida? A coisa é inaceitável; mais exatamente, é impensável. O catolicismo, mestre de verdade e sociedade hierarquizada, mais do que um rival é um usurpador do poder do Estado. E isso se entende não só do seu chefe, o Papa, que habita o estrangeiro, mas ainda do bispo, fosse ele chinês, e também do simples cura. Pode-se, sim, tolerar um culto, as cerimônias budistas ou católicas, e é assim que se deve compreender o termo "liberdade de religião", mas é impossível aceitar uma Igreja".
  5. 5. Cf. China Missionary Bulletin, novembro de 1950, pp. 929-930.
  6. 6. Cf. L. Legrand, Le Communisme arrive au village chinois, Peiping, 1947, pp. 12 e ss.
  7. 7. Mesmo quando sucede diversamente (coisa verdadeiramente excepcional), o resultado persiste idêntico, visto que a sentença não leva em nenhuma conta aquilo que ao acusado foi permitido dizer.
  8. 8. Cf. New Review, Calcutta, novembro de 1947, pp. 340-352.
  9. 9. Cf. China Missionary Bulletin, I, 1948, que dá os nomes de alguns mártires e os pormenores a seu respeito.
  10. 10. O "julgamento popular" contra o mosteiro cisterciense de Yangkiaping, perto de Pequim, é tristemente célebre. Esse julgamento, para o qual foram convidados "ex-officio" os habitantes de umas trinta aldeias vizinhas, terminou a 17 de agosto de 1947 pela condenação à morte de alguns monges, acusados de conivência com os japoneses primeiro, e, depois, de colaboração com o Governo nacionalista. Os outros monges foram condenados em primeiro lugar à prisão; depois foram obrigados a abandonar definitivamente o mosteiro após novo processo, a 23 de agosto de 1947. Eles partiram de mãos presas por trás das costas; doze deles foram enterrados vivos, no decurso de uma etapa, em Tang Kiayao, depois de torturas horríveis. No total, as vítimas desse mosteiro elevaram-se a 26, tanto sacerdotes como Irmãos leigos; uma vez condenados pelos tribunais populares, os padres chineses eram tratados com particular crueldade. Quando não eram torturados, os cursos de marxismo a que eles eram obrigados a assistir regularmente à razão de seis ou oito horas por dia acabavam, com o correr do tempo, por ter sobre eles resultados psicológicos desastrosos.
  11. 11. Cf. China Missionary Bulletin, fevereiro de 1951.
  12. 12. Cf. Agence Hsin Hwa, 1° de outubro de 1949, e Constituição, c. III, arts. 87 e 88, votada pelo Congresso Nacional em Pequim, a 20 de setembro de 1954.
  13. 13. Cf. Agence Hsin Hwa, 23 de julho de 1950 — "Regulamento para a suspensão da atividade contra-revolucionária".
  14. 14. Cf. Agence Hsin Hwa, 21 de fevereiro de 1951 — "Instruções da República Popular da China a respeito das penas para os contra-revolucionários".
  15. 15. O Decreto obrigava aqueles organismos: a) a fazer-se registrar junto às autoridades chinesas competentes; b) a prestar conta, cada semestre, da sua situação financeira, das transações por eles feitas, de toda operação financeira tocante ao seu capital, bem como de toda soma, qualquer que fosse, recebida do estrangeiro. As infrações a estas disposições podiam acarretar até a dissolução da própria instituição.
  16. 16. Cf. China Missionary Bulletin, novembro de 1950 e dezembro de 1950.
  17. 17. A 12 de outubro de 1950, depois de longas e laboriosas tentativas de salvamento, a Universidade Católica "Fuyen" de Pequim passou para sob o controle absoluto do governo comunista, que logo a transformou em cátedra de marxismo integral.
  18. 18. O caminho foi aberto pelo diário oficial da capital Jen Min Je Pao (Diário do Povo), com uma série de artigos denegrindo a Igreja Católica e apontando-a ao povo como a "longa manus" do imperialismo estrangeiro no passado, e, atualmente, do imperialismo americano.
  19. 19. Cf. Boletim de propaganda People's China, Pequim, 16 de abril de 1951, a respeito das atrocidades cometidas pelas freiras nos orfanatos. Cf. igualmente: Revista New China, de 5 de junho de 1951. — Ta Kung Pao (Diário da Justiça) de 12 de março de 1951. No correr do processo do orfanato do Sagrado Coração de Nanquim, mantido pelas irmãs franciscanas Missionárias de Maria, exumaram-se uma centena de pequenos cadáveres enterrados no jardim contíguo ao orfanato, e eles foram expostos à vista do público a fim de que todos pudessem "verificar a perversidade das religiões estrangeiras".
  20. 20. Cf. Ta Kung Pao, de 6 de janeiro de 1951. — People's Daily, reproduzido no China Missionary Bulletin, 1951, pp. 148-149.
  21. 21. A 7 de janeiro de 1951, o Primeiro Ministro Chou En-Lai convidou para uma reunião num hotel de Pequim uns quarenta "leaders" católicos, "para uma troca de vistas a respeito do movimento da reforma católica". Cf Agence Hsin Hwa, 20 de janeiro de 1951.
  22. 22. Cf. Agence Hsin Hwa, 14 de janeiro de 1951: "Trata-se de libertar-se das tradições ocidentais e de criar um novo sistema, uma nova legislação e uma nova liturgia".
  23. 23. "A Igreja da China deve bastar-se a si mesma, sem mendigar dinheiro estrangeiro"— Ta Kung Pao, 6 de janeiro de 1951.
  24. 24. Cf. Agence Hsin Hwa de 14 de janeiro de 1951: "Os cristãos chineses devem descobrir os tesouros do Evangelho de Cristo por si mesmos e para si mesmos. Devem libertar-se da teologia ocidental e criar um novo sistema teológico à sua medida. É esse o único meio de pôr em prática o espírito (revolucionário) do Evangelho de Cristo na nossa "nova China". Jen Min Je Pao de 8 de janeiro de 1951: "O nosso intuito é reconduzir a Igreja ao seu estado primitivo e, do ponto de vista político, adaptá-la resolutamente aos desejos do povo".
  25. 25. Os comunistas prestam atenção particular aos padres chineses. Um missionário francês, o Pe. Gerbier, refere as palavras de um comunista, personagem oficial, cristão apóstata, ex-aluno da Universidade Fujen de Pequim: “Nós consideramos os padres chineses como um ‘valor social’ que não somente não se deve fazer desaparecer, mas que, ao contrário, se deve recuperar. Eles representam um valor social nisto que, geralmente, receberam uma boa educação e uma excelente formação; além disto, foram habituados a observar uma disciplina severa, a viver segundo princípios bem determinados. Desde o início foi-lhes inculcada a devoção absoluta a um ideal, devoção que comporta renúncias, a aceitação, sem discutir, das diretrizes vindas de uma Hierarquia, uma orientação permanente para o bem comum da organização a que pertencem. O Partido Comunista não pede nada aos seus quadros senão isso, e, na China, as pessoas que têm formação dessa qualidade são, mais propriamente, raras. É por isto que, uma vez que os tenhamos libertado dos seus ‘preceptores’ estrangeiros, esperamos recuperar facilmente os padres e utilizá-los com proveito no campo social. Enviá-los-emos a campos de reeducação, a fim de que eles  mudem de cérebro... E, quando o seu cérebro estiver mudado, esses padres tornar-se-ão ardentes promotores da ordem nova. A sua tarefa primordial será então transformar o pensamento dos seus antigos fiéis, que, como eles, se enganaram de caminho seguindo a Cristo...” (Citado por L’Osservatore Romano de 30 de janeiro de 1955.
  26. 26. Cf. L’Osservatore Romano de 30 de janeiro de 1951.
  27. 27. Citaremos apenas o Padre Jesuíta Beda Chang, morto de miséria a 11 de novembro de 1951, ao cabo de três meses passados em prisão por haver recusado retratar a sua proclamação da Igreja “una, santa, católica e apostólica”. Poder-se-iam acrescentar muitos outros nomes: Mateus Chen, José Seng, etc.
  28. 28. A ação devida foi encetada pelo Jen Min Pao de 2 de maio de 1951. Nos dias seguintes multiplicaram-se as súplicas ao governo pedindo a expulsão do ‘estrangeiro’ de Mônaco (Mons. Riberi é monegasco), do imperialista Riberi. Cf. igualmente Jen Min Je Pao de 4 de junho; Chi Fang Pao (O Libertador) de Shangai, de 9 de junho. A coleta das assinaturas para a expulsão do Internúncio desenrolou-se em meio a uma campanha que acusava o Vaticano de imperialismo, de espionagem, de hitlerismo, de belicismo etc. Discursos, artigos de imprensa, caricaturas, filmes e todos os outros meios de propaganda foram postos por obra para lançar à lama o Papado e o Sumo Pontífice. Cf. People’s Daily de 29 de agosto.
  29. 29. A acusação era de “haver impelido os católicos a se oporem ao Governo do Povo”. Juntaram-lhe as acusações seguintes: ter protegido os agentes e os espiões dos países estrangeiros; haver feito ele próprio espionagem; ter organizado associações “clandestinas” contra-revolucionárias e, em particular, a Legião de Maria.
  30. 30. Cf. Hsin Hwa de 5 de setembro de 1951.
  31. 31. Ver o tratamento policial indigno reservado aos diplomatas da Santa-Sé, em China Missionary News Letter, n°34, de 12 de setembro de 1951.
  32. 32. Suprimiu-se inteiramente a imprensa católica, que, antes do advento do Regime Comunista, contava: 3 diários, 3 seminários, 16 revistas mensais, 3 bimensais. Por outro lado, o governo comunista sequestrou 216 hospitais, com 86.000 leitos, os 254 orfanatos com 15.700 órfãos, 781 dispensários, os asilos, as casas de retiros e as outras obras de caridade.
  33. 33. Como já o fizera para com o precedente Documento Pontifício “Cupimus imprimis” de 18 de janeiro de 1952, o governo chinês fez tudo o que pôde para impedir essa Encíclica de chegar ao conhecimento do clero e dos fiéis chineses.
  34. 34. Cf. Agence Hsin Hwa de 29 de julho de 1955. Relatório de Lo Juiching, Ministro da Segurança Pública. Como mais acima lembrado, a primeira ofensiva foi lançada em julho de 1950.
  35. 35. Agence Hsin Hwa de 28 de agosto de 1955.
  36. 36. “A eliminação dos elementos contra-revolucionários aninhados na Igreja Católica é uma luta difícil e complicada. Esses contra-revolucionários adquiriram, no decurso de uma longa série de combates, vasta experiência; estratégia e táticas de todos os gêneros são-lhe familiares. É por isso que devemos tomar a sério os nossos inimigos e tratá-los em conseqüência”. Editorial do Sin Wen Je Pao (Notícias Diárias), Shangai , 9 de setembro de 1955.
  37. 37. Sin Wen Je Pao de 9 de setembro de 1955. O jornal acrescentava: “A política do Governo Popular a respeito da religião é clara e precisa: enquanto agem conformemente às leis e à política (!) do governo, todos os católicos e fiéis das outras religiões podem ser protegidos em suas crenças religiosas e respeitados nos seus costumes e tradições. A coisa é conhecida de todos. Mas, no caso de Kung Pin-mei, havendo-se a sua quadrilha entregado a uma atividade contra-revolucionária, o nosso dever é suprimi-la energicamente”.
  38. 38. Proclamação assinada por Chen I e por Shu Yu, respectivamente Presidente e Vice-Presidente da Comissão de Controle Militar de Shangai. Cf. Sin Wen Je Pao de 9 de setembro de 1955.
  39. 39. Sin Wen Je Pao de 12 de setembro de 1955.
  40. 40. Cf. Anhwei Je Pao (Diário de Anhwei) de 13 de setembro de 1955 (Emissão da Rádio Popular de Anhwei). – Cf. igualmente Fukien Je Pao de 13 de setembro de 1955.
  41. 41. Cf.Emissão da Rádio Popular de Shangai de 15 de setembro de 1955.
  42. 42. Sin Wen Je Pao Shangai, 17 de setembro de 1955. – Por outro lado, a Agência Fides relatava pouco depois rasgos comoventes tais como estes: por ocasião de uma audiência de julgamento público, Mons. Kung Pin-mei teria exclamado por três vezes: “Viva Cristo-Rei!”
  43. 43. C.I.C.R.C., Bulletin d’information, agosto-novembro de 1955.
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