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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Art. 6 — Se as provas aduzidas por Cristo manifestaram suficientemente a verdade da sua ressurreição.

 O sexto discute-se assim. — Parece que as provas aduzidas por Cristo não manifestaram suficientemente a verdade da sua ressurreição. 

1. — Pois, Cristo não manifestou nada aos discípulos. depois da sua ressurreição, que também não pudessem os anjos manifestar ou deixar de o fazer, quando aparecem aos homens. Assim, os anjos frequentemente se mostravam aos homens em forma humana, com eles falavam conviviam e comiam como se verdadeiramente fossem homens. Tal o lemos na Escritura quando refere que Abraão deu hospitalidade a anjos; e que um anjo levou e reconduziu a Tobias. E contudo não tem corpo real a que estejam unidos naturalmente. o que é necessário para a ressurreição. Logo, os sinais que Cristo mostrou aos discípulos não eram suficientes para manifestar-lhe a ressurreição.
 
2. Demais. — Cristo ressurgiu glorioso, isto é. tendo a natureza humana, mas simultaneamente gloriosa. Ora, certas manifestações fez Cristo aos discípulos, contrárias à natureza humana; tal o se lhes desvanecer aos olhos e o entrar a ter com eles através de portas fechadas. E também eram contrárias à glória certas outras, como o comer e beber e o conservar as cicatrizes das chagas. Logo, parece que as referidas provas não eram suficientes nem convenientes a despertar a fé na ressurreição.
 
3. Demais. — O corpo de Cristo depois da ressurreição não era tal que pudesse se tocado pelos mortais; por isso ele próprio disse a Madalena: Não me toques porque ainda não subi a meu Pai. Logo, não era conveniente que, para manifestar a verdade da .sua ressurreição, se deixasse tocar pelos discípulos.
 
4. Demais. — Dentre os dotes do corpo glorificado o mais importante é a claridade. Ora, desse não tem Cristo, na ressurreição, nenhuma prova. Logo, parece que insuficientes eram as referidas provas para manifestar a qualidade da sua ressurreição.
 
5. Demais. — Os anjos apresentados como testemunhas da ressurreição a própria dissonância entre os Evangelistas mostra que eram insuficientes. Assim, Mateus nos mostra o anjo sobre a pedra revolvida e Marcos, no interior mesmo do monumento, quando as mulheres nele entraram. Além disso, esses dois evangelistas nos falam de um só anjo; ao passo que João, de dois, sentados; e Lucas, de dois também, mas de pé. Logo, parecem inconvenientes os testemunhos da ressurreição.
 
Mas, em contrário, Cristo que é a Sabedoria de Deus, dispõe todas as coisas com suavidade e conveniência, na frase da Escritura.
 
SOLUÇÃO. — Cristo manifestou de dois modos a sua ressurreição: pelo testemunho e por provas ou sinais. E arribas essas manifestações foram, no seu gênero, suficientes. Assim, serviu-se de duplo testemunho para manifestar a ressurreição aos discípulos, e nenhum deles pode ser recusado.  O primeiro foi o dos anjos, que anunciaram a ressurreição às mulheres, como o narram todos os evangelistas. Outro é o testemunho das Escrituras, que ele próprio aduziu para provar a sua ressurreição, como o relata o Evangelho. Quanto às provas, também foram suficientes para declarar a sua verdadeira ressurreição, mesmo enquanto gloriosa. Ora, que a sua ressurreição foi verdadeira ele o mostrou, primeiro, quanto ao seu corpo. Relativamente a esta três coisas manifestou. - Primeiro, que era um corpo verdadeiro e real, e não um corpo fantástico ou rarefeito, como o ar. E isso o mostrou deixando que o tocassem. Por isso, ele próprio o disse: Apalpai e vede, que um espírito não tem carne nem ossos, como vós vedes que eu tenho.  Segundo. mostrou que tinha um corpo humano. deixando verem os discípulos a sua verdadeira figura. que contemplavam com os olhos.  Terceiro, mostrou-lhes que era o corpo identicamente o mesmo que antes tinha, mostrando-lhes as cicatrizes das chagas.  Por isso diz, no Evangelho: Olha para as minhas mãos e pés, porque sou eu mesmo. De outro modo, mostrou-lhes a verdade da sua ressurreição quanto à alma, de novo unida ao corpo. E isso, pelas atividades de uma tríplice vida.  Primeiro, pela atividade da vida nutritiva, comendo e bebendo com os discípulos, como lemos no Evangelho.  Segundo. pela atividade da vida sensitiva, quando respondia às interrogações dos discípulos e saudava os presentes, mostrando assim que via e ouvia. - Terceiro, pela atividade da vida intelectiva, pelo que os discípulos com ele falavam e discorriam sobre as Escrituras. E para nada faltar a essa perfeita manifestação, revelou também a sua natureza divina pelo milagre feito na pesca maravilhosa e, além disso, por ter subido ao céu à vista dos discípulos. Pois, como diz o Evangelho, ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, a saber, o Filho do homem,que está no céu. E também manifestou a glória da sua ressurreição aos discípulos por ter entrado a eles, estando as portas fechadas. Tal o que diz Gregório: O Senhor deu a tocar o seu corpo, que entrava estando as portas fechadas, para mostrar que, depois da ressurreição, tinha a mesma natureza mas com uma glória diferente. - Semelhantemente, também foi por uma propriedade da glória, que de súbito desapareceu-Ihes de diante dos olhos, na frase do Evangelho; pois, assim mostrava que tinha o poder de deixar-se ver ou não, e isso é uma propriedade do corpo glorioso, como dissemos.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora cada uma das provas, em particular, não bastasse a manifestar a ressurreição de Cristo, contudo todas tomadas simultaneamente a manifestam de modo perfeito, sobretudo pelo testemunho da Escritura, pelas palavras dos anjos e também pela afirmação mesma de Cristo confirmada por milagres. Quanto aos anjos que apareceram, não afirmavam que fossem homens como Cristo se afirmou verdadeiramente homem.  E contudo foi um o modo de comer de Cristo e outro o do anjo. Pois, por não serem os corpos assumidos pelos anjos vivos ou animados, não comeram eles verdadeiramente, embora na realidade triturassem os alimentos que iam ter à parte interior do corpo assumido. Por isso o anjo disse a Tobias: Quando eu estava convosco, a vós parecia-vos que eu comia e bebia convosco, mas eu sustento-me de um manjar invisível. Mas, como o corpo de Cristo era verdadeiramente animado, comeu verdadeiramente. Pois, no dizer de Agostinho, o corpo ressurrecto fica isento não do poder, mas da necessidade de comer. Donde o dizer Beda, Cristo comeu por poder e não por necessidade.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos Cristo se serviu de várias provas para manifestar a sua verdadeira natureza humana; e de certas outras para mostrar a glória de ressurrecto. Ora, a condição da natureza humana, considerada em si mesma, no estado da vida presente, contraria à condição da glória, segundo aquilo do Apóstolo: Semeia-se em vileza, ressuscitará em glória. Por onde, as provas para manifestar o estado glorioso estão em oposição à natureza, não considerada absolutamente, mas ao seu estado presente, e ao inverso. Por isso diz Gregório, que duas causas admiráveis o Senhor mostrou e muito contraditórias aos olhos da razão humana: conservar, depois da ressurreição, o seu corpo simultaneamente incorruptível e capaz de ser tocado.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como adverte Agostinho, o Senhor disse: Não me toques porque ainda não subi a meu Pai, para que essa mulher figurasse a Igreja formada pelos gentios, que acreditou em Cristo quando ele subiu ao Pai. Ou quis Jesus que se acreditasse nele, isto é, que fosse tocado espiritualmente, de modo a ser considerado na sua unidade com o Pai. Porque, no seu senso íntimo, quem assim o considera, crê que de certo modo Cristo, subindo ao Pai, subiu a quem o reconhece como seu igual. Ao passo que a mulher, chorando-o como homem, carnalmente cria nele. Quanto ao que se lê em outro lugar do Evangelho, que Maria o tocou, quando se lhe achegou, junto com outras mulheres, e lhes abraçou os pés, não encerra isso nenhuma dificuldade, diz Severiano. Porque no primeiro caso trata-se de uma figura e no segundo, do sexo; naquele da graça divina; neste, da natureza humana. — Ou como o explica Crisóstomo, essa mulher queria tratar ainda o Cristo como se fosse antes da Paixão. Invadida de atearia, esquecia-se da grandeza do seu Salvador; pois, o corpo de Cristo tinha-se, com efeito, revestido de uma glória incomparável, depois de ressurrecto . Por isso lhe disse: Ainda não subi a meu Pai, como se lhe dissesse: Não penses que ainda vivo uma vida mortal. Se ainda na terra me vês, é porque inda não subi a meu Pai; mas dentro em pouco para ele subirei. E por isso acrescenta: Subo para meu Pai e vosso Pai.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Como diz Agostinho, o Senhor ressurgiu com seu corpo glorificado; mas não quis aparecer assim glorioso aos discípulos, porque os olhos a ele não podiam suportar a grande glória. Pois, antes de ter morrido por nós e ressurgido, quando foi da transfiguração no monte, já os discípulos não no puderam contemplar; com maior razão não poderiam fitar o corpo do Senhor glorificado. - Devemos também considerar que depois da ressurreição o Senhor queria sobretudo mostrar que era o mesmo que tinha morrido. O que poderia ficar grandemente impedido se lhes manifestasse a glória do seu corpo. Pois, as mudanças de figura são as que sobretudo revelam a diversidade do que vemos; porque os sensíveis comuns, entre os quais se contam a unidade e a multiplicidade, ou a identidade e a diversidade, a vista é a que sobretudo julga deles. Mas antes da Paixão a fim de que os discípulos não o desprezassem pelas humilhações dela, quis Cristo mostrar-lhes a glória da sua majestade, revelada principalmente pela glória do corpo, Por isso, antes da Paixão, manifestou aos discípulos a sua glória refulgente; Iras, depois da ressurreição, por outros indícios.
 
RESPOSTA À QUINTA. — Como diz Agostinho, podemos, com Mateus e Marcos, entender que as mulheres viram um anjo, supondo que o foi quando entraram no monumento, isto é, num certo espaço cercado por um muro de pedras, e aí viram o anjo sentado na pedra revolvida do sepulcro, como refere Mateus; isto é, sentado à direita, como requer Marcos. Em seguida, enquanto examinavam o lugar, onde tinha jazido o corpo do Senhor, viram os dois anjos, primeiro, sentados, no dizer de João, e depois levantados, de modo que pareciam estar de pé, como relata Lucas. 

Art. 5 — Se Cristo devia declarar com provas a verdade da sua ressurreição.

 O quinto discute-se assim. — Parece que Cristo não devia declarar com provas a verdade da sua ressurreição.

1. — Pois, diz Ambrósio: Deixa-te de provas, quando se trata da fé. Ora, a ressurreição de Cristo é matéria de fé. Logo, não é susceptível de provas.
 
2. Demais. — Gregório diz: Nenhum mérito tem a fé, quando a razão humana se funda na experiência. Ora, Cristo não devia privar-nos do mérito da fé. Logo, não devia confirmar com provas a sua ressurreição.
 
3. Demais. — Cristo veio ao mundo para tornar possível aos homens a aquisição da felicidade, segundo a Escritura: Eu vim para terem a vida e para terem em maior abundância. Logo, parece que Cristo não devia manifestar com provas a sua ressurreição.
 
Mas, em contrário, a Escritura refere que Cristo apareceu aos discípulos por quarenta dias, com muitas provas, falando-lhes do reino de Deus.
 
SOLUÇÃO. — O vocábulo - prova - é susceptível de duplo sentido. Num, assim se chama qualquer razão que nos leve a dar fé a uma causa duvidosa. Noutro, é às vezes um sinal sensível que induz a manifestação de alguma verdade; assim, Aristóteles nas suas obras usa às vezes ao referido vocábulo neste sentido. Ora, tomando a palavra no primeiro sentido, Cristo não deu aos seus discípulos prova da sua ressurreição. Porque tal prova seria um argumento resultante de determinados princípios: e estes, não sendo conhecidos dos discípulos, nada por eles se lhes poderia provar, pois, do desconhecido não podemos tirar nenhum conhecimento. E, de outro lado, se lhes fossem conhecidos, não transcenderiam a razão humana e portanto, não seriam eficazes para fundar a fé na ressurreição, que excede a nossa razão: pois os princípios devem ser do mesmo gênero que as coisas que pretendem provar, como diz Aristóteles. Ora, Cristo provou aos discípulos a sua ressurreição pela autoridade da Sagrada Escritura, fundamento da fé, quando disse: Era necessário que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, nos profetas e nos salmos.
Mas, se considerarmos a prova na segunda acepção então dizemos que Cristo declarou por provas a sua ressurreição, porque mostrou por certos sinais evidentíssimos, que verdadeiramente ressurgiu. Por isso, o grego, em lugar de dizer como a vulgata - com muitas provas - diz TfXJJ.'YJPW'" isto é, sinal evidente para provar. E esses sinais de ressurreição Cristo os manifestou aos discípulos, por duas razões. Primeiro, porque os corações deles não estavam dispostos a dar fàcilmente fé à ressurreição. Por isso Cristo lhes disse: ó estultos e tardas de coração para crer! E noutro lugar o Evangelho diz que Cristo lhes lançou em rosto a sua incredulidade e dureza de coração.  Segundo, para que, mediante tais sinais a eles manifestados, o testemunho que dessem fosse mais eficaz, segundo aquilo da Escritura: O que vimos e ouvimos e palparam as nossas mãos, disso damos testemunho.
 
DONDE RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.  Ambrósio, no lugar citado, funda-se em argumentos baseados na razão humana. Os quais não são válidos para demonstrar as coisas da fé, como dissemos. 



RESPOSTA À SEGUNDA. — O mérito da fé está em crermos por ordem de Deus o que não vemos. Por onde, só exclui o mérito aquela razão que no, dá a ver pela ciência o que nos foi proposto a crer; e tal é a razão demonstrativa. Ora, a tais razões Cristo não recorreu para declarar a sua ressurreição.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, o mérito da beatitude, cuja causa é a fé, não fica totalmente excluído, salvo se não quiséssemos crer senão no que vemos. O fato porém de alguém crer o que não vê, mediante sinais visíveis, não elimina totalmente a fé nem o seu mérito. Assim Tomé, a quem o Senhor disse - Porque me viste, creste, viu uma causa e creu outra: viu as chagas e creu em Deus. É, porém fé mais perfeita a que, para crer, não exige esses auxílios. Por isso, para arguir a falta de fé em certo, o Senhor disse: Vós, se não vedes milagres e prodígios, não credes. E, assim sendo, podemos entender que os de alma pronta a crer a Deus, mesmo sem nenhuns sinais visíveis, são bem-aventurados, por comparação com os que não crêem sem que vejam tais sinais. 

Art. 4 — Se Cristo devia aparecer aos discípulos sob figura diferente.

 O quarto discute-se assim. — Parece que Cristo não devia aparecer aos discípulos sob uma figura diferente.

1. — Pois, não pode realmente aparecer senão o que existe. Ora Cristo só tinha uma figura. Se, portanto, apareceu com figura diferente a sua aparição não era real mas ficta. O que é inadmissível, porque, como diz Agostinho, se Cristo engana, não é a Verdade; ora Cristo é a Verdade. Logo, parece que Cristo não devia aparecer aos discípulos sob uma figura diferente.
 
2. Demais. — Ninguém pode aparecer aos outros com uma forma diferente da que tem, salvo se os olhos dos que contemplam forem iludidos com fantasmagorias. Ora, essas fantasmagorias sendo produto das artes mágicas, não convinham a Cristo, segundo o Apóstolo: Que concórdia entre Cristo e Belial? Logo, parece que não devia aparecer sob uma forma diferente.
 
3. Demais. — Assim como pela Sagrada Escritura a nossa fé se certifica. assim os discípulos certificados foram na fé da ressurreição de Cristo por meio das aparições. Ora, como diz Agostinho, uma só inverdade que contenha a Sagrada Escritura infirma-lhe totalmente a autoridade. Se. portanto Cristo apareceu aos discípulos uma só vez, sob forma diferente da sua, ficou infirmado tudo quanto eles, depois da ressurreição, viram em Cristo. O que é inadmissível. Logo, não devia ter-lhes aparecido sob forma diferente.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: Depois disto se mostrou em outra forma a dois deles que iam caminhando para uma aldeia.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, a ressurreição de Cristo devia manifestar-se aos homens do modo pelo qual as coisas divinas lhes são reveladas. Ora, as coisas divinas são reveladas aos homens diversamente, conforme as disposições diversas que eles apresentam. Assim, os de mente bem disposta as percebem como verdadeiramente são. Os que, porém são desprovidos dessa disposição, as percebem com um misto de dúvidas e erros; pois, como diz o Apóstolo, o homem animal não percebe aquelas coisas que são do Espírito de Deus. Por isso Cristo a certos que, depois da ressurreição, estavam dispostos a crer se lhes manifestou com a sua forma própria. Mas a outros se apresentou com forma diversa, que já parecia entibiarem na fé. Donde o dizer o Evangelho: Ora, nós esperávamos que ele fosse o que resgatasse Israel. E por isso diz Gregório, que Cristo se lhes manifestou corporalmente tal como eles pensavam que fosse. Senâo-lhes ainda estranho aos corações, de fé tíbia, fingiu que ia mais longe, isto é. como se fosse estrangeiro.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Agostinho, nem tudo o que fingimos é mentira, senão só quando fingimos o que nada significa. Não há, pois, mentira, mas verdade figurada quando a nossa ficção significa alguma coisa. Do contrário, por mentiras se reputariam todas as expressões figuradas usadas pelos sábios e varões santos, ou mesmo pelo Senhor, porque conforme o uso corrente nenhuma verdade encerram tais expressões. Ora, como os ditos, também os- fatos podem ser fictos, sem mentira, para significar alguma realidade. E tal é o caso presente, como se disse.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, o Senhor podia transformar a sua carne, de modo que exibisse figura realmente diferente daquela que costumavam ver; assim como, antes da Paixão, transformou-se no monte, de maneira que a face lhe resplandecia como o sol. Mas tal não se deu no caso presente E talvez não repugnasse também acreditar que os olhos dos discípulos fossem vítima da ilusão de Satan para impedi-los de reconhecer a Jesus. Daí o referir o Evangelho, que os olhos deles estavam como fechados, para o não reconhecerem.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A razão aduzida colheria, se pelo aspecto de uma figura estranha os discípulos não tivessem sido levados a contemplar a verdadeira figura de Cristo. Pois, como diz Agostinho no mesmo lugar, que os olhos deles estivessem iludidos do modo referido, Cristo não o permitiu senão até a fração do pão, ensinando-nos assim que o participar à unidade do seu corpo tem o efeito de afastar todos os obstáculos suscitados pelo inimigo para nos impedir de reconhecer a Cristo. Por isso, no mesmo lugar se acrescenta que, abriram-se-lhes os olhos e o reconheceram; não que andassem antes com os olhos fechados, mas se lhes interpunha um obstáculo que não lhes permitia reconhecer o que viam efeito esse habitual da caligem de algum humor. 

Art. 3 — Se Cristo, depois da ressurreição devia conviver continuamente com os discípulos.

 O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo, depois da ressurreição, devia conviver continuamente com os discípulos.

1. — Pois, apareceu aos discípulos depois da ressurreição para dar-Ihes a certeza dela e consolá-Ias na sua perturbação, segundo o Evangelho: Alegraram-se os discípulos de terem visto o Senhor. Ora, mais se teriam certificado e consolado se lhes tivesse logo manifestado a eles. Logo, parece que devia conviver continuamente com eles.
 
2. Demais. — Cristo ressurrecto dos mortos não subiu logo ao céu, só depois de quarenta dias, como se lê na Escritura. Ora, no tempo intermediário em nenhum outro lugar podia mais convenientemente estar que onde os seus discípulos estavam todos congregados. Logo, parece que devia conviver continuamente com eles.
 
3. Demais. — No domingo mesmo da ressurreição Cristo apareceu cinco vezes, como lemos no Evangelho e o adverte Agostinho com as palavras seguintes. Primeiro, às mulheres no sepulcro; segundo, ainda a elas quando voltavam do sepulcro; terceiro, a Pedro; quarto, aos dois discípulos que iam a uma aldeia; quinto, a vários em Jerusalém, entre os quais não estava Tomás. Logo, parece que também nos outros dias, antes da sua ascensão, devia aparecer-Ihes, ao menos várias vezes por dia.
 
4. Demais. — O Senhor, antes da Paixão, disse aos discípulos. Depois que eu ressurgir irei adiante de vós para a Galileia. O que também o anjo e o próprio Senhor disse às mulheres depois da ressurreição. E, contudo foi antes visto deles em Jerusalém; e no dia mesmo da ressurreição, como se disse; e também no oitavo dia como lemos no Evangelho. Logo, parece que não conviveu com os discípulos, de modo conveniente, depois da ressurreição.
 
Mas, em contrário, o Evangelho, diz que depois de oito dias é que Cristo apareceu aos discípulos. Logo, não conviveu com eles continuamente.
SOLUÇÃO. — Duas coisas deviam ser manifestas aos discípulos concernentes à ressurreição de Cristo: a verdade da ressurreição e a glória do ressurgente, Ora, para manifestar a verdade da ressurreição bastava que lhes aparecesse várias vezes cem eles familiarmente falasse, comesse, bebesse e lhes oferecesse o corpo a tocarem. Quanto à manifestar a sua glória de ressurrecto, não quis conviver com eles continuamente, como fizera antes, a fim de que não parecesse ter ressurgido para a mesma vida que vivia antes. Por isso lhes disse: Isto é o que queriam dizer as palavras que eu vos dizia quando ainda estava convosco. Ora, então lhes estava presente corporalmente; ao passo que antes lhes estava presente não só corporalmente, mas ainda sob a aparência de um corpo mortal. Por isso Beda, expondo as palavras supra referidas diz: Quando ainda estava convosco, isto é, quando ainda tinha um corpo mortal, como o que ainda tendes. E verdade que então ressuscitou com a mesma carne, mas já não tinha a mesma mortalidade que eles.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — As frequentes aparições de Cristo bastavam para certificar os discípulos da verdade da ressurreição. Mas o conviver continuadamente com eles podia induzi-Ios em erro, se acreditassem ter ele ressurgido para uma vida semelhante a que antes vivera. Quanto à consolação com a sua contínua presença, prometeu que a teriam na outra vida, consoante ao Evangelho: Eu hei-de ver-vos de novo e o vosso coração ficará cheio de gozo; e o vosso gozo ninguém vo-to tirará.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Se Cristo não conviveu continuamente com os discípulos não é porque pensasse fosse mais conveniente estar alhures. Mas porque julgava mais conveniente para a instrução deles, com eles não conviver continuamente, pela razão já dada. Ignoramos porém em que lugares lhes apareceu corporalmente, nesse meio tempo, pois não no-lo refere a Escritura; demais, em todo lugar é o seu senhorio na mesma frase.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Se no primeiro dia apareceu mais frequentemente, foi porque os Apóstolos deviam ser advertidos por meio de sinais, de modo que desde o princípio tivessem fé na ressurreição.  Mas depois de a terem recebido, não era preciso que, já certificados, fossem instruídos com tão frequentes aparições. Por isso não lemos no Evangelho que lhes aparecesse depois do primeiro dia, senão cinco vezes. Pois, como diz Agostinho, depois das primeiras cincos aparições, apareceu-lhes pela sexta vez quando Tomás o viu; pela sétima, no mar de Tiberíades, na captura dos peixes; pela oitava, no monte da Galileia segundo Mateus; pela nona, como relata Marcos, numa última ceia, porque já não haveriam de conviver com ele na terra; pela décima, no dia mesmo em que, não já na terra, mas elevado nas nuvens, quando subiu ao céu. Mas nem tudo o que fez está escrito, como o confessa João. Assim, pois, conviveu frequentemente com eles antes de ter subido aos céus. E isto tudo para a consolação deles. Por isso o Apóstolo diz: Foi visto por mais de quinhentos irmãos estando juntos; depois foi visto de Tiago. Mas dessas aparições não faz menção o Evangelho.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Crisóstomo, assim expõe aquilo do Evangelho  Depois que eu ressurgir irei adiante de vós para a Galileia.  Não vai, diz, a nenhuma região longínqua para se lhes manifestar; mas lhes aparece no meio mesmo da sua nação e nos próprios lugares onde sempre convivera com eles. De modo que, assim, cressem que o crucificado foi o mesmo que ressurgiu. E diz que iria para a Galileia para se libertarem ele do temor dos judeus. Assim, pois, como diz Ambrósio, o Senhor anunciou aos discípulos que o veriam na Galileia mas como o tremor os retinha encerrados no cenáculo, foi aí que primeiro se lhes mostrou. Nem por isso faltou ao cumprimento da promessa ao contrário, foi um cumprimento prematuro e misericordioso dela. Mas depois, quando já tinha a alma confortada, dirigiram-se para a Galileia. Podemos porem dizer igualmente que, tendo-se revelado a poucos no cenáculo, quis mostrar-se a muitos, na montanha. Pois, como adverte Eusébio, os dois evangelistas, Lucas e João, escrevem que Cristo apareceu em Jerusalém aos onze. Mas os outros dois nos referem que ele foi para a Galileia: para se manifestar, não somente aos onze, mas ainda a todos os discípulos e irmãos, como o tinha ordenado o Anjo e o Salvador. O que também Paulo menciona, quando diz: Depois apareceu simultaneamente a mais de quinhentos irmãos. Mas a solução mais verdadeira é que primeiro foi visto uma ou duas vezes dos que estavam escondidos em Jerusalém, para consolação deles. Ao passo que na Galileia, não as oculta nem uma ou duas vezes se manifestou, mas ostentando toda a grandeza do seu poder, mostrando-se-lhes vivo, depois da Paixão, por muitos milagres, como o atesta Lucas no Atos, ou, como quer Agostinho, o dito do anjo e do Senhor, que haveria de ir adiante deles para a Galileia deve ser tomado em sentido profético. Pois, essa espécie de transmigração, representada pela Galileia; dava-lhes a entender que os Apóstolos passariam a pregar do povo de Israel para os gentios. Aos quais não teriam ousado ensinar o Evangelho se o Senhor mesmo não lhes tivesse preparado o caminho no coração dos homens. Tal o sentido das palavras do Evangelho: Eu irei adiante de vós para a Galileia; mas a palavra Galileia também significa revelação; e neste sentido podemos entender que Cristo não teria mais a forma de servo, mas a que o torna igual ao Pai e da qual prometem aos seus amigos fieis a participação. E que partiu para um lugar donde não se afastaria, vindo ter conosco, e partindo para o qual, não nos abandonaria. 

Art. 2 — Se deviam os discípulos ver Cristo ressurgir.

 O segundo discute-se assim. — Parece que deviam os discípulos ver Cristo ressurgir.

1. — Pois os discípulos deviam testificar a ressurreição de Cristo, segundo aquilo da Escritura: Os apóstolos com grande valor davam testemunho da ressurreição de Jesus Cristo Nosso Senhor. Ora, o testemunho mais certo é o da vista. Logo, deviam eles por si mesmos presenciar a ressurreição de Cristo.
 
2. Demais. — Para terem a certeza da fé os discípulos presenciaram a ascensão de Cristo, segundo a Escritura: Vendo-o eles, se foi elevando. Ora, também era necessário que tivessem uma fé certa na ressurreição de Cristo. Logo parece que Cristo devia ressurgir na presença deles.  
 
3. Demais. — A ressurreição de Lázaro foi um sinal da ressurreição futura de Cristo. Ora, o Senhor ressuscitou Lázaro àvista dos discípulos. Logo, parece que também Cristo devia ressurgir na presença deles. .
 
Mas, em contrário, o Evangelho: O Senhor, tendo ressurgido de manhã no primeiro dia da semana, apareceu primeiramente a Maria Madalena. Ora, Maria Madalena não o viu ressurgir, mas, estando à procura dele no sepulcro ouviu do Anjo: Ressurgiu, não está aqui. Logo, ninguém o viu ressurgir.
 
SOLUÇÃO. — Como diz o Apóstolo, as causas de Deus são ordenadas. Ora, é ordem instituída por Deus que as verdades superiores ao homem lhes sejam reveladas pelos anjos, como está claro em Dionísio: Ora, Cristo ressurrecto não voltou a viver uma vida habitual dos homens. mas passou a uma vida imortal como a que é própria de Deus, segundo o Apóstolo: Mas enquanto ao viver, vive para Deus. Por isso, a ressurreição mesma de Cristo não devia ser imediatamente presenciada pelos homens, mas a eles anunciada pelos anjos. Donde o dizer Hilário: O anjo foi o primeiro mensageiro da ressurreição, para que esta fosse anunciada por um ministro familiar da vontade paterna.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os Apóstolos puderam ser testemunha de vista da ressurreição de Cristo, porque com os próprios olhos viram-no vivo, depois de ressurrecto, a ele que sabiam tinha morrido. Ora, assim como chegamos à visão da bem-aventurança pela fé que ouvimos pregar, assim os homens chegaram à visão de Cristo ressurrecto pelo que primeiro ouviram dos anjos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A ascensão de Cristo, quanto ao seu ponto de partida, não transcendia o conhecimento comum aos homens; mas só quanto ao seu termo de chegada. Por isso os discípulos puderam presenciar o início da ascensão de Cristo, isto é, quando se elevava da terra. Mas não a viram no seu termo, porque não viram como foi recebido no céu. Ao passo que a ressurreição de Cristo transcendia o conhecimento comum quanto ao seu ponto de partida, que foi a volta da sua alma dos infernos e a saída do corpo do sepulcro fechado. E também quanto ao ponto de chegada, pelo qual alcançou a vida gloriosa. Por isso a ressurreição não devia ser tal que fosse vista pelos homens
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Lázaro ressuscitou para voltar àvida que antes vivia, e que não ultrapassava o conhecimento comum dos homens. Por onde, não há semelhança de razão. 

Art. 1 — Se a ressurreição de Cristo devia manifestar-se a todos.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que a ressurreição de Cristo devia manifesta-se a todos.

 Pois, a um pecado público é devida uma pena pública, segundo aquilo do Apóstolo: Aos que pecarem repreende-os diante de todos. Assim também a quem publicamente mereceu é devido um premio público. Ora, a glória da ressurreição foi o premio das humilhações da Paixão, como diz Agostinho. Logo, tendo a Paixão de Cristo sido manifesta a todos, pois publicamente a sofreu, parece que a glória da sua ressurreição também devia manifestar-se a todos.
 
2. Demais. — Assim como a Paixão de Cristo se ordenava à nossa salvação, assim também a sua ressurreição, conforme àquilo do Apóstolo: Ressuscitou para a nossa justificação. Ora, o respeitante à utilidade pública deve manifestar-se a todos. Logo, a ressurreição de Cristo devia manifestar-se a todos e não especialmente a certos.
 
3. Demais. — Aqueles a quem se manifestou a ressurreição de Cristo foram testemunhas da ressurreição, conforme aquilo da Escritura: A quem Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunha. Ora, esse testemunho o davam proclamando-o publicamente. O que não é próprio das mulheres, segundo o Apóstolo: As mulheres estejam caladas na Igreja. E noutro lugar: Eu não permito à mulher, que ensine. Logo, parece que inconvenientemente a ressurreição de Cristo foi manifesta primeiro às mulheres que aos homens em geral.
 
Mas, em contrário, a Escritura: A quem Deus ressuscitou ao terceiro dia e quis que se manifestasse, não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia ordenado antes.
 
SOLUÇÃO.  As coisas que conhecemos, umas as conhecemos pela lei geral da natureza; outras por um especial dom da graça, como as reveladas por Deus. E estas como diz Dionísio, estão sujeitos à lei divina, de serem por Deus revelados imediatamente ao superior, mediante aos quais chegam ao conhecimento dos inferiores, como o demonstra a ordenação dos espíritos celestes. Ora, o concernente àglória futura excede o conhecimento comum dos homens, conforme àquilo da Escritura: O olho não viu, exceto tu, ó Deus, o que tens preparado para os que te esperam. Por isso, tais coisas o homem não as conhece senão revelados por Deus conforme o diz o Apóstolo: Deus nô-lo revelou a nós pelo seu Espírito. Ora, como Cristo ressurgiu gloriosamente, por isso a sua ressurreição não foi manifesta a todo o povo, mas só a certos, cujo testemunho deu-a a conhecer aos demais.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.  A Paixão de Cristo se consumou num corpo dotado ainda de uma natureza passível, conhecida de todos por uma lei comum. Por isso a Paixão de Cristo podia manifestar-se imediatamente a todo o povo. Ao passo que a Ressurreição de Cristo se operou pela glória do Pai, como diz o Apóstolo. Por isso manifestou-se imediatamente, não a todos, mas a certos.  Quanto a ser uma pena pública imposta aos pecadores públicos, isso se entende das penas da vida presente. E semelhantemente, méritos públicos hão de premiar-se em público, para estímulo dos outros. Mas as penas e os prêmios da vida futura não são manifestados publicamente a todos; mas especialmente àqueles a quem Deus o pre-ordenou.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A ressurreição de Cristo, ordenada à salvação de todos, também chegou ao conhecimento de todos, não que se manifestasse a todos Imediatamente, mas a certos, mediante cujo testemunho, a conhecessem os demais.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — À mulher não é permitido ensinar publicamente na Igreja; mas permitido lhe é instruir privadamente a certos, num ensinamento doméstico. Por onde como Ambrósio diz, uma mulher foi enviada aos da família de Cristo; mas não a dar testemunho da ressurreição do povo.  E se Cristo apareceu primeiro às mulheres, foi para a mulher, que fora a primeira a levar ao homem a mensagem da morte, fosse também a primeira a anunciar a vida de Cristo ressurecto para a glória. Donde o dizer Cirilo: A mulher, outrora ministra da morte, foi a primeira a perceber e a anunciar o venerando mistério da redenção. Assim, o gênero feminino alcançou tanto a absolvição da ignomínia como o repúdio da maldição. E também se mostrava desse modo simultaneamente que no concernente ao estado da glória, nenhum detrimento sofreria o sexo feminino; mas, se tiverem mais ardente a caridade, de maior glória também gozarão da visão divina. Por isso as mulheres, que mais ardentemente amaram o Senhor, a ponto de não se afastarem do seu sepulcro, que os próprios discípulos tinham abandonado, também foram as primeiras a ver o Senhor na glória da ressurreição. 

Art. 4 — Se o corpo de Cristo devia ressurgir com cicatrizes.

 O quarto discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo não devia ressurgir com cicatrizes.

1. — Pois, diz o Apóstolo, que os mortos ressurgirão incorruptíveis. Ora, tanto as cicatrizes como as feridas implicam de certo modo corrupção e defeito. Logo, não devia Cristo, autor da ressurreição, ressurgir com cicatrizes.
 
2. Demais. — O corpo de Cristo ressurgiu íntegro. Ora, feridas abertas contrariam a integridade do corpo, pois causam nele descontinuidade. Por onde, parece que não devia o corpo de Cristo conservar quaisquer aberturas de feridas, embora nele se conservassem certos sinais delas, suficientes para percebê-las a vista à qual Tomé acreditou, ele a quem foi dito: Tu creste, Tomé, porque me viste.
 
3. Demais. — Damasceno diz: Depois da ressurreição de Cristo, certas causas lhe atribuímos, como as cicatrizes em sentido próprio, não porém segundo a natureza, senão só excepcionalmente, para significar que o mesmo corpo que sofreu foi também o que ressurgiu. Ora, cessada a causa, cessa o efeito. Por onde, parece que uma vez certificados os discípulos da sua ressurreição, não era já necessário que conservasse as cicatrizes. Mas não convinha à imutabilidade da sua glória, que assumisse qualquer causa que perpetuamente nele não existisse. Logo, parece que não devia, ressurgido, assumir um corpo com cicatrizes. Mas, em contrário, o Senhor diz a Tomé: Mete aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua mão e mete-a no meu lado.
 
SOLUÇÃO. — Devia a alma de Cristo, na ressurreição, reassumir o seu corpo com as cicatrizes.  Primeiro, por causa da glória mesma de Cristo. Assim, como diz Beda, conservou as cicatrizes, não pelas não poder fazer desaparecer, mas a fim de manifestar a todos e perpetuamente o triunfo da sua vitória. E por isso diz Agostinho, que talvez no reino celeste veremos nos corpos dos mártires as cicatrizes das feridas, que sofreram pelo nome de Cristo. O que lhes constituirá, não uma deformidade, mas uma dignidade; e então há de refulgir neles a beleza da virtude existente no corpo, mas sem ser do corpo.  Segundo, para confirmar o coração dos discípulos na fé da sua ressurreição.  Terceiro, para mostrar sempre, ao orar ao Pai por nós, que gênero de morte sofreu pelo homem.  Quarto, para relembrar incessantemente àqueles a quem resgatou com a morte, a misericórdia de que usou para com eles.  E enfim, para também desse modo mostrar, no juízo, aos condenados, quão justamente o foram. Pois, como diz Agostinho, Cristo sabia porque queria conservar no seu corpo as cicatrizes. Porque, assim como as mostrou a Tomé, que não queria crer senão tocando-as e vendo-as, assim também há de mostrar, mesmo aos seus inimigos, as suas feridas, para que a Verdade, ao confundi-Ias, lhes declare: Eis o homem a quem crucificaste. Vedes as feridas que me causastes. Reconhecei o lado que trespassastes  aberto por vós e por causa vossa, sem contudo nele terdes querido entrar.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Essas cicatrizes que permaneceram no corpo de Cristo, não implicam nenhuma corrupção nem qualquer defeito, mas um maior cúmulo de glória, como uns sinais da sua virtude. E nesses lugares mesmo das feridas se manifestará um esplendor especial.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora essas feridas abertas impliquem uma certa solução de continuidade, tudo isso é recompensado porém por um maior esplendor da glória, de modo que o corpo longe de perder da sua integridade, mais perfeito se tornará. Tomé, porém não só viu, mas também tocou as feridas; porque, como diz Leão Papa, bastava-lhe à sua fé ter insto o que vira; mas foi em nosso proveito o ter tocado aquele a quem via.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo quis que as cicatrizes permanecessem no seu corpo, não só para certificar a fé dos discípulos, mas ainda por outras razões. Donde se conclui que essas cicatrizes sempre lhe permaneceram no corpo. Pois, diz Agostinho: Creio que o corpo do Senhor está no céu como existia quando a ele subiu. E Gregório diz, se alguma causa podia mudar-se no corpo de Cristo, depois da ressurreição, o Senhor podia voltar a morrer, depois de ressurrecto  contra a afirmação verídica de Paulo. Mas quem com estultície ousará dizê-lo, senão quem negar a verdadeira ressurreição da carne? Por onde é claro que as cicatrizes que Cristo mostrava no seu corpo, depois da ressurreição, nunca mais se lhe deliram dele. 

Art. 3 — Se o corpo de Cristo ressurgiu glorioso.

 O terceiro discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo não ressurgiu glorioso.

 
1. — Pois, os corpos gloriosos são refulgentes, segundo aquilo do Evangelho: Resplandecerão os justos, como o sol, no reino de seu Pai. Ora o que torna os corpos resplandecentes é a luz e não a cor. Mas, tendo o corpo de Cristo sido visto sob a espécie de cor, como antes era visto, parece que não foi glorioso.
 
2. Demais. — O corpo glorioso é incorruptível. Ora, parece que o corpo de Cristo não foi incorruptível. Pois, podia ser apalpado, como ele próprio o disse: Apalpai e vede. E Gregório diz que necessàriamente o que pode corromper-se pode ser apalpado, e apalpado não pode ser o que não se corrompe. Logo, o corpo de Cristo não foi glorioso.
 
3. Demais. — O corpo glorioso não é animal, mas espiritual, como está claro no Apóstolo. Ora, parece que o corpo de Cristo, depois da ressurreição, era animal, pois comeu e bebeu com os discípulos, como se lê no Evangelho. Logo, parece que o corpo de Cristo não era glorioso.
 
Mas, em contrário, o Apóstolo: Reformará o nosso corpo abatido, para o fazer conforme ao seu corpo glorioso.
 
SOLUÇÃO. — O corpo de Cristo ressurgiu glorioso e três razões o demonstram. - Primeiro, porque a ressurreição de Cristo foi o exemplar e a causa da nossa, como se lê no Apóstolo. Ora, os santos, ressurrectos, terão corpos gloriosos, como diz ainda o Apóstolo: Semeia-se em vileza, ressuscitará em glória. Ora, sem a causa mais digna que o causado, e o exemplar, que o exemplado, com muito maior razão o corpo de Cristo ressurgiu glorioso.  Segundo, porque pelas humilhações da Paixão mereceu a glória da ressurreição. Por isso ele próprio o dizia: Agora presentemente está turbada a minha alma, o que concernia à Paixão. E no que acrescenta - Pai, glorifica o teu nome, pede a glória da ressurreição.  Terceiro, porque, como dissemos a alma de Cristo, desde o princípio da sua concepção, era gloriosa pela fruição perfeita da divindade. E só por exceção se deu, como dissemos, que a glória da alma não redundasse para o corpo, a fim de cumprir-se, pela sua Paixão, o mistério da nossa redenção. Por onde, consumado o mistério da Paixão e da morte de Cristo, imediatamente a alma derivou a sua glória para o corpo reassumido na ressurreição; e assim o seu corpo se lhe tornou glorioso.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Tudo o que é recebido por outro ser é recebido ao modo do recipiente. Ora, derivando a glória do corpo, da alma, como diz Agostinho, a refulgência ou a claridade do corpo glorificado se funda na cor natural ao corpo humano; assim como o vidro diversamente colorido torna-se resplendente pela iluminação do sol, em dependência da sua cor. Ora, assim como no poder do homem glorificado está tornar o seu corpo sensível ou não, conforme dissemos, assim no seu poder está o ser ou não vista a sua resplandecência. Por isso pode ser visto na sua cor, sem ter nenhuma claridade. E foi desse modo que Cristo apareceu aos discípulos depois da ressurreição.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Um corpo é susceptível de ser tocado não só em razão da sua resistência como também em razão da sua espessura. Ora, da rarefação e da espessura resultam o peso e a levidão, a calidez e a frieza e outras qualidades contrárias, que são os princípios da corrupção dos corpos elementares. Por onde, o corpo susceptível de ser apalpado pelo tato humano é naturalmente corruptível. E não podemos considerar como capaz de ser tocado um corpo, como o celeste, resistente ao tato, mas cuja disposição não implica as referidas qualidades, que os objetos próprios do tato humano. Ora, o corpo de Cristo, depois da ressurreição foi realmente composto de elementos, tendo em si qualidades tangíveis como o requer a natureza do corpo humano. Por isso era naturalmente susceptível de ser tocado; e se nada mais tivesse, além da natureza do corpo humano, também teria sido corruptível. Mas tinha um atributo que o tornava incorruptível; e esse não era, certo, a natureza de corpo celeste, como alguns dizem, de cuja opinião mais adiante trataremos; mas, a glória redundante da alma bem-aventurada. Pois, como diz Agostinho, Deus dotou a alma de uma tão poderosa natureza, que redundasse, da sua pleníssima beatitude, para o corpo, a plenitude da saúde, isto é, o vigor da incorrupção. Por onde, como diz Gregório se demonstra que o corpo de Cristo, depois da ressurreição, não mudou de natureza, mas teve uma glória diferente.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Agostinho, o nosso Salvador, depois da ressurreição, revestido de uma carne espiritual, mas verdadeira, tomou comida e bebida com os discípulos; não que precisasse de alimentos, mas para manifestar que tinha o poder de fazê-lo. Pois, como diz Beda, de um modo a terra seca absorve a água e de outro, o raio candente do sol; aquela por indigência, este pela intensidade. Assim, Cristo comeu, depois da ressurreição, não que precisasse de alimento, mas para, desse modo, manifestar a natureza do corpo ressurrecto. Mas daqui não se segue que tivesse um corpo de natureza animal, necessitado de alimentar-se. 

Art. 2 — Se o corpo de Cristo ressurgiu inteiro.

 O segundo discute-se assim. — Parece que o corpo de Cristo não ressurgiu inteiro. 

1. Pois, a carne e o sangue pertencem à integridade do corpo humano. Ora, Cristo parece que não os teve, conforme aquilo do Apóstolo: A carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus. Ora, Cristo ressurgiu na glória do reino de Deus. Logo, parece que não tinha carne nem sangue.
 
2. Demais. — O sangue é um dos quatro humores. Se pois Cristo teve sangue, pela mesma razão também teve os outros humores, donde resulta a corrupção aos corpos dos animais. Donde se seguirá, que o corpo de Cristo era corruptível. O que é inadmissível. Logo, não teve carne nem sangue.
 
3. Demais. — O corpo de Cristo ressurrecto subiu aos céus. Ora, uma parte do seu sangue é reservado como relíquia em certas Igrejas. Logo, o corpo de Cristo não ressurgiu na integridade de todas as suas partes.
 
Mas, em contrário, o Senhor diz, falando aos discípulos, depois da ressurreição: Um espírito não tem carne nem ossos como vós vedes que eu tenho.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, o corpo de Cristo teve, ressurrecto, a mesma natureza, mas uma glória diferente. Por onde, tudo o pertencente ànatureza do corpo humano existiu totalmente no corpo de Cristo ressurrecto. Ora, é manifesto que da natureza do corpo humano fazem parte as carnes, os ossos, os sangues e atributos semelhantes. Por onde, tudo isso existiu no corpo de Cristo ressurrecto; e também integralmente, sem nenhuma diminuição do contrário a ressurreição não seria perfeita, se não se reintegrasse tudo o que se desagregou pela morte. Por isso o Senhor fez aos seus fiéis a seguinte promessa: Até os mesmos cabelos da vossa cabeça, todos eles estão contados. E noutro lugar: Não se perderá um cabelo da vossa cabeça.  Quanto a afirmar que o corpo de Cristo não tinha carne nem ossos nem as demais partes naturais ao corpo humano, isso constitui o erro de Entíquio, bispo da cidade de Constantinopla. Dizia ele que o nosso corpo, na glória da ressurreição, será impalpável e mais subtil que o vento e o ar. E que o Senhor, depois de ter confirmado o coração de seus discípulos, fazendo-os lhe apalpar o corpo, tornou então subtil tudo o que antes nele podia ser tocado. Mas essa doutrina Gregório a refuta no mesmo lugar, pois o corpo de Cristo não sofreu, depois da ressurreição, nenhuma mudança, segundo aquilo do Apóstolo: Tendo Cristo ressurgido dos mortos, já não morre. De modo que o bispo infiel retratou-se na morte, do que disse. Pois, se é inadmissível que Cristo tivesse recebido, na sua concepção, um corpo de outra natureza, por exemplo, celeste, como Valentiniano afirmava, muito mais inadmissível é que, na ressurreição, reassumisse um corpo de natureza diferente, pois que o corpo reassumido na ressurreição, para a vida imortal, foi o mesmo que assumiu, na concepção, para a vida mortal.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Carne e sangue, no lugar citado, não se tomam pela natureza deste e daquela, mas ou pela culpa da carne e do sangue, como diz Gregório; ou pela corrupção da carne e do sangue, porque, no dizer de Agostinho, não havia aí corrupção nem mortalidade da carne e do sangue. Ora, a carne, na sua substância, possui o reino de Deus, conforme o lugar  Um espírito não tem carne nem ossos como vós vedes que eu tenho, Mas a carne, entendida como corruptível, não o possui. Por isso imediatamente o Apóstolo acrescentou as palavras: Nem a corrupção possuirá a incorruptibilidade.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Agostinho, talvez o tratar-se do sangue dará a ocasião a um esmerilhador mais minucioso de objetar, que se houve sangue no corpo de Cristo ressurrecto, porque não houve também a pituita, isto é, o flegma; porque não o fel amarelo, isto é, a bílis e o fel negro ou a melancolia, cujos quatro humores a ciência médica declara constituídos da natureza da carne? Acrescente-se-lhes o que se quiser, mas evitando acrescentar a corrupção  não vá contaminar-se a integridade e a pureza da fé. Mas Deus pode deixar algumas de suas propriedades a corpos, de natureza visíveis e palpáveis e privá-los contudo de outras, conforme quiser; de sorte que guardem a sua forma exterior sem nenhuma falha ou corrupção, o movimento sem a fadiga, o poder de comer sem a necessidade. de nutrir-se.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Todo o sangue corrido do corpo de Cristo, pertencendo realmente ànatureza humana, ressurgiu com o seu corpo. E o mesmo devemos dizer de todas as partículas realmente pertencentes á natureza humana em sua integridade. Quanto ao sangue conservado por certas Igrejas como relíquias, esse não correu do lado de Cristo; mas é considerado como tendo jorrado milagrosamente de alguma imagem sua, objeto de qualquer violência. 

Art. 1 — Se Cristo depois da ressurreição tinha um verdadeiro corpo.

 O primeiro discute-se assim. Parece que Cristo depois da ressurreição não tinha um verdadeiro corpo.

1. — Pois, um corpo verdadeiro não pode coexistir com outro num mesmo lugar. Ora, o corpo de Cristo depois da ressurreição coexistiu com outro corpo num mesmo lugar; pois, entrou a ter com os seus discípulos, estando as portas fechadas, como refere o Evangelho. Logo, parece que Cristo, depois da ressurreição não teve um verdadeiro corpo.
 
2. Demais. — Um corpo verdadeiro não se desvanece aos olhos dos que o vêem, salvo se corromper-se. Ora, o corpo de Cristo desvaneceu-se aos olhos dos discípulos que o contemplavam, como diz o Evangelho. Logo parece que Cristo depois da ressurreição não teve um verdadeiro corpo.
 
3. Demais. — Todo corpo verdadeiro tem uma figura determinada. Ora, o corpo de Cristo apareceu aos discípulos, em outra forma, como está claro no Evangelho. Logo, parece que Cristo, depois da ressurreição, não tinha um corpo verdadeiramente humano.
 
Mas, em contrário, diz o Evangelho, que tendo Cristo aparecido aos discípulos, eles achando-se perturbados e espantados, cuidavam que viam algum espírito, por pensarem que tinha um corpo, não verdadeiro, mas fantástico. E para desiludi-los Cristo depois acrescentou: Apalpai e vê de que um espírito não tem carne nem ossos como vós vedes que eu tenho. Logo, não tinha um corpo fantástico, mas verdadeiro.
 
SOLUÇÃO. — Como diz Damasceno, ressurgir é próprio de quem caiu. Ora, o corpo de Cristo caiu pela morte, por se ter dele separada a alma, que era a sua perfeição formal. Por isso, para ser verdadeira a ressurreição de Cristo, era necessário que o mesmo corpo de Cristo de novo se lhe unisse à alma. E como a verdadeira natureza do corpo lhe advém da forma, consequentemente, o corpo de Cristo, depois da ressurreição, tanto foi um corpo verdadeiro, como tinha a mesma natureza de antes. Se, ao contrário o seu corpo fosse fantástico, a ressurreição não teria sido verdadeira, mas aparente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O corpo de Cristo. depois da ressurreição, não por milagre, mas pela sua condição gloriosa - dizem certos  entrou a ter com os discípulos, estando as portas fechadas, ocupando simultaneamente com outro corpo o mesmo lugar. O fato porém de poder o corpo glorioso, em virtude de uma propriedade que lhe seja inerente, coexistir com outro corpo num mesmo lugar, será discutido mais adiante, quando tratarmos da ressurreição geral. Mas agora, no caso vertente, basta dizermos que não foi pela natureza do corpo de Cristo, mas antes em virtude da divindade que lhe estava unida, que chegou até os discípulos, embora fosse verdade que entrou estando as portas fechadas. Por isso diz Agostinho, num Sermão pascal, que certos disputam e perguntam como, sendo realmente corpo o que morreu na cruz e ressurgiu do sepulcro, pôde entrar estando as portas fechadas? E responde: Se compreenderes o modo, verás que não houve nenhum milagre. O que a razão não alcança a fé nos faz aceitar. E noutro lugar: Ao corpo material, ao qual estava unida a divindade, não podiam portas fechadas constituir um obstáculo; pois, quem nasceu, sem causar detrimento à inviolabilidade da virgindade materna, bem podia também entrar por portas fechadas. E o mesmo diz Gregório numa homilia.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos, Cristo ressurgiu para a vida imortal da glória. Ora, por disposição o corpo glorioso é espiritual, isto é, sujeito do espírito, como diz o Apóstolo. Mas, para um corpo ser plenamente sujeito do espírito é necessário que a totalidade da sua ação esteja sujeita àvontade do espírito: Por outro lado, é pela ação do objeto visível sobre a vista, que nós o vemos, como está claro no Filósofo. Por onde, quem quer que tenha um corpo glorificado tem o poder de ser visto quando quiser e, quando não quiser, o de não o ser. Ora, Cristo, não só pela condição do corpo glorioso, mas também por virtude da divindade - que pode tornar milagrosamente invisíveis mesmo os corpos  teve esse poder. Tal o caso de S. Bartolomeu, a quem foi milagrosamente concedido o poder de se tornar visível ou não, conforme o quisesse. E diz a Escritura que Cristo se desvaneceu aos olhos dos discípulos, não por se ter decomposto ou resolvido num ser invisível, mas que, por vontade sua, se lhes desapareceu aos olhares, ou estando ainda presente. ou por ter se separado deles pelo dom da agilidade.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Severiano num Sermão pascal, ninguém deve pensar que Cristo, com a sua ressurreição, mudou a forma do seu corpo. O que se deve entender da disposição dos membros, pois nada de desordenado e disforme havia no corpo de Cristo, concebido pelo Espírito Santo, que devesse ser corrigido na ressurreição. Nesta, somente recebeu a glória da claridade. Por isso no mesmo lugar se acrescenta: Mas a sua figura se mudou, tornando-se de mortal, imortal; de modo que assim adquiriu uma figura gloriosa, sem perder nada da sua substância real.  Nem contudo apareceu aos discípulos sob forma gloriosa; mas, como no seu poder estava tornar o seu corpo visível ou invisível, assim também tinha o poder de manifestar-se aos olhos dos que o contemplavam sob forma gloriosa, não gloriosa ou ainda mista, ou de qualquer outro modo. Ora, basta uma pequena diferença para parecermos diferentes do que
somos. 
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