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Artigo 2: principais manifestações da sua misericórdia

Maria é a Mãe de Misericórdia na medida em que é “a saúde dos enfermos, o refúgio dos pecadores, a consoladora dos aflitos, o auxílio dos cristãos”. Essa gradação de títulos que aparece nas litanias é belíssima; mostra que Maria exerce sua misericórdia sobre aqueles que sofrem no corpo, para curar sua alma, e que em seguida os consola em suas aflições e os fortalece em meio a todas as dificuldades que devem suportar. Nenhuma criatura é mais elevada que Maria, e ainda assim nenhuma é mais acessível, mais experiente e mais doce para nos reanimar 1.

 

Saúde dos enfermos

Maria é a saúde dos enfermos pelas inumeráveis curas providenciais ou mesmo verdadeiramente milagrosas obtidas por sua intercessão nos vários santuários da cristandade ao longo dos séculos e em nossos dias. O número incalculável dessas curas é tal que se pode dizer que Maria é um mar insondável de curas miraculosas. Mas só cura os corpos para levar o remédio às enfermidades da alma.

Ela cura, sobretudo, as quatro feridas espirituais, que são as conseqüências do pecado original e de nossos pecados pessoais: a ferida da concupiscência, da fraqueza, da ignorância e da maldade 2.

Maria cura da concupiscência ou da cobiça, que se radica na sensibilidade, mitigando o ardor das paixões e aniquilando os hábitos imorais; ela faz com que o homem comece a querer fortemente o bem para rejeitar os maus desejos e permanecer também insensível à embriaguez das honras ou ao atrativo das riquezas. Cura assim a “concupiscência da carne e a dos olhos”.

Remedia também as feridas da fraqueza, que é a debilidade da busca pelo bem, a preguiça espiritual. Maria dá à vontade a constância para aplicar-se à virtude e desprezar os atrativos do mundo lançando-se nos braços de Deus. Ela fortalece os que vacilam e reanima os caídos.

Dissipa as trevas da ignorância e proporciona os meios para abandonar o erro; recorda as verdades religiosas ao mesmo tempo muito simples e profundas, expressas no Pai Nosso. Ilumina com isso a inteligência e a eleva até Deus. Santo Alberto Magno, que recebeu de Maria a luz para perseverar em sua vocação e superar as ciladas do demônio, disse muitas vezes que ela nos preserva dos desvios que impedem a retidão e a firmeza do julgamento, que nos cura da lassidão e do cansaço na busca da verdade, e nos faz chegar a um conhecimento calmo e agradável das coisas divinas. Ele mesmo, em seu Mariale, fala de Maria com uma espontaneidade, uma admiração, uma delicadeza e exuberância que raramente se encontram nos homens de estudo.

Cura, enfim, da ferida espiritual da malícia, dirigindo para Deus as vontades rebeldes, seja por ternos avisos, seja por severas admoestações. Por sua doçura, modera os arrebatamentos da cólera; por sua humildade, extingue o orgulho e afasta as tentações do demônio. Ela inspira o colérico a reconciliar-se com seus irmãos e renunciar à vingança, e o faz vislumbrar a paz que reina na casa de Deus. 

Numa palavra, Maria cura o homem das feridas do pecado original, agravadas pelos nossos pecados pessoais.

Algumas vezes essa cura espiritual é milagrosa por sua rapidez, como aconteceu na conversão do jovem Afonso de Ratisbone, israelita muito afastado da fé católica que visitava por curiosidade a igreja de Santo Andrea delle Frate, em Roma, onde lhe apareceu a Santíssima Virgem como está representada na Medalha Milagrosa, com raios de luz que saíam de suas mãos. Ela pediu-lhe bondosamente que se ajoelhasse; ele assim o fez e ficou sem sentidos; quando recuperou a consciência, expressou o fervoroso desejo de receber o batismo o mais cedo possível. Posteriormente, fundou junto com seu irmão convertido antes dele os Padres de Sião e as Religiosas de Sião para rezar, sofrer e trabalhar pela conversão dos judeus, dizendo todos os dias na Missa: “Perdoai-os, Pai, pois não sabem o que fazem”.

Em tudo isso, Maria tem manifestado o amor pela conversão dos pecadores e pela saúde dos enfermos.

 

Refúgio dos pecadores

Maria é o refúgio dos pecadores precisamente porque é sua Mãe e uma Mãe Santíssima. Justamente porque detesta o pecado que corrompe as almas, longe de odiar os próprios pecadores, acolhe-os e convida-os ao arrependimento; livra-os das correntes dos maus hábitos pelo poder de sua intercessão e obtém-lhes a reconciliação com Deus pelos méritos de seu Filho, do qual os faz relembrar.

Prontamente protege os pecadores convertidos contra o demônio e contra tudo o que acarretaria novas quedas. Exorta-os à penitência e encaminha-os à contrição.

É a ela, depois de Nosso Senhor, que todos os pecadores que se salvam devem sua salvação. Tem convertido inúmeras pessoas, especialmente nos lugares de peregrinação como em Lourdes, onde disse: “Orai e fazei penitência”; e mais recentemente em Fátima, onde desde 1917 é incalculável o número de conversões.

Muitos criminosos, no momento do último suplício, devem a ela sua conversão in extremis.

Ela tem suscitado a criação de ordens religiosas voltadas à oração, à penitência e ao apostolado para a conversão dos pecadores: a ordem de São Domingos, a de São Francisco, dos Redentoristas, Passionistas e muitas outras.

Quais são os pecadores que ela não protege? Somente aqueles que desprezam a misericórdia de Deus e atraem sobre si a maldição divina. Não é refúgio dos que se obstinam em perseverar no mal, na blasfêmia, no perjúrio, na magia, na luxúria, na inveja, na ingratidão, na avareza, no orgulho do espírito. Mas, não obstante, como Mãe de Misericórdia, envia-lhes de tempos em tempos graças de luz e de atração, e se não oferecem resistência, serão conduzidos de graça em graça até a graça da conversão. Sugere a alguns dentre eles que digam todos os dias pelo menos uma Ave Maria por sua mãe moribunda; e muitos, sem mudar de vida, têm dito essa oração, que não expressa neles mais que uma debilíssima intenção de conversão; e tem acontecido que nos últimos momentos são recolhidos a um hospital onde lhes é perguntado: quereis receber a absolvição e que chamemos o sacerdote? E assim a recebem como os trabalhadores chamados no último momento da última hora, sendo salvos por Maria3. Depois de quase dois mil anos, Maria é ainda o refúgio dos pecadores.

 

Consoladora dos aflitos

Consoladora dos aflitos ela o foi já durante sua vida terrena em relação a Jesus, sobretudo no Calvário; após a Ascensão, também foi Consoladora em relação aos Apóstolos, em meio às imensas dificuldades que encontravam para a conversão do mundo pagão. Ela lhes obtinha de Deus o espírito de fortaleza e uma santa alegria nos sofrimentos. Durante o apedrejamento de Santo Estevão, o primeiro mártir, deve tê-lo auxiliado espiritualmente por suas orações. Animava os infelizes de seu abatimento e lhes obtinha a paciência para sofrer as perseguições. Ao contemplar todos os males que ameaçavam a Igreja nascente, Maria permaneceu firme, mantendo sempre um semblante sereno, expressão da tranqüilidade de sua alma e de sua confiança em Deus; não deixou jamais a tristeza dominar seu coração. O que sabemos sobre a força de seu amor por Deus faz pensar, dizem os autores piedosos, que ela estava alegre nas tribulações, que não se queixava da pobreza ou das privações, e que as injúrias não poderiam obscurecer as graças de sua doçura; mas ao contrário, por seu exemplo, confortava muitos dos miseráveis agoniados de tristeza.

A Santíssima Virgem freqüentemente tem feito surgir santas que, como ela, foram consoladoras dos aflitos; por exemplo, Santa Genoveva, Santa Isabel, Santa Catarina de Sena e Santa Germana de Pibrac.

O Espírito Santo é chamado consolador sobretudo porque faz derramar as lágrimas da contrição, que lavam nossos pecados e nos trazem a alegria da reconciliação com Deus. Pela mesma razão, a Santíssima Virgem é consoladora dos aflitos, levando-os a chorar santamente as suas faltas.

Não só consola os pobres pelo exemplo de sua pobreza e por seus auxílios, mas também está particularmente solícita com a nossa pobreza oculta; ela compreende a miséria secreta do nosso coração e nos assiste. Conhece todas as nossas necessidades e fornece o alimento do corpo e da alma aos indigentes que lhe imploram.

Maria tem consolado muitos cristãos nas perseguições, livrado muitos possessos ou almas tentadas, e salvo da angústia a muitos náufragos; tem amparado e fortificado muitos moribundos recordando-lhes os méritos infinitos de Seu Filho.

Ela vem assim ao encontro das almas após a morte. São João Damasceno diz no seu Sermão da Assunção: “Não foi a morte, ó Maria, que vos tornou bem-aventurada, mas fostes vós que a embelezastes e a tornastes graciosa, despojando-a de tudo o que tinha de lúgubre”.

Maria mitiga os rigores do Purgatório e oferece àqueles que ali sofrem as orações dos fiéis, aos quais orienta mandar rezar Missas pelos defuntos.

Enfim, como Consoladora dos aflitos, Maria, soberana absoluta, faz sentir de certo modo sua misericórdia até mesmo no inferno. Santo Tomás diz que os danados são menos punidos do que merecem, “puniuntur citra condignum4, porque a misericórdia divina une-se sempre à justiça, mesmo nos rigores desta. E esse alívio provém tanto dos méritos do Salvador quanto dos de sua Mãe Santíssima. Segundo São Odilon de Cluny5, o dia da Assunção é no Inferno menos penoso que os outros.

Maria tem sido Consoladora dos aflitos ao longo dos séculos nas formas mais variadas, segundo a extensão do conhecimento que tem da aflição das almas nos seus diversos estados da vida.

 

Auxílio dos cristãos

É, finalmente, auxílio dos cristãos, porque o socorro é efeito e conseqüência do amor, e Maria tem a plenitude absoluta da caridade, que supera a de todos os santos e anjos reunidos.

Ela ama as almas redimidas pelo Sangue de seu Filho mais do que não saberíamos dizer, assiste-as em seus padecimentos e ajuda-as na prática de todas as virtudes.

Daí a exortação de São Bernardo em sua segunda homilia sobre o Missus est: “Se o vento da tentação se elevar contra ti, se a torrente das tribulações tentar te arrastar, olha para a estrela, invoca Maria. Se as ondas do orgulho, da ambição, das calúnias e da inveja te sacudirem para te engolirem nos seus turbilhões, olha para a estrela, invoca a Mãe de Deus. Se a cólera, a avareza ou os furores da concupiscência da carne sacudirem o navio do teu espírito e ameaçarem de o quebrar, torna a olhar para Maria. Que a sua lembrança não se afaste do teu coração e que seu nome se encontre sempre em tua boca...  Mas para aproveitares do benefício de sua oração, não te esqueças que deves caminhar sob seus rastros”.

Maria tem sido freqüentemente o auxílio, não só das almas individuais, mas dos povos cristãos. Barônio nos conta que Narsés, chefe dos exércitos do Imperador Justiniano, com a ajuda da Mãe de Deus, libertou a Itália, em 553, da escravidão dos godos de Totila. Segundo o mesmo testemunho, em 718, a cidade de Constantinopla foi libertada da mesma maneira dos Sarracenos, que, em muitas ocasiões semelhantes, foram derrotados com a ajuda de Maria.

No século XIII, igualmente, Simão, Conde de Montfort, derrotou perto de Toulouse um exército considerável de albigenses, enquanto São Domingos rezava para a Mãe de Deus.

A cidade de Dijon, em 1513, foi da mesma maneira milagrosamente libertada. 

Em 1517, no dia 7 de outubro, em Lepanto, na entrada do Golfo de Corinto, pelo auxílio de Maria obtido por meio do santo Rosário, uma frota turca muito mais numerosa e poderosa que a dos cristãos foi completamente destruída.

O título de Nossa Senhora das Vitórias recorda-nos freqüentemente que a sua intervenção tem sido decisiva nos campos de batalha para libertar os povos cristãos oprimidos.

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Nas litanias lauretanas, estas quatro invocações: Saúde dos enfermos, Refúgio dos pecadores, Consoladora dos aflitos e Auxílio dos Cristãos recordam incessantemente aos fiéis como Maria é a Mãe da Divina Graça e, por conseguinte, Mãe de Misericórdia.

A Igreja canta que Maria é também a nossa esperança: “Salve Rainha, Mãe de Misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve”. Ela é nossa esperança enquanto nos tem merecido com seu Filho e por Ele o socorro de Deus, que no-lo obtém por sua intercessão sempre atual e que no-lo transmite. É, assim, a expressão viva e o instrumento da Misericórdia auxiliadora; o motivo formal de nossa esperança. 

A confiança, ou a esperança consolidada, possui uma “certeza de tendência para a salvação6 que não cessa de aumentar e que deriva da nossa fé na bondade de Deus Onipotente, sempre fiel no cumprimento de suas promessas; de onde nasce, nos santos, o sentimento quase sempre atual de sua Paternidade divina, que incessantemente vela por nós. A influência de Maria, silenciosamente, inicia-nos progressivamente nessa confiança perfeita e manifesta-nos cada vez mais claramente o motivo para ela.

A Santíssima Virgem é também chamada de “Mater sanctae laetitiae” e “causa nostrae laetitiae”, Mãe da santa alegria e causa da nossa alegria. Ela obtém, com efeito, para as almas mais generosas, esse tesouro escondido que é a alegria espiritual mesmo em meio aos sofrimentos. Ela lhes obtém às vezes a graça de carregar sua cruz com alegria, seguindo Nosso Senhor; inicia-lhes no amor à Cruz, e embora nem sempre as faça sentir essa alegria, concede-lhes o poder de comunicá-la aos outros.

  1. 1. Essa doutrina é admiravelmente desenvolvida pelo dominicano polonês justino de miechow em sua obra Collationes in Litanias B. Mariae Virginis, traduzida para o francês pelo pe. a. ricard com o título de Conférences sur les litanies de la Très Sainte Vierge, 3ª ed., Paris, 1870. Inspiramo-nos nessa obra para escrever as páginas seguintes..
  2. 2. Cf. santo tomás, Iª IIae, q. 85, a. 3..
  3. 3. Esse foi o caso que aconteceu na França com um infeliz e licencioso escritor chamado Armando Silvestre..
  4. 4. Iª, q. 21, a. 4, ad 1..
  5. 5. Sermão sobre a Assunção..
  6. 6. Cf. Santo Tomás, IIª IIae, q. 18, a. 4: “A esperança tende com certeza para o seu fim, como participando da certeza da fé”..
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