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Matteo D'Amico
Sínodo da Amazônia
Um comentário do Instrumentum Laboris
fonte: Courrier de Rome, Julho-Agosto de 2019
Em certo sentido, trata-se da parte mais revolucionária de todo Instrumentum Laboris, pois é aqui que, manipulando noções mal compreendidas, busca-se provocar uma mudança completa na Igreja. Um grande sofisma sustenta o projeto, e gira em torno da noção de inculturação:
“Daquele encontro e diálogo entre as culturas surgiram novos caminhos do Espírito. Hoje em dia, a Igreja perscruta novos caminhos no encontro e diálogo com as culturas amazônicas.”
Trata-se evidentemente de uma manipulação do conceito de inculturação: a idéia correta é aquela de que, quanto se traz o Evangelho a um povo distante e diferente dos povos europeus, tem-se em conta na homilética, na catequese, na explicação da doutrina e da moral, na utilização da linguagem, o atraso, o aspecto primitivo ou a falta de cultura da população com a qual se lida. É claro que, numa aldeia pagã de pigmeus africanos, provindos de um culto animista, eu não utilizarei os termos “hipostase" ou “substância primeira”. Mas, quanto à substância daquilo que é ensinado e praticado, nada deve ser reduzido ou modificado: o mesmo Evangelho, a mesma Missa e a mesma moral. Da cultura nativa, respeitaremos todos os costumes e usos que são neutros ou não nocivos à vida da graça. Por conseguinte, se as tradições locais, no tocante ao matrimônio, prevêem, por exemplo, que o homem se afaste da aldeia durante uma semana antes do dia do casamento, esse costume poderá ser respeitado e mesmo, pouco a pouco, “cristianizado”, ao se fazer desse momento uma ocasião de orações e recolhimento. Do mesmo modo, a alimentação, o vestuário, as tradições familiares e as relações de consaguinidade, os costumes jurídicos e penais, tudo o que não repugna à razão nem lesa à caridade, tudo o que é digno sempre foi respeitado pela Igreja, que sempre agiu para que todos os povos católicos espalhados pelo mundo partilhassem, por um lado, uma mesma fé e uma mesma doutrina, uma mesma liturgia e uma mesma moral; e de outro, conservassem as inúmeras características dos seus usos e costumes próprios, conjugando em grande harmonia a universalidade da fé e a particularidade dos costumes, tudo transfigurado pela caridade.
Mas a inculturação não significa, de modo algum, que a Igreja deva tocar em qualquer coisa que constitua a sua identidade (dogma, moral, liturgia, sacramentos, ministérios) a partir do encontro com os povos que ela evangeliza. Mas o Instrumentum Laboris desenvolve precisamente essa idéia: o encontro entre a Igreja e as culturas amazônicas é apresentado como um encontro em pé de igualdade, onde é sobretudo a Igreja quem aprende ("Daquele encontro e diálogo… surgiram novos caminhos do Espírito. Hoje em dia, a Igreja perscruta novos caminhos…”).
Assim, a "Igreja em saída" amazônica poderá e deverá inovar, tornar-se nova no sentido absoluto do termo. Os redatores também nos dizem como ela será:
"Uma Igreja com rosto amazônico, em seus pluriformes matizes, procura ser uma Igreja “em saída” (cf. EG, 20-23), que deixa atrás de si uma tradição colonial monocultural, clericalista e impositiva, que sabe discernir e assumir sem medo as diversificadas expressões culturais dos povos. O referido rosto nos alerta para o risco de “pronunciar uma palavra única [ou] propor uma solução que tenha um valor universal” (cf. OA, 4; EG, 184). Sem dúvida, a realidade sociocultural complexa, plural, conflituosa e opaca impede que se possa aplicar “uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos” (EG, 40). Por conseguinte, a universalidade ou catolicidade da Igreja se vê enriquecida pela “beleza deste rosto pluriforme” (NMI, 40), das diferentes manifestações das Igrejas particulares e de suas culturas, formando uma Igreja poliédrica (cf. EG, 236).” (o sublinhado é nosso)
Assinalamos o mais importante: profetiza-se a fragmentação da doutrina da Igreja católica em uma multidão de convicções diferentes, como se o catolicismo não se fundasse essencialmente na partilha de um único depositum fidei. Claro que, numa perspectiva panteísta e imanentista, verdadeiramente neo-pagã, como essa que respiramos em todo o documento, a multiplicidade de crenças torna-se legítima, sem que essa contradição inquiete os redatores do documento e as autoridades romanas, a começar pelo Papa, que aprovaram tudo. De resto, é próprio da sensibilidade pagã aceitar uma multidão de deuses e crenças, sem perceber o quanto tudo isso é absurdo, mesmo desde um ponto de vista filosófico, racional.
Do mesmo modo, afirma-se que é preciso "Transpor posições rígidas que não têm suficientemente em consideração a vida concreta das pessoas, nem a realidade pastoral, para ir ao encontro das necessidades concretas dos povos e das culturas indígenas.”
Aqui, como em Amoris Laetitia, percebe-se perfeitamente a idéia completamente modernista de Igreja subjacente ao documento: com efeito, para o modernismo, nada é mais detestável do que uma doutrina imutável, uma lei moral que não admita exceções e que não evolua com o tempo. Porque, como no modernismo a fé é um sentimento que brota do inconsciente do indivíduo e das pessoas para satisfazer as suas exigências íntimas e seus desejos mais pessoais, é evidente que, numa tal perspectiva, torna-se “rígida" toda pretenção da Igreja Católica de propor dogmas imutáveis. Assim, enquanto que o verdadeiro apostolado católico sempre consistiu em conquistar o coração dos povos catequizados, submetendo-lhes luminosamente à força do Evangelho, para os modernistas, da Amazônia ou fora dela, é o Evangelho que tem de se adaptar à “vida concreta das pessoas”. Isso explica o porquê do povo tornar-se um novo “lugar teológico”, porque somente assim se poderá justificar a traição e a falsificação do Evangelho como nova revelação, como revelação que continua ao longo da história. A mutação do dogma se torna virtuosa e não mais sinal certíssimo de heresia.
O delírio desse Instrumentum Laboris parece realmente não ter fim, e continua com afirmações cada vez mais suspeitas. No parágrafo 120 lemos o que segue:
"O Espírito criador que enche o universo (cf. Sb 1, 7) alimentou a espiritualidade destes povos ao longo dos séculos, ainda antes do anúncio do Evangelho, e é Ele que os leva a aceitá-lo a partir de suas próprias culturas e tradições. Este anúncio deve ter em conta as “semente do Verbo”,[56] aí presentes. Reconhece também que em muitos deles a semente cresceu e produziu frutos. Isto pressupõe uma escuta respeitadora, que não imponha formulações da fé expressas a partir de outros pontos de referência culturais, que não correspondem ao seu contexto vital. Mas, pelo contrário, que se ouça “a voz de Cristo que fala através de todo o povo de Deus” (EC, 5)."
No início dessa passagem, diz-se que Deus criador inspirou aos povos amazonenses a sua “espiritualidade”, mesmo antes de que o Evangelho lhes fosse anunciado. Os redatores do texto parecem estar possuídos de uma visão naturalista do homem, que borra o dogma do pecado original e esquece o domínio que Satanás exercia e exerce sobre os povos não resgatados pela graça e pela adesão ao Evangelho. Assim, a grande maioria dos crentes e das práticas religiosas indígenas, bem como as dos povos Mezoamericanos descobertos pelos Espanhóis (Astecas e Incas), faziam parte de um verdadeiro culto satânico, fundado sobre contínuos e abomináveis sacrifícios humanos ao “deus” sol. A aberração desses sacrifícios e seu grande número (em certos casos, é dito que dezenas de milhares de pessoas era sacrificadas de uma só vez) eram tais, que serviam de fundamento da sua sociedade, sendo origem de incessantes guerras de razzias para procurar prisioneiros para os sacrifícios, e deram nascimento a regimes de fato escravagistas e incrivelmente opressivos (ver o capítulo sobre os Incas em I. Safarevic, Il comunismo come fenomeno storico mondiale, ed. Effedieffe).
Dito de outro modo, as civilizações Mezoamericanas fundavam-se n dominação de uma casta de sacerdotes-astrólogos-bruxos que, além de derramar rios de sangue nos sacrifícios humanos, liam as estrelas, dando vida a regimes fatalistas e supersticiosos que são o oposto da civilização cristã. Portanto, não basta recorrer à categoria gasta das “sementes do Verbo”: é preciso discernir, tendo em vista de que lá onde o Evangelho não é anunciado, e onde Cristo não reina, só pode reinar o príncipe deste mundo, que desvia os povos e os faz cair no vício. A visão irenista e apaziguadora da “espiritualidade" dos indígenas que o texto do IL entretém está completamente fora de lugar.
Mas o que o documento afirma na sequência é ainda mais grave:
“É preciso captar aquilo que o Espírito do Senhor ensinou a estes povos ao longo dos séculos: a fé no Deus Pai-Mãe Criador, o sentido de comunhão e a harmonia com a terra, o sentido de solidariedade para com seus companheiros, o projeto do “bem viver”, a sabedoria de civilizações milenárias que os anciãos possuem e que influi sobre a saúde, a convivência, a educação, o cultivo da terra, a relação viva com a natureza e a “Mãe Terra”, a capacidade de resistência e resiliência, em particular das mulheres, os ritos e as expressões religiosas, as relações com os antepassados, a atitude contemplativa e o sentido de gratuidade, de celebração e de festa, e o sentido sagrado do território. A inculturação da fé não é um processo de cima para baixo, nem uma imposição externa, mas um mútuo enriquecimento das culturas em diálogo (interculturalidade) (…) Reconhecer a espiritualidade indígena como fonte de riqueza para a experiência cristã.”
Note-se:
— Deus torna-se “Mãe" para promover o advento do novo culto ecologista da terra, vista justamente como “mãe”;
— O território se torna sagrado, ou seja, a natureza é divinizada numa ótica panteísta.
— O catolicismo é posto em pé de igualdade com a espiritualidade indígena que deve enriquecê-lo.
Destruir a Igreja católica
Uma sanha destrutiva permeia esse documento em que o ódio pela Igreja Católica é mal dissimulado. Assim, uma grande quantidade de idéias terríveis estão formuladas nas últimas páginas. Resumamos, por uma questão de brevidade, as mais graves:
— Introduzir uma liturgia inculturada e fortemente marcada pelos usos indígenas (cores, vestimentas, dansas, cantos “em comunhão com a natureza”.
— Resolver a falta de padres pela alteração dos critérios de seleção e de preparação.
— Tornar os sacramentos acessíveis a todos: "Pede-se para superar a rigidez de uma disciplina que exclui e aliena, em prol de uma sensibilidade pastoral que acompanha e integra”.
— Repensar o sacramento da Ordem, separando-o do poder de governo.
— Para as zonas mais remotas, estudar a liberação do celibato por meio da ordenação de “viri probati” que tenham uma família.
— "Identificar o tipo de ministério oficial que pode ser conferido à mulher, tendo em consideração o papel central que hoje ela desempenha na Igreja amazônica.”
— Pede-se ainda "Que a Igreja acolha cada vez mais o estilo feminino de atuar e de compreender os acontecimentos.”
Não escapa a ninguém que se os revolucionários lograrem obter para a Amazônia a aceitação de padres casados e de mulheres diaconisas, em pouco tempo todas as regiões do mundo nas quais faltam padres, como por exemplo a Europa, poderão recorrer a esse precedente para introduzi-los por sua vez. Trata-se de criar na Amazônia um precedente para que a prática seja generalizada logo após.
Em seguida, de modo bastante ingênuo, o texto revela o grande modelo no qual a Igreja deve se inspirar: as seitas protestantes (nós sabemos, de resto, que o Papa é amigo de muitos protestantes). Eis o tom com que o IL exalta a sua atuação na floresta amazônica, na qual os grupos protestantes, como em toda a América do Sul, afastam milhões de fiéis da Igreja Católica desde o Vaticano II:
“Trata-se [os pastores protestantes - ndr] de pessoas como as outras, fáceis de encontrar, que vivem os mesmos problemas e se tornam “mais próximas” e menos “diferentes” para o resto da comunidade. Elas nos mostram outro modo de ser Igreja, onde o povo se sente protagonista, onde os fiéis podem expressar-se livremente, sem censuras, dogmatismos, nem disciplinas rituais.”
Com efeito, após ter exaltado a religiosidade pagã animista, sentia-se a falta de uma piscadela aos protestantes: o fato de serem heréticos que há cinco séculos divulgam a heresia e o seu ódio pela Igreja Católica no meio dos povos católicos parece não inquietar os redatores do documento, nem os bispos sul-americanos. Ao contrário, os heréticos protestantes nos mostram um outro modo de ser Igreja (evidentemente melhor), em que não há mais “dogmatismos, nem disciplinas rituais”. Sendo assim, estamos todos formalmente convidados, não apenas a nos voltarmos para o culto da Deusa Terra, a Grande Mãe, e regressarmos ao panteísmo, mas também a nos tornarmos um pouco mais protestantes, modelo de igreja que mais cresce e é apreciada pelos indígenas.
É possível e talvez necessário sintetizar, à guisa de conclusão, a estrutura do documento que acabamos de analisar, ressaltando os seus gravíssimos erros.
Em primeiro lugar, todo o discurso laborioso que o Instrumentum Laboris desenvolve jamais esclarece a situação da Igreja na Amazônia: não narra a sua história, nada se diz da sua difusão, do número de batismos ou de casamentos. O discurso é, portanto, completamente abstrato e, definitivamente, pouco sério. Ninguém poderá dizer, após a leitura desse texto, do que se está tratando e qual a situação do catolicismo na Amazônia.
Não há nenhuma avaliação rigorosa e séria da situação moral, do respeito ao laço conjugal, da frequência aos sacramentos etc. Não podemos dizer se a situação é boa ou péssima.
A confusão aumenta pelo fato de que jamais se diz se no documento se o tema é a evangelização de índios batizados e convertidos, ou de indígenas afastados do Evangelho. A cultura e as crenças indígenas “ancestrais" são exaltadas a tal ponto, que parece que ainda lidamos com pagãos.
Exalta-se de modo ridículo a visão de mundo dos índios amazonenses, como se fosse uma visão da vida de uma profundidade, beleza, harmonia e delicadeza insuperáveis: um conhecimento ainda que superficial desses povos bastaria para mostrar que se trata de um mundo muito longe de ser perfeito. O texto todo é perpassado desse equívoco, que o torna ridículo.
Jamais se trata, em ponto algum do texto, do tema da salvação das almas, da vida eterna, da imortalidade da alma. Estamos em face de um catolicismo situado entre o sentimental e o ideológico, a ser corrigido em prol da harmonia com a natureza. O texto apresenta uma fé completamente esvaziada do seu núcleo escatológico e soteriológico.
Não se fala do pecado e, em paralelo, não se faz a menor alusão à cruz de Cristo ou à economia da salvação fundada sobre a cruz. Como o pecado é completamente ausente, também é ausente, e não por acaso, o tema da salvação: Para que salvação se não há pecado? O nome mesmo de Jesus Cristo é pouquíssimo citado — e isso também não é por acaso.
Falta, logicamente, toda alusão à vida da graça e à necessidade de alimentá-la pelos sacramentos e pela oração: toda vida de piedade é dissolvida numa nuvem de contínuas exaltações da espiritualidade original dos índios da Amazônia, os novos “bons selvagens”.
Trata-se do texto menos mariano de todo o pós-Concílio: não há praticamente nenhuma referência à Santíssima Virgem. Isso é muito suspeito e levanta sérias dúvidas sobre a fé daqueles que escreveram esse documento.
O documento apresenta uma idéia de inculturação completamente falsificada e deformada, que acaba por recomendar à Igreja a conversão à espiritualidade indígena.
Busca-se alterar o sacerdócio e a liturgia, e abonar a ordenação de mulheres de um modo ou de outro (ainda que não se ouse dizê-lo abertamente).
As referências doutrinais e escriturais são mínimas, e encontramos apenas uma enxurrada de referências aos textos de Francisco, de quem usa-se sem o menor pudor o jargão, repetindo como papagaios suas expressões típicas (em especial, “Igreja em saída”).
Todo o texto é francamente modernista sob cada um de seus aspectos, e sobretudo no seu modo de promover a causa do “mobilismo dogmático” mais desenfreado: onde a doutrina e amoral não podem ser rígidas nem opressivas, mas doces e aptas a se adaptarem a realidade concreta e às necessidades dos índios da Amazônia.
O Instrumentum Laboris que viemos de comentar não é um texto católico, mas um apanhado de heresias. É um texto escandaloso e é dever de todo católico, mas sobretudo de todo bispo, condená-lo publicamente e exigir que seja retirado, denunciando a sua falsidade e suas ciladas publicamente. Sua aplicação e sua utilização durante o Sínodo da Amazônia só podem provocar a ruína da Igreja na Amazônia, em primeiro lugar, e no mundo inteiro, quando sua aplicação for alargada.
A segunda parte do IL, como se advinha pelo título, consagra-se totalmente a uma longa e lamuriosa enumeração de todos os males que afligem a Amazônia a partir do que chamam de “destruição extrativista”. A essa destruição, verdadeira ou presumida, opõe a exigência de uma “conversão ecológica”. Nós nos limitaremos a assinalar os pontos mais críticos.
Num parágrafo sobre a família, por exemplo, diz: “Em síntese, é na família que se aprende a viver em harmonia: entre povos, entre gerações, com a natureza, em diálogo com os espíritos”. Vemos mais uma vez a aceitação inadmissível de não se sabe bem qual religiosidade espiritualista ou animista como um valor positivo, enquanto que, durante dois mil anos, em toda parte em que os missionários chegavam, a sua primeira luta era precisamente contra “os espíritos” e as mentiras do povo pagão.
Como teólogos católicos e bispos ousam ver um valor positivo no “diálogo com os espíritos” dos indígenas que deveriam evangelizar? Além do mais, fora da fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, com quais espíritos um índio ainda preso ao paganismo haveria de dialogar? Não está escrito que “os deuses das nações são demônios”?
A questão da saúde integral
Seja como for, o capítulo mais absurdo dessa segunda parte é talvez o sétimo, intitulado “A questão da saúde integral”. Eis aqui algumas das passagens mais problemáticas:
"Hoje, a região amazônica contém a diversidade de flora e de fauna mais importante do mundo, e sua população autóctone possui um sentido integral da vida não contaminado por um materialismo economicista. Em sua história, longa e fecunda, a Amazônia é um território saudável, embora não tenham faltado enfermidades"
Infelizmente — continua o texto — a exploração econômica fez surgir novas patologias e comprometeu o equilíbrio e a saúde, tanto da floresta como de seus habitantes:
“O dano prejudica não apenas a saúde física, mas também a cultura e a espiritualidade dos povos: é um prejuízo para sua “saúde integral”. Os habitantes amazônicos têm direito à saúde e a “viver saudavelmente”, o que supõe uma harmonia «com o que nos oferece a Mãe Terra». […] Os rituais e as cerimônias indígenas são essenciais para a saúde integral, pois compõem os diferentes ciclos da vida humana e da natureza. Criam harmonia e equilíbrio entre os seres humanos e o cosmo. Protegem a vida contra os males que podem ser provocados tanto por seres humanos como por outros seres vivos. Ajudam a curar as doenças que prejudicam o meio ambiente, a vida humana e outros seres vivos.” (o sublinhado é nosso)
Note-se nessa passagem a defesa absurda dos cultos e ritos religiosos pagãos ainda praticados pelos indígenas, cultos que são de fato estreitamente ligados à práticas de magia de toda sorte. Não se fala aqui de evangelização, mas faz-se com desfaçatez a apologia da bruxaria e da religiosidade dos indígenas da Amazônia. É objetivamente uma vergonha para a Igreja católica inteira que sete conferências episcopais tenham produzido um documento como esse, e é uma vergonha que os dicastérios romanos tenham aceitado e aprovado esse texto. Ademais, não é difícil compreender que, se o Sínodo de outubro for guiado por esse Instrumentum Laboris, ele então não poderá produzir outra coisa do que um desastre completo.
Rumo a uma Igreja “discípula”
Como já evocamos, o coração da concepção heterodoxa que o papa faz da Igreja é a idéia de que a Revelação não se encerrou, de que o Depositum Fidei não é estável e imutável, mas está em contínua evolução. Por conseguinte, a Igreja não deve mais essencialmente, e antes de tudo o mais, ensinar o que ela custodia, tradere o que recebeu de Nosso Senhor, mas fazer-se discípula e aprender os novos elementos da “revelação” que Deus dá sobretudo através das periferias, dos preteridos, dos “deixados de lado”, para utilizar o léxico do Papa. A nova “revelação” vem assim coincidir, seguindo a visão modernista, com as necessidades e anseios do povo, aos quais não se pode responder com doutrinas “petrificadas”. Eis-nos aqui, portanto, com novos e inéditos “lugares teológicos”, como é a floresta amazônica que é preciso escutar:
"Mediante a escuta mútua dos povos e da natureza, a Igreja se transforma em uma Igreja em saída, tanto geográfica como estrutural; em uma Igreja irmã e discípula, através da sinodalidade. Assim se expressou o Papa Francisco na Constituição Apostólica Episcopalis Communio: “O Bispo é, simultaneamente, mestre e discípulo [...]. É também discípulo, quando ele, sabendo que o Espírito é concedido a cada batizado, se coloca à escuta da voz de Cristo que fala através de todo o Povo de Deus” (EC, 5). O Papa mesmo se fez discípulo em Puerto Maldonado, manifestando sua vontade de ouvir a voz da Amazônia.” (o sublinhado é nosso)
Assinalamos, na citação de Episcopalis Communio acima, a gravidade do erro do papa: no seu pensamento, como o Espírito Santo é dado a todo batizado, Cristo fala e adapta ou modifica a Revelação dada pelos apóstolos de baixo para cima, ou seja, por meio da voz dos indivíduos e dos povos. Eis porque a Igreja é discípula: ela não deve mais ensinar, mas seguir a incessante modificação da “revelação”, pondo-se à escuta dos povos, e mesmo da natureza! A Igreja e o Papa são discípulos, por exemplo, constituem uma “Igreja em saída” quando se põem a escutar a Amazônia, porque, por meio da Amazônia, é Deus mesmo que fala. Estamos na essência mesma do modernismo mais radical e desavergonhado, e nos encontramos, humanamente falando, diante do fim da Igreja Católica, pois não é possível conceber uma teologia mais miserável e esquizofrênica. De resto, não escapa a ninguém que a enorme fraude que é a “Igreja em saída” que acabamos de descrever não faz mais do que permitir a teólogos, bispos ou papas que não têm mais a fé católica, de fazer passar por “ensinamento" ou “revelação” os seus sonhos e delírios pessoais, um pouco como nas revoluções em que uma minoria organizada em nome do povo impõe sua ideologia e oprime a maioria dos cidadãos.
Com as premissas colocadas até aqui, é fácil imaginar que tipo de catequese ou de apostolado pretendem usar na Amazônia. Uma breve passagem é esclarecedora:
“Na Amazônia a educação não significa impor aos povos amazônicos parâmetros culturais, filosofias, teologias, liturgias e costumes estranhos.”
Essa passagem é coerente com a noção explicada acima de “Igreja em saída”: uma vez estabelecido que é a Amazônia que nos dá hoje a revelação do Cristo (e está sub-entendido que ela a dá para todos os homens, não apenas para os indígenas, pois veremos que todos os homens deverão passar por uma “conversão ecológica”), que Cristo fala hoje por meio do clamor da Amazônia, não cabe mais pensar em ensinar ou transmitir o que quer que seja aos indígenas (nem teologias, nem liturgias, nem costumes estrangeiros), e sim de aprender deles qual deve ser hoje em dia o rosto do catolicismo. Com efeito, a visão superior de mundo dos indígenas, que vêem a realidade não de modo fragmentado (mas como um todo animado numa ótica panteísta) pode servir de fundamento a uma nova pedagogia universal (ou seja, válida para todos) e para um “novo” catolicismo: "A Amazônia nos convida a descobrir a tarefa educativa como um serviço integral para toda a humanidade, em vista de uma «cidadania ecológica».
Se considerarmos o uso político, cada vez mais intenso, feito pelas elites globalistas do catastrofismo ecológico para subjugar os povos, podemos supôr que existam outras forças, outros poderes, acima dos bispos da América do Sul, que se rejubilam que a Igreja Católica se faça de arauto, não de Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado por nós e para a nossa salvação, mas da “cidadania ecológica”. E aqui não podemos deixar de recordar, por exemplo, a enorme presença e o poderio que a maçonaria sempre teve nos países Sul-Americanos. A Inglaterra, inicialmente, a partir do início do século XIX, em seguida os Estados Unidos, favoreceram o desenvolvimento de uma rede de lojas maçônicas em toda a América do Sul espanhola e no Brasil, para poder fomentar as elites com as quais poderiam abater o comando nos Estados Ibéricos: isso é tão verdadeiro que a grande maioria dos “heróis” da liberação e da independência da América do Sul, como a maioria dos ditadores, foram maçons.
Também nesse caso, como em muitos outros de política internacional (Ucrânia, Síria, Birmânia etc), o pontífice parece sempre se alinhar com os grandes poderes anglo-saxões, e em particular estar muito em sintonia com a agenda da política estrangeira norte-americana.
A formação dos futuros padres
Sobre essas premissas definidas até aqui, é importante agora ver como o IL define o percurso de formação do clero.
Nos seminários pregam: ”a integração da teologia indígena com a ecoteologia, que os prepare para a escuta e o diálogo aberto, onde tem lugar a evangelização.” Tirando de lado que ninguém sabe bem o que seja “teologia indígena” ou “ecoteologia”, dado que o documento, nas suas muitas páginas, não o definiu nem uma vez, nota-se o acento dado ao fato de que os futuros sacerdotes estejam prontos para um “diálogo aberto”, expressão que designa um diálogo no qual a razão poderia estar do lado do índio.
Ainda mais interessante, uma segunda passagem diz: "Propõe-se a reforma das estruturas dos seminários, para favorecer a integração dos candidatos ao sacerdócio nas comunidades”. Dito de outro modo, trata-se de evitar toda a separação entre os seminários e as cidades ou aldeias, e imergir os seminaristas, mesmo no centro do seu processo de formação, nas comunidades indígenas. Isso viola uma experiência multissecular no tocante à formação dos sacerdotes e impede de fazer com que desperte neles o hábito do recolhimento, da oração, de uma vida espiritual intensa e recolhida.
É importante contudo assinar, pois a coisa é declarada explicitamente, que os futuros padres, na prática, não devem se preparar para anunciar, ensinar e pregar o Evangelho. Eles não devem conhecer o dogma e a moral católica, pois:
"Pede-se que seja aprofundada uma teologia índia amazônica já existente, que permitirá uma melhor e maior compreensão da espiritualidade indígena, para evitar que se cometam aqueles erros históricos que atropelaram muitas culturas originárias."
"Pede-se, por exemplo, que se tenham em consideração os mitos, tradições, símbolos, saberes, ritos e celebrações originários, que incluem as dimensões transcendentes, comunitárias e ecológicas.”
Esta passagem parece, por um lado, lamentar que as tradições culturais e religiosas dos astecas, incas e maias tenha sido eclipsadas e suplantadas pelo Evangelho, e, por outro lado, parece considerar correto que os futuros padres estudem e aprendam a respeitar — ou a se apropriar — essas mesmas crenças. Na prática, o episcopado católico da América do Sul parece ter perdido a fé, para regressar a visões do mundo primitivo e pagão considerados como melhores e mais frutuosos do que o Evangelho. Compreende-se também qual é o fundamento desta apostasia generalizada: a religiosidade tribal indígena é fundamentalmente panteísta, e como ela diviniza a natureza e as forças naturais, ela é claramente considerada como mais apta a fundar uma nova cultura ecológica. A finalidade da Igreja, para os bispos sul-americanos, não é mais salvar almas, mas salvar a floresta amazônica e o ecosistema, o que torna compreensível a sua nostalgia pelo paganismo panteísta.
A conversão ecológica
Chegamos ao verdadeiro objetivo de todo Instrumentum Laboris. E se é necessário que se produza uma “conversão teológica”, é preciso desde logo admitir um “pecado ecológico”. É assim que o IL corrige a fé católica no seu dogma mais delicado — o do pecado original. Nós sabemos que o cristianismo, e toda a economia da salvação, fica de pé ou cai com o dogma do pecado original; modificá-lo equivale, portanto, a alterar o edifício da fé. Eis como, no documento preparatório do Sínodo sobre a Amazônia, esse dogma é reinterpretado, ou antes, completamente modificado:
"Um aspecto fundamental da raiz do pecado do ser humano consiste em desvincular-se da natureza e em não a reconhecer como sua parte, em explorá-la sem limites, rompendo deste modo a aliança originária com a criação e com Deus (cf. Gn 3, 5)”.
Nas páginas seguintes, reafirma-se substancialmente a mesma noção: o pecado consiste em romper a trama das relações que ligam o indivíduo ao todo, e a se arrogar o direito de dominar a natureza. Por conseguinte, a conversão deste pecado contra a natureza e o todo (que parece apagar completamente o que é realmente o pecado: uma revolta contra Deus e contra a sua lei), deverá ser uma “conversão ecológica”. Deus como que se evaporou e um novo Deus pagão tomou o seu lugar: a Natureza divinizada, a Gaia dos ecologistas. A Igreja deve converter-se primeiramente e “Temos necessidade de percorrer um caminho interior para reconhecer as atitudes e mentalidades que nos impedem de nos conectarmos conosco mesmos, com os outros e com a natureza”. Se a conversão é uma nova relação com a natureza, são os índios da Amazônia quem melhor poderão instruir a Igreja nessa sua conversão ecológica; assistimos assim a uma reviravolta completa as noções de apostolado, evangelização, conversão: não são mais os pagãos que devem se converter ao Evangelho e ingressar na Igreja para salvar suas almas, mas é a Igreja que deve se converter ao culto panteísta da natureza próprio dos pagãos. Idéias ridículas e degeneradas como essas chegaram a guiar e inspirar um sínodo de bispos católicos!
Mas prossigamos para ler a enésima descrição idílica e idealizada dos índios da Amazônia:
“Este processo continua, deixando-se surpreender pela sabedoria dos povos indígenas. Sua vida diária é um testemunho de contemplação, cuidado e relação com a natureza. Eles nos ensinam a reconhecer-nos como parte do bioma e corresponsáveis de seu cuidado pelo presente e pelo futuro. Portanto, devemos reaprender a entretecer laços que assumam todas as dimensões da vida e a assumir uma ascese pessoal e comunitária que nos permita «amadurecer numa sobriedade feliz» (LS, 225)”.
"Nossa visão crente da realidade amazônica nos levou a avaliar a obra de Deus na criação e em seus povos, mas também a presença do mal a vários níveis: colonialismo (domínio), mentalidade economicista-mercantilista, consumismo, utilitarismo, individualismo, tecnocracia, cultura do descarte.”
Ainda uma vez, o pecado é considerado nos termos disformes da ideologia ecologista de um lado, e da teologia da liberação de outro, como pecado social. O verdadeiro mal é o colonialismo, segundo o documento, sem distinção e sem maiores precisões, sem lembrar que a providência se serviu dele para fazer com que o Evangelho chegasse até as Américas, onde os conquistadores lentamente trouxeram um nível de civilização extraordinariamente superior ao das civilização pré-colombianas. O que emerge desse texto é, em suma, um ódio imenso pela tradição cristã, pela civilização ocidental, por tudo o que a Igreja realizou nos séculos de um apostolado exaustivo e heróico nos territórios amazônicos e sul-americanos, nos quais, antes da chegada dos Portugueses e Espanhóis, reinava por toda a parte o sacrifício humano como ato supremo de culto religioso. O Instrumentum Laboris se mostra assim como uma síntese envenenada da teologia da liberação, do marxismo, do modernismo e de ecologia, amalgamados numa ótica panteísta.
Num contexto ideológico tão degradado, não espanta ler a descrição daquilo que, segundo os redatores do documento, a Igreja deve se tornar e de como deve ser o seu apostolado:
“Favorecer uma Igreja como instituição de serviço não autorreferencial, corresponsável no cuidado da Casa Comum e na defesa dos direitos dos povos.”
Além da habitual homenagem obsequiosa feita ao papa, ao condenar uma Igreja “autorreferencial”, temos aqui a Igreja Católica, arca da salvação, reduzida ao status de uma ONG que se ocupa do meio-ambiente e dos direitos dos indígenas, como se fosse um grande sindicato.
“(…) Incentivar hábitos de comportamento, de produção e de consumo, de reciclagem e de reutilização de resíduos”. Aqui também, brilha a ausência de toda finalidade sobrenatural. Do zelo pelas almas e pela vida da graça dos fiéis por meio da Santa Missa, da freqüência aos sacramentos e da vida de piedade; passamos a uma Igreja cujo fim primeiro parece ser a reciclagem e a reutilização de resíduos! Nenhuma preocupação com o tema da generalização do pecado e da corrupção moral. A questão é a triagem seletiva.
A Igreja também deve, segundo os redatores do Instrumentum Laboris, "Recuperar mitos e atualizar ritos e celebrações comunitárias que contribuam significativamente para o processo de conversão ecológica”: como nós já ressaltamos anteriormente, estamos diante de uma verdadeira inversão da finalidade da Igreja, que não é mais a salvação das almas, e sim a “conversão ecológica”; e sugere-se que a Igreja recupere mitos e religiões tradicionais que são, manifestamente, mais aptas que o cristianismo para favorecer a imposição da nova cultura de morte ecologista. Essa passagem não é apenas louca, insensata, mas constitui um ato formal de apostasia. Teólogos e bispos católicos não têm o direito de propôr à Igreja recuperar mitos e crenças religiosas pagãs enquanto fins, que não tem nenhuma relação com o mandato que Nosso Senhor deu à própria Igreja. Os redatores do documento parecem ainda ignorar que apenas uma plena e íntegra conversão ao Cristo, somente a plenitude da Realeza Social de Cristo, o triunfo do Evangelho nas leis, na família, no trabalho, na política, podem lentamente melhorar todas as coisas, inclusive o meio-ambiente e o respeito por ele. Mas Jesus nos preveniu: “sem mim, nada podeis fazer”. Portanto, nenhuma “conversão ecológica”, por mais fanática que possa ser, dará o menor resultado sem uma verdadeira conversão à única religião verdadeira.
Enfim, é preciso um "Reconhecimento formal por parte da Igreja particular, como ministério especial ao agente pastoral promotor do cuidado da Casa Comum.”
Como em todas as revoluções, e como na revolução que se desenha com o Sínodo da Amazônia, modificar a linguagem é a operação mais importante; e aqui o padre ou religioso se torna um “agente pastoral” que tem o “ministério especial” de trabalhar pela salvaguarda da Casa Comum (elevada, por meio do uso insistente das iniciais em maiúsculas, ao nível de entidade pagã semi-divina à qual é preciso render culto).
Após um hino à Amazônia e ao rio Amazonas como bacia ecológica fundamental e de grande importância para a biodiversidade, o Instrumentum Laboris começa a tratar aquilo que os índios denominam de “bem viver”:
“Trata-se de viver em “harmonia consigo mesmo, com a natureza, com os seres humanos e com o Ser supremo, dado que existe uma intercomunicação entre o cosmo inteiro, onde não há excludentes nem excluídos, e que entre todos nós podemos forjar um projeto de vida plena”
Nota-se a curiosa referência a um Ser supremo, expressão típica do vocabulário maçônico e que encontramos na Revolução francesa, a ponto de Robespierre ter aprovado uma lei sobre o Ser supremo, com uma liturgia pública, ornamentos e atos de culto. Trata-se de uma expressão totalmente estranha ao catolicismo, que cheira a deísmo.
Há mais grave, no entanto. Na passagem citada, começa a emergir uma estranha visão idílica dos indígenas da Amazônia e do seu modo de vida, como se nós tivéssemos retornado ao mito do “bom selvagem” de Rousseau e, sobretudo, esboça uma estranha visão vagamente panteísta em que tudo está em comunhão com tudo: a água, a terra, o homem, Deus. Essa idéia é reforçada na passagem seguinte:
"Esta compreensão da vida se caracteriza pela conectividade e harmonia de relações entre a água, o território e a natureza, a vida comunitária e a cultura, Deus e as diferentes forças espirituais. Para eles, “bem viver” significa compreender a centralidade do caráter relacional-transcendente dos seres humanos e da criação, e supõe um “bem fazer”. Não se podem desconectar as dimensões materiais e espirituais”
Surgem algumas questões: Que "forças espirituais" são essas? Trata-se de uma alusão ao culto de espíritos praticado pelos indígenas ou à alguma outra crença pagã existente? Que significa “caráter relacional-transcendente dos seres humanos e da criação”? Devemos pensar que não há mais um nítido salto ontológico entre o homem como sujeito espiritual e a natureza, que a própria natureza é animada espiritualmente? São frases incompreensíveis: ou elas não têm sentido algum, ou indicam o início de um claro abandono da fé católica em favor de algum culto new-age e neo-pagão que diviniza a natureza. Percebe-se a total ausência de cisão entre o plano natural e o plano sobrenatural, o segundo estando absorvido e esmagado sobre o primeiro.
Ora, essa concepção idílica da vida comunitária dos indígenas é apresentada como sendo gravemente ameaçada pela exploração capitalista dos recursos e das pessoas, exploração trazida pelos colonizadores brancos, que causaram, “a perda de sua cultura originária e de sua identidade (idioma, práticas espirituais e costumes)”.
Sem defender a exploração e a injustiça que indubitavelmente existiram e são inevitáveis em todo processo histórico, o texto do Instrumentum Laboris parece ter se esquecido completamente do dogma do pecado original: como podemos deplorar que os indígenas — que, de fato, no momento da descoberta do Novo Mundo vivam num nível de civilização ligeiramente superior ao da idade da pedra — tenham abandonado as suas “práticas espirituais”? A conquista espanhola e portuguesa da América do Sul e da América Central levou o Evangelho aos povos indígenas, e legiões de missionários converteram e batizaram povos prisioneiros de verdadeiros cultos satânicos fundados sobre o sacrifício humano. Como se pode lamentar que os indígenas tenham perdido as suas “práticas espirituais e costumes”? Basta ler o belíssimo texto de Jean Dumont, L’heure de Dieu sur le nouveau monde, para compreender o dom imenso que foi para todos os povos sul-americanos a conquista pelos Europeus. É uma aberração que bispos deplorem precisamente o que deveriam exaltar e defender, como se pudesse haver algum valor superior ao anúncio do Evangelho da salvação e à possibilidade de entrar na Igreja pelo batismo.
A terra como lugar teológico
Toda a estrutura conceitual do Instrumentum Laboris repousa sobre a idéia de que o território amazônico representa um “lugar teológico” que deve servir, portanto, de fonte de inspiração para a doutrina:
“Ameaças e agressões à vida geram clamores, tanto por parte dos povos como da terra. Começando por estes clamores como lugar teológico (a partir de onde pensar a fé), podemos dar início a caminhos de conversão, de comunhão e de diálogo, caminhos do Espírito, da abundância e do 'bem viver’"
Essa noção será retomada diversas vezes ao longo do texto e visa de modo explícito alimentar este sofisma; a particularidade da região amazônica torna legítima a introdução de novas categorias teológicas e a modificação profética da doutrina, da moral e da lei eclesiástica.
É preciso contudo assinalar que a possibilidade de se considerar uma região geográfica como um lugar teológico é completamente fantasiosa. Com efeito, a doutrina dos “lugares teológicos” foi sistematizada por Melchor Cano na primeira metade do século XVI, na obra De Locis Theologicis, na qual ele estabelece dez lugares teológicos, ou seja, os lugares “de todos os temas teológicos, de onde os teólogos tiram todos os seus argumentos, seja para confirmar, seja para rejeitar” uma doutrina.
Para Melchior Cano, os lugares teológicos dividem-se em “próprios" (Escrituras, Tradição, Igreja, Concílios, Papas, Padres, teólogos) e “impróprios" (razão humana, filosofia, história). Como se vê, a geografia não é um lugar teológico. Assim, a Amazônia e os “clamores" da terra não podem nem influenciar nem modificar a doutrina da Igreja em ponto algum. Mas, infelizmente, uma das idéias centrais do pensamento do Papa Francisco ressoa essa utilização inapropriada da noção de “lugar teológico”, a saber, que o Espírito Santo possa inspirar, de um modo diferente segundo os lugares e os tempos, reviravoltas doutrinais e mudanças naquilo que sempre foi crido. Para ele, a fé e a Igreja só são vivas se elas se colocarem no encalço dos homens e das suas necessidades ou exigências cambiantes: o pastor deve seguir as ovelhas, e não guia-las; é ele que tem de ter o cheiro do rebanho, não o inverso. Uma Igreja que tivesse a pretenção de impôr a todos os cristãos a mesma doutrina imutável seria uma Igreja de fariseus, que petrifica a Revelação. Para o Pontífice reinante, a Revelação não se encerrou com a morte do último apóstolo, mas continua, sobretudo por obra dos pobres e das periferias. Eis o contexto teológico gravemente heterodoxo no qual devemos enquadrar o Sínodo em preparação atualmente.
O que acabamos de dizer é confirmado no capítulo II do Instrumentum Laboris, intitulado “território”:
"Além disso, podemos dizer que a Amazônia – ou outro espaço territorial indígena ou comunitário – não é somente um ubi (um espaço geográfico), mas também um quid, ou seja, um lugar de sentido para a fé ou a experiência de Deus na história. O território é um lugar teológico a partir do qual se vive a fé, mas é também uma peculiar fonte de revelação de Deus. Estes espaços são lugares epifânicos onde se manifesta a reserva de vida e de sabedoria para o planeta, uma vida e sabedoria que falam de Deus. Na Amazônia manifestam-se as “carícias de Deus” que se encarna na história"
Aí está o fundamento da nova fantasia eco-teológia que pretendem lançar! A floresta amazônica é uma “peculiar fonte de revelação de Deus”. É claro que aqui não se pretende reafirmar que o céu e a terra, a beleza da criação em geral, cantam a glória de Deus, dão testemunho por sua perfeição da existência de Deus, que é a suprema inteligência e bondade. Ao contrário, procura-se afirmar que a Amazônia, enquanto tal, e de modo exclusivo, é lugar de uma revelação especial de que o planeta inteiro deve se apropriar: trata-se, em suma, de uma espécie de “floresta eleita”, portadora de uma mensagem nova da parte de Deus a ser transmitida a todos os homens.
Temos a impressão de estarmos diante de um delírio teológico, e lamentamos não poder usar um termos menos forte.
Ora, quem conhece bem a Amazônia sabe que essa visão idílica da floresta tropical é totalmente inexata: trata-se de um dos lugares mais inóspitos da terra, praticamente despovoado e inabitável, onde 390 tribos de selvagens ainda existentes possuem costumes bárbaros e arcaicos. Na floresta, insetos, parasitas de todos os gêneros, predadores, dificuldade de se encontrar água potável, humidade acentuadíssima, ameaçam continuamente a vida humana, tornando-a impossível na prática. Curiosamente, para os redatores da IL, a Amazônia é, ao contrário, um lugar paradisíacos, onde cada indígena é uma espécie de São Francisco:
“Uma visão contemplativa, atenta e respeitadora dos irmãos e irmãs, e também da natureza – da irmã árvore, da irmã flor, das irmãs aves, dos irmãos peixes e até das irmãzinhas mais pequeninas, como as formigas, as larvas, os cogumelos ou os insetos (cf. LS, 233) – permite que as comunidades amazônicas descubram como tudo está interligado, valorizem cada criatura, vejam o mistério da beleza de Deus que se revela em todas elas (cf. LS, 84 e 88) e convivam amigavelmente”
Note-se na passagem citada a idéia de que “tudo está interligado”: o homem a natureza são um todo, não há mais nenhum salto ontológico entre o sujeito espiritual e livre, destinado à vida eterna, e as plantas, os pássaros, as larvas. A natureza não é mais confrontada com o homem que recebeu de Deus o dever de dominá-la (Gênesis 1): agora a natureza absorve o homem, que não passa de uma parte acessória dela. Deus mesmo parece confundir-se com a natureza, perdendo a sua transcendência: estamos em pleno panteísmo. Com efeito, acrescenta o texto, uma vez que na Amazônia tudo está interconectado, ela nos ajuda a “compreender de forma integral nossos relacionamentos com os demais, com a natureza e com Deus, como refere o Papa Francisco”. Se tudo está interconectado — mesmo Deus — então a transcendência mesma de Deus é implicitamente negada e nos cabe apenas, como na gnose antiga, reencontrar as vias capazes de restaurar o pleroma divino original, que se subdividiu por uma série de faltas. A existência do sujeito individual e o seu face-a-face espiritual com Deus, a história da sua salvação, perde toda consistência e significação. Deus é o todo, coincidindo com a natureza e com os homens, e não transcende o mundo — não é mais pensado como Santíssima Trindade.
Culpabilização do Ocidente
Nessa abordagem panteísta, o único mal é proveniente da colonização ocidental e da exploração dos recursos amazônicos que ela desencadeou. Eis o mal supremo. Como católicos, sabemos, ao contrário, que o único mal verdadeiro é o pecado, e que não conseguimos nos liberar dele sem a fé e a vida da graça; sabemos que Nosso Senhor Jesus Cristo se incarnou e se fez homem, que padeceu e morreu na cruz para salvar os homens, não para nos reconciliar com a floresta amazônica. Os redatores do IL parecem ignorar que o homem possui uma alma imortal e que pertencer à Igreja é essencial para a salvação. Em todo o documento preparatório que aqui comentamos, não se lê uma única palavra, nem a menor preocupação, acerca da vida da fé, da salvação das almas, do estado de pecado no qual vive uma multidão de homens. Numa passagem dramática, a religiosidade pagã e naturalista dos indígenas parece ser abertamente defendida, não se faz a menor alusão à necessidade deles se converterem:
“A vida das comunidades amazônicas ainda não atingidas pelo influxo da civilização ocidental se reflete na crença e nos ritos sobre a atuação dos espíritos, da divindade – chamada de inúmeras maneiras – com e no território, com e em relação à natureza. Esta cosmovisão se resume no “mantra” de Francisco: “Tudo está interligado” […] Tanto as cosmovisões amazônicas como a cristã estão em crise por causa da imposição do mercantilismo, da secularização, da cultura do descarte e da idolatria do dinheiro.”
Essa passagem não pode ter sido escrita por bispos e teólogos católicos, de tão surreal que é! De início, exalta a religiosidade animista e panteísta dos índios, em seguida ressalta a sua proximidade com o pensamento do papa, finalmente deplora que a visão amazônica e a visão cristã do mundo esteja em crise por conta do mercantilismo… Em resumo, exalta-se a sabedoria ancestral e a religiosidade dos índios como modelos dos quais a Igreja deve se inspirar. Aspira-se, em suma — é esse o sentido de todo o documento — a uma espécie e missão às avessas, em que a cultura e a religião primitivas indígenas sirvam para colonizar e transformar a Igreja e a fé católica. A Igreja não deve anunciar o Evangelho e chamar à conversão povos prisioneiros nas trevas do erro e da superstição, mas deixar-se invadir por essas trevas e se converter de modo humilhante pelo presumido respeito pela natureza dos pagãos da Amazônia.
Que missão na Amazônia?
O texto de IL, após ter reafirmado mais uma vez os graves danos infringidos na região amazônica pela colonização e pela Igreja, cúmplice dos colonizadores, aborda o problema da evangelização, e começa por observar que "Muitos dos obstáculos a una evangelização dialógica e aberta à alteridade cultural têm um cunho histórico e se escondem por detrás de certas doutrinas petrificadas”. Em substância, o documento acusa a Igreja de ter se enganado até aqui na sua ação ao impôr à Amazônia (mas em realidade a todos os demais territórios) doutrinas “petrificadas”. A expressão “doutrinas petrificadas” é tirada da linguagem pejorativa que Francisco utiliza quando ataca o mundo da Tradição em geral e a Igreja pré-conciliar. Como já vimos, para o Papa e para os redatores do IL, o dogma está sempre em movimento, a doutrina tem de evoluir e se adaptar às necessidades que surgem, país a país, época a época: a Revelação, para eles e para todos os modernistas — tal como foi denunciado na Pascendi — não se encerrou, mas continua aberta e evolui, e quem pretender que ela encerrou a “petrifica" impedindo-a de frutificar e de ser aceita.
Se a doutrina é móvel e a Revelação aberta e sempre em curso, e não governada pelo princípio da não-contradição, segue-se que a Igreja não deve mais ensinar, mas entabular um diálogo com todo o mundo para descobrir o que o Espírito Santo quer para os nossos tempos. O ápice dessa nova idéia de religião (que de fato não é mais católica) é apresentada no parágrafo 39:
"Muitos povos amazônicos são constitutivamente dialógicos e comunicativos. Existe um amplo e necessário campo de diálogo entre as espiritualidades, crenças e religiões amazônicas, que exige uma abordagem cordial das diferentes culturas. O respeito por este espaço não significa relativizar as próprias convicções, mas sim reconhecer outros caminhos que procuram desvendar o mistério insondável de Deus. A abertura não sincera ao outro, assim como uma atitude corporativista, que reserva a salvação exclusivamente ao próprio credo, são destruidoras desse mesmo credo. Assim o explicou Jesus ao Doutor da Lei, na parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 30-37). O amor vivido em qualquer religião agrada a Deus. “Através de um intercâmbio de dons, o Espírito pode conduzir-nos cada vez mais para a verdade e o bem””
Nesta passagem, que é uma síntese perfeita de todo o problema do diálogo ecumênico e interreligioso imposto a partir do Concílio Vaticano II e em particular com o documento Nostra Aetate, tem-se não apenas uma visão modernista da fé cristã, mas uma aproximação visível da concepção maçônica do fenômeno religioso. Com efeito, falar em “mistério insondável de Deus” que todas as religiões procuram desvendar de modo parcial, equivale a pôr em pé de igualdade toda fé e toda crença religiosa, a colocar no mesmo plano o catolicismo e o culto animista, a aceitar todas as convicções religiosas, sob a condição de que não pretendam impôr a sua verdade como única e universalmente válida — tudo isso é típico da ideologia maçônica.
Mas, no trecho citado, chega-se a uma blasfêmia, quando o IL condena uma “atitude corporativista, que reserva a salvação exclusivamente ao próprio credo”, pois ela seria destruidora desse mesmo credo. Nega-se aqui o princípio nulla salus extra Ecclesiam, ou seja, nega-se a universalidade e a unicidade da salvação operada por Cristo, pondo no mesmo plano o catolicismo, reduzido ao status de simples “convicção” pessoal, e toda outra crença religiosa. Inútil dizer que a parábola do bom Samaritano está completamente deformada e mal compreendida, e que em última instância, para quem pensa assim, não se compreende que sentido pode haver em falar de “evangelização”.
Para os heréticos que escreveram IL, Deus parece não ter se revelado, o Verbo parece não ter se encarnado e feito homem para ensinar a todos os povos a via da salvação que foi aberta pela fundação da Igreja.
A conclusão desse lenga-lenga nos conduz até a direção que será em seguida adotada por todo o resto do documento:
“A vida na Amazônia, entrelaçada pela água, pelo território e pelas identidades e espiritualidades de seus povos, convida ao diálogo e à aprendizagem de sua diversidade biológica e cultural. A Igreja participa e gera processos de aprendizagem que abrem caminhos de uma formação permanente sobre o sentido da vida integrada com seu território e enriquecida por sabedorias e experiências ancestrais.”
Essa linguagem um pouco delirante e verborrágica diz em substância o seguinte: os índios da Amazônia, com sua sabedoria ancestral e panteísta superior, devem ensinar à Igreja e, por seu intermédio, aos povos ocidentais, a viver uma nova vida integrada ecologicamente ao território: eis o que entendem por evangelização hoje em dia esses modernistas que ocuparam a Igreja.
Durante o Angelus de 15 de outubro de 2017, o Papa Francisco anunciou a sua intenção de organizar um Sínodo especial sobre a Amazônia. O Sínodo iniciará no dia 6 de outubro em Roma, e terá a participação dos bispos de sete Conferências Episcopais sul-americanas.
O Documento Preparatório (DP) foi redigido durante uma reunião de dois dias, que ocorreu em Roma nos dias 12 e 13 de abril de 2018. O Documento foi publicado em 8 de junho juntamente com um questionário. O trabalho concreto de preparação desse documento foi realizado pela Rete Ecclesiale Panamazzonica (REPAM), fundada em Brasília em 2014.
As respostas ao questionário dadas por diferentes realidades eclesiais de base foram enviadas aos presidentes das sete Conferências Episcopais (Antilhas, Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela), que, por sua vez, os remeterem ao Secretariado do Sínodo.
Nessa etapa, a REPAM organizou 2.600 eventos, nos quais participaram 87.000 pessoas: durante esses encontros, os participantes discutiram os resultados dos questionários e as sínteses propostas pelas Conferências Episcopais.
Todo esse material foi em seguida confiado à oito peritos, quatro provenientes da região amazônica, e quatro de Roma, os quais redigiram o texto final do Instrumentum Laboris. Claro, outras reuniões e seminários de estudo do Instrumentum Laboris se seguiram, entre os quais um congresso particularmente importante ocorreu em Washington, entre os dias 19 e 21 de março de 2019.
O texto do Instrumentum Laboris (que doravante chamaremos de IL) está dividido em três seções: a primeira parte chamada de “A voz da Amazônia”, a segunda parte de “Ecologia integral: o clamor da terra e dos pobres”, a terceira parte de “Igreja profética na Amazônia: Desafios e esperanças”.
Antes de começar nossa breve análise do texto, façamos uma observação preliminar sobre o método empregado: como se pode notar, optou-se por partir de baixo para cima, ou seja, o documento final é o resultado da compilação do questionário e de uma série incontável de reuniões preparatórias. É o método que o Papa já empregou nos sínodos precedentes, como o da família e o dos jovens. Estamos diante de uma espécie de democracia eclesiástica radical, com um apelo contínuo ao povo, que é instado a preparar um “caderno de queixas” com tudo o que espera da Igreja, exprimindo quais mudanças deseja. No fundo, é o método de toda revolução, a partir, justamente, da revolução francesa de 1789. É um método perigoso, completamente contrário à natureza da Igreja e jamais visto em toda a sua história. A Igreja católica é essencialmente “Magistra” — ela possui a verdade em sua plenitude, guarda uma doutrina imutável e o seu dever é o de ensinar a todos os povos. Ela não é uma instituição meramente humana que deve fazer sondagens sobre a maneira de adaptar um serviço às exigências de seus clientes. Dada a relação entre Igreja Docente (o Papa e o episcopado subordinado e unido a ele) e a Igreja Discente, não faz sentido algum inverter os termos da relação e pensar que é esta que deverá ensinar àquela o que precisa ser feito ou ensinado. Estamos diante de uma verdadeira reviravolta com respeito à relação que deveríamos ter com a Autoridade e, como veremos adiante, esse é o coração do documento e, em realidade, trata-se do centro da interpretação muito pessoal e heterodoxa que o Pontífice tem do papel e dos deveres da Igreja.
Mas, é útil colocar ainda a seguinte questão: 34 milhões de pessoas vivem na Amazônia, das quais 3 milhões são índios, vivendo num território de 7,5 milhões de quilômetros quadrados. Trata-se, portanto, de uma quantia inexpressiva de habitantes, equivalente a pouco mais da metade dos habitante da Itália, mas espalhados num território 22 vezes maior que o italiano. Oras, por que tanta ênfase na sorte do catolicismo nessa região particular, quantitativamente irrelevante no que se refere à Igreja católica? Não há problemas mais urgentes, como por exemplo a profundíssima descristianização dos estados outrora católicos? Não há problemas gigantescos no domínio da bioética que necessitariam de sínodos extraordinários, como por exemplo os problemas do aborto, da eutanasia, das uniões contrárias à natureza? Por consequência, não nos parece temerário supôr que a inquietude por 3 milhões de índios espalhados na imensa floresta amazônica tenha uma outra origem, e venha de estratégias ecologistas promovidas pelos grandes poderes do mundo inteiro, e dos quais a Igreja se tornou porta-voz e caixa de ressonância, dado o seu papel de autoridade moral, domesticada e controlada, é verdade, mas ainda influente sobre muitos, e bastante útil para emprestar um verniz de espiritualidade à ditadura global que está aos poucos sendo instaurada. Em suma, o Papa é utilizado como uma Greta de luxo, para ser usada por povos estupefatos que são pouco a pouco esmagados.
Analisemos agora os pontos essenciais do documento.