A segunda parte do IL, como se advinha pelo título, consagra-se totalmente a uma longa e lamuriosa enumeração de todos os males que afligem a Amazônia a partir do que chamam de “destruição extrativista”. A essa destruição, verdadeira ou presumida, opõe a exigência de uma “conversão ecológica”. Nós nos limitaremos a assinalar os pontos mais críticos.
Num parágrafo sobre a família, por exemplo, diz: “Em síntese, é na família que se aprende a viver em harmonia: entre povos, entre gerações, com a natureza, em diálogo com os espíritos”. Vemos mais uma vez a aceitação inadmissível de não se sabe bem qual religiosidade espiritualista ou animista como um valor positivo, enquanto que, durante dois mil anos, em toda parte em que os missionários chegavam, a sua primeira luta era precisamente contra “os espíritos” e as mentiras do povo pagão.
Como teólogos católicos e bispos ousam ver um valor positivo no “diálogo com os espíritos” dos indígenas que deveriam evangelizar? Além do mais, fora da fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, com quais espíritos um índio ainda preso ao paganismo haveria de dialogar? Não está escrito que “os deuses das nações são demônios”?
A questão da saúde integral
Seja como for, o capítulo mais absurdo dessa segunda parte é talvez o sétimo, intitulado “A questão da saúde integral”. Eis aqui algumas das passagens mais problemáticas:
"Hoje, a região amazônica contém a diversidade de flora e de fauna mais importante do mundo, e sua população autóctone possui um sentido integral da vida não contaminado por um materialismo economicista. Em sua história, longa e fecunda, a Amazônia é um território saudável, embora não tenham faltado enfermidades"
Infelizmente — continua o texto — a exploração econômica fez surgir novas patologias e comprometeu o equilíbrio e a saúde, tanto da floresta como de seus habitantes:
“O dano prejudica não apenas a saúde física, mas também a cultura e a espiritualidade dos povos: é um prejuízo para sua “saúde integral”. Os habitantes amazônicos têm direito à saúde e a “viver saudavelmente”, o que supõe uma harmonia «com o que nos oferece a Mãe Terra». […] Os rituais e as cerimônias indígenas são essenciais para a saúde integral, pois compõem os diferentes ciclos da vida humana e da natureza. Criam harmonia e equilíbrio entre os seres humanos e o cosmo. Protegem a vida contra os males que podem ser provocados tanto por seres humanos como por outros seres vivos. Ajudam a curar as doenças que prejudicam o meio ambiente, a vida humana e outros seres vivos.” (o sublinhado é nosso)
Note-se nessa passagem a defesa absurda dos cultos e ritos religiosos pagãos ainda praticados pelos indígenas, cultos que são de fato estreitamente ligados à práticas de magia de toda sorte. Não se fala aqui de evangelização, mas faz-se com desfaçatez a apologia da bruxaria e da religiosidade dos indígenas da Amazônia. É objetivamente uma vergonha para a Igreja católica inteira que sete conferências episcopais tenham produzido um documento como esse, e é uma vergonha que os dicastérios romanos tenham aceitado e aprovado esse texto. Ademais, não é difícil compreender que, se o Sínodo de outubro for guiado por esse Instrumentum Laboris, ele então não poderá produzir outra coisa do que um desastre completo.
Rumo a uma Igreja “discípula”
Como já evocamos, o coração da concepção heterodoxa que o papa faz da Igreja é a idéia de que a Revelação não se encerrou, de que o Depositum Fidei não é estável e imutável, mas está em contínua evolução. Por conseguinte, a Igreja não deve mais essencialmente, e antes de tudo o mais, ensinar o que ela custodia, tradere o que recebeu de Nosso Senhor, mas fazer-se discípula e aprender os novos elementos da “revelação” que Deus dá sobretudo através das periferias, dos preteridos, dos “deixados de lado”, para utilizar o léxico do Papa. A nova “revelação” vem assim coincidir, seguindo a visão modernista, com as necessidades e anseios do povo, aos quais não se pode responder com doutrinas “petrificadas”. Eis-nos aqui, portanto, com novos e inéditos “lugares teológicos”, como é a floresta amazônica que é preciso escutar:
"Mediante a escuta mútua dos povos e da natureza, a Igreja se transforma em uma Igreja em saída, tanto geográfica como estrutural; em uma Igreja irmã e discípula, através da sinodalidade. Assim se expressou o Papa Francisco na Constituição Apostólica Episcopalis Communio: “O Bispo é, simultaneamente, mestre e discípulo [...]. É também discípulo, quando ele, sabendo que o Espírito é concedido a cada batizado, se coloca à escuta da voz de Cristo que fala através de todo o Povo de Deus” (EC, 5). O Papa mesmo se fez discípulo em Puerto Maldonado, manifestando sua vontade de ouvir a voz da Amazônia.” (o sublinhado é nosso)
Assinalamos, na citação de Episcopalis Communio acima, a gravidade do erro do papa: no seu pensamento, como o Espírito Santo é dado a todo batizado, Cristo fala e adapta ou modifica a Revelação dada pelos apóstolos de baixo para cima, ou seja, por meio da voz dos indivíduos e dos povos. Eis porque a Igreja é discípula: ela não deve mais ensinar, mas seguir a incessante modificação da “revelação”, pondo-se à escuta dos povos, e mesmo da natureza! A Igreja e o Papa são discípulos, por exemplo, constituem uma “Igreja em saída” quando se põem a escutar a Amazônia, porque, por meio da Amazônia, é Deus mesmo que fala. Estamos na essência mesma do modernismo mais radical e desavergonhado, e nos encontramos, humanamente falando, diante do fim da Igreja Católica, pois não é possível conceber uma teologia mais miserável e esquizofrênica. De resto, não escapa a ninguém que a enorme fraude que é a “Igreja em saída” que acabamos de descrever não faz mais do que permitir a teólogos, bispos ou papas que não têm mais a fé católica, de fazer passar por “ensinamento" ou “revelação” os seus sonhos e delírios pessoais, um pouco como nas revoluções em que uma minoria organizada em nome do povo impõe sua ideologia e oprime a maioria dos cidadãos.
Com as premissas colocadas até aqui, é fácil imaginar que tipo de catequese ou de apostolado pretendem usar na Amazônia. Uma breve passagem é esclarecedora:
“Na Amazônia a educação não significa impor aos povos amazônicos parâmetros culturais, filosofias, teologias, liturgias e costumes estranhos.”
Essa passagem é coerente com a noção explicada acima de “Igreja em saída”: uma vez estabelecido que é a Amazônia que nos dá hoje a revelação do Cristo (e está sub-entendido que ela a dá para todos os homens, não apenas para os indígenas, pois veremos que todos os homens deverão passar por uma “conversão ecológica”), que Cristo fala hoje por meio do clamor da Amazônia, não cabe mais pensar em ensinar ou transmitir o que quer que seja aos indígenas (nem teologias, nem liturgias, nem costumes estrangeiros), e sim de aprender deles qual deve ser hoje em dia o rosto do catolicismo. Com efeito, a visão superior de mundo dos indígenas, que vêem a realidade não de modo fragmentado (mas como um todo animado numa ótica panteísta) pode servir de fundamento a uma nova pedagogia universal (ou seja, válida para todos) e para um “novo” catolicismo: "A Amazônia nos convida a descobrir a tarefa educativa como um serviço integral para toda a humanidade, em vista de uma «cidadania ecológica».
Se considerarmos o uso político, cada vez mais intenso, feito pelas elites globalistas do catastrofismo ecológico para subjugar os povos, podemos supôr que existam outras forças, outros poderes, acima dos bispos da América do Sul, que se rejubilam que a Igreja Católica se faça de arauto, não de Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado por nós e para a nossa salvação, mas da “cidadania ecológica”. E aqui não podemos deixar de recordar, por exemplo, a enorme presença e o poderio que a maçonaria sempre teve nos países Sul-Americanos. A Inglaterra, inicialmente, a partir do início do século XIX, em seguida os Estados Unidos, favoreceram o desenvolvimento de uma rede de lojas maçônicas em toda a América do Sul espanhola e no Brasil, para poder fomentar as elites com as quais poderiam abater o comando nos Estados Ibéricos: isso é tão verdadeiro que a grande maioria dos “heróis” da liberação e da independência da América do Sul, como a maioria dos ditadores, foram maçons.
Também nesse caso, como em muitos outros de política internacional (Ucrânia, Síria, Birmânia etc), o pontífice parece sempre se alinhar com os grandes poderes anglo-saxões, e em particular estar muito em sintonia com a agenda da política estrangeira norte-americana.
A formação dos futuros padres
Sobre essas premissas definidas até aqui, é importante agora ver como o IL define o percurso de formação do clero.
Nos seminários pregam: ”a integração da teologia indígena com a ecoteologia, que os prepare para a escuta e o diálogo aberto, onde tem lugar a evangelização.” Tirando de lado que ninguém sabe bem o que seja “teologia indígena” ou “ecoteologia”, dado que o documento, nas suas muitas páginas, não o definiu nem uma vez, nota-se o acento dado ao fato de que os futuros sacerdotes estejam prontos para um “diálogo aberto”, expressão que designa um diálogo no qual a razão poderia estar do lado do índio.
Ainda mais interessante, uma segunda passagem diz: "Propõe-se a reforma das estruturas dos seminários, para favorecer a integração dos candidatos ao sacerdócio nas comunidades”. Dito de outro modo, trata-se de evitar toda a separação entre os seminários e as cidades ou aldeias, e imergir os seminaristas, mesmo no centro do seu processo de formação, nas comunidades indígenas. Isso viola uma experiência multissecular no tocante à formação dos sacerdotes e impede de fazer com que desperte neles o hábito do recolhimento, da oração, de uma vida espiritual intensa e recolhida.
É importante contudo assinar, pois a coisa é declarada explicitamente, que os futuros padres, na prática, não devem se preparar para anunciar, ensinar e pregar o Evangelho. Eles não devem conhecer o dogma e a moral católica, pois:
"Pede-se que seja aprofundada uma teologia índia amazônica já existente, que permitirá uma melhor e maior compreensão da espiritualidade indígena, para evitar que se cometam aqueles erros históricos que atropelaram muitas culturas originárias."
"Pede-se, por exemplo, que se tenham em consideração os mitos, tradições, símbolos, saberes, ritos e celebrações originários, que incluem as dimensões transcendentes, comunitárias e ecológicas.”
Esta passagem parece, por um lado, lamentar que as tradições culturais e religiosas dos astecas, incas e maias tenha sido eclipsadas e suplantadas pelo Evangelho, e, por outro lado, parece considerar correto que os futuros padres estudem e aprendam a respeitar — ou a se apropriar — essas mesmas crenças. Na prática, o episcopado católico da América do Sul parece ter perdido a fé, para regressar a visões do mundo primitivo e pagão considerados como melhores e mais frutuosos do que o Evangelho. Compreende-se também qual é o fundamento desta apostasia generalizada: a religiosidade tribal indígena é fundamentalmente panteísta, e como ela diviniza a natureza e as forças naturais, ela é claramente considerada como mais apta a fundar uma nova cultura ecológica. A finalidade da Igreja, para os bispos sul-americanos, não é mais salvar almas, mas salvar a floresta amazônica e o ecosistema, o que torna compreensível a sua nostalgia pelo paganismo panteísta.
A conversão ecológica
Chegamos ao verdadeiro objetivo de todo Instrumentum Laboris. E se é necessário que se produza uma “conversão teológica”, é preciso desde logo admitir um “pecado ecológico”. É assim que o IL corrige a fé católica no seu dogma mais delicado — o do pecado original. Nós sabemos que o cristianismo, e toda a economia da salvação, fica de pé ou cai com o dogma do pecado original; modificá-lo equivale, portanto, a alterar o edifício da fé. Eis como, no documento preparatório do Sínodo sobre a Amazônia, esse dogma é reinterpretado, ou antes, completamente modificado:
"Um aspecto fundamental da raiz do pecado do ser humano consiste em desvincular-se da natureza e em não a reconhecer como sua parte, em explorá-la sem limites, rompendo deste modo a aliança originária com a criação e com Deus (cf. Gn 3, 5)”.
Nas páginas seguintes, reafirma-se substancialmente a mesma noção: o pecado consiste em romper a trama das relações que ligam o indivíduo ao todo, e a se arrogar o direito de dominar a natureza. Por conseguinte, a conversão deste pecado contra a natureza e o todo (que parece apagar completamente o que é realmente o pecado: uma revolta contra Deus e contra a sua lei), deverá ser uma “conversão ecológica”. Deus como que se evaporou e um novo Deus pagão tomou o seu lugar: a Natureza divinizada, a Gaia dos ecologistas. A Igreja deve converter-se primeiramente e “Temos necessidade de percorrer um caminho interior para reconhecer as atitudes e mentalidades que nos impedem de nos conectarmos conosco mesmos, com os outros e com a natureza”. Se a conversão é uma nova relação com a natureza, são os índios da Amazônia quem melhor poderão instruir a Igreja nessa sua conversão ecológica; assistimos assim a uma reviravolta completa as noções de apostolado, evangelização, conversão: não são mais os pagãos que devem se converter ao Evangelho e ingressar na Igreja para salvar suas almas, mas é a Igreja que deve se converter ao culto panteísta da natureza próprio dos pagãos. Idéias ridículas e degeneradas como essas chegaram a guiar e inspirar um sínodo de bispos católicos!
Mas prossigamos para ler a enésima descrição idílica e idealizada dos índios da Amazônia:
“Este processo continua, deixando-se surpreender pela sabedoria dos povos indígenas. Sua vida diária é um testemunho de contemplação, cuidado e relação com a natureza. Eles nos ensinam a reconhecer-nos como parte do bioma e corresponsáveis de seu cuidado pelo presente e pelo futuro. Portanto, devemos reaprender a entretecer laços que assumam todas as dimensões da vida e a assumir uma ascese pessoal e comunitária que nos permita «amadurecer numa sobriedade feliz» (LS, 225)”.
"Nossa visão crente da realidade amazônica nos levou a avaliar a obra de Deus na criação e em seus povos, mas também a presença do mal a vários níveis: colonialismo (domínio), mentalidade economicista-mercantilista, consumismo, utilitarismo, individualismo, tecnocracia, cultura do descarte.”
Ainda uma vez, o pecado é considerado nos termos disformes da ideologia ecologista de um lado, e da teologia da liberação de outro, como pecado social. O verdadeiro mal é o colonialismo, segundo o documento, sem distinção e sem maiores precisões, sem lembrar que a providência se serviu dele para fazer com que o Evangelho chegasse até as Américas, onde os conquistadores lentamente trouxeram um nível de civilização extraordinariamente superior ao das civilização pré-colombianas. O que emerge desse texto é, em suma, um ódio imenso pela tradição cristã, pela civilização ocidental, por tudo o que a Igreja realizou nos séculos de um apostolado exaustivo e heróico nos territórios amazônicos e sul-americanos, nos quais, antes da chegada dos Portugueses e Espanhóis, reinava por toda a parte o sacrifício humano como ato supremo de culto religioso. O Instrumentum Laboris se mostra assim como uma síntese envenenada da teologia da liberação, do marxismo, do modernismo e de ecologia, amalgamados numa ótica panteísta.
Num contexto ideológico tão degradado, não espanta ler a descrição daquilo que, segundo os redatores do documento, a Igreja deve se tornar e de como deve ser o seu apostolado:
“Favorecer uma Igreja como instituição de serviço não autorreferencial, corresponsável no cuidado da Casa Comum e na defesa dos direitos dos povos.”
Além da habitual homenagem obsequiosa feita ao papa, ao condenar uma Igreja “autorreferencial”, temos aqui a Igreja Católica, arca da salvação, reduzida ao status de uma ONG que se ocupa do meio-ambiente e dos direitos dos indígenas, como se fosse um grande sindicato.
“(…) Incentivar hábitos de comportamento, de produção e de consumo, de reciclagem e de reutilização de resíduos”. Aqui também, brilha a ausência de toda finalidade sobrenatural. Do zelo pelas almas e pela vida da graça dos fiéis por meio da Santa Missa, da freqüência aos sacramentos e da vida de piedade; passamos a uma Igreja cujo fim primeiro parece ser a reciclagem e a reutilização de resíduos! Nenhuma preocupação com o tema da generalização do pecado e da corrupção moral. A questão é a triagem seletiva.
A Igreja também deve, segundo os redatores do Instrumentum Laboris, "Recuperar mitos e atualizar ritos e celebrações comunitárias que contribuam significativamente para o processo de conversão ecológica”: como nós já ressaltamos anteriormente, estamos diante de uma verdadeira inversão da finalidade da Igreja, que não é mais a salvação das almas, e sim a “conversão ecológica”; e sugere-se que a Igreja recupere mitos e religiões tradicionais que são, manifestamente, mais aptas que o cristianismo para favorecer a imposição da nova cultura de morte ecologista. Essa passagem não é apenas louca, insensata, mas constitui um ato formal de apostasia. Teólogos e bispos católicos não têm o direito de propôr à Igreja recuperar mitos e crenças religiosas pagãs enquanto fins, que não tem nenhuma relação com o mandato que Nosso Senhor deu à própria Igreja. Os redatores do documento parecem ainda ignorar que apenas uma plena e íntegra conversão ao Cristo, somente a plenitude da Realeza Social de Cristo, o triunfo do Evangelho nas leis, na família, no trabalho, na política, podem lentamente melhorar todas as coisas, inclusive o meio-ambiente e o respeito por ele. Mas Jesus nos preveniu: “sem mim, nada podeis fazer”. Portanto, nenhuma “conversão ecológica”, por mais fanática que possa ser, dará o menor resultado sem uma verdadeira conversão à única religião verdadeira.
Enfim, é preciso um "Reconhecimento formal por parte da Igreja particular, como ministério especial ao agente pastoral promotor do cuidado da Casa Comum.”
Como em todas as revoluções, e como na revolução que se desenha com o Sínodo da Amazônia, modificar a linguagem é a operação mais importante; e aqui o padre ou religioso se torna um “agente pastoral” que tem o “ministério especial” de trabalhar pela salvaguarda da Casa Comum (elevada, por meio do uso insistente das iniciais em maiúsculas, ao nível de entidade pagã semi-divina à qual é preciso render culto).