A gravidade dos acontecimentos dos últimos anos, depois da Revolução Russa, da Revolução Espanhola e da II Guerra Mundial, mostra que almas crentes devem recorrer cada vez mais a Deus por intermédio dos grandes mediadores que Ele nos tem dado, por causa de nossa fraqueza.
Esses acontecimentos e sua atrocidade mostram de uma maneira extraordinariamente impressionante a que ponto chegam os homens quando querem prescindir absolutamente de Deus, quando querem organizar as suas vidas sem Ele, longe d’Ele, contra Ele. Quando, no lugar de crer em Deus, esperar n'Ele, amá-Lo acima de tudo e amar o próximo n’Ele, queremos acreditar na humanidade, esperar nela, amá-la de modo exclusivamente terreno, ela não tarda em se mostrar a nós com suas corrupções profundas, com suas chagas sempre abertas: o orgulho da vida, a concupiscência da carne e dos olhos, e todas as brutalidades que decorrem disso. Quando, em vez de colocar nosso fim último em Deus ― que pode ser simultaneamente possuído por todos, como todos podemos possuir a mesma verdade, sem nenhum prejuízo, e a mesma virtude ― colocamos nosso fim último nos bens deste mundo, não tardamos em perceber que esses bens dividem-nos profundamente, porque a mesma casa, o mesmo campo, o mesmo território não podem pertencer simultânea e integralmente a muitos. Quanto mais a vida é materializada, mais os apetites inferiores são estimulados, sem nenhuma subordinação a um amor mais elevado, mais os conflitos entre indivíduos, entre as classes e os povos se exasperam, até que a Terra se torna, por fim, um verdadeiro inferno.
Nosso Senhor mostra desse modo aos homens o que podem obter prescindindo d’Ele. Esses fatos são um vivo comentário destas palavras do Salvador: “Sem mim, nada podeis fazer” 1. “Quem não é comigo, é contra mim, e quem não junta comigo, desperdiça” 2. “Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” 3. O salmista diz igualmente: “Se o Senhor não edificar a casa, é em vão que trabalham os que a edificam. Se o Senhor não guardar a cidade, inutilmente vigia a sentinela” 4.
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Os dois grandes males da hora atual, como disse o Papa Pio XI, são por um lado o comunismo materialista e ateu, segundo o programa dos “sem Deus”, e por outro lado um nacionalismo desenfreado que quer estabelecer a supremacia dos povos mais fortes sobre os fracos, sem respeito à lei divina e natural. Daí resulta o agudíssimo conflito em que o mundo inteiro se encontra.
Para remediar tais males, os melhores e mais zelosos entre os católicos, nas nações atualmente divididas, sentem a necessidade de uma oração comum, que congregue diante de Deus as almas profundamente cristãs dos diversos países para obter que o reino de Deus e de Cristo se estabeleça cada vez mais no lugar do reino do orgulho e da ambição.
Para esse fim, oferecem-se todos os dias Missas e a adoração do Santíssimo Sacramento; essa prática foi estabelecida em distintos países de modo tão rápido e amplo que se deve ver nela o fruto de uma grande graça de Deus.
Não se obterá a pacificação exterior do mundo senão pela pacificação interior das almas, reconduzindo-as a Deus, trabalhando-se para estabelecer nelas o reino de Cristo, no mais íntimo de sua inteligência, de seu coração e de sua vontade ativa.
Para esse retorno das almas perdidas Àquele somente que as pode salvar, importa recorrer à intercessão da Virgem Maria, a Medianeira universal e Mãe de todos os homens. Diz-se dos pecadores que parecem perdidos para sempre, que se deve confiá-los a Maria, e o mesmo deve ser dito dos povos cristãos que se perdem.
Toda a influência da Bem-aventurada Virgem tem por fim conduzir as almas para seu Filho, como a missão de Cristo, mediador universal, tem por fim conduzi-las a Seu Pai.
A oração de Maria, sobretudo depois de ser elevada ao Céu, é universal no sentido mais amplo da palavra. Ela roga não só pelas almas individuais da Terra e do Purgatório, mas também pelas famílias e por todos os povos que devem viver sob o resplendor da luz do Evangelho, sob a autoridade da Igreja. Ademais, sua oração é tanto mais poderosa quanto está mais iluminada e procede do amor a Deus e às almas, que nada nem ninguém poderá atenuar ou interromper. O amor misericordioso de Maria por todos os homens supera o amor de todos os santos e anjos reunidos, assim como o poder de sua intercessão sobre o Coração de seu Filho.
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Por isso, muitíssimas almas interiores, de diferentes lugares, diante das desordens inauditas e dos trágicos sofrimentos da hora presente, sentem a necessidade de recorrer, pela intercessão de Maria Medianeira, ao Amor redentor de Cristo.
Em diversos países, particularmente nos mosteiros de vida contemplativa fervorosa, recorda-se que muitos bispos franceses reunidos em Lourdes, no segundo Congresso Mariano nacional, em 27 de julho de 1929, expuseram ao Sumo Pontífice o desejo de uma consagração do gênero humano ao Coração Imaculado de Maria. Recorda-se também que o Pe. Deschamps, S. J., em 1900, o Cardeal Richard, Arcebispo de Paris, em 1906, o Pe. Le Doré, superior geral dos Eudistas, em 1908 e 1912, e o Pe. Lintelo, S. J., em 1914, tomaram a iniciativa de reunir petições para obter do Soberano Pontífice a consagração universal do gênero humano ao Coração Imaculado de Maria.
Os bispos da França, num ato coletivo, no início da Guerra de 1914, em dezembro do mesmo ano, consagraram a França à Santíssima Virgem. O Cardeal Mercier, em 1915, em sua carta pastoral sobre Maria Medianeira, saudou a Virgem Santíssima, Mãe do gênero humano, como a Rainha do mundo. O reverendo Pe. Lucas, novo superior geral dos Eudistas, obteve, finalmente, em poucos meses, mais de trezentas mil assinaturas para acelerar, por essa consagração, a paz de Cristo no reino de Cristo.
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A fortaleza de que necessitamos na terrível perturbação em que se encontra o mundo atualmente é a oração de Maria, Mãe de todos os homens que no-la obterá do Salvador.
Sua intercessão é poderosíssima contra o espírito do mal, que opõe, uns contra os outros, os indivíduos, as classes e os povos.
Se um pacto formal e plenamente consentido com o demônio pode ter conseqüências terríveis na vida de uma alma e perdê-la para sempre, qual efeito espiritual não produzirá uma consagração a Maria feita com grande espírito de fé e freqüentemente renovada com uma fidelidade ainda maior?
Recorda-se que em dezembro de 1836, o venerável pároco de Nossa Senhora das Vitórias, em Paris, celebrando a Missa no altar da Santíssima Virgem, com o coração completamente amargurado pelo pensamento da inutilidade de seu ministério, ouviu estas palavras “Consagra tua paróquia ao Santíssimo e Imaculado Coração de Maria”, e tão logo a consagração foi feita, a paróquia foi transformada.
A súplica de Maria por nós é a de uma Mãe iluminadíssima, amantíssima e fortíssima, que vela incessantemente por seus filhos, por todos os homens chamados a receber os frutos da Redenção.
Quem consagra à Santíssima Virgem a cada dia todos os seus trabalhos, suas obras espirituais e tudo o que realiza, comprova concretamente o que dizemos. Encontra fé e esperança quando tudo parece perdido.
Ora, se a consagração individual de uma alma a Maria obtém-lhe diariamente grandes graças de luz, bondade, amor e força, quais não serão os frutos de uma consagração do gênero humano ao Salvador, feita pela própria Virgem Maria, a pedido do Pai comum dos fiéis, do Pastor Supremo? Qual não será o efeito de uma consagração assim feita, sobretudo se os fiéis de diferentes nações se unissem para viver uma fervorosa oração freqüentemente renovada no momento da Missa?
Para obter esse ato do Soberano Pontífice é necessário que um grande número de fiéis tenha compreendido as recentes lições da Providência; em outro termos, é necessário que um grande número tenha compreendido o sentido e o alcance da consagração pedida. Caso contrário, ela não poderia produzir os efeitos esperados. No plano divino, as provações terminam quando realizam os efeitos que deveriam produzir, quando as almas foram beneficiadas, assim como o Purgatório termina para as almas que são purificadas.
Como dizia uma santa religiosa 5: “Não vivemos para nós: é necessário ver em tudo os desígnios de Deus; nossas dores atuais ― mesmo se chegassem ao ápice e nós mesmos perecêssemos no desastre ― compram e preparam os triunfos futuros e seguros da Igreja... A Igreja vai assim de luta em luta e de vitória em vitória, uma sucedendo a outra, até a Eternidade, que será o triunfo definitivo”. “Porventura não era necessário que o Cristo sofresse tais coisas, e que assim entrasse na sua glória?” 6; é necessário também que a Igreja e as almas passem pelo mesmo caminho. A Igreja não dura apenas um dia; quando os mártires caíam como caem os flocos de neve no inverno, não era para crer que tudo estava perdido? Não, o sangue deles preparava o triunfo do futuro”.
No período difícil que atravessamos, a Igreja tem necessidade de almas generosíssimas e verdadeiramente santas. É Maria, a Mãe da Divina Graça, Mãe puríssima, Virgem prudentíssima e fortíssima, quem deve formá-las.
De diversos modos, Nosso Senhor sugere às almas interiores uma oração cuja forma varia, mas cuja substância é a mesma: “Neste tempo onde um espírito possuído de orgulho levado até o ateísmo busca estender-se por todos os povos, sede, Senhor, como a alma de minha alma, a vida da minha vida, dai-me uma inteligência mais profunda do mistério da Redenção e de vossas santas humilhações, o remédio de todo orgulho. Concedei-me o desejo sincero de participar, na medida exigida a mim pela Providência, nessas saudáveis humilhações, e fazei-me encontrar neste anseio a força, a paz e, quando quiserdes, a alegria, para reanimar minha coragem e a confiança em tudo o que me rodeia”.
Para adentrarmos assim praticamente nas profundezas do mistério da Redenção, é necessário que Maria ― que entrou nesse mistério mais que nenhuma outra criatura, ao pé da Cruz ― instrua-nos silenciosamente e revele-nos, na letra do Evangelho, o espírito segundo o qual ela mesma tão profundamente viveu.
Digne-se a Mãe do Salvador, por sua oração, colocar as almas dos fiéis dos diversos povos sob o glorioso resplendor da palavra de Cristo: “Dei-lhes a glória que tu me deste, para que sejam um, como também nós somos um” 7.
Podemos esperar que um dia, quando a hora providencial tiver chegado, quando as almas estiverem preparadas, o Pastor Supremo, tendo em conta os votos dos bispos e dos fiéis, quererá consagrar o gênero humano ao Coração Imaculado e misericordiosíssimo de Maria, para que ela mesma nos apresente mais insistentemente a seu Filho e obtenha-nos a pacificação do mundo. Essa seria uma nova afirmação da mediação universal da Santíssima Virgem.
Dirijamo-nos a ela com total confiança; a Virgem Maria é chamada de “esperança dos desesperados”, e recorrendo a ela como a melhor e a mais esclarecida das Mães, chegaremos a Jesus como nosso único e misericordiosíssimo Salvador.
Nota 8
Escrevemos este texto em 1941, e, pouco tempo depois, Sua Santidade o Papa Pio XII fez esta consagração ao Imaculado Coração de Maria, em 08 de dezembro de 1942. Eis aqui um resumo:
“Santíssima Rainha do Rosário, vitoriosa em todas as batalhas de Deus, eis-nos aqui prostrados diante de vós, com a certeza de obter, pela imensa bondade do vosso Coração maternal, o auxílio oportuno nas calamidades presentes.
“Deixai-vos comover por tantas almas em perigo de se perderem eternamente... Obtende-nos, Mãe de misericórdia, Mãe de Deus, a paz pela qual os povos suspiram: Paz na Verdade, Paz na Justiça, Paz na caridade de Cristo. Obtende-nos, sobretudo, as graças que, num instante, podem converter os corações dos homens; essas graças que preparam e garantem a Paz.
“Estendei vossa proteção aos infiéis. Aos povos separados pelo erro ou pela discórdia, dai-lhes a paz e trazei-os de volta ao único redil de Cristo, sob o único e verdadeiro Pastor.
“Obtende paz e liberdade completa à Santa Igreja de Deus. Desenvolvei nos corações dos fiéis o amor à pureza, à prática da vida cristã e o zelo apostólico.
“Assim como ao Coração do vosso Filho Jesus foram consagrados a Igreja e todo o gênero humano, para que, colocando n’Ele todas as suas esperanças, lhes fosse sinal e penhor de vitória e salvação, do mesmo modo e para sempre, vos sejam perpetuamente consagrados também a vós e ao vosso Coração Imaculado, ó Mãe nossa e Rainha do mundo, para que o vosso amor e vossa proteção acelerem o triunfo do Reino de Deus, e que em todas as nações, pacificadas entre si e com Deus, a vós proclamem bem-aventurada e convosco entoem, de um extremo ao outro da Terra, o eterno Magnificat de glória, amor e reconhecimento ao Coração de Jesus, onde só podem encontrar a Verdade, a Vida e a Paz.”