Como a Virgem Maria satisfez por nós?
A satisfação tem por objeto reparar a ofensa feita a Deus pelo pecado e fazer-nos agradáveis a Ele. Ora, a ofensa proveniente do pecado mortal, pelo qual a criatura dotada de racionalidade afasta-se de Deus e prefere um bem criado a Ele, tem uma gravidade infinita. A ofensa, com efeito, é tanto mais grave quanto mais elevada é a dignidade da pessoa ofendida, e o pecado mortal, ao nos afastar de Deus, nosso fim último, nega praticamente a Deus a dignidade infinita de soberano bem e destrói seu reino em nós.
Segue-se disso que somente o Verbo feito carne podia oferecer a Deus uma satisfação perfeita ou adequada à ofensa que decorre do pecado mortal 1. Para ser uma satisfação perfeita, era necessário que o amor e a oblação do Salvador agradassem a Deus tanto ou mais quanto Lhe desagradaram todos os pecados reunidos, como diz Santo Tomás 2. Isso acontecia com todos os atos de caridade de Cristo, pois tomavam da pessoa divina do Verbo um valor infinito tanto para satisfazer como para merecer. A obra meritória torna-se satisfatória ou reparadora e expiatória quando tem algo de aflitivo ou penoso, e Jesus, ao oferecer sua vida em meio aos maiores sofrimentos físicos e morais, ofereceu desde então a seu Pai uma satisfação de valor infinito e superabundante. Só Ele podia assim satisfazer plenamente e em estrita justiça, pois o valor da satisfação, assim como o do mérito, provém da excelência da pessoa que, em Jesus, tem uma dignidade infinita.
Mas à satisfação perfeita do Salvador pôde unir-se uma satisfação de conveniência, assim como se acrescentou ao seu mérito um mérito de conveniência. É necessário insistir nisso para melhor ver qual foi a profundidade e a extensão dos sofrimentos da Santíssima Virgem.
Maria ofereceu por nós uma satisfação de conveniência do mais alto valor, depois da satisfação de seu Filho
O mérito torna-se o fundamento da satisfação quando a obra meritória adquire um caráter aflitivo. Assim, depois dos princípios expostos no artigo precedente, os teólogos ensinam comumente esta proposição: Beata Maria Virgo satisfecit de congruo ubi Christus de condigno; Maria ofereceu para nós uma satisfação de conveniência, enquanto Jesus satisfez por nós em estrita justiça.
Em sua qualidade de Mãe de Deus Redentor, ela esteve de fato unida a Cristo por uma perfeita conformidade de vontade, pela humildade, pobreza, sofrimento e lágrimas, sobretudo no Calvário; e, nesse sentido, ela satisfez com Ele, e essa satisfação de conveniência adquire um valor inestimável de sua eminente dignidade de Mãe de Deus, da perfeição de sua caridade, do fato de que Maria não tinha nada a expiar, e da intensidade de seus sofrimentos.
Isso é o que dizem os Santos Padres quando falam de “Maria ao pé da Cruz”, como o afirma São João 3; eles recordam as palavras do velho Simeão: “Uma espada de dor transpassará a tua alma” 4, e nos mostram que Maria sofreu na medida de seu amor a seu Filho crucificado por causa dos nossos pecados, e também em proporção à crueldade dos verdugos e da atrocidade do suplício infligido Àquele que era a própria inocência 5.
A liturgia diz também, há muitos séculos, que Maria mereceu o título de Rainha dos Mártires pelo martírio do coração, o mais doloroso de todos; isso é o que indicam as festas da Compaixão da Santíssima Virgem (Sexta-feira Santa), de Nossa Senhora das Sete Dores e o Stabat Mater.
O Papa Leão XIII resume essa doutrina ao dizer que Maria esteve associada a Cristo na obra dolorosa da redenção do gênero humano 6.
O Papa Pio X chama a Virgem de “reparadora do mundo caído” 7 e mostra como ela esteve unida ao sacerdócio de seu Filho: “Não só porque consentiu em ser a Mãe do Filho Unigênito de Deus para tornar possível um sacrifício destinado à salvação dos homens; mas a glória de Maria consiste também em ter aceitado a missão de proteger e alimentar o Cordeiro destinado ao sacrifício e, tendo chegado o momento, de conduzi-lo ao altar da imolação. Desse modo, a comunhão de vida e de sofrimentos de Maria e de seu Filho não foi jamais interrompida. A ela, assim como a seu Filho, aplicaram-se de forma similar as palavras do profeta: “A minha vida vai se consumindo com a dor e os meus anos com os gemidos” 8.
O Papa Bento XV ensina enfim: “Ao unir-se à Paixão e à morte de seu Filho, Maria sofreu semelhante morte... para aplacar a justiça divina; e naquilo que estava a seu alcance, imolou seu Filho, de forma que se pode dizer que resgatou o gênero humano juntamente com Ele 9. Isso equivale a chamá-la Corredentora 10.
A profundidade e a fecundidade dos sofrimentos de Maria Corredentora
O caráter de satisfação ou expiação dos sofrimentos da Santíssima Virgem provém de que, assim como Nosso Senhor e com Ele, também ela sofreu pelo pecado ou pela ofensa feita a Deus. E sofreu na medida de seu amor para Deus ofendido, de seu amor para seu Filho crucificado por causa das nossas faltas, e de seu amor por nossas almas, que o pecado desfigura e faz morrer. Essa medida foi, portanto, a da plenitude de graça e de caridade, que a partir do instante de sua concepção imaculada superava a graça final de todos os santos reunidos, e que não tinha deixado de crescer desde então. Considerando apenas seus atos mais fáceis e simples, Maria merecia mais que os mártires em seus tormentos, porque punha naqueles muitíssimo mais amor. Qual não foi então o preço de seus sofrimentos ao pé da Cruz, pressuposto o conhecimento que recebeu do mistério da Redenção!
Na luz sobrenatural que esclarecia sua inteligência, a Virgem compreendia que todas as almas são chamadas a cantar a glória de Deus, incomparavelmente mais que as estrelas do céu. Cada alma deveria ser como um reflexo da divindade, um reflexo espiritual pleno de conhecimento e de amor, uma vez que nossa inteligência foi feita para conhecer a Deus e nosso coração para amá-Lo. Mas, enquanto que os astros seguem regularmente o caminho fixado pela Providência e cantam a glória do Criador, milhares de almas, cada uma das quais valendo um mundo, desviam-se de Deus. No lugar desse reflexo de Deus, dessa glória exterior do Altíssimo ou do seu reino, encontram-se em inúmeros corações as três chagas chamadas por São João a concupiscência da carne, como se não houvesse outro amor apetecível além do amor carnal; a concupiscência dos olhos, como se não houvesse outra glória além daquela da fortuna e das honras; e o orgulho da vida, como se Deus não existisse, não fosse nosso Criador e Senhor, nem nosso fim último; como se não houvesse outro fim além nós mesmos.
A Santíssima Virgem via esse mal nas almas como nós vemos as chagas purulentas num corpo doente. E a plenitude de graça, que não havia cessado de crescer em Maria, aumentava consideravelmente nela a capacidade de sofrer pelo maior dos males, o pecado, uma vez que se sofre mais quanto mais se ama a Deus, a quem o pecado ofende, e as almas, a quem o pecado mortal afasta de seu fim tornando-as dignas de uma morte eterna.
Maria observava, sobretudo, sem o menor erro e ilusão possíveis, como se ia preparando e consumando o maior dos crimes, o deicídio, e via também o paroxismo do ódio contra Aquele que é a própria Luz e o Autor da salvação.
Para compreender um pouco o que foram os sofrimentos de Maria, deve-se pensar em seu amor natural e sobrenatural ― teologal ― pelo seu Filho Unigênito, não só querido, mas legitimamente adorado, a quem ela amava muito mais que a sua própria vida, uma vez que era seu Deus. Ela o havia milagrosamente concebido e amava-o com um coração de Virgem ― o mais puro, terno e pleno de caridade que jamais existiu.
Também não ignorava nenhuma das causas da crucificação; nem as causas humanas: a obstinação dos judeus, o povo escolhido, seu próprio povo; nem as causas superiores: a redenção das almas pecadoras. Pode-se vislumbrar dessa forma a profundidade e a extensão dos sofrimentos de Maria Corredentora.
Se Abraão sofreu heroicamente ao preparar-se para imolar seu filho, esse sofrimento não durou mais que algumas horas, e um anjo desceu do Céu para impedir a imolação de Isaac. Ao contrário, desde o momento em que o velho Simeão predisse à Maria a Paixão de seu Filho, já claramente anunciada por Isaías, e sua própria Paixão, nunca deixou de oferecer Aquele que devia ser Sacerdote e vítima, e oferecer-se com Ele. Essa oblação dolorosa durou não somente algumas horas, mas anos, e se um anjo desceu do Céu para impedir a imolação de Isaac, nenhum desceu para impedir a de Jesus.
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Bossuet, em seu sermão sobre a Compaixão da Santíssima Virgem, diz soberbamente: “Foi vontade do Pai Eterno que Maria não só fosse imolada com essa vítima inocente, e cravada na Cruz do Salvador com os mesmos cravos que O perfuraram, mas que também fosse associada a todo o mistério que se cumpriu por sua morte...
“(...) Três coisas concorrem juntamente ao sacrifício de nosso Salvador e constituem a sua perfeição. Em primeiro lugar, os sofrimentos pelos quais a sua humanidade ficou literalmente triturada; em segundo, a resignação pela qual se submeteu humildemente à vontade de seu Pai (oferecendo-se a Ele); e, em terceiro, a fecundidade pela qual nos gera a graça e nos dá a vida com sua morte. Sofre como a vítima que deve ser destruída e ferida de golpes; submete-se como o sacerdote que deve sacrificar voluntariamente: voluntarie sacrificabo tibi ― eu te oferecerei um sacrifício voluntário 11; finalmente, gera-nos por meio do sofrimento, como o Pai de um povo novo, que dá à luz por suas feridas; eis aqui as três coisas sublimes que o Filho de Deus realizou na Cruz...
“Maria coloca-se ao lado da Cruz; com que olhos observa seu Filho todo ensangüentado, coberto de chagas e que não tem mais a figura de homem! Essa visão causa-lhe a morte; se ela se aproxima do altar, é porque quer ser imolada também, e ali, com efeito, sente o golpe da espada cortante que, segundo a profecia do bom Simeão, deveria... abrir seu coração maternal com feridas crudelíssimas...
“Mas a dor a abateu? Prostrou-a por terra desfalecida? Ao contrário, Stabat juxta crucem: estava de pé junto à Cruz. Não, a espada que atravessou seu coração não pôde diminuir suas forças: a constância e a aflição estão em uníssono, e ela atesta por sua constância que não estava menos submissa que afligida.
“O que resta, pois, caros cristãos, senão que seu Filho amado, que lhe fez sentir seus sofrimentos e imitar sua resignação, comunique-lhe também sua fecundidade? E é também nesse pensamento que Cristo lhe deu São João por seu filho... Mulier, ecce filius tuus 12: ‘Mulher ― disse Ele ― eis o teu filho’. Ó mulher, que sofres comigo, sê fecunda também comigo, sê a mãe dos meus filhos; Eu vos entrego sem reservas, na pessoa deste único discípulo; Eu os gero por minhas dores, e como saboreais as amarguras comigo, também terás a eficácia, e vossa aflição vos tornará fecunda” 13.
No mesmo sermão, Bossuet desenvolve esses três grandes pensamentos, demonstrando que o amor de Maria por seu Filho crucificado bastava para seu martírio: Não é necessário mais que uma única cruz para seu Filho amado e para ela; está cravada pelo seu amor por Jesus, que a faz sentir todos os seus sofrimentos físicos e morais, muito mais que o podem sentir os estigmatizados. Sem um auxílio excepcional, ela teria verdadeiramente morrido naquela hora.
Uma grande dor é como um mar enfurecido; pessoas houve que se tornaram loucas pela dor, mas Jesus subjugou as águas, e da mesma maneira que conserva a paz na Cruz no meio da tempestade, Ele também dá forças à sua Mãe para que a conserve.
Maria, finalmente, que deu à luz seu Filho sem o mínimo de dor, dá à luz os cristãos em meio aos maiores tormentos. “A que preço os resgatou! ― continua Bossuet. Foi necessário que entregasse o seu Unigênito; ela não pode ser a Mãe dos cristãos sem que entregue à morte o seu Filho muitíssimo amado. Ó fecundidade dolorosa!... Era essa a vontade do Pai Eterno: fazer nascer os filhos adotivos pela morte do Filho verdadeiro... Entrega o seu próprio Filho à morte para que nasçam os adotivos. Quem adotaria a esse preço um filho para entregá-lo a estranhos? Pois isso foi, não obstante, o que fez o Pai Eterno... O próprio Jesus nos diz: “de tal modo Deus amou o mundo que lhe deu seu Filho único 14.
“(Maria igualmente) é a Eva da Nova Aliança e a Mãe comum de todos os fiéis; mas é preciso que lhe custe a morte de seu Primogênito; é necessário que se una ao Pai Eterno e que entreguem livremente seu Filho de comum acordo ao suplício. Por isso a Providência chamou-a ao pé da Cruz; veio até ali para imolar o seu Filho verdadeiro, para que os homens vivam... Tornou-se a Mãe dos cristãos pela força de uma aflição incomensurável”. O cristão deve recordar isso sempre, e encontrará aí o motivo de um verdadeiro arrependimento de suas faltas. A regeneração das nossas almas custou a Nosso Senhor e à sua Mãe Santíssima mais do que poderíamos imaginar.
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Devemos dizer, para concluir, que Maria Corredentora deu-nos à luz ao pé da Cruz de Nosso Senhor, mediante o maior ato de fé, de esperança e de amor que ela podia realizar em semelhante momento.
Pode-se mesmo dizer que esse ato de fé foi o maior que já existiu, pois Jesus não tinha fé, mas a visão beatífica que todavia conservava no Calvário. Nessa hora de escuridão, que foi chamada de ‘a hora das trevas’, quando a fé dos próprios Apóstolos parecia vacilar, quando Jesus parecia completamente derrotado e sua obra aniquilada para sempre, quando até o próprio Céu parecia não responder às suas súplicas, Maria não cessou nem por um instante de crer que seu Filho era o Salvador da humanidade e que ao terceiro dia ressuscitaria como havia anunciado. Quando Cristo pronunciou suas últimas palavras: Tudo está consumado, na plenitude de sua fé Maria compreendeu que a obra da salvação estava cumprida pela mais dolorosa imolação, que todas as Missas recordarão até o fim do mundo. Jesus tinha instituído, na véspera, esse sacrifício eucarístico e o sacerdócio cristão, e entreviu o resplendor infinito do sacrifício da Cruz. Maria compreendeu que seu Filho agonizante era verdadeiramente “o Cordeiro que tira os pecados do mundo”, o vencedor do pecado e do demônio e que, em três dias, seria o vencedor da morte, conseqüência do pecado. Ela viu a intervenção suprema de Deus ali onde os mais crentes vêem apenas trevas e desolação. É seguramente o maior ato de fé que já existiu numa criatura; uma fé muito superior à dos próprios anjos quando estavam em vias de prova.
Foi também para ela o ato supremo de esperança no momento em que tudo parecia desesperado. Compreendeu todo o sentido das palavras dirigidas ao bom ladrão: “Hoje estarás comigo no paraíso”; o Céu abrir-se-ia para os eleitos.
Foi enfim, para Maria, o ato mais intenso de caridade: amar a Deus até o ponto de oferecer-Lhe seu Filho único e inocente, em meio às piores torturas; amar a Deus acima de tudo no momento em que, por nossas faltas, foi golpeada por Ele em sua afeição mais profunda e mais elevada, no objeto próprio de sua legítima adoração; amar as almas até o ponto de entregar por elas seu próprio Filho.
Sem dúvida, as virtudes teologais cresceram ainda em Maria até o momento da sua morte, pois esses atos de fé, esperança e caridade, longe de serem interrompidos, continuaram nela como em um estado ou hábito. Pode-se dizer que na calma tomaram até maior amplitude, como um rio que após a turbulência nas passagens mais difíceis e tortuosas de seu percurso torna-se mais e mais poderoso e majestoso até que se lança ao oceano.
A Teologia destaca aqui que o sacrifício de Maria ao pé da Cruz iguala o mérito; ambos são de um valor inestimável e sua fecundidade supera nesse ponto ― sem atingir a de Jesus Cristo ― a tudo o que poderíamos imaginar 15. Isso é o que os teólogos exprimem quando dizem que Maria satisfez por nós com uma satisfação de conveniência fundada em sua imensa caridade, assim como Jesus satisfez em estrita justiça para nossa salvação.
Os santos que têm sido mais associados aos tormentos do Salvador não penetraram tanto quanto Maria nas últimas profundezas da Paixão. Santa Catarina de Ricci teve todas as sextas-feiras, por 12 anos, um êxtase de dor que durava 28 horas e durante o qual revivia todos os sofrimentos da Via Crucis. Mas esses sofrimentos de Santa Catarina de Ricci e de outros estigmatizados foram apenas uma pálida sombra e não se aproximaram dos da Virgem. Todos os tormentos do Sagrado Coração de Jesus repercutiam no Coração de Maria, que teria morrido por semelhante tortura se não tivesse sido sobrenaturalmente sustentada por um auxílio excepcional. Tornou-se assim a Consoladora dos aflitos, pois sofreu muito mais que eles; a Padroeira da boa morte; e não podemos certamente suspeitar quão fecundos têm sido esses sofrimentos depois de vinte séculos.
A participação de Maria Corredentora no sacerdócio de Cristo
Se Maria pode ser chamada Corredentora no sentido que acabamos de explicar, não poderíamos dizer que ela é sacerdote no sentido próprio da palavra, pois não recebeu o caráter sacerdotal e não podia consagrar a Eucaristia nem dar a absolvição sacramental. Mas, como vimos ao falar da Maternidade Divina, esta é superior ao sacerdócio dos padres de Cristo, no sentido em que é mais perfeito dar a Nosso Senhor sua natureza humana que tornar presente seu Corpo na Eucaristia. Maria deu-nos o Sacerdote do sacrifício da Cruz, o Sumo sacerdote do sacrifício da Missa e a Vítima oferecida em nossos altares.
É também mais perfeito oferecer seu Filho único e seu Deus na Cruz ― oferecendo-se com Ele nos maiores tormentos ― que tornar presente o Corpo de Nosso Senhor e oferecê-lo no altar, como o faz o sacerdote durante o sacrifício da Missa.
Deve-se dizer como afirmava recentemente um bom teólogo que estudou durante anos essas questões: “É uma conclusão teológica certa que Maria cooperou, de certa maneira, no ato principal do sacerdócio de Jesus Cristo, dando, como exigia o plano divino, seu consentimento ao sacrifício da Cruz tal qual foi cumprido por Jesus Cristo”. “Não considerando mais que certos efeitos imediatos da ação do sacerdote, como a consagração eucarística ou o perdão dos pecados pelo sacramento da penitência, é certo que o sacerdote pode cumprir atos que Maria não poderia jamais realizar, pois não tinha o poder sacerdotal. Mas não se trata aqui de comparação de dignidades, apenas de efeitos particulares provenientes de um poder que a Virgem Maria não tinha, mas que não supõem uma dignidade superior” 16.
Se Maria não pode ser chamada “sacerdote” no sentido próprio da palavra, pelo fato de não ter recebido o caráter sacerdotal, e não pode realizar os atos próprios deste, sempre permanece, como diz M. Olier “que ela recebeu a plenitude do espírito do sacerdócio, que é o espírito de Cristo Redentor”. Por isso lhe é dado o título de Corredentora, que, assim como o título de Mãe de Deus, supera a dignidade conferida pelo sacerdócio cristão 17.
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A participação de Maria na imolação e na oblação de Jesus Sacerdote e Vítima não poderia ter sido melhor expressa que pelo Stabat do franciscano Jacopone da Todi (1228-1306).
Essa seqüência manifesta de uma maneira singularmente impressionante como a contemplação sobrenatural do mistério de Cristo crucificado concilia-se com os caminhos normais de santidade. Tem formas precisas, fervorosas e esplêndidas para expressar a ferida do Coração do Salvador e mostrar-nos a influência tão íntima e penetrante de Maria para conduzir-nos a Ele. A Santíssima Virgem não só nos conduz para essa divina intimidade, mas também, em certo sentido, a faz em nós; isso é o que nos diz nestas estrofes a repetição admirável da palavra Fac, expressão da súplica fervorosa.
É a súplica da alma que, sob uma inspiração especial, quer também conhecer espiritualmente a ferida do amor e estar associada aos dolorosos mistérios da adoração reparadora como o estiveram, depois de Maria, São João e as santas mulheres no Calvário, e também São Pedro quando derramou abundantes lágrimas.
Essas são as lágrimas da adoração e da contrição pedidas pelo poeta no final do Stabat.
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Maria exerceu na Terra, portanto, sua mediação universal, merecendo para nós por um mérito de conveniência tudo o que Jesus Cristo nos mereceu em estrita justiça, e também oferecendo para nós uma satisfação de conveniência fundada sobre sua imensa caridade, enquanto Nosso Senhor satisfazia em justiça por todas as nossas faltas e nos reconciliava com Deus. Para Jesus e para sua Santíssima Mãe, essa mediação universal exercida durante suas vidas terrenas é o fundamento da mediação que exercem no alto do Céu, e da qual devemos falar agora.
Dict cf. Théol. cath., art. Marie, col. 2396: “Não existe nenhuma séria dificuldade em servir-se da palavra Corredentora, significando uma simples cooperação com a Redenção de Jesus Cristo e tendo recebido depois de muitos séculos na linguagem teológica o significado muito concreto de uma cooperação secundária e dependente, de acordo com os testemunhos citados anteriormente, com a condição que se tenha o cuidado de acompanhá-la de algumas expressões indicadoras de que o papel de Maria, nessa cooperação, é um papel ou função secundária e dependente”.