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IX. Os juristas e a escola cartesiana

IX

Os juristas e a escola cartesiana

I. OS JURISTAS

ALTHUSIUS (Althusen) (1566-1617). Holandês. Calvinista. “Política methodice digesta”. Alguns lhe vêem como o fundador do direito público moderno. Soberania una e indivisível, tendo o povo por fonte. Ela é inalienável, retornando ao povo à morte do chefe. Na origem da sociedade há um contrato, tácito pelo menos (isso basta para mostrar-nos que os autores do séc. XVIII não criaram um pensamento totalmente novo...).

GROTIUS (Hugo de Groot) (1583-1645). Também holandês, mas luterano. De nossa parte, espantamo-nos do gigantesco papel que lhe conferem alguns filósofos do direito, já que seu pensamento é tacanho e, de uma certa forma, quase amoralista. Principal obra: “Sobre o direito de paz e de guerra” (1623).

Provavelmente De Groot crê em um direito natural anterior às convenções sociais (idéia que tampouco “inventara”, uma vez que lhe vinha dos doutores escolásticos da Idade Média e da Contra-Reforma...). Também crê na sociabilidade natural do homem (idéia que remonta aos filósofos gregos clássicos), mas de fato acantona-se por demais, à moda dos jurisconsultos, em raciocínios que se fundamentam no que se pratica, sem atinar se é bom ou mal, mesmo quando graves problemas de consciência estão em jogo. É desta forma que esse “cristão” admite sem reservas a escravidão, sobretudo na forma do “perpetuus famulatus pro alimentis”, através do direito de guerra – o que o pagão Aristóteles não considera válido, já que se inspira em legitimação diversa; mais ainda, dá aos beligerantes o direito de agir a seu talante, o que jamais admitiram teólogos e canonistas medievais, nem os da Contra-Reforma. (“Segundo Grotius, na guerra podemos assassinar, envenenar, passar os povos ao fio da espada sem distinção de idade ou sexo, deportar, saquear, queimar, violar as sepulturas, mentir, estuprar”. Bonthoul: “Les guerres”, Payot, 1951, p. 485).

PUFFENDORF (1632-1694), alemão (“Elementos de jurisprudência universal” e “Do direito da natureza e dos povos”). Sua obra consiste sobretudo em pôr uma ordem mais “airada” na massuda obra de Grotius. Espírito claro, metódico, honesto, mas pouco original. Aproxima-se de Hobbes nas origens da sociedade (egoísmo e instinto de conservação), embora admita certo altruísmo natural. Todavia conserva-lhe o papel dos valores morais em matéria de comportamento social e político.

II. A ESCOLA CARTESIANA

A princípio, o próprio DESCARTES. Muitos imaginam que Descartes, conforme o espírito de seu método, deveria professar um racionalismo político abstrato, o que lhe faria precursor dos enciclopedistas etc.. Nada mais falso: na “lógica interna” do cartesianismo, haveria (como na do luteranismo) um elemento revolucionário, é bem possível, mas suas intenções, não mais que as de Lutero, não estão no sentido da subversão política.

Muitos, para quem Descartes está por inteiro no “Discurso do Método”, ficarão surpresos em saber que com algumas reservas admira Maquiavel.

(“Devemos supor que os meios de que se serve o príncipe para se estabelecer são justos, como eu o creio que são quase todos, uma vez que os príncipes que os pratiquem estimam-nos como tais; pois a justiça entre soberanos tem limites diferentes dos entre particulares; parece que nessas refregas, Deus dá o direito àqueles a quem Ele dá a força... em face de seus inimigos, possuem permissão de fazer quase de tudo... entendo sob o nome de inimigos os que não são amigos ou aliados, daí se ter o direito de lhes fazer guerra quando isso for vantajoso e, ao começarem tornar-se suspeitos e temíveis, temos a licença de desconfiar deles”. Carta à princesa Elisabete, setembro de 1646). Os problemas envolvendo o governo não o atraem e, tanto por prudência humana quanto por falta de paixão pelo tema, prefere deixar a outrem o que toca à direção dos negócios públicos. Considerar Descartes o pai da Revolução Francesa é querer fazer todo o mundo de bobo.

MALEBRANCHE pouco se dá a esse tipo de problema. Em contrapartida, Espinosa e Leibniz dão-lhe ao conjunto da obra um lugar destacado.

ESPINOSA (Consultar elementos de história da filosofia). Textos básicos:

“Tratado Teológico-Político” (1645-1670) e; “Tratado Político” (1675-1677).

Espinosa admira Maquiavel (“O sagacíssimo Maquiavel”) e crê que há algumas verdades em Hobbes. Elogia os “empíricos” contra os teológicos e utópicos. As paixões humanas são fenômenos naturais como o frio, o calor, a chuva. O poder das coisas é o próprio poder de Deus, já que Deus e a natureza são uma só e mesma realidade (panteísmo). Temos pois tantos direitos quantos sejam nossos poderes. Nesse sentido os peixes grandes comem os pequeninos, e o homem pode agir à vontade, nos limites de suas forças, já que o homem não é livre, mas determinado.

Para tanto convém também considerar a lei da razão: “Por meio da lei da natureza, o homem obedece às leis gerais das coisas. Por meio da razão, obedece às leis de sua própria natureza”. Ora a razão nos ensina que o que há de mais útil ao homem é a sociedade; que a paz vale mais que a guerra etc. Mas como o homem é levado pelas paixões, a força é necessária para fazê-lo sentir-se tranqüilo. O estado deve usar de coação (embora Espinosa admita certa liberdade de consciência, manifestando-se mais no interior [dos espíritos] que na sociedade). Espinosa tenta ir mais além ao descrever- nos no “Tratado Político” detalhes de uma constituição que sabe deveras à utopia (no tema da soberania, dos impostos etc., deixando transparecer a simpatia pelo ideal democrático).

Em matéria de política, a influência desse pensamento é mais importante do que comumente acreditamos. Convém destacar que ele inspirou algumas teorias de Sieyès e da Constituição do ano VIII. No plano dos acontecimentos lemos com curiosidade o livro de Pierre Lafue sobre “Rohan contre le Roi” (Le Livre contemporain, 1959) a respeito da insensata aventura que fora a conspiração dita de Rohan contra Luís XIV, encorajada pelo holandês Van den Enden, correspondente de Espinosa, e auxiliado por algumas personagens singulares. (Queriam até mesmo proclamar um regime republicano).

LEIBNIZ. Um grande filósofo e cientista. Os mais avisados acham-no superior a Descartes em largueza de visão e riqueza de síntese – somos da mesma opinião. De fato um gênio universal; realiza descobertas em matemática e em física, e é um metafísico de escol; e para mais distanciar-se de Descartes, esse pensador protestante conhece a fundo a teologia e o estado da arte das controvérsias religiosas, nas quais se imiscui regularmente. É em suma um jurista de valor.

Severo em face de Hobbes e mesmo de Grotius, quer vincular as disciplinas jurídicas às normas morais e religiosas. Cf. seu “Méthode nouvelle pour apprendre et pour enseigner la jurisprudence” (1667) e demais tratados. 

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