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VIII. Hobbes e Locke

VIII

Hobbes e Locke

O pensamento do séc. XVI situa-se em face da Reforma; o do séc. XVII, em face da Revolução Inglesa, inclusive na Europa continental (ver lição sobre Bossuet e Jurieu).

Duas doutrinas contrastantes.

I. HOBBES

Procedente de uma família de pregadores – Estuda em Oxford – Funções como preceptor – Relações com grandes homens do tempo (Francis Bacon, Gassendi etc.). Termina os dias na França, por causa do monarquismo. Obra a se lembrar: “De Cive” (1642) e “Leviatã” (1650).

- Sua filosofia básica é um empirismo, quiçá um materialismo radical, determinista e mecanicista. O método expositivo é dedutivo e racionalista (admiração por Euclides). A política é absolutista, mas sem motivação religiosa, prefigurando configurações totalitárias modernas, ainda mais por se aproximar das teorias monarquistas tradicionais. De resto a Igreja da Inglaterra e os partidários dos Stuart permaneceram indiferentes aos esforços de Hobbes, cuja obra viam mais como comprometedora que útil à sua causa.

Ponto de partida.

O homem não é naturalmente bom; poderíamos dizer que ele é de fato mau, mas não à maneira de Lutero ou Calvino, pois Hobbes não crê no pecado original. O homem é o lobo do homem. Não é naturalmente sociável (comparar com Aristóteles e São Tomás). No curioso vocabulário de Hobbes, convém distinguir o “direito natural” e a “lei natural”. O primeiro é a liberdade de se valer de seu poder como bem entender (destruir, matar etc.). É a “guerra de todos contra todos”. Felizmente há o extinto de conservação, mais forte que tudo, dínamo de nossas ações. Daí a “lei natural”: é a regra pela qual nos impedimos de prejudicar a outrem, em troca de os demais fazê-lo em nosso favor. De onde os acordos, os contratos, os pactos e, para fechar, a passagem para o estado social propriamente dito (comparar com o que dirá Rousseau, que é contra, mas de certa forma simétrico).

Em tal estado, a obrigação baseia-se nos interesses evidentes (utilitarismo bem britânico...).

Será preciso um poder fortíssimo para constranger o homem a viver em sociedade. Taine dirá que o homem é “um gorila feroz e lúbrico”. Está bem perto da idéia de Hobbes (que já era a de Maquiavel, mas este era republicano, como vimos). O estado será monárquico; Hobbes confere maior importância ao fato de que é um só o que governa (príncipe monárquico, no sentido etimológico, ou monocrático, como dizem alguns) que ao ambiente diversificado em qualidade e respeitoso das liberdades concretas, que serão defendidos por pessoas como Bossuet, Maistre e Maurras. Sua concepção da monarquia é totalitária, diríamos quase um hitlerismo antes do tempo, pelo menos em alguns traços. Não podemos erigi-lo como teórico-tipo da monarquia cristã e tradicional.

Toda insurreição é ilegítima. A distinção do bem e do mal vem da vida social, que está submetida às decisões do estado. Mesmo em matéria religiosa, o estado tem grande poderio, já que ela também concerne à vida social e que sozinho o soberano faz da multidão um corpo policiado. Convém proscrever o “papismo”, por causa de seu “suserano estrangeiro” (ainda uma obsessão bem inglesa...), e as seitas presbiterianas, de inspiração revolucionária. O rei pode e deve codificar um Credo mínimo.

O que acabamos de dizer é o bastante para mostrar as vantagens e os bperigos dessa concepção. Ademais ela possui, como tudo o que se baseia na pura força, os elementos de sua derrocada. É assim que para Hobbes o indivíduo afastado da sociedade habitual (por ex., um prisioneiro de guerra) desapega-se de toda obrigação frente a ela, podendo entrar (sempre por instinto de conservação) a serviço do vencedor. Mais uma vez, oscilamos do totalitarismo à anarquia, contra a qual ele concebera a teoria.

2. LOCKE

Família de mercadores. Estuda para ser padre. Depois, médico (sem conseguir o grau). Vida política agitada: fuga para a Holanda; emprego importante na administração. Vocação filosófica tardia. Interesse por questões monetárias (papel na fundação do Banco da Inglaterra). Em filosofia pura, um empirismo mais hesitante e menos radical que o de seus continuadores (Condillac, Hume). Para gravar: “Ensaio sobre a tolerância” e “Ensaio sobre o governo civil”, cuja influência será considerável.

Luta contra a teocracia anglicana, a propósito do “direito divino” do rei e do direito de impor uma religião à nação. Método basicamente racionalista e abstrato, apesar do pretenso empirismo.

O estado de natureza não é selvagem (ver Rousseau, a seguir). Há uma liberdade e igualdade natural dos homens, os quais são naturalmente sociáveis (oposição a Hobbes).

Locke admite a propriedade privada, mas sem grande entusiasmo. Sem rejeitar a posse, a herança e outros títulos tomados do direito clássico, acredita no trabalho como fundamento da apropriação de bens.

O pacto social assegura a garantia dos direitos fundamentais do homem, a soberania popular é inalienável, existe um direito permanente de resistência à opressão.

Também em Locke encontramos o cerne da famosa “separação dos poderes”: distinguimos o legislativo, o executivo e o confederativo (paz e guerra). Contudo põe o legislativo na posição mais baixa, tem a fobia do arbitrário e do “despotismo” (comparar com Montesquieu). Esperaríamos de um autor com tal espírito a rejeição a toda forma de escravidão, mas, no entanto, Locke não vai tão longe e admite a legitimidade do princípio contra os criminosos, ou ainda em caso de guerra. Igualmente seu tão gabado liberalismo religioso é mitigadíssimo, já que por ele o estado deveria proscrever o catolicismo (sempre por causa do “soberano estrangeiro”, que é o Papa...) e também o ateísmo (pois a idéia de Deus é a garantia da lei moral e da vida social). A influência de Locke foi considerável, não apenas – como cremos muitas vezes – por intermédio de Montesquieu, mas também de maneira direta, na Declaração Americana dos Direitos (“bill of right”) e ainda sobre as gentes de 89, na França, que liam Locke no original. 

 

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