O terceiro discute–se assim. – Parece que a perfeição da vida religiosa não exige a pobreza.
1. – Pois, não pode o estado de perfeição exigir nada de ilícito. Ora, o abandonar o homem todos os seus bens parece ilícito; porém, quando o Apóstolo dá aos fiéis a forma de fazer esmolas diz: Se a vontade está pronta para dar segundo aquilo que tem, é aceita, isto é, de modo que se retenha o necessário. E em seguida acrescenta: Não é minha intenção que os outros hajam de ter alívio e vós fiqueis em aperto; isto é, comenta a Glosa, na pobreza. E àquilo do Apóstolo – Tendo com que nos sustentarmos e com que nos cobrirmos, diz a Glosa: Embora nada tenhamos trazido a este mundo e nada hajamos de levar a ele, não devemos contudo rejeitar completamente os bens temporais. Logo, parece que a pobreza voluntária não é necessária para a perfeição religiosa.
2. Demais. –. Todo aquele que se expõe ao perigo peca. Ora, quem abandonando todos os seus bens e busca voluntariamente a pobreza expõe–se ao perigo espiritual, conforme aquilo da Escritura – Para não suceda que, constrangindo da indigência, me ponha a furtar e viole por um juramento o nome de meu Deus; e noutro lugar – Por causa da pobreza muitos delinquiram. Mas também temporal, conforme ainda a Escritura: Assim como a sabedoria protege, assim protege o dinheiro. E o Filósofo diz, que o desperdício das riquezas importa em uma perda do homem mesmo, porque ele vive delas, Logo, segundo parece, a pobreza voluntária não é necessária para a perfeição na vida religiosa.
3. Demais. – A virtude consiste numa mediedade, como diz Aristóteles. Ora, quem abandona tudo, pela pobreza voluntária, parece que não está numa mediedade, mas antes, num extremo. Logo, não procede virtuosamente e, portanto, não vive uma vida de perfeição.
4. Demais. – A perfeição ultima do homem consiste na felicidade. Ora, as riquezas contribuem para ela, segundo a Escritura: Bem–aventurado o rico que foi achado sem mancha. E o Filósofo diz, que instrumentalmente as riquezas servem à felicidade. Logo, a pobreza voluntária não é necessária à perfeição religiosa.
5. Demais. – O estado episcopal é mais perfeito que o de religião. Ora, os bispos podem ter bens próprios, como se estabeleceu. Logo, também os religiosos.
6. Demais. – Dar esmolas é a obra mais agradável a Deus; e, como diz Crisóstomo, o remédio mais eficaz para a penitência. Ora, a pobreza impede de dar esmolas. Logo, segundo parece, a pobreza não é necessária ao estado de perfeição.
Mas, em contrário, diz Gregório: Há muitos justos, que apostados a ascender ao cume da perfeição, ao mesmo tempo que se aplicam à perfeição interior, abandonam todos os bens externos. Ora, esforçar–se por atingir o cimo da perfeição é próprio principalmente dos religiosos, como se disse. Logo, importa–lhe abandonar todos os bens exteriores pela prática da pobreza voluntária.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, o estado religioso implica um certo exercício e uma certa disciplina como meio de se conseguir a perfeição da caridade. Para o que é necessário eliminar totalmente todo desejo dos bens temporais; pois, como diz Agostinho, dirigindo–se a Deus: Menos te ama quem, ao mesmo tempo que a ti, ama outra coisa e não por amor de ti. E por isso ainda diz, que o alimento da caridade é a diminuição da cobiça; e a perfeição é não ter cobiça nenhuma. Ora, quem possui bens temporais é por isso mesmo aliciado na sua alma a amá–los. Donde o dizer Agostinho, os bens terrenos, quando adquiridos, são amados mais intensamente que quando somente desejados. Assim, por que se foi embora triste aquele jovem (do Evangelho) senão porque tinha grandes riquezas? Pois, uma causa é não querermos possuir o que não temos e outra, abandonar o que já possuímos: aquilo o repudiamos como alheio e isto o abandonamos como se nos cortassem um membro. E Crisóstomo diz, que o acréscimo das riquezas acende o fogo do desejo e torna a cobiça mais veemente. Donde vem que para se adquirir a perfeição da caridade o primeiro fundamento é a pobreza voluntária que nos leva a viver sem nada de próprio, conforme o ensino do Senhor: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá–o aos pobres; depois vem e segue–me.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como acrescenta a Glosa a esse mesmo lugar, o Apóstolo quando disse – não fiquemos nós em aperto, isto é, na pobreza, não quis com isso significar que não fosse melhor dar tudo, mas que teme pelos fracos, advertindo–os a darem de modo que não venham sofrer indigência. Donde e semelhantemente, conforme outra Glosa, não devemos entender o dito do Apóstolo como se significasse não ser lícito abandonar todos os bens temporais, mas que isso não o exige a necessidade. Por isso Ambrósio diz: O Senhor não quer, por necessidade de preceito, que distribuamos de uma vez todas as nossas riquezas, mas que as dispensemos; a não ser talvez num caso como o de Eliseu que matou os seus bois e alimentou os pobres com o que tinha, para não ter preocupações domésticas.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem abandona tudo o que tem por amor de Cristo não se expõe a nenhum perigo espiritual nem temporal. Pois, perigo espiritual resulta da pobreza quando ela não é voluntária; porque o desejo de acumular riquezas, que domina os pobres involuntários, arrasta o homem a muitos pecados, segundo o Apóstolo: Os que querem fazer–se ricos caem na tentação e no laço do diabo. Ora, esse desejo o depõem os que abraçam a pobreza voluntária, e ele domina sobretudo os que possuem riquezas, como do sobredito resulta. Perigo corporal também não ameaça aos que, com a intenção de seguir a Cristo, abandonam todos os seus bens, confiando na divina providência. Por isso Agostinho diz: Os que buscam antes de tudo o reino e a justiça de Deus não devem andar solícitos para não faltarem do necessário.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A mediedade da virtude, segundo o Filósofo, se funda na razão reta e não na quantidade material. Por onde, tudo o que podemos fazer fundados na razão reta não é vicioso por causa da grandeza quantitativa, mas antes, virtuoso. Iria, pois, contra a razão reta quem consumisse todos os seus bens· por intemperança ou sem utilidade. Mas, procede de acordo com a razão reta quem abandona as suas riquezas para vacar à contemplação da sabedoria, o que se conta mesmo de certos filósofos. Assim, refere Jerônimo: Crates, famoso Tebano, homem outrora riquíssimo, quando chegou a Atenas para se dedicar à Filosofia, depôs de si um grande peso de ouro, porque pensava não ser possível possuir ao mesmo tempo virtudes e riquezas. Por onde, muito mais de acordo com a razão reta é abandonar alguém todos os seus bens para seguir perfeitamente a Cristo. Por isso diz Jerônimo: Pobre, segue a Cristo pobre.
RESPOSTA À QUARTA. – Há uma dupla espécie de beatitude ou felicidade: a perfeita, que esperamos na vida futura, e a imperfeita, pela qual somos felizes nesta vida. Ora, a felicidade da vida presente é de duas sortes: uma a da vida ativa; a outra, a da contemplativa, como está claro no Filósofo. Para a felicidade da vida ativa, consistente na atividade externa, coadjuvam instrumentalmente as riquezas; pois, como diz o Filósofo, os amigos, as riquezas e o poder civil são uns como instrumentos pelos quais agimos. Mas, não contribuem para a felicidade da vida contemplativa; antes, a impedem, porque o cuidado deles perturbam a tranquilidade da alma, necessária por excelência de ao contemplativo. Por isso diz o filósofo, que para agir há necessidade de muitas coisas; mas, o contemplativo nenhuma necessidade tem de tais causas, isto é, dos bens temporais, necessários para a vida ativa, pois, são antes um empecilho à especulação. Quanto à vida futura, a ela nos ordenamos pela caridade. E como a pobreza voluntária é eficaz exercício para se alcançar a caridade perfeita, por isso vale muito para ganharmos a felicidade celeste. Por isso o Senhor diz: Vai, vende o que tens e dá–o aos pobres e terás um tesouro no céu. Mas, as riquezas acumuladas são por natureza obstáculos à perfeição da caridade, principalmente porque atraem e dispersam a alma; por isso diz o Evangelho: Os cuidados deste mundo e o engano das riquezas sufocam a palavra de Deus; porque, como adverte Gregório, não deixando eles os bons desejos entrarem no coração, extinguem por assim dizer o sopro vital. Donde o ser difícil conservar–se a caridade no meio das riquezas. E daí o dito do Senhor: Um rico dificultosamente entrará no reino dos céus. O que devemos entender não do que tem riquezas atualmente; pois do que põe nelas o seu afeto é que diz ser impossível entrar no reino, segundo a exposição de Crisóstomo, porque a seguir acrescenta o Senhor: É mais fácil passar um camelo pelo juro de uma agulha do que entrar um rico no reino dos céus. Por isso, o rico não é considerado feliz, absolutamente falando, mas, o que foi achado sem mácula e que se não deixou ir após o ouro. Porque praticou assim um ato difícil, donde o acrescentar a Escritura: Quem é este e nós o louvaremos? porque fez causas maravilhosas em sua vida, isto é, vivendo no meio das riquezas, não as amou.
RESPOSTA o QUINTA. – O estado episcopal não tem por fim alcançar a perfeição; mas, pela perfeição que já tem – é que deve o bispo exercer o governo, ministrando não só os bens espirituais, mas também os temporais. E isto constitui a vida ativa muitos de cujos atos são favorecidos– instrumentalmente pelas riquezas, como dissemos. Por isso não se exige dos bispos, que devem exercer o governo do rebanho de Cristo, que não tenham bens próprios, como é exigido dos religiosos, que professam num estado onde devem adquirir a perfeição.
RESPOSTA À SEXTA. – A renúncia das riquezas próprias está para a distribuição de esmolas, como o universal, para o particular e o holocausto, para o sacrifício. Por isso diz Gregório: Aqueles que dão esmolas dos bens que possuem, praticando o bem assim, oferecem um sacrifício, porque se reservam algo para si; por outro lado fazem uma imolação a Deus. Mas quem nada reserva para si oferece um holocausto, e este é mais que o sacrifício. Donde também o dizer Jerônimo: A asserção, que procede melhor quem usa de seus bens e pouco a pouco divide com os pobres o fruto das suas riquezas, não a respondo eu a ti, mas o Senhor, quando diz: Se queres ser perfeito, etc. E depois acrescenta: Esse estado que tu louvas, é o do segundo e do terceiro grau e é o nosso; mas devemos não esquecer que o primeiro grau é superior ao segundo e ao terceiro. E por isso é que foi determinado, para excluir o erro de Vigilância. Ê bom distribuir aos poucos as riquezas próprias com os pobres; melhor é, com a intenção de seguir a Cristo, dá–las todas de uma vez e entregar–se a Cristo, livre de todos os cuidados.