O segundo discute–se assim. – Parece que todo religioso está obrigado à prática de todos os conselhos.
1. – Pois, quem professa um estado está obrigado a tudo o que esse estado exige. Ora, todo religioso professa o estado de perfeição. Logo, todo religioso está obrigado a todos os conselhos pertinentes ao estado de religião.
2. – Demais. – Gregório diz: Quem abandona o século presente e pratica todo o bem de que é capaz nos lembra a conduta daquele povo que, afastado do Egipio, foi sacrificar no deserto. Ora, abandonar o século é dever especial dos religiosos. Logo, todos eles estão obrigados a praticar todo bem de que são capazes; e portanto parece que todos estão obrigados à prática de todos os conselhos.
3. Demais. – Se o estado de perfeição não exige a prática de todos os conselhos, parece que basta a de alguns. Ora, isto é– falso, porque muitos, vivendo a vida do século, praticam certos conselhos, como o demonstram os que guardam continência. Logo, todo religioso está obrigado, segundo parece, a todas as obras de perfeição, nas quais se incluem os conselhos.
Mas, em contrário. – Ninguém está obrigado às obras superrogatórias senão por uma obrigação livremente assumida. Ora, todo religioso se obriga a certas e determinadas obras: uns a umas, outros a outras. Logo, não estão todos obrigados a todas.
SOLUÇÃO. – De três modos pode uma prática constituir a perfeição. – Primeiro essencialmente. E então, como dissemos, pertence à perfeição a perfeita observância dos preceitos da caridade. – De outro modo, pode constituir a perfeição, por consequência, como o que resulta da perfeição da caridade; por exemplo, a bendizermos a quem maldiz de nós e outras práticas semelhantes. Práticas estas que, embora sejam de preceito, para a preparação da nossa alma, isto é, para estarmos prontos a fazê–las quando o exigir a necessidade, contudo, por superabundância de caridade somos levados, às vezes, a praticá–las, embora não sejam obrigatórias. Em terceiro sentido uma prática constitui perfeição instrumental e positivamente, como a da pobreza, da continência, da abstinência e outras.
Pois, como dissemos, a perfeição mesma da caridade é o fim do estado religioso. Ora, o estado de religião é uma disciplina ou um exercício conducente à perfeição. A qual certos se esforçam por chegar por meio de exercícios diversos; assim como um médico pode empregar remédios diversos para curar. Ora, é manifesto que quem obra para um fim, não há de necessariamente já ter alcançado esse fim, mas, há de tender para ele de algum modo. Por onde, quem assume o estado de religião não está obrigado a já possuir a caridade perfeita, mas o está a tender esforçadamente a possui–la.
E pela mesma razão não está o religioso obrigado a praticar o que é uma consequência da perfeição da caridade; mas o está a esforçar–se pelo praticar. Contra o que age aquele que despreza fazê–lo. Por onde, não peca preterindo essas obras, mas, desprezando–as. Semelhantemente, não está obrigado a todos os exercícios conducentes à perfeição; mas aqueles, determinada e taxativamente exigidos pela regra que professou.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem entra para o estado religioso não se dá por isso como perfeito, mas se confessa como apostado a adquirir a perfeição. Assim como quem entra numa escola não se considera por isso como ciente, mas manifesta apenas o seu esforço para adquirir a ciência. Por onde, como diz Agostinho, Pitágoras não queria passar por sábio, mas, por amante da sabedoria. Por isso, não é transgressor da sua profissão o religioso que não é perfeito; mas só se deixar de se esforçar por adquirir a perfeição.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como todos estão obrigados a amar a Deus de todo o coração, havendo contudo uma totalidade de perfeição que não pode sem pecado ser preterida, e outra que sem pecado pode sê–la, contanto que o seja sem desprezo, como dissemos, assim também de certo modo obrigados a fazer tudo o que possam de bom, pois, a todos diz a Escritura Obra com presteza tudo quanto pode fazer a tua mão. Há porém, um modo de cumprir este preceito pelo qual evitamos o pecado, e é fazermos o que podemos, conforme o exige a condição do nosso estado; contanto que não tenhamos desprezo pela prática de atos melhores, desprezo que infirma a alma para o progresso espiritual.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Há certos conselhos que, se fossem preteridos fariam enredar–se totalmente a vida humana em negócios seculares. Por exemplo, o ter um bens próprios, usar do matrimônio ou de coisas semelhantes, contrárias às exigências essenciais do voto religioso. Por onde, os religiosos estão obrigados a observar as referidas exigências impostas por esses conselhos. Mas, há certos conselhos relativos à melhor prática de certos atos particulares, que podem ser preteridos sem a vida do religioso se implicar em negócios seculares. Por onde, não hão de necessariamente os religiosos estar obrigados à prática de todos eles.