O quarto discute–se assim. – Parece que a perfeição religiosa não exige a continência perpétua.
1. – Pois, toda a perfeição da vida cristã começou com os Apóstolos. Ora, parece que os Apóstolos não conservavam a continência, pois, lemos no Evangelho que Pedro tinha uma sogra. Logo, parece que a perfeição religiosa não exige a continência perpétua.
2. Demais. – Abraão nos é apresentado como o exemplar da perfeição, a quem o Senhor disse: Anda em minha presença e sê perfeito. Ora, o exemplado não há de exceder o exemplar. Logo, a continência perpétua não é necessária para o estado de religião.
3. Demais. – As exigências da perfeição religiosa são as mesmas em todas as religiões. Ora, certos religiosos são casados. Logo, a perfeição religiosa não exige a continência perpétua.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Purifiquemo–nos de toda a imundície da carne e do espírito, aperfeiçoando a nossa santificação o temor de Deus. Ora, a pureza da carne e do espírito se consegue pela continência, e por isso diz ainda o Apóstolo: A mulher solteira e a virgem cuida nas causas que são do Senhor, para ser santa no corpo e no espírito. Logo, a perfeição religiosa exige a continência.
SOLUÇÃO. – O estado religioso requer a separação de tudo o que impede o cumprimento perfeito do serviço de Deus. Ora, a conjunção carnal impede a alma de dar–se totalmente ao serviço de Deus, de dois modos. – Primeiro, pela veemência do prazer, cujo exercício frequente aumenta a concupiscência, como também o ensina o Filósofo. Donde vem que as práticas venéreas afastam a alma da resolução de tender perfeitamente para Deus. E isso o diz Agostinho: Não conheço nada mais capaz de destruir a viril fortaleza da alma, do que as blandícias femininas e aquele contato corpóreo sem o qual não se pode ter uma esposa. – Segundo, por causa dos cuidados impostos ao homem pelo governo da mulher, dos filhos e dos bens temporais que lhes garantam o sustento. Donde o dizer o Apóstolo: O que está sem mulher está cuidadoso das causas que são do Senhor, de como há de agradar a Deus; mas o que está com mulher está cuidadoso das causas que são do mundo, de como há de dar gosto a sua mulher. – Por onde, a continência perpétua, assim como a pobreza voluntária, é exigida para a perfeição religiosa. Por isso, assim como foi condenado Vigilâncio, que igualou a riqueza à pobreza, assim também o foi Joviniano, que equiparou o matrimónio à virgindade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não só a perfeição da pobreza mas também a da virgindade foi ensinada por Cristo, quando disse: Há uns castrados que a si mesmo se castraram por amor do reino dos céus; e acrescenta: O que é capaz de compreender isto compreenda–o. E para não tirar a ninguém a esperança de chegar à perfeição, tomou, para o estado dela, mesmo os que viviam a vida do matrimónio. Pois, não podiam os mandos, sem injustiça, abandonar as suas mulheres, como sem detrimento podiam abandonar todas as suas riquezas. Por isso Pedro, a quem encontrou unido pelo matrimónio, não o separou da sua mulher. Mas a João, que queria casar–se, dissuadiu que o fizesse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, a castidade do celibatário é superior à dos casados; e dessas duas espécies de castidade, Abraão praticava uma realmente, e ambas, habitualmente. Pois, viveu casto no estado conjugal; mas também poderia ter sido casto fora do matrimônio, mas então não era conveniente que o fosse. Mas nem pelos antigos Patriarcas terem a perfeição de alma simultaneamente com as riquezas e o uso do matrimónio – o que reconstituía uma grande virtude – nem por isso os de menores forças devem, presumir–se de tanta virtude a ponto de poderem chegar à perfeição possuindo riquezas e usando do matrimónio; assim como ninguém presumiria poder atacar os inimigos, pelo fato de ter Sansão trucidado muitos dos seus com a queixada de um burro. Pois, os referidos Patriarcas, se tivessem vivido no tempo em que já se deviam observar a continência e a pobreza, mais aplicadamente cumpririam esses deveres.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os referidos géneros de vida em que os homens usam do matrimónio não constituem religiões, simples e absolutamente falando, mas só de certo modo; isto é, enquanto participam de certas cousas pertinentes ao estado de religião.