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Assis, uma esperança?

Padre Yves Le Roux, FSSPX
 
Caros amigos e benfeitores,
 
“Eu não conheço este Homem!” A sorte está lançada; a negação, consumada.
 
Com vigorosas imprecações e juramentos, repudiou São Pedro ao Mestre. A voz da criada e as observações sarcásticas dos que o cercavam foram suficientes para vencer o amor demasiado humano de Pedro por Jesus. Por três vezes renovou o repudio e, quando enfim seus olhos fitaram os de Cristo, congelou-lhe o sangue nas veias. Ao longe, cantava o galo. Então recordou-se Pedro das palavras do Mestre e fugiu, chorando amargamente, entre arrependido e convertido.
 
“Eu não conheço este Homem!” Vai a sorte de novo ser lançada, vai-se consumar outra negação? Certamente. Pela terceira vez, o Papa convida à renovação da negação, que é o encontro de Assis.
 
 
Quem sabe, os homens escutem a tempo as vozes de protesto contra o escandaloso convite papal e atendam o chamado à conversão! Este é o teor da petição de alguns católicos italianos a Bento XVI, para que ele não vá a Assis em Outubro. Mas tais vozes serão escutadas? Serão elas capazes de superar as vozes ensurdecedoras dos defensores do ecumenismo e da liberdade religiosa? Infelizmente, duvidamos.
 
“Eu não conheço este Homem!” Estas palavras terríveis atravessaram séculos. Mais uma vez repete-as Pedro, ao promover um carnaval de religiões em que Cristo não passa de mais um na multidão.
 
De fato, tratá-l’O assim significa desconhecê-l’O! Cristo não é mais um na multidão, mas Ele é o Único. Os restantes são apenas os convivas de uma mascarada diabólica.
 
Quando usamos o termo “negação” e estabelecemos um paralelo entre a atitude de São Pedro na casa do Sumo Sacerdote e a do Papa ao convidar a Assis os representantes das “tradições religiosas”, destacamos a perda da exclusividade do poder salvífico de Cristo. “Ecce homo”: só n’Ele podemos ser salvos.
 
Quem conhece este homem – o Homem por excelência – deveria ser proibido de convidar outros homens, para que rezem cada qual segundo a sua “tradição religiosa”.
 
Como dissimular nossa indignação diante de tal prevaricação? Devemos acaso nos unir à corrente dos “cães mudos”, cuja política é sempre a de seguir o fluxo? Sentimo-nos forçosa e – por que não? – apaixonadamente ofendidos. Não há como ser diferente, pois assim o exige a honra de Cristo e da Igreja.
 
Mas aqui e ali já ouvimos, em tom de reprovação, de que este choro de indignação é falta de respeito ao Papa e sinal e orgulho. “Com que direito vocês se permitem julgar o Papa e suas intenções? Não é a demonização do Papa a prova de que vocês estão imbuídos, pelo menos, de um latente espírito cismático?”
 
Quem não enxerga nestas críticas infundadas um mesquinho e indigno desvio de assunto? Nossos adversários nos contrapõem ridículas razões subjetivas, todas fora de propósito, se considerarmos que a Fé está em jogo. A atitude reflexa daqueles que não possuem argumentos reais em defesa própria é a de confundir as nuances do problema e recusar-se a dar resposta precisa às perguntas que lhe são dirigidas.
 
O Papa está na origem deste convite que fere a honra de Cristo e as almas, inclinando estas em direção a um relativismo mortal. Um fato lamentável que lastimamos, mas que não se pode negar. Apontá-lo e indignar-se não significa um ataque ao Papa enquanto tal, nem falta de respeito para com ele. Quando condenamos a atitude de São Pedro na noite da Quinta-Feira da Paixão, não o estamos condenando em toda a extensão... nem esquecemos de que somos capazes de coisa muito pior!
 
Entretanto, não é um grave dever do inferior opor-se ao superior quando a fé e a moral estão em perigo, em razão da falta deste último? Responde-nos esta pergunta a atitude de oposição de São Paulo diante de São Pedro, em Antioquia. Nossa indignação, dada a público em termos contundentes, almeja a defesa da honra de Cristo e a proteção das almas contra o veneno mortal do relativismo que lhes mata a Fé. Porém, quem não percebe que essa indignação filial, que se manifestou literalmente até nos degraus de Roma, também é uma tentativa desesperada de defender o Papa de seus próprios demônios liberais?
 
Ousamos dizer, com o Prof. Roberto di Mattei: “Atualmente vivemos em uma época dramática, em que todos os batizados precisam de coragem sobrenatural e franqueza apostólica para defender em alto e bom som a sua fé, de acordo com o exemplo dos santos e sem se expor aos condicionamentos do ‘politicamente correto’, como amiúde acontece nos círculos eclesiásticos. Somente a fé, e mais nada, nos leva a rejeitar Assis I e II e a revelar ao Santo Padre, com todo o respeito, nossas preocupações diante do anúncio do advento de Assis III.”
 
Indignar-se não é suficiente, antes precisamos e queremos oferecer reparação. A mera indignação, sem a vontade real e efetiva de fazer reparação com orações e sacrifícios, reduzir-se-ía a lamento farisaico. O dever de reparação é urgente e necessário, e é um sinal de santidade neste século apóstata. Demais, é ele o eco fidedigno dos convites, nimiamente repetidos, que nos faz Nossa Mãe Celestial para que nos convertamos a Deus pela fidelidade ao Rosário e pelos sacrifícios decorrentes dos deveres de estado. A indignação e a reparação, na qual oferecemos alegremente as orações e as aflições cotidianas, são na alma fiel duas atitudes inseparáveis.
 
Mas nestes dias sombrios a indignação e a reparação não são as únicas atitudes: além do dever de fidelidade a Deus, temos de Lhe render a homenagem de nossa fé e viver da esperança.
 
Embora as altas autoridades da Igreja neguem-n’A e nos provoquem dor, nossa fé indefectível n’Ela não se pode abalar. Mais ainda, o drama que estamos vivendo, cuja origem está nas sucessivas negações, só nos fortalece a alma na adoração do mistério da Igreja, que é a fiel Esposa de Cristo e, por isso, está chamada a segui-l’O na Paixão e identificar-se a Ele.
 
“Minha opinião é de que Cristo e a Igreja são um só”, disse Santa Joana d’Arc com santa exatidão. A Igreja é chamada a viver, uma após a outra, as estações da Paixão de Cristo. Por sua vez, deve a Igreja perder a forma e a beleza, a fim de que a cubram com as infâmias com que sujaram o Cristo. Seguindo o exemplo do Mestre, força é que a Igreja aceite as humilhações de seus muito amados apóstolos.
 
Nesta identificação divina e misteriosa, cumpre a Igreja a vocação de Esposa. Graças às humilhações que a cobrem, é ela de fato o ícone de Cristo.  

“Eu não conheço este Homem!” Teremos a ousadia de esperar que esta terceira negação há de ser a última? Finalmente, o Papa fitará o olhar doloroso do Salvador? Testemunharemos um “quo vadis Domine” espiritual na alma do Papa?

Neste drama presente e, de forma mais geral, nesta crise da Igreja, ainda cultivamos uma esperança confiante. Cristo vencerá e São Pedro confirmará seus irmãos na Fé, graças às orações de Cristo. Estamos unidos de toda alma às Suas orações infalíveis; portanto, a hora de sua realização não irá tardar!
 
In Christo sacerdote et Maria.

 

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